linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em
nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para
saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi
que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para
pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado,
andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um
perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de
quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao
voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a
Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou
de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com
abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser
pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar,
compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com
pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que
tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô,
conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como
investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir
Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas
outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte
anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia
está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar
tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova
iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na
roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir
ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou
menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando,
indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de
Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu
tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele
filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um
edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser
vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei
um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo,
daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em
peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.
Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina,
Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras
e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te
tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas
inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano
africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
Simoa, isto se chama humanidade, só hoje, aqui em Salvador, um pouco recolhido, parei pra ler toda a carta. Valeu. Humanidade, vida, fraternidade, solidariedade, amizade, amor, que beleza! umas coisas que às vezes rareiam nesses nossos tempos, mas estão aí.
ResponderExcluirPois é Jadson, acho que a carta também nos traz um certo saudosismo de uma Salvador que está se esvaindo. Esse sentimento bucólico que o Caymmi mostra tão bem na carta, da Bahia dele e de Jorge, de Carybé, a Bahia que Verger fotografou me faz sentir um pesar por nossa cidade. Mas de certo humanidade, vida, entre outros sentimentos que colocou estão nela e muito bem colocados.
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