Dori é pilheiro


Apesar de não lidar com computadores, Dori Caymmi respondeu a postagem recente do Pp sobre ele, através de uma pessoa que cuida do seu site. Ficou feliz com a homenagem do nosso blog, lembrou do grupo Matita Perê e agradeceu também a Luciano Aguiar pela matéria, publicada no jornal A Tarde em abril de 2010, sobre seu CD Mundo de Dentro, que reproduzo a seguir. Confiram na entrevista de Luciano se Dori não é mesmo um pilheiro.


“As pessoas estão cantando com bunda, coxas e seios”

Dorival Tostes Caymmi, Dori, é o filho mais velho de Dorival e Stella e, apesar de carioca, é o que mais herdou a essência musical baiana do pai. Quem ouve Porto ou Alegre Menina, duas de suas mais conhecidas composições, por terem feito parte da novela Gabriela, podem perceber um som de uma Bahia profunda, capaz de fazer qualquer baiano se reconhecer nela. Com essa música sábia, extremamente complexa mas popular, Dori se transformou num arranjador de respaldo internacional e um criador de estilo único e inconfundível; virou escola. Esse mestre da geração da MPB, que ganhou o primeiro Festival Nacional da Canção com Saveiros e levou o Grammy e várias indicações e medições da festa americana, há tempos se queixa da má qualidade da música brasileira e se diz afastado por não saber viver com as dores de seu País.

Nesta entrevista, ele fala sobre o novo disco, Mundo de Dentro, volta a tecer críticas ao momento musical do Brasil e do mundo e, diante desse cenário, declara-se desestimulado a compor. Há 16 anos, não lançava um álbum de inéditas. Volta a fazê-lo parcialmente, pois muitas composições do CD já haviam sido gravadas como instrumentais.

Surgem agora com letra de Paulo César Pinheiro, o fiel parceiro. Mundo de Dentro é essencial, trabalhado, principalmente, na percussão sutil de Paulinho da Costa, no baixo de Abraham Laboriel, e no violão orquestral de Dori.
Por que tanto tempo sem um disco de inéditas?
A gente funciona um pouco de acordo com o que está ouvindo, com o que está do lado. E como tem muita coisa comercial, a gente esquece um pouco da composição. Aí precisa de uma motivação, como o cara contratar você para fazer a trilha de um filme. A música que eu cantei com o Renato Brás (Quebra-Mar) é do filme de Fábio Barreto. Depois de uma certa idade e cansado de ouvir porcaria, é muito difícil conseguir sua brasilidade toda. Em segundo lugar, teve os contratos. Essa companhia japonesa, para a qual fiz três discos. O do cinema (Cinema: a RomanticVision, de 1998) foi o primeiro. A minha intenção era ter feito, primeiro, o Influências (2001), depois o Contemporâneos (2002), para mostrar um pouco o que me influenciou e, depois, os meus contemporâneos, que acho que é a última grande geração em quantidade e qualidade no Brasil.

Dois discos que deram aula de rearmonização.

