Nos 71 anos do eterno Presidente Lula



Por Urariano Mota


Nestas mais recentes horas, nesta altura da sua vida, quando se trama a prisão do maior presidente brasileiro, quando a sua grande obra de inclusão social e desenvolvimento do Brasil procura se fazer esquecer, saúdo aqui do meu canto os fecundos dias do eterno presidente do Brasil.

À minha maneira, nesta quase homenagem, pesquiso e o recupero em 4 momentos.

Num primeiro, me vêm as fotos de Lula na imprensa, quando ele padecia de câncer. Ali, com os cabelos e barba raspados por dona Marisa, a primeira coisa que vinha na gente era um choque. A intimidade de Lula com o povo brasileiro era, é de tal sorte,  que vê-lo nesse estágio de luta contra o câncer era o mesmo que rever um amigo caído em um leito de hospital. Depois, quando a gente atentava bem para a sua face, a sorrir, brincalhão, como a nos dizer “eu ainda vou provar um caldinho de feijão com cachaça no Recife, não desesperem”, batia na gente uma simpatia pelo homem provado pela dificuldade desde a infância.

Mais adiante, a foto despertava a reflexão de que a partir dela muitos brasileiros poderiam retirar do câncer o aspecto macabro, definitivo e definidor, como até hoje todos o vemos.  Lula, na foto, estava a nos sorrir e nos puxar para cima, “enfrentem, nada está definido, vamos adiante”. Se tudo fosse em vão, só a sua imagem deveria receber prêmio dos institutos de oncologia, porque deixava em todos a luz da esperança.

No segundo momento, quando pela primeira e última vez um presidente da república foi ao bairro onde nasci, que os “bem nascidos” do Recife chamam de periférico, o bairro de Água Fria. Lembro que súbito houve um estouro, não de fogos, nem de boiada. Houve um rumor que cresceu, que se tornou incontrolável, que mais parecia um orgasmo coletivo. Sofrido, querido e esperado. “É Lula! É Lula!”. Todos gritavam. Os berros se faziam ouvir mais alto, ensurdecedores. Mulheres, meninos, homens chamavam a atenção do Presidente, queriam chamá-lo, e ele não sabia para que lado se dirigir. Na hora uma ideia tenebrosa me ocorreu: se caísse um raio ali, todos morreriam felizes. Mas essa ideia não atingiu palavras. Lula veio para o nosso lado. Era ele que avançava para o círculo estreito onde todos lhe queriam tocar a mão. Aos gritos. Aos prantos. Aos empurrões.

A última vez em que vi algo semelhante em Água Fria havia sido em 1965, no último dia de carnaval. Tocou Vassourinhas e não havia força que contivesse o gozo da multidão em fúria.  Lembro. E mais lembro das  coisas mais duras da sua vida. Por exemplo, quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado. Ou a intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto,  como tantos pobres do Brasil veem, e jamais têm a sua dor expressa. Não sei por quê, mas no sudeste e sul do país se perdem a dimensão de que Lula, o personagem, o político, é maior que o PT, é maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem, dos muitos severinos, joões, marias e lindus.

Em um terceiro momento, quando Lula recebeu o prêmio de Doutor Honoris Causa na França. Lembram? Eu lembro: um dos jornalistas brasileiros, perdão, nascido no Brasil, quero dizer, perguntou ao diretor do Instituto e Estudos Políticos de Paris que concedera o título a Lula:
“Era o caso de premiar quem se orgulhava de nunca ter lido um livro?”. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado. Talvez Descoings soubesse que essa declaração de Lula não constava em atas, embora seja certo que Lula não tenha um título universitário. Também é certo que quando assumiu a presidência, em primeiro de janeiro de 2003, levantou o diploma que é dado aos presidentes do Brasil e disse: “Uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria de presidente da República”. E chorou.

“Por que premiam um presidente que tolerou a corrupção?”, foi a pergunta seguinte. Outro colega brasileiro, perdão, nascido no Brasil eu quis dizer, perguntou se era bom premiar alguém que uma vez chamou de “irmão” a Muamar Khadafi. Outro, ainda, perguntou com ironia se o Honoris Causa de Lula era parte da política de ação afirmativa do Sciences Po.

Descoings os observou com atenção antes de responder: “As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

No quarto momento, quando se despediu da presidência, à noite no Recife. Ao fim do seu discurso as pessoas se retiravam, alheias aos espetáculos gratuitos de música que viriam a seguir, porque o ápice do drama naquela noite já havia sido atingido: o presidente lhes falara que do seu destino um homem não desiste. Que nada pode ou não deve estar definido antes da luta em razão de renda, lugar, sexo ou raça. 
Hoje, nos seus 71 anos, me ocorre deixar um conselho à direita e representantes que o odeiam:  não queiram tanto mal a Lula, porque se as suas pragas pegarem, o mal lhes volta três vezes. Quanto mais desgraças, problemas ou pequenas tragédias ocorram a esse homem, mais ele crescerá como pessoa e político. Respeitá-lo, gostar da sua história seria mais sensato. Não sejam loucos de querer a sua prisão, a sua desonra, a sua morte morrida ou matada entre dores, tragédia ou tiros. Pois se tal acontecer, vão ter que conviver o resto das suas vidas com um São Lula. Imaginem o que seria render-lhe graças em todos os terreiros e templos do Brasil, aturá-lo na música popular, nos frevos e escolas de samba. Os loucos e raivosos estarriam preparados? Melhor desejar a Lula o que a maioria do povo agora lhe deseja: força,  eterno Presidente. Parabéns nos seus 71 anos. Tamo junto e misturado.


Reproduzido do GGN

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