#MemóriasJornalismoEmiliano – E perigosos comunistas invadiram o JBa




O noveleiro, digo o jornalista e escritor, Emiliano José deu uma justificada trégua nos capítulos protagonizados pela jornalista Carmela Talento, na fantástica e imperdível série #MemóriasJornalismoEmiliano, para contar um fato histórico também envolvendo colegas de redação do Jornal da Bahia. E a trégua foi mais que compreensível, pois serve também como um alerta para os que não sabem, ou esqueceram, como a imprensa é tratada em uma ditadura. Em tempos de retrocesso, nunca é demais refrescar a memória.

E Emiliano não poderia perder essa oportunidade, ao se deparar com um documento oficial do submundo da ditadura militar (assim mesmo, em minúsculo), de triste memória. Trata-se do "Informe Confidencial", do Quartel General do Comando Costeiro na Bahia, de sua 2ª Seção, Cisa, datado de 20 de junho de 1977, com informações da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, com o tema "Situação atual de repórteres na imprensa da Bahia". Nos próximos capítulos, que seguem aqui com os comentários postados no face de Emiliano, onde a série é originalmente publicada, ele conta como 19 comunistas, ele inclusive, se instalaram de mala e cuia, foice e martelo, no JBa do também ex-comunista João Falcão, arregimentados por Césio Oliveira.

Apesar de retratar uma página infeliz da nossa história, o Informe Confidencial também revela barrigadas hilárias de incompetentes arapongas, que chegaram ao cúmulo de inventar comunistas e estratégias para atrair colegas da Tribuna da Bahia, também descritos e investigados, como os queridos Aurora Vasconcelos e Jolivaldo Freitas. Entre os mais “perigosos”, além do autor, Oldack Miranda, Tibério Canuto, Antônio Jorge Moura, Dailton Mascarenhas, Dalton Godinho, Gustavo Falcón, Miltinho e Joca. Os “comunas” também tiveram participação decisiva nas experiências de jornais alternativos da época, como “Movimento”, “Em Tempo”, “Invasão” e “Boca do Inferno”.  Uma aula de história.

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Emiliano José
20 de Dezembro 2019
Os comunistas estão chegando

Os comunistas estão tomando o "Jornal da Bahia" de assalto.
A família baiana há de ser alertada.
Há uma articulação muito forte de elementos esquerdistas no jornal.
Na redação, já se contam 19 elementos, todos com registro nos órgãos de segurança.
E eles são perigosos.
Têm objetivos.
Querem minar os órgãos oficiais, desacreditar o governo.
Farão matérias distorcidas, de acordo com suas ideologias alienígenas.
Pretendem explorar o custo de vida.
A fome entre os mais pobres.
O suposto despreparo dos organismos policiais.
Invasões e grilagem de terras.
Violência policial.
Dramas sociais.
Menores abandonados.
Inventarão o diabo pra desacreditar o governo.
Se não houver problemas, inventam.
Comunista não é desse mundo, não.
Tem artes com o cão.
Não se deve brincar com essa espécie.
Os do "Jornal da Bahia" têm certeza: irão atingir seus objetivos, sobretudo minar o governo.
Vão cavando, cavando, até explodir tudo.
Foi assim com os vietcongs, não foi?
Os principais dirigentes desse perigoso grupo são pela ordem Oldack Miranda, Emiliano José da Silva, Tibério Canuto de Queiroz Portela, Antonio Jorge de Souza Moura e Dailton Mascarenhas da Silva.
Antonio Jorge de Souza Moura carrega o agravante de ser irmão de outra perigosa comunista, e jornalista já famosa, Mariluce de Souza Moura.
Passado o susto, comunista assusta, vamos botar a bola no chão.
O ano: 1977.
Já lá se vão 42 anos.
Ditadura a todo vapor.
Geisel era o ditador.
Dissera, não obstante a abertura lenta e gradual, ser necessário continuar a matar militantes de esquerda.
E continuou.
As informações sobre o "Jornal da Bahia" são de um "Informe Confidencial", do Quartel General do Comando Costeiro na Bahia, de sua 2ª Seção, Cisa, datado de 20 de junho de 1977.
Cópia de Informação proveniente da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, de 16 de junho do mesmo ano.
O assunto era, como registrado, "Situação atual de repórteres na imprensa da Bahia".
Embora sendo título genérico, como se a análise alcançasse a imprensa baiana toda, o informe restringia-se ao "Jornal da Bahia", antro de comunistas.
A articulação era poderosa: tentava naquele momento, tirar repórteres.... #MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Contemporânea de todos eles com muito orgulho.
Joaquim Lisboa Neto: Frequentei aquele ninho de comunas com todo prazer
Mônica Bichara: Verdade Carmelinha, só orgulho desses "perigosos" comunistas

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Emiliano José
21 de dezembro 2019
CISA, órgão do terror

