BEM-VINDO, PAPA FRANCISCO!

Sempre fico com um pé atrás com tudo que vem das Igrejas, por considerá-las alienantes, conservadoras e cruéis com seus fiéis e até  com os não seguidores que sofrem  as consequências de sua forte influência nas legislações e políticas públicas.  No caso da Igreja Católica, o poder de influência e dominação continua imbatível na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, apesar de constitucionalmente declarado laico.

Por isso, fiquei com um pé atrás também com o Papa Francisco, apesar de ter gostado do nome que ele escolheu, em homenagem ao santo que para mim é mais simpático do catolicismo. Mas não deixei de me simpatizar com ele nesta visita ao Brasil, mesmo desconfiada do marketing da Igreja Católica, preocupada com o avanço das evangélicas sobre o seu rebanho. Se for só isso, age com muita competência, porque esse Papa novo nos surpreendeu com um discurso  revonador para o histórico recente do Papado. Achei legal seus gestos cativantes, tão próprios dos simples mortais,antes inimagináveis vindo de um pontífice, como fazer com as mãos o formato do coração na janela do avião para se expressar enquanto partia e o de colocar o cocar de índio por cima do sagrado solidéu quando foi presenteado pelo o índio pataxó Ubiraí.

Compartilho aqui o texto do Frei Betto em sua homenagem, publicado no jornal O Globo..


"Bem-vindo aos nossos corações, nos quais gravou seu cativante sorriso e a simplicidade tão rara naqueles que, como você, galgam os degraus do poder.

Bem-vinda a sua ousadia evangélica de entrar no Brasil como Jesus em Jerusalém: não montado no cavalo branco dos imperadores, equivalente hoje às limusines blindadas, e sim no "burrico" de um carro de classe média, com o vidro aberto, sem nojo do cheiro de povo nem temor da acolhida calorosa da população.

Bem-vindo este nome, Francisco, para nomear um papa. O santo de Assis rejeitou, nas origens do capitalismo, o sistema produtivo que gerava concentração de riquezas e exclusão social, e que teve em Bernardone, pai do jovem Francisco, um dos pioneiros.

Bem-vindo à opção pelos pobres, à denúncia da corrupção dentro e fora da Igreja, e da "globalização da indiferença" diante dos fluxos migratórios provocados pela miséria semeada na África pelo colonialismo europeu.
Bem-vindo ao "colocar mais água no feijão" de todos que, "comprometidos com a justiça social", não se cansam de "trabalhar por um mundo mais justo e solidário."

Bem-vindo, Francisco, ao grêmio de todos que combatem a "cultura do descartável" e, como você, acreditam que "a medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais necessitados, que não têm outra coisa senão a sua pobreza."

Bem-vindo à Igreja "advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu", como você enfatizou ao fazer eco ao Documento de Aparecida . Não mais uma Igreja que, sob o pretexto de "não se meter em política", se aninha à sombra dos ricos e poderosos, cala a voz de seus profetas, prega a cruz de Jesus mas se recusa a carregá-la por considerar difamações e perseguições uma maldição, e não uma bem-aventurança.

Bem-vindo à reforma da Igreja iniciada pela mudança que você imprime ao papado. Nada de arminho, cruz de ouro, sapatos vermelhos. "Acabou o carnaval!", você advertiu ao quererem vesti-lo como um príncipe. Nada de tratá-lo por Sua Santidade, Sumo Pontífice, Santo Padre, e sim apenas por papa, bispo de Roma, servo dos servos de Deus.

Bem-vindo, Francisco, à urgência de abrir os altares aos sacerdotes casados e às mulheres vocacionadas ao sacerdócio; e os sacramentos aos casais que contraíram segundas núpcias.

Bem-vindo às Comunidades Eclesiais de Base, que você tanto valorizou em Aparecida, em 2007, ao fim do 
celibato obrigatório, à abertura do debate sobre todos os temas atuais relacionados à teologia moral: preservativo, homossexualismo, aborto, pílula do dia seguinte, célula-tronco etc.

Bem-vindo à reforma da Cúria Romana e à sua iniciativa de nomear uma comissão de oito cardeais dos cinco continentes para assessorá-lo na profilaxia da Igreja. Queira Deus que sejam extintos o Banco do Vaticano, e também as nunciaturas apostólicas, de modo a valorizar, no espírito colegiado do Vaticano II, as conferências episcopais.

Bem-vindo, Francisco, a esse mundo globocolonizado que tanto necessita de um papa que seja expressão de Jesus e São Francisco: tolerante, amigo dos pobres, misericordioso, alegre, servidor da justiça, capaz de respeitar as diferenças religiosas e denunciar as causas das desigualdades sociais.
Deus o conserve e Francisco de Assis o encoraje!".

Fonte:O Globo

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