VERGONHA!

De São Paulo

Vergonha! Não pode haver outra palavra para a conduta de alguns setores do clero católico que divulga panfletos com boatos, difamações e detratações da pessoa de Dilma Roussef às portas das igrejas e em festas religiosas. Esqueceram as pregações de D. Helder Câmara, D. Tomás Balduino, D. Pedro Casaldáliga e outros que, ao adotar a opção pelos pobres, corajosamente enfrentaram as armas e o "cala-boca" imposto pela ditadura militar. Vergonha para esse clero conservador que tenta reeditar, da pior forma possível, o coronelismo atrasado que foi varrido das regiões outrora empobrecidas do Nordeste brasileiro e, paradoxalmente, é reeditado em São Paulo sob o manto da modernidade.

Vergonha! Não há outra palavra para o José Serra que se vale da religiosidade popular, implementando o ódio com a divulgação de uma imagem altamente destrutiva da pessoa de Dilma Rousseff, manchando o que há de mais caro na cultura brasileira que é a multiplicidade, a pluralidade e a tolerância religiosas. É a reedição do ódio que, no passado, foi dirigido ao presidente João Goulart, vilipendiado como "comunista" em cuja representação alardeava-se a figura do anticristo.

Vergonha! Não há outra palavra para o PSDB que se vale de mentiras e calúnias para arrebanhar votos para o seu líder. Esta difamação programada e autorizada torna-se pior que a própria fraude eleitoral, pois visa legitimar uma eleição não na base de uma luta política aberta e do confronto de idéias, mas pela campanha rasteira e subterrânea sustentada pelos escândalos midiáticos, visando a destruição não só de imagens como das próprias pessoas de seus adversários.

Vergonha! Não há outra palavra para Marina Silva, pela sua hipocrisia e oportunismo eleitoral. Acusou reiteradamente Dilma Rousseff de ser a favor do aborto, quando o seu próprio partido defende a: "legalização da interrupção voluntária da gravidez com um esforço permanente para redução cada vez maior da sua prática através de uma campanha educativa de mulheres e homens para evitar a gravidez indesejada". (Programa do PV: 7. Reprodução Humana e Cidadania Feminina, item g.) Parece que Marina não leu o próprio programa do partido pelo qual saiu candidata à presidência da República.

Quando boatos, calúnias e difamações são divulgados malignamente sob a forma de verdades e sob o clima do escândalo midiático, torna-se difícil reverter a situação pela racionalidade, com esclarecimentos sobre a realidade dos fatos. Principalmente, quando as calúnias e difamações são propositadamente construídas para atingir pessoalmente o indivíduo visado. A mídia vergonhosamente se cala, eximindo-se da responsabilidade da destruição da imagem da pessoa visada. Aliás, fato que o jornalista Luiz Nassif vem alertando. Quando não consegue calar um jornalista de opiniões contrárias, a mídia trata de destratar a pessoa do profissional, conduta que Nassif qualifica de "assassinato de reputação".

O caso mais notório de assassinato de reputação ocorreu não com pessoas públicas ou profissionais da comunicação, sempre sujeitos a holofotes, mas com pessoas comuns, trabalhadoras e bem intencionadas como o casal Icushiro e Maria Aparecida Shimada, proprietários da Escola Base, e seus funcionários, acusados de abuso sexual de crianças que freqüentavam sua instituição. Foi um escândalo nacional. Posteriormente provou-se que nada do que foi escandalosamente divulgado era verdade.

A mídia transformou a falsa acusação em espetáculo e as notícias foram reproduzidas em ondas, sem a preocupação com a apuração dos fatos. Estigmatizados como "monstros", os donos da escola e seus funcionários foram moralmente linchados, sofreram todo tipo de pressões, receberam ameaças anônimas. A escola foi apedrejada e fechada. A mídia não se retratou pelo seu comportamento irresponsável. O casal recorreu à Justiça em busca de reparações, mas não há dinheiro que repare a auto-imagem solapada das pessoas atingidas pelo escândalo.

Para que o boato ocorra é necessário que haja comunidades de "crentes", não me referindo aqui ao sentido pejorativo geralmente atribuído aos evangélicos, mas aqueles que têm a propensão a acreditar, incluindo as pessoas imbuídas pelo descrédito em relação à pessoa-alvo, seja por antipatia ou qualquer outra percepção negativa. Mas o boato, a calúnia e a difamação só surtem efeitos quando sustentados por um discurso coletivo, no caso, representado pela espetacularização do escândalo, recurso amplamente utilizado pela mídia.

O clima de beligerância - em que qualquer acontecimento, mesmo o mais banal, pode se tornar em estopim para a explosão do ódio - também favorece a propagação do boato, da calúnia e da difamação. Tal situação foi amplamente aproveitada pelos programas radiofônicos criados para a propaganda da guerra, durante a Segunda Guerra Mundial. Grandes corporações norte-americanas produziram e transmitiram programas radiofônicos dramatizados com base nas informações jornalísticas para criar, nas populações civis, mentalidades favoráveis aos Aliados. Na verdade, acabaram por ser responsáveis pela construção do ódio.

Conhecendo o grande potencial das emissões radiofônicas para a construção de rumores e boatos, os especialistas na propaganda de guerra preocupavam-se também em produzir mensagens contraboatos, dentro de programas conhecidos como "Profilaxia do Boato".

Contudo tantos eram os boatos como os antiboatos que cruzavam os céus e os oceanos que ninguém, a não ser os emissores, poderia identificar a verdade dos fatos. A tal ponto que uma "comunidade de crentes" composta pelos imigrantes japoneses no Brasil, isolados no seu desamparo em terra estrangeira, acreditaram que o Japão havia vencido a guerra. Os esclarecimentos sobre da rendição do Japão eram considerados boatos visando obscurecer a glória da pátria amada.

Os boatos sempre vão existir na medida em que as "comunidades de crentes", religiosas ou não, também sempre vão existir. Há quem acredite em OVNIs. Contudo transformam-se em calúnia, difamação e injúria ao serem instrumentalizados para determinados fins.

O boato como instrumento do ódio é construído e disseminado para destruir o outro. Nesse sentido, não é somente o boato que deve ser esclarecido, mas por que eles aparecem, sob quais circunstâncias e com que finalidade.


Taeco Toma Carignato é psicóloga, psicanalista e jornalista. Doutora em psicologia social (PUC-SP) e pós-doutora em psicologia clínica (USP), é pesquisadora do Laboratório Psicanálise e Sociedade (USP) e do Núcleo de Pesquisa: Violência e Sujeito (PUC-SP).

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