O documento do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), de 20 de junho de 1977, denominado "Situação atual de repórteres na imprensa da Bahia", levava o carimbo de Confidencial.
O CISA era um dos terríveis órgãos de segurança da ditadura.
Foram oficiais do CISA os assassinos de Stuart Angel em maio de 1971.
Não custa lembrar os momentos finais de Stuart Angel, 25 anos, dirigente do MR-8.
Preso na manhã de 14 de maio de 1971 pelo CISA, no Rio de Janeiro, massacrado por torturas, pele esfolada, é amarrado na traseira de um jipe da Aeronáutica e arrastado de um lado a outro com a boca colada no cano de descarga do veículo.
Queriam Lamarca.
Stuart não falou.
Asfixiado e intoxicado pelo monóxido de carbono, morre.
Tornou-se um dos desaparecidos políticos.
Denunciamos esse crime inominável em 1980, quando lançamos, eu e Oldack Miranda, o livro "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", hoje na 17ª edição.
Está tudo lá, nos detalhes.
Ditadura, assassina.
O CISA, um dos braços do terror.
Pois é.
Era o CISA a preocupar-se agora com os perigosos comunistas do "Jornal da Bahia".
O documento levava o número 12891.
No topo, lia-se "ficha OO5/CISA".
Avisava, na folha de rosto:
"Esta Seção encaminha cópia do documento constante do aneso, versando sobre SITUAÇÃO ATUAL DE REPÓRTERES NA IMPRENSA NA BAHIA".
Atenção revisão: o original grafa aneso, não anexo.
O documento informava que o Grupo dos 19 vinha tentando aliciar elementos comunistas presentes em outros jornais para reforçar a atuação no "Jornal da Bahia".
Compensa a citação:
"O referido grupo vem tentando tirar da 'Tribuna da Bahia' e outros jornais para juntarem-se a eles no JBa. o fotógrafo Milton Mendes Filho, 'Didico' (também esquerdista), Jolivaldo Freitas; Mariluce Moura (atualmente na sucursal de O Globo, está sendo conversada para voltar ao JBa.); Lena Coutinho (uma jovem paulista, também de esquerda, que está há cinco anos na Bahia, vivendo como hippie e repórter free-lancer); José Carlos Teixeira Gomes (foto publicada pela Tribuna da Bahia, no dia 8 Jun 77, na seção Tribuna Popular, em matéria relativa ao dia mundial da Liberdade de Imprensa); a repórter Aurora Lilian Vasconcelos; João Neiva; Raimundo Mazzei e Ienaia Junquilho Freire".
Quem estiver citado aqui e considerar equivocado por uma razão ou outra, deve reclamar à Aeronáutica.
O CISA não existe mais, extinto em 1988.
Óbvio: o informante do CISA chutou pra todo lado, especulou à vontade...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: O mais absurdo é ver atualmente, com tantos recursos para ampliação da história, um monte de babaca querendo reviver essas monstruosidades. Ditadura assassina
Isabel Santos: A emoção toma meu coração quando são relembradas cenas das torturas no período da ditadura no Brasil. Algo que me causa grande indignação. Abraço com muito carinho e respeito os meus colegas que, vitimas desses insanos, resistiram com dignidade, força, coragem..., e hoje, como você, Emiliano José , nos relatam com mais detalhe parte dessa triste história. Minha eterna solidariedade a todas e todos.


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Emiliano José
22 de dezembro 2019
Comunistas afastam indesejáveis

O documento do CISA tem oito páginas. Vale um estudo. Não é meu objetivo agora. Vou fazendo uma quase-reportagem.
À página 2, acusa o fotógrafo Rino Marconi de se juntar "ao esquema".
Rino, na leitura do CISA, era irmão de Mauro Marconi, "preso nas manifestações de maio passado".
O informante esqueceu de fazer o registro: Rino era irmão também de Paolo Marconi, já famoso jornalista.
O fotógrafo, sempre acompanhando a leitura do Documento Confidencial, seria encarregado
de dirigir os trabalhos fotográficos - ser o editor de fotografia, enfim.
Não estou assinando embaixo.
Só registrando.
A escolha das fotos - a edição - deveria privilegiar "aquelas mostrando aspectos negativos, e que coincidiam com as matérias que serão publicadas pelo referido grupo".
Tome-lhe teoria conspiratória.
O Grupo dos 19 não era brinquedo, não.
Rino, olhe a informação do agente infiltrado, teria feito o trabalho de queimar seus colegas de trabalho, Anízio Carvalho e Manoel França, "elementos contrários ao esquema".
"E com a saída destes dois profissionais, Rino levará para o JBa. o fotógrafo Milton Mendes Filho, já citado anteriormente".
Quem conhece Rino, sabe de sua ética, do cuidado reservado a seus companheiros.
Mas, informante é assim mesmo: tem de prestar serviços, inventar o que pode e o que não pode.
O Grupo dos 19 comunistas seguia seu trabalho, de modo disciplinado.
Trabalhava para afastar antigos jornalistas, considerados "apolíticos".
O informante cita Moacir Ribeiro, Rafael Pastore e Geraldo Lemos.
Seriam afastados porque não faziam "restrições ao regime".
Deveriam sair "para não atrapalhar a agitação, através o noticiário distorcido". (sic).
Imaginação à solta.
O sujeito devia dormir com medo de acordar com algum comunista debaixo da cama.
Como o atual presidente, não se descarte dormisse com uma arma na mesinha de cabeceira, pronto a atirar no primeiro comunista a invadir sua casa.
Faço um comentário.
E falo apenas de mim, não obstante imagine interpretar o pensamento de vários companheiros incluídos no Grupo dos 19.
Nossa relação com Rafael Pastore, creio secretário de Redação à época, era de respeito e admiração.
Não havia qualquer indisposição com ele, muito ao contrário.
Nem com ele, nem com o irmão Rêmulo Pastore, à época, penso, chefe de Reportagem.
Reminho, como conhecido, disputou eleição comigo em 1982, ele candidato a vereador, eu a deputado estadual.
Minha relação com Moacir Ribeiro era tranquila, era então editor de Polícia.
Lembro-me de uma ação comunista de que ele participou: comprou uma assinatura do jornal "Em Tempo" na minha mão.
Nisso eu era bom: campeão de vendas no Estado.
Geraldo Lemos, ah, pense o leitor numa relação carinhosa.
Sobre ele, compensa contar a história de uma greve...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Moço, esse histórico sobre os comunistas na redação do JBa é um livro à parte. Muito bom acompanhar essa aula em capítulos, melhor ainda conhecendo todos os personagens
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Emiliano José
23 de dezembro de 2019
Greve contra demissão

