Foto de capa da página de Eduardo Affonso |
Teve época em que a expressão "sul maravilha" nas páginas de Cultura dos jornais para se referir ao que vinha e/ou se produzia no eixo Rio/São Paulo chegava enjoar o leitor. E a "festa de Momo" para não dizer de novo Carnaval no texto? Escrever evitando repetir as palavras é um exercício que acaba nos levando a rodeios e floreios hilários, para não dizer engraçados. Os tempos são outros, as perífrases mudaram e o "astro-rei" agora não é o sol, como se dizia, mas o Cristiano Ronaldo, de acordo com a atualização de Eduardo Affonso, no texto que reproduzimos da sua página no FaceBook.
RODEIOS, FLOREIOS, PERÍFRASES & ANTONOMÁSIAS
Uma das regras básicas para escrever bonito era não repetir palavras, substituindo-as por sinônimos ou expressões equivalentes.
Se o assunto fosse água, “água” mesmo só aparecia no primeiro parágrafo. A partir daí, era um tal de precioso líquido para cá, H2O para lá, até que a palavra “água” se tivesse diluído na memória e pudesse voltar à tona.
O sol virava astro-rei em questão de segundos. Mulher deixava o feminino para ser o sexo frágil, o belo sexo, ou, se o assunto rendesse, até voltava a sê-lo, mas como filha de Eva e rainha do lar.
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No país do futebol, o esporte bretão se tornou campo fértil para esses rodeios e firulas. Antes mesmo que a pátria de chuteiras (que também atende por escrete canarinho) adentrasse o gramado, este já tinha virado “tapete verde” ou “tapete esmeraldino”. E por que desperdiçar as possibilidades sonoras e cromáticas de chamar os times de alvinegro, rubro-negro, cruzmaltino – ainda mais se estiverem em campo o anjo das pernas tortas, o canhotinha de ouro, o galinho de Quintino?
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O Carnaval nem precisava ser animado ou o Natal estar chegando: não havia como escapar do “tríduo momesco” e da “festa máxima da cristandade”.
Escrever assim, usando perífrases (“perífrase” é falar andando em círculos, arrodeando) ou antonomásias (que é trocar seis por meia dúzia), era a consagração do circunlóquio – uma forma de enrolêichon que, de tão usada, também passou a atender por clichê.
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Paris não brilharia tanto se não nos lembrassem, exaustivamente, que era a Cidade Luz - rival da Cidade Eterna e, em sua época de ouro, da Cidade Maravilhosa (a terra da garoa nunca chegou nem perto). E não há registro de um único texto sobre Carmen Miranda que não a mencione como “a pequena notável”.
Os incêndios eram combatidos pelos nobres soldados do fogo, às vezes auxiliados pelo melhor amigo do homem - usando, claro, o precioso líquido. E assim íamos ganhando ponto nas redações, e os jornalistas, enchendo linguiça e emperiquitando a última flor do Lácio, também conhecida – mas só no início do texto – como língua portuguesa.
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Chegou-se a um ponto em que já não se sabia ao certo se o leão era só o rei dos animais ou se disputava com Tarzan o posto de rei das selvas, ou se a ternurinha é que era a namoradinha do Brasil, tamanha a necessidade de escrever com a eloquência do poeta dos escravos, a erudição do águia de Haia e a maestria do bruxo do Cosme Velho.
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As perífrases mudaram muito desde aqueles tempos. Sexo frágil agora é o masculino. Astro-rei é o Cristiano Ronaldo. Pequena notável é a Bélgica. O tríduo dura, na terra do Senhor do Bonfim, uma semana inteira. O melhor amigo do homem é o cartão de crédito. E antigamente até podia ser a água, mas hoje precioso líquido mesmo é a gasolina. Ou a tinta de impressora.
Lembrei também dos "meninos de Liverpool". kkkkkkkkkk
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