As pessoas chamam de releitura, e eu fico muito puto com esse troço. Eu só releio Guimarães Rosa, Jorge Amado, Adonias Filho. Então, demorou um pouco para fazer esse disco. Aí, teve Delicadeza, que é uma música que eu fiz para meu pai e minha mãe. E Paulinho fez uma letra linda.
Essa é recente. A faixa-título, parceria com Danilo Caymmi e Pinheiro também é nova, não?
É nova. Tem também Armadilhas de um Romance. E tudo precisa de um incentivo do cinema, porque eu já estou meio desencantado. Eu estou com 66, né? Estou sem motivação. Mas, agora, o meu amigo dos tempos de menino, Edu Lobo, lançou um disco, e eu fiquei feliz pra burro.O Edu estava muito ausente.Paulo César também fez letras para ex-instrumentais neste disco recente de Edu.O Paulinho é um craque. Eu só tenho uma música extra no disco, que é a Fora de Hora, com Francisco Buarque de Holanda. Foi feita para o filme de Zélia Maria Magalhães, sobre a vida de Odete Lara.Fora de Hora veio primeiro no disco com Joyce, de 2006.É isso... Bethânia escreveu uma coisa linda para mim.Você leu no material (de divulgação). Ela e Caetano são amigos do tempo do Carlos Coqueijo, que tinha um programa chamado Música e Poesia. Foi aí que eu conheci a Gracinha (Gal Costa), Bethânia e o Teatro Vila Velha. Bons tempos de Salvador. Ainda não tinha trio elétrico. Se eu pudesse, puxava a tomada e mostrava o músico baiano que está aí sem mídia, sem espaço.Você veio à Bahia para um masterclass na Ufba, no final de 1998. Viu gente assim?O meu trabalho na Bahia não foi ensinar, não. Foi pesquisar quem é que estava fazendo. Porque houve aquele caso de que meu pai falou mal do axé. Mas nem ele nem eu falamos mal do axé. Foi um jornalista do Rio que ligou, dizendo que o axé era uma porcaria, e perguntou o que eu achava. Respondi: “Eu não ouvi e não posso dizer”. Mas ele, sei lá, publicou desse jeito.
Existem declarações polêmicas envolvendo você. Apesar de fortes, difícil ouvir resposta dos citados, como Caetano.
Eu tenho uma amizade muito antiga e um respeito muito grande por ele. Há uns anos, fui ver um show dele aqui em São Paulo. Tinha uns percussionistas no palco, uma coisa da Bahia. Quando fui dar um abraço nele no camarim, ele disse assim: “Dori, esse show não era pra você vir não. O outro é que era bom pra você” (riso). A Bethânia e o Caetano sabem do meu respeito, sabem que eu sei que são pessoas extremamente talentosas. Agora, eles são polêmicos também. No livro de Caetano, ele cita que quis modificar a música do papai, e eu recusei gravar.
Caetano é, inclusive, um dos compositores citados, com Sampa, no Contemporâneos.
Claro! E Gilberto Gil também. Tenho o maior respeito. Mas tenho que dar umas porradinhas de vez em quando (riso).

Pra ninguém se soltar demais?

É, porque eu sou um pouco de consciência dos caras, né (riso)? E depois tem essa coisa do politicamente correto, que é uma grande maneira de contar mentira.Você se omite porque é politicamente correto. Não concordo com isso.

Esse CD é composto, em sua maioria, de músicas conhecidas como instrumentais. Algumas já tinham a assinatura de P. C. Pinheiro. Se tinham, deviam ter letra. Porque só agora são apresentadas como canções?

Não sei se foi prioridade na minha cabeça ter feito outras coisas. Na Rio Amazonas, por exemplo, a letra da época não estava condizendo muito com o que eu pensava. Aí, o Paulinho fez essa letra nova.
Mas, no crédito do Brasilian Serenata (1991), ela já era de vocês dois. Estava prometida?
É que existem prioridades. E na minha cabeça, as músicas e os discos foram feitos antes. O Contemporâneos e o Influências, por exemplo. São dois discos que eu gosto muito do trabalho dos amigos e dos compositores que me influenciaram. Mas aí, essas coisas polêmicas. As pessoas acham que eu critico muito, mas eu não gosto de roquinho. Eu gosto do Brasil, dos ritmos do Brasil, do frevo, do afoxé, do maracatu. No disco, tem até um frevo com o Edu, que era um instrumental e Paulinho fez uma letra.
O Chutando Lata. E o frevo é a praia de Edu Lobo, que tem origem pernambucana.
É. O Edu disse pra mim que se considera pernambucano. E é um craque, um dos expoentes da minha geração. Você pega uns caras como Chico Buarque, Caetano, Edu, Milton Nascimento e Gil; são uma turma de respeito. Quando os caras tropeçam, eu piso um pouco no pé.
A geração dos festivais e de antes deles deu imensa contribuição à arte brasileira. Mas depois quase não houve renovação. Com as gravadoras independentes, a MPB pode se renovar?
Eu acho que o esteio, a base é Ari Barroso, Noel, Pixinguinha, Caymmi. Penso que isso não morre. Não acredito que a mediocridade vença a qualidade. Evidentemente que tem lá os Paulos Coelhos querendo ganhar de Baudelaire. O que eu posso fazer? As pessoas são meio “idióticas”.