Geraldo Lemos era redator-chefe do "Jornal da Bahia".
O diretor de redação era Roberto Quintaes, trazido do Rio de Janeiro por João Falcão.
Corria o ano de 1978.
A história contada agora foi rememorada por Renato Pinheiro.
Ele deixara a "Tribuna da Bahia" e assumira a editoria de Política do "Jornal da Bahia".
Quintaes não foi com a cara de Pinheiro.
E era recíproco.
Nas rememoracões, Renato Pinheiro não economiza: "era um fascista".
Acreditava tivesse a missão de enfraquecer Geraldo Lemos.
Acho difícil tivesse vindo com essa específica missão.
Mais provável era João Falcão querendo dar uma sacudidela no jornal.
Foi buscar um nome nacional, com passagem por grandes jornais, entre os quais "Jornal do Brasil".
Nas reuniões diárias com os editores, parecia marcar Pinheiro - "ele tomou assinatura comigo".
Chegava a ser explícito com o editor de Política:
- Aqui, meu amigo, manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Pinheiro não suportou tanto autoritarismo.
Um dia levantou da pá virada, de saco cheio, chegou na redação já de caso pensado:
- Aqui, não fico mais.
Sentou à máquina, mandou ver.
Disse tudo.
Batia duro no diretor de redação.
Não aceitava seus métodos.
O título do texto: "Dispensando a batata quente".
Dizia: o diretor fora importado "dos quintais do jornalismo brasileiro".
Declarava: "estou pulando fora".
Prendeu o texto no mural da redação.
Comprou briga.
Foi ao departamento de Pessoal encaminhar o pedido de demissão e se mandou.
O texto caiu como uma bomba.
Quintaes desceu virado na porra à redação.
Ordenou a Geraldo Lemos:
- Arranque esse texto do mural!
Digno, Lemos negou-se:
- Não sou censor do mural da redação.
Demitido.
A redação reagiu.
Entrou em greve.
João Falcão sentiu o clima.
Demitiu Quintaes.
Mas, não readmitiu Geraldo Lemos.
Voltando: o informante do CISA não era tão bom.
Geraldo Lemos não era do Grupo dos 19.
Creio nem de esquerda.
Porém, digno, respeitado por seus colegas.
Inclusive pelo Grupo dos 19.
#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
24 de dezembro de 2019
Teorias conspiratórias em curso

A chamada Informação Confidencial do CISA, de 20 de junho de 1977, garantia: o Grupo dos 19 se reunia com impressionante frequência.
Diariamente - assegura o texto.
Assim, detalhando, iam construindo o esquema a ser posto em prática.
O trabalho andava a todo vapor.
Tinha de ser assim, segundo o documento, porque havia uma edição especial programada.
Nela, toda a equipe seria mostrada, com os currículos de cada um.
Difícil entender o raciocínio.
E daí?
Os currículos apareceriam, e...?
O informante era muito incompetente.
Fosse jornalista, era dos piores, dos mais fracos.
Falta coerência ao texto.
Mesmo com toda a teoria da conspiração subjacente, com toda a fantasia decorrente, podia ser melhor, ter um pouco mais de pesquisa até para informar com mais precisão.
Ainda bem.
Isso nos deixava mais à vontade.
Explico: para fazer jornalismo.
É, enquanto a repressão via fantasmas, nós fazíamos jornalismo.
Levávamos a sério a profissão.
Eu saíra da prisão havia apenas três anos, estava em liberdade condicional, filho de dois anos e pouco, família pra sustentar.
E estava tentando me afirmar como jornalista.
Já chegara a chefe de reportagem.
Sabia dos limites do jornalismo empresarial.
Difícil transpô-los.
Mas, sabia também de suas possibilidades.
A mercadoria-notícia cobra do empresário agilidade.
Não é uma mercadoria qualquer.
Enfrenta a concorrência.
E além disso, não se deve esquecer, o patrão era João Falcão, um ex-comunista, com ideias progressistas.
O informe fala nele.
Diretor-presidente, "homem que decide sozinho
a linha de comportamento da redação, deixará o País nos próximos dias para uma temporada nos Estados Unidos e Europa, devendo ficar ausente do Brasil por três ou seis meses".
Sopa no mel.
Com a ausência de Falcão, sem uma autoridade para impor freios, o Grupo dos 19 podia deitar e rolar, publicar, sem ser incomodado, "matérias distorcidas e atentatórias ao regime".
Mas, o informe tentava ir um pouco além do "Jornal da Bahia".
Além do esquema no "Jornal da Bahia", o mesmo grupo, perigoso, concorria...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
25 de dezembro de 2019
Repressão pede cabeça

O CISA, no seu Informe Confidencial, dizia:
"Além do 'esquema' no Jba., o mesmo grupo concorre às eleições para o Sindicato dos Jornalistas, com o apoio de Césio Antônio Ferreira de Oliveira, Pedro Formigli (este da sucursal do jornal '0 Estado de S. Paulo' e João Neiva, (este atualmente na 'Tribuna da Bahia', onde tem a tarefa de atacar a SSP/BA, buscando dar uma imagem negativa da Polícia), sendo antes elementos reconhecidamente esquerdistas. No mês de abril, eles venceram as eleições para dirigirem o citado Sindicato, porém a eleição foi anulada pela Delegacia Regional do Trabalho por conter irregularidades" .
Muito mal escrito, cheguei a corrigir alguma coisa, o informante - será que era jornalista? - fantasia a mais não poder.
Neiva trabalhava como jornalista.
Ninguém havia lhe dado a tarefa de atacar a polícia.
Césio e Pedro, como tantos outros, defendiam sua entidade sindical.
Natural.
O sindicato era nosso.
Mas, ditadura não combina com sindicatos livres.
Imaginar uma central no "Jornal da Bahia" coordenando tudo só cabe na imaginação fantasiosa do informante.
Os jornalistas tinham posições políticas as mais variadas.
Desconfio ser a maioria progressista.
De esquerda, de esquerda, uma parte.
Fantasia completa a ideia de uma articulação central destinada a controlar redações.
Tínhamos de cumprir nossas obrigações profissionais, como repórteres ou editores.
Não eram poucas.
Tínhamos de ganhar o pão de cada dia.
Nem isso a ditadura queria deixar.
O coronel Luiz Arthur de Carvalho era secretário de Segurança Pública do governo do Estado, entre 1975 e 1979.
Em 1970, me mandou pra tortura.
Botou os olhos em mim quando saí da prisão, no final de 1974.
Repressão é repressão.
Quando fui para o "Jornal da Bahia", em 1975, pediu minha cabeça.
O jornal resistiu.
João Falcão não cedeu.
Revelei isso na Assembleia Legislativa quando da sessão sobre o centenário de nascimento dele.
Em 1977, ano do Informe Confidencial, além de tudo, eu tinha de dar conta do estudo.
Havia feito vestibular para Jornalismo, na UFBA no ano anterior.
Havia à época uma luta intensa em defesa do diploma de Jornalismo como pré-requisito para o exercício da profissão...
#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
26 de dezembro de 2019
Repressão burra

