Terra Papagalli



."... Quando se alevantam alguns, o melhor modo de quietá-los é dar-lhes emprego ou título, porque os da terra muito prezam serem chamados de senhores e não há um que não troque honradez por honraria”.



O texto datado de 1535, parece que ainda se encaixa bem para muitos não, é? É o nono mandamento de Cosme Fernandes, apelidado de Bacharel da Cananéia, personagem do livro Terra Papagalli, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta (Editora Objetiva).



É o segundo livro de Torero que leio e termino com aquela satisfação, aquela vontade de contar para os outros o quanto me diverti. O primeiro, O Chalaça, já estou relendo.



Mas voltando ao “Narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçada e gulosa história do primeiro rei do Brasil, ou Terra Papagalli”, como apresenta a capa: Cosme Fernandes é um dos “degredados”, que chegaram ao Brasil no período do descobrimento e aprontaram de tudo. A gente ri muito e também se choca com relatos de como o cara se virou aqui entre os índios, como os conquistou e também matou muitos. Acabou iniciando o comércio de escravos, vendendo índios prisioneiros das guerras entre tribos, e aprendeu que nesta terra “é preciso dar presentes sem parcimônia, fazer alarde de qualquer dificuldade, que não quem não troque honradez por honraria”.

O livro é todo bom, um “irresistível passeio pelo nosso passado” que nos faz compreender melhor esse nosso presente, mas tudo com muita graça e ironia. No decorrer da narrativa, o “herói” vai proclamando os seus dez mandamentos sobre como bem viver por aqui. O Terceiro é um primor: “As gentes da Terra dos papagaios são muito crentes e de fácil convencimento. Por isso, têm em alta conta feiticeiros, os falsos profetas e vai a coisa a tanto que não há patranheiro que lá não enriqueça e prospere. E assim é senhor, que por serem tão crédulos aqueles gentios, pode-se-lhes mentir sem parcimônia nem medo de castigo”.
Mudamos muito?
Como disse antes, estou relendo O Chalaça e depois quero contar melhor as suas aventuras.




O autor: José Roberto Torero

Comentários

  1. Mudamos pouco, infelizmente, Joaninha. Esse terceiro mandamento aí que vc cita é de lascar a auto-estima do brasileiro. O que há de patranheiro por aí hoje se dando bem...
    Me lembrei do meu amigo Heitor Reis, de Belo Horizonte, guerreiro cibernético, que gosta de frisar nos seus inúmeros artigos difundidos pela Internet que 70% dos brasileiros são analfabetos e semi-analfabetos. Um belo caldo de cultura para fazer vicejar a prosperidade dos patranheiros.
    Me lembrei também do bravo Wellington Ribeiro, nosso popular Major, falando da ação de nossas autoridades educacionais, particularmente na época da ditadura, que proibiram o ensino da Filosofia e da Sociologia no ensino médio. O objetivo, claro, manter nossos jovens na ignorância, imbecilizados nessa sociedade dominada pelo consumismo, pelo egoísmo, pela vantagem material a qualquer custo - outra vez caldo de cultura para os mesmos patranheiros.
    Major fala disso em entrevista dada ao nosso colega Rubem Nilton, publicada no Jornal da Mídia, um sítio (ou site/portal/blog, não sei bem como chamar essas coisas da Internet) rico e variado que, já há alguns anos, é manejado pelos colegas Supinho, Sampaio e etc.
    O gancho da entrevista com Major, que vinha batalhando nessa causa há 40 anos, é que a partir deste ano (ou do ano passado) Filosofia e Sociologia voltam a ser ensinadas aos secundaristas. Antes tarde do que nunca.

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  2. Diria Irepinga que esse terceiro mandamento é "faca no rim". A ignorância geral é campo fértil para enganadores, falsos pastores, aventureiros e a perpetuação da cultura do mundo dos espertos. .

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