Você tem escutado trabalhos de brasileiros, coisas novas?

Eu gosto de Sérgio Santos (mineiro), de Claudio Nucci, do Zé Renato...
Mas essa é uma geração que já está aí há bastante tempo.
O Paulinho tem parceiros aí na Bahia muito bons. Lembro quando fiz o arranjo para É d‘Oxum (Gerônimo e Vevé Calasans), para A Tenda dos Milagres, e pensei: “que bonito. É a cara que a Bahia devia ter”. A Bahia perdeu essa cara, ficou coroa. Digo: “quando a música da Bahia era boa, o Estado não tinha tanta força na música como agora”.
João Gilberto, Caetano, Gil e até Dorival tiveram que se deslocar para o eixo Rio-São Paulo.
É verdade. Agora, esse Carnaval da Bahia, Chiclete com Banana, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, essa música popularesca e de qualidade inferior à música anterior da Bahia é hoje muito mais importante e mais popular do que os outros todos juntos. Essa coisa me incomoda profundamente.
Seu novo disco é bastante econômico. Foi por escolha ou falta de verba?
Não. Eu fiz discos com orquestra para os japoneses. Agora, as pessoas não estão gravando mais. E a grana foi curta mesmo. Algumas das músicas tiveram orquestra em outras gravações, como o Rio Amazonas, mas você ouve o fagote sozinho na música que abre o disco. Com os movimentos do violão, parece que a orquestra está tocando ali.
Fagote que você já tinha usado perfeitamente em Curumim, no Brasilian Serenata.
É. Fica bom. Eu sempre digo: “quando você quer mergulhar no mar, descer dez, 15 metros, usa o clarone. Quando quer subir e chegar à superfície, usa o fagote. São aquelas coisas de orquestrador. E eu estou no Brasil, aqui é muito bom. O público é tão adorável o tempo inteiro. E eu não tenho trabalhado nos EUA da maneira que eu trabalhava. Está acabando isso. As pessoas estão cantando com a bunda, com as coxas, com os seios. Está cheio dessas Britneys, Shakiras. É tudo show com 400 mulheres dançando com a bunda de fora.

E quanto ao acervo de seu pai. Você concorda que ele deve ser trazido para a Bahia?

Essa é uma coisa muito política. O governo quer ficar dono. E é o tal negócio, hoje é PT, amanhã é PTT, e aí os caras abandonam. Deu problema com a Fundação do Jorge aí. Uma porção de coisas não deu certo. A família reuniu e não chegou a uma conclusão. Deixe eu contar uma coisa: um grupo de turistas brasileiros chegou ao Pelourinho. Jorge Amado estava saindo da fundação, e o povo: “olha o Dorival Caymmi, me dá um autógrafo”. Então o Jorge disse: “Eu vou dar, mas acho que o Caymmi não vai gostar não”. Aí, o babaca olhou para cima e viu o nome Fundação Jorge Amado. Então é isso. Se você não aparece o tempo inteiro, não está na tevê num reality show, as pessoas não sabem quem você é. Quando se chega ao ponto de criar uma personagem com o Big Brother, que é uma merda internacional, que ensina a disputar, a brigar por grana, muitas vezes de forma desleal, isso é a instituição do mal caráter. Eu não posso mais queixar de cultura, porque não existe mais cultura em lugar nenhum. Os povos estão enlouquecidos. Isso tudo é contra o meu modo de ver o Brasil. Nós temos um maravilhoso potencial que não é usado.

Comentários

  1. Legal Boreguinha,não tinha lido esta entrevista.Dori deu um excelente recado.Tomara que essa moçada tenha ouvido.
    Parabens Luciano!

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