Era uma luta dura a dos defensores do diploma de Jornalismo como pré-requisito para o exercício da profissão.
Terminou vitoriosa.
Mas, às vezes opunha jornalistas contra jornalistas.
Muitos não possuíam diploma e exerciam a profissão havia muito tempo.
Muitos deles, brilhantes.
Eram os chamados provisionados.
Às vezes, denominados "irregulares".
Chegaram a fazer greve de fome em defesa do direito de continuar trabalhando.
Com o tempo, a temperatura baixou, os diplomados cresceram em número, a convivência entre os dois grupos se tornou pacífica.
Passou a se aceitar a exigência do diploma.
Os não-diplomados não seriam incomodados.
Eu compreendi: devia entrar na Universidade, conquistar o diploma, atender, tardiamente fosse, o pré-requisito.
Entrei em 1976.
Saí em 1980.
Combinando trabalho e estudo.
Dois anos depois, fiz concurso.
Passei a dar aulas na UFBA.
De irregular a professor.
Mestrado, Doutorado, 25 anos como docente.
Sem nunca abandonar o jornalismo.
Como eu, outros resolveram seguir o mesmo caminho.
Caça ao diploma.
De ex-presos, lembro de Oldack Miranda e Dalton Godinho.
Houve outros, como Paulo Roberto Sampaio, veterano já.
Foi buscar o seu diploma.
E ninguém podia deixar de trabalhar.
E nós, os de esquerda, teríamos tempo para nos dedicarmos a controlar redações?
Isso só cabia na cabeça burra da repressão.
Tínhamos perfeita noção, já disse, dos limites da imprensa empresarial.
Além de tudo, tais limites haviam sido excepcionalmente ampliados com a ditadura, desde 1964, e particularmente depois de 1968, com o AI-5.
Não cabiam muitas ousadias, embora muita coisa incômoda para a ditadura acabasse sendo divulgada por imposição da realidade, dos fatos.
O manto sombrio da ditadura não podia esconder tudo.
Os jornalistas de esquerda, libertários, progressistas sentiam-se incomodados com os limites da imprensa empresarial.
Sabiam ser difícil transpô-los.
Então, começaram a buscar outros caminhos.
Isso sim, a repressão podia dizer.
Os caminhos da imprensa alternativa...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Fernando Lopes: Camarada Emiliano, tenho lido com atenção tuas postagens sobre a historia do jornalismo na Bahia vista de dentro. Tu pensas em condensar tudo em um livro( pode ser um e book) ? penso que seria importantíssimo ter o conjunto da obra em um so lugar. abs.
Emiliano José: Fernando Lopes Há pressão pra isso. Tanto pra E-book quanto pra impresso. Vamos pensando. Alguma coisa acontecerá. Obrigado
Mônica Bichara: Lembro muito dessa briga dos provisionados, foi praticamente meu primeiro contato com o Sindicato dos Jornalistas. Estava começando no Jornal da Bahia, fazendo faculdade, iria me formar de qualquer jeito e não seria beneficiada por essa solução, A greve de fome foi na Assembleia Legislativa
David Go Leal: E que belíssimo trabalho a imprensa alternativa foi capaz de fazer com jornalistas diplomados ou não. Nas cidades do interior, inúmeras produziam os seus periódicos... nos movimentos sociais, sobretudo nos sindicatos, os boletins eram a alma da comunicação, inclusive, pelo ritual e identidade que conferia ao militante que o distribuía em sua base.
Jaciara Santos: Lembro que Dailton (Mascarenhas) foi um dos que fizeram greve de fome. A gente temia pela saúde dele, porque era muito magro...
Fernando Lopes: Jaciara Santos fora os alternativos com cobertura mais ou menos nacional: pasquin, lampião , em tempo , companheiro , etc
Fernando Lopes: unidade , tribuna operária ....
Gilvane Caldas Lima: Essa é uma história que precisa ser contada ao público. Parabéns professor pelos relatos da história tão significativa para o povo.

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Emiliano José
27 de dezembro de 2019
Buscando caminhos

