Os abridores de bar - José Carlos Oliveira (*)

Apresento-lhes Vaguinho, o abridor de bar. Está numa fase péssima, conforme ele próprio reconhece: não consegue parar. De madrugada desaba na cama, sem força sequer para tirar os sapatos. Às 10 horas da manhã abre um olho atônito para a realidade - a luz do dia - que não lhe agrada de forma alguma. No banheiro, escova os dentes com mãos trêmulas. Examina-se no espelho, está vivo; sobreviveu. A barba por fazer. E vai ficar assim mesmo: não se sente em condições neurológicas de manejar o aparelho de barbear. Tem um calombo na testa, que dói latejando, e um arranhão no nariz. Deve ter dado uma cabeçada durinho no chão do bar. Não se lembra de nada, nem mesmo como conseguiu enfiar a chave yale na fechadura. Está sujo, desgostoso, atormentado por um remorso do tamanho de todos os pecados cometidos ao longo da vida.

Desce e vai indo. No primeiro botequim, que não frequenta, pois é homem de bares de primeira categoria (boa comida, boas mulheres, bebida importada), pede um maço de cigarros e um cafezinho. Ergue a xícara: ela começa a balançar, o café se derrama no pires, todo o seu corpo treme agora. Desiste. Afasta-se do botequim sem beber o café. Segue seu caminho angustiado, tendo a sensação de que todos o observam e julgam: "um rapaz tão novo!" Vinte metros adiante, o primeiro bar. A porta fechada. Mas lá dentro há barulhos, os garçons estão arrumando o ambiente. Ele bate, frenético:

- Abre essa porta, Franklin! Vamos abrir essa porcaria, Franklin!

Franklin, sem camisa, com uma vassoura na mão, obedece.

Vaguinho vai entrando, finalmente são e salvo.

- Me dá logo uma abrideira, Franklin! Um caubói, rápido! Senão, como é que vai ser?

Franklin encosta a vassoura, passa para dentro do balcão e enche um copinho com uísque puro. Vaguinho vira o copinho num gole só.

- Manda outro, que hoje eu não estou nos meus grandes dias. E vá logo fazendo um normal, com gelo.

Vira o segundo copinho: é o uísque do caubói, aquele que o mocinho bebe no balcão, vigiando pelo espelho os bandoleiros que estão às suas costas, antes de começar o tiroteiro no saloon.

Vaguinho agora está sentado no lugar de sempre. Todo bêbado que se preza tem um cantinho de fé nos bares que constituem o seu périplo cotidiano. Já não treme tanto. O shimmie está passando. Shimmie é como se chama a descoordenação motora provocada pelo excessivo consumo de álcool. Nisto batem na porta:

- Abre essa joça, Franklin!

Vaguinho sorri. Já não está só. Eis chegando um novo abridor de bar. E esse já vem a mil:

- Adentra o gramado o popular Robertão!

Sentados um em frente ao outro.

- Como é que você está, garoto?

- Mais ou menos - responde Vaguinho. - Mais para menos do que para mais. Estou me recuperando de um shimmie desgraçado...

- Isso é bom, isso é bom...

Robertão não precisa pedir nada. Franklin já está preparando o seu gim-tônica.

- Você sabe que eu não sei onde foi que estive ontem? Me deu um branco, rapaz...

- Bem, eu te vi aqui mesmo, ali pelas oito horas. Você já estava num fogo dos diabos; já estava como o diabo agora. Com três garotas, todas três muito bem-apanhadas. Depois vocês quatro saíram, e a partir daí, eu também ignoro onde é que você possa ter ido.

- Rapaz, é isso aí... Amnésia alcoólica...

- E quem eram as garotas?

- Sei lá... Rapaz, aquelas minas bebem mais do que nós dois juntos... Devem estar escornadas por aí...

- Mulher quando dá para beber é sempre mais corajosa do que homem. Elas é que vão até o fundo do poço. Aliás...

No que disse aliás, entrou no bar o Vitório Morgado, o Morgadinho:

- Hoje ninguém me segurá!

- Já somos três - observou Vaguinho. - Podemos iniciar os trabalhos.

- É isso mesmo - disse Robertão. - Já temos quorum. Eh Franklin! Põe música nessa vitrola que a festa vai começar!

José Carlos Oliveira

(*) Testando Internete funcionando meia boca.

Comentários

  1. Esses caras me parecem tão familiares ...

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  2. A propósito, quem é esse José Carlos oliveira?

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  3. Não o conheço, Yvette me mandou por e-mail. Também me parec eu um tanto familiar, portanto publiquei.

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