Nós, da esquerda, tínhamos plena noção de sermos assalariados.
Vendíamos nossa força de trabalho.
Embora a atividade tivesse características muito especiais, lidássemos com mercadoria sensível, não podíamos esquecer, pra usar expressão antiga, da velha matriz marxista, quem detinha o controle dos meios de produção.
Longe da visão conspiratória do 'Informe Confidencial", não tínhamos condições de fazer o que bem entendêssemos.
Não éramos nós a ditar a linha editorial.
Naturalmente, eram os donos.
Sorte, um fosse João Falcão, ex-comunista, e cujo progressismo não se perdera.
Havia uma boa margem de manobra em nossa atuação.
Para fazer jornalismo, nada mais.
Sorte, surgisse a "Tribuna da Bahia", iniciativa de empresários progressistas, onde também havia espaço para a atividade jornalística relativamente livre.
E digo relativamente porque, primeiro, existia ACM e sua arrogância, autoritarismo, truculência.
Não perdoava imprensa livre.
Atacou sem meios termos primeiramente o "Jornal da Bahia".
Depois, mais tarde, a "Tribuna da Bahia".
O jornal "A Tarde", naquela fase, seguia rigorosamente sua trajetória conservadora.
Mais tarde, a mão autoritária de ACM cairá sobre ela também.
E segundo, existia a ditadura.
Os jornais, ao menos até o início dos anos 80, não iriam atacar em duas frentes.
Podiam até brigar com ACM frontalmente.
O "Jornal da Bahia" o fez.
Mais tarde, a "Tribuna da Bahia", também.
Mas, com a ditadura, não.
Aos jornalistas de esquerda, quisessem desenvolver um jornalismo mais comprometido com uma estratégia de combate à ditadura, cabia construir caminhos próprios.
Talvez seja o caso de uma breve discussão sobre os "jornalistas de esquerda".
Eu uso a expressão num sentido muito amplo.
Havia os da esquerda tradicional.
Podíamos falar dos ex-presos, como Oldack /, Dalton Godinho, José Carlos Zanetti, Denilson Vasconcelos, Tibério Canuto de Queiroz Portela e eu, e corro o risco de esquecer alguém.
Compunham lideranças jornalísticas vinculadas a projetos nacionais como "Movimento" e "Em Tempo".
No "Em Tempo", tivemos papel destacado. Tibério Canuto de Queiroz Portela, do "Jornal da Bahia", seguiu para São Paulo e tornou-se um dos principais jornalistas de "Em Tempo".
Desligou-se do "Jornal da Bahia" em setembro de 1977, foi editor de Economia primeiro e depois diretor-presidente do "Em Tempo".
Na Bahia, constituímos uma forte sucursal.
O jornal fez barulho.
Era de esquerda.
Sem meios-termos.
A exemplo de outros dessa matriz, como "Movimento", foi duramente perseguido pela ditadura...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Vera Barbosa: Muito bom relato....
David Go Leal :Belíssimas #MemoriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
28 de dezembro de 2019
Imprensa alternativa

A ditadura, no entanto, malgrado sentisse indisposição com "Em Tempo", não tinha mais condições políticas de impor a censura prévia.
Era uma conjuntura nova, de seguidos avanços das oposições, inclusive do surgimento de um novo e forte movimento operário, Lula à frente.
Houve números a marcar época, como o que publica uma lista de 233 torturadores elaborada por presos políticos, de junho de 1978.
Mais tarde, março de 1979, sai uma segunda lista de torturadores e o jornal localizaria, ainda, o sítio clandestino 31 de Março, em São Paulo, onde eram torturados presos políticos.
Na Bahia, registro a presença da repórter Linalva Maria de Souza, não proveniente da esquerda tradicional, mas que a ela se junta a partir de "Em Tempo".
Nos deixou precocemente, vítima de um câncer.
Em 1977, ano do "Informe Confidencial", nasce na Bahia o jornal "Invasão".
Iniciativa de dezenas de jornalistas, puxada pela esquerda tradicional, tinha um Conselho Consultivo muito representativo: Adelmo Oliveira, Alberto Goulart, Cid Teixeira, Chico Pinto, Edmilson Carvalho, Guido Araújo, Rômulo Almeida e Ubirajara Rebouças.
Uma olhada no expediente, e se constata a presença da quase totalidade dos melhores jornalistas da Bahia.
Teve vida efêmera.
Um único e explosivo número.
A matéria principal, base da manchete "Chumbo Neles!", assinada por mim, Linalva Maria de Souza e Carlos Navarro Filho, fotos de Milton Mendes Filho, denunciava o fato de a Companhia Brasileira de Chumbo estar envenenando os operários com chumbo e cádmio, além de poluir toda Santo Amaro.
Foi a matéria com o vereador Murilo Leite, então na Arena, no entanto, a de maior repercussão.
Ney Ferreira, dirigente do adesismo no MDB, criticado duramente por Leite, invadiu a Câmara de arma em punho disposto, parece, a matar o vereador.
Não o encontrou.
Não se criaram as condições materiais para a continuidade daquela experiência, e o jornal ficou naquele belo e solitário número.
Gustavo Falcón qualifica "Invasão" como "o irmão sisudo do "Boca do Inferno".
É uma boa definição, ao menos bem-humorada.
Surgiu meses após o fim da experiência do "Boca", da qual vamos falar ainda.
A sucursal do "Em Tempo" seguia em frente, com dezenas de militantes, não só jornalistas.
Eram muitas as tarefas, incluindo a distribuição em bancas e venda de assinaturas.
Como a do "Movimento", dirigida por Crisóstomo de Souza, secundado pelo jornalista Jadson Oliveira.
Essa intensa atividade jornalística desenvolvia-se paralelamente ao trabalho nos jornais da imprensa empresarial.
Era um exercício de outro tipo de jornalismo, liberto das amarras naturais da grande imprensa.
Nesse mergulho, aprendemos muito.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Vera Barbosa: Um marco do avanço do jornalismo no Brasil. O “Em Tempo” tinha convicções fortes, militantes com determinação, e um caminho novo a explorar. Foi extremamente importante para elucidar fatos, que jamais viriam à tona pela imprensa tradicional. Bravo!!!
Emiliano José: Vera Barbosa Beijos, querida irmã!
Mônica Bichara: Quanta lembrança boa nesse texto, Emiliano. O Movimento era mesmo uma central de resistência, um orgulho ter convivido com algumas pessoas dessa fase que ainda estão na luta como Jadson Oliveira, Crisostomo de Souza, Chico Vasconcellos, Isabel Santos.....E Linalva sempre me emociona falar dela, minha chefinha tão doce
Isabel Santos: Um momento ímpar, Mônica Bichara, essa passagem pelo O Movimento, aprendendo/convivendo com tanta gente genial. E, pra variar, um texto emocionante de Emiliano, trazendo, além recordações de colegas como a querida Lina, informações históricas valiosas desse período tenebroso. Pena o fim do Em Tempo. Mas a nossa imprensa alternativa foi um orgulho.
Crisostomo de Souza: Beleza uma lembrança dessas. De lembrantes como vocês. Também politicamente relevante. Aprendizados que não se perdem.
Isabel Santos: Olá, querido Crisostomo. Quanto tempo, hein?. Você, no meu coração, sempre. Bjos
Joaquim Lisboa Neto: No "Em Tempo" Emiliano e Antonio Dias entrevistaram Lúcia Lyra, viúva do advogado Eugênio Lyra. Antológica entrevista sobre a luta pela terra na Bacia do Rio Corrente. Guardada a sete chaves no acervo da BIBLIOTECA CAMPESINA.
Joaquim Lisboa Neto: Do "Invasão" numerúnico o exemplar da Campesina foi subtraído por goteira, cupim ou qualquer coisa assim.
David Go Leal: Emiliano José reunir os fragmentos ou séries completas desses periódicos será inestimável para a nossa Memória. Quando posso folheio e emociono com velhos boletins que mantenho guardados.
Lucia Correia Lima: David Go Leal Oi se tiver p Boca e INVASÃO gostaria de fotografar
David Go Leal: Não, infelizmente, não tenho. Guardo alguns do sindicato dos petroleiros, Alagoinhas e Mata de São João, meus universos.
Lucia Correia Lima: Não citar Victor Vitor Hugo Soares, João Santana, Lena Coutinho, Maria Lucia de Souza depois e a mesma Lucia Correia Lima, tanto no Boca do Inferno na Rua Gregório de Mattos e depois no INVASÃO, nome escolhido em reunião e defendido por mim e Victor Hugo. Qdo comunidade ou favela era chamados de "invasão".
Desde a invasão do Corta Braço que mãe militante do pc contava.
Maria Souza. Sou eu! DESCULPAS
Vitor Hugo Soares: Bravo, Lúcia! Coragem moral é isso que você acaba de demonstrar, produto em falta em nossas "esquerdas" desde o advento do lulismo petista. Na verdade nem esquerdista, nem centristas nem direitistas, mas dinheiristas, como dizia meu saudoso pai.Verdade histórica o que você conta. Na verdade "Invasão" -que só saiu uma vez mas causou uma revolução na Bahia a ponto de lembrado ainda hoje (ou escondido) foi um nome sugerido por mim e aprovado pela maioria em reunião histórica como você descreve, com seu apoio decisivo e de João Santana, o condutor principal da publicação. Aliás, as reuniões para criar Invasão são outro marco do do jornalismo de resistência inteligente em Salvador. Buñuel tem razão: o homem é a sua memória. Sem memória o homem não é nada.Só pusilanimidade e fanfarronice oca . Meu mais forte abraço para você, querida. corajosa e firme amiga. Boas festas e vamos em frente..
Lucia Correia Lima: Vitor Hugo Soares EXATO. But eu respeito e compreendo Emil em quem sempre votei e minha mãe saudosa cearense tinha Emiliano José como filho!. Sejamos firmes mas tentemos nunca perder o carinho pelos amigos, mesmo discordando aqui ali acolá
Vitor Hugo Soares: OK, Amiga, mas o que eu disse está assinado e não retiro uma vírgula. Minha questão não é de pessoas. É de princípios. E nisso eu não transijo. Beijos.
Emiliano José: Vitor Hugo Soares Como eu, caríssimo Vitor Hugo. Não entro na discussão aqui do que você chama lulopetismo por considerar local impróprio, mas nesse caso nossa divergência é abissal. Quanto à sua contribuição para o Invasão, inegável. Como a de quase uma centena. Importante suas lembranças. Ajudam. Nossas diferenças político-ideológicas atuais não serão tratadas aqui, já disse. Atuais,. porque antes comungávamos muito. E elas não eliminam o meu respeito e consideração por você, por sua enorme contribuição ao jornalismo da Bahia. O mundo é diverso, e a diversidade é a riqueza da existência.
Lucia Correia Lima: Vitor Hugo Soares beijos também e todos. Te admiro muito.
Lucia Correia Lima: Emiliano José DESCULPA "de quase uma centena" não!!! João Santana e Vitor Hugo Soares lideraram este MOMENTO único na história de nossa imprensa
Emiliano José: Lucia Correia Lima O Jornal é testemunha. Muitos lideraram. E eu não estou disputando isso. João Santana foi e é meu amigo. Paro por aqui. Só continuo a escrever a série. Reduzir a duas pessoas aquela iniciativa é erro. Paro sobre 'Invasao". Eu estava lá. Em tudo. Inclusive na matéria principal. Amanhã,. volto, dando sequência. E todos os comentários serão bem-vindos. Como sempre. Termina sendo um trabalho coletivo.
Oculte ou denuncie isso
Vitor Hugo Soares: Só um esclarecimento mais. Aqui, neste caso, não se trata de liderança. Aqui é uma questão de fatos, de memória, de verdade. Ou pior: de se tentar apagar (ou esconder) fatos, pessoas, memória e reduzir tudo (ou quase) a guetos ideológicos, acríticos, a rasgar de seda. .É disso que falo e contra isso me insurjo. É só, por enquanto.
Crisostomo de Souza: Grande , Vitor Hugo! Estava faltando você??
Lucia Correia Lima: Emiliano José que bom reconhecer "muitos". Pena que isto não se aplique ao pt um partido de um só líder que nunca pensou em formar outros
Vitor Hugo Soares: Crisostomo de Souza Obrigado, Crisóstomo. Fico muito feliz também por este reencontro com você. Forte abraço.
Emiliano José: Deixei João Santana, Lena e tantos outros para quando tratasse do "Boca do Inferno". Anuncio hoje. Fotos, você pode me ensinar a postar aqui, ainda não sei. Do Invasão, expediente deve ter 100 nomes. Não há razão pra ignorar nenhum nome. Essa história começou com o "Informe Confidencial" do CISA, se você está acompanhando. Não é bom ver fantasmas. Vitor Hugo, João Santana, tantos outros fazem parte de tudo isso. E eu, que sou petista, me esforço pra recuperar a memória de nosso jornalismo, tão precária. Você poderia fotografar o expediente do Invasão e me mandar. Não o tenho em mãos. Estou guiado pela memória e pelo livro de Gustavo Falcón. Os nomes estão lá. Não iria listá-los aqui. O editor chefe era Valverde. Ainda bem que suscitei essa discussão.
Lucia Correia Lima: Emiliano José esta centena foi apenas generosidade misturado com chamado.
Não tenho o livro de meu compadre Falcon. Vou solicitar nem os jornais. Quem tem muitos é o Vander Prata. Pelo menos ele deu acesso para o autor de Um Marqueteiro no Poder, livro que fez moro focar no JC. Too.
Lucia Correia Lima: Sim contar a HISTÓRIA sem lados é o que espero de você como jornalista.
Aliás creie antipatias quando disse e continuo a dizer: jornalista que se filia a partidos, deixa de ser jornalista.
A história há de ser contada de vero um dia.
Vou ligar Gustavo amanhã.
Abraço. Te admiro mesmo com nossas sérias divergências neste estágio.
Lucia Correia Lima: Engraçado Parquetina não tenho lembrança. Ele me demitiu na assessoria de Mario prefeito, porque nem notei seu assédio.
Emiliano José: Lucia Correia Lima Essa ideia sua é equivocada. Nunca deixei de ser Jornalista. E sempre fui filiada a partido. É possível separar as coisas, quando necessário. Tive larga experiência nisso. E essa história de Jornalista sem lado não existe. Outra coisa é ser honesto no trato da notícia, não distorcer. Dei aula a vida inteira e sempre ensinei isso. Nunca fui advertido por distorcer. O jornalismo atual é profundamente partidarizado. Pela direita. Eu deveria ter deixado de ser Jornalista?
Emiliano José: ...fui filiado...
Lucia Correia Lima: Emiliano José bem continua a trabalhar acordo as 5.30. Muito a dizer sobre isto amanhã.
Adianto: nunca devemos nos nivelar por baixo. Depois um colega seu Palácios, me ensinou faz tempo. Chamar gangs de "direita" é grave equívoco.
Crisostomo de Souza: Digaê, amigo Jadson Oliveira! Cadê você?
Mônica Bichara: Verdade; Cadê você, Jadson Oliveira

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Emiliano José
29 de dezembro de 2019
Um estudo

É um livro de pouco mais de 150 páginas.
"Os baianos que rugem - A imprensa alternativa na Bahia" é uma construção coletiva de alunos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, assinada por Gileide Vilela, Rosa Beatriz Gonçalves, Ruy Aguiar Dias, Terezinha Flor, orientação do professor Gustavo Falcón, também signatário.
Tem apresentação do saudoso professor Ubirajara Dórea Rebouças.
Alguns podem considerar prodígiosa a minha memória.
Não é.
Tudo é pesquisa.
Fui ativo participante de "Invasão".
O único exemplar testemunha isso.
Os autores do livro, voltado a várias publicações alternativas, afirmam a preocupação do jornal "em colocar o jornalismo em primeiro plano, embora não esconda seu caráter oposicionista".
Aborda questões político-eleitorais "sem apelar para clichês da esquerda".
A história de criação do jornal "guarda alguma similitude com o nascimento do alternativo 'Movimento', fruto de um 'racha' na equipe do 'Opinião'.
O 'Invasão' surge alguns meses após o fim da experiência do 'Boca do Inferno', como uma resposta da equipe que perdeu o 'Boca do Inferno' para os paranaenses".
Os autores concedem ter sido "Invasão" melhor estruturado e organizado que o "Boca do Inferno", possuir um quadro hierarquizado, com a "evidente preocupação contra possíveis 'rebeliões anarquistas' intestinas, como as ocorridas no 'Boca', e sinal da presença mais representativa de jornalistas menos identificados com o desbunde".
O Conselho de Redação era constituído por Carlos Sarno, Estevam Dulci, Gustavo Falcón, João Santana Filho, Lena Coutinho, Maria Lúcia de Souza, Oswaldo Gomes, Tibério Canuto e Victor Hugo.
Redação composta por 37 profissionais.
Arte composta por Aloísio Filho, Buxa, Chico Barreto, Fernando Borba, Nildão e Pedrinho Braga.
Um bocado de colaboradores e correspondentes não-remunerados no Brasil e no exterior.
Editor e diretor-responsável, José de Castro Leal Valverde.
O jornal contou "... com grandes fotógrafos da Bahia, os melhores repórteres da Bahia, comentaristas políticos e uma estrutura, do ponto de vista da aceitação e da legalidade, inteiramente organizada...", de acordo com Gustavo Falcón.
No entanto, só resistiu a um solitário número.
Fato atribuído pelos autores ao esvaziamento da imprensa alternativa no País.
Seguramente, no entanto, não teria vida tão efêmera tivéssemos nós, seus organizadores, pensado com maís atenção aos aspectos materiais de sua sobrevivência.
Não o fizemos.
Havia ainda espaço para crescer, não ocupado.
"Invasão", no entanto, marcou época.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Vitor Hugo Soares: "Invasão": "O Conselho de Redação era constituído por Carlos Sarno, Estevam Dulci, Gustavo Falcón, João Santana Filho, Lena Coutinho, Maria Lúcia de Souza, Oswaldo Gomes, Tibério Canuto e Victor Hugo". Não é por nada , mas não custa esclarecer que nesta relação de nomes e sobrenomes completos e escritos corretamente (como deveria ser) o "Victor Hugo" que aparece aí é este que vos escreve e assina:Vitor Hugo Soares (sem c e com sobrenome). Faço o reparo por dois motivos simples, mas essenciais: 1) Tenho orgulho e sinto grande honra por ter participado da construção do alternativo "Invasão" - que considero uma das mais ricas e valiosas experiências do seu tempo na Bahia de como pensar e fazer jornalismo - responsável inclusive pela sugestão do nome do jornal, aprovada pela maioria, em reunião histórica.2) Tenho orgulho e sempre cuidei de honrar - na vida e na profissão - o nome que carrego. Tem mais, muito mais, sobre Invasão e jornalismo na Bahia - inclusive as razões verdadeiras de só ter saído um único e referencial número, mas fico por aqui. Faço apenas uma esclarecimento: Sigo abominando práticas stalinistas, explícitas ou mal disfarçadas. Feliz 2020 a todos..
Emiliano José: Vitor Hugo Soares Para esclarecer e para que não se veja fantasmas, fui fiel ao que está no livro. Seu esclarecimento ajuda. Quanto a abominar práticas stalinistas, neste caso temos unidade.
Vitor Hugo Soares: Emiliano José Tá legal, Emiliano. Só estranho e me surpreende que você, pesquisador acadêmico tão cuidadoso - que me conhece há pelo menos uns 40 anos - tenha passado o erro adiante. Abs.
Emiliano José: Vitor Hugo Soares Com tanto pé atrás, resolvi manter. Você pode conferir: está lá. Posso ter reproduzido outros erros nos nomes. Talvez devesse ter colocado sic. Pra não suscitar dúvidas. Acho que está tudo esclarecido.
José Carlos Teixeira: Apenas a título de documentação: o Expediente registra Victor Hugo Soares. Com c. Como vemos na imagem abaixo. Nele, a listagem completa dos jornalistas que compunham a redação, entre os quais figura também esse modesto locutor,. Mais os correspondentes, inclusive no exterior (que luxo!!!), os colaboradores, o pessoal da arte e os Conselhos , o de Redação e o Consultivo.
Lucia Correia Lima: José Carlos Teixeira Maria Lucia de Souza sou eu. E, este "conselho" era apenas, assim como o expediente, uma forma de
1. Atrai, envolver estas pessoas colegas
2. Dar à publicação DEFESA notabilidade.
POIS 90% DESTAS PESSOAS NUNCA NADA FIZERAM NO JORNAL NEM PARA O JORNAL
Zeca Peixoto: Tenho esse excelente trabalho sobre a imprensa alternativa na Bahia coordenada pelo professor Gustavo Falcon.
Emiliano José: Zeca Peixoto Excelente!
Zeca Peixoto: Emiliano José e indispensável!
Emiliano José: Logo depois das festas, aula. Edição Facebook.
Zeca Peixoto: Emiliano José já tá na agenda! Rs
José Carlos Teixeira: Vai a capa do Invasão:
Emiliano José: José Carlos Teixeira Obrigado, Teixeirinha. Queria saber transpô-la para o texto. Analfabeto digital.
Vitor Hugo Soares: Maravilha, José Teixeira.Maravilha, Parabéns por este extraordinário resgate que você faz da história do jornalismo alternativo na Bahia. Na capa já se vê o diferencial do "Invasão" em relação a outros exemplares do tipo: jornalismo na veia em lugar de pregação ideológica. A marca do talento do editor José Valverde. Viva e obrigado!.
Rui Patterson: Além da correta nomeação dos "conselheiros", porque não tratar do que realmente interessa, o projeto do jornal e o fato de ter tido somente uma edição. Terá sido a abominação de práticas stalinistas explícitas ou mal disfarçadas?

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Emiliano José
30 de dezembro de 2019
Inesquecível matéria

Foto do número único de "Invasão, de março de 1977, retirada do livro "Os baianos que rugem - A imprensa alternativa na Bahia", feito sob a orientação de Gustavo Falcón.
José Carlos Teixeira havia mandado uma foto bem melhor para os comentários do último capítulo de minha série sobre a imprensa baiana.
Uma manobra de analfabeto digital, eu, apagou-a.
Pedi que me enviasse de novo, por mais nítida.
Estou aguardando a gentileza dele, se puder.
A foto publicada, como podem ver, é muito precária.
Fica como documento.
Já falei bastante do jornal, mas devo fazer o registro sobre o autor da matéria mais explosiva, a entrevista com o vereador Murilo Leite, então na Arena: Tibério Canuto.
Ou, se quiserem o nome todo, Tibério Canuto de Queiroz Portela.
Devia ter corrigido também o nome de Victor Hugo, assim grafado no livro, para o completo e correto, Vitor Hugo Soares.
Fica o registro.
Tibério foi uma espécie de preceptor para mim na Ação Popular.
Foi dirigente regional da Organização na Bahia.
Caiu em maio de 1971.
Dividimos cela na prisão.
Saiu antes de mim, e tornou-se jornalista reconhecido.
Mais tarde, já disse, será diretor-presidente de "Em Tempo".
E seguirá como jornalista.
Por acaso, está passando alguns dias em Salvador
Reside em São Paulo.
Daquela matéria, jamais esqueceu.
#MemóriasJornalismoEmiliano

José Carlos Teixeira: Vai a foto aqui. Mais nítida.
Emiliano José: Beleza, Teixeirinha! Muito obrigado
José Carlos Teixeira: O Expediente (publiquei em outro trecho do post, mas ficou escondido:
Lucia Correia Lima: A BEM DA VERDADE 90% deste expediente e conselho já era a mente criativa de João Santana com anuência e todos: NADA fizeram para o JORNAL no jornal.
Apenas era uma jogada para
Ernandes Santos: Que maravilha
Nelson Simões: Muita gente boa..
Nelson Simões: Não importa. O que fica é a história. Se não morresse no n* 01 é quw saberíamos de verdade, se era ou não apenas para constar os nomes...
Vitor Hugo Soares: "Invasão" não morreu no primeiro número. A publicação alternativa e independente foi matada, por torpe combinação de interesses de governo estadual(e ditadura federal), Prefeitura e empresários (da grande imprensa, inclusive), temerosos diante do enorme impacto jornalístico causado pela primeira edição, sobre a qual eles não tinham controle. Foi pressão pesada sobre profissionais e muitos não resistiram

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Emiliano José
31 de dezembro de 2019
Boca do inferno

Surgido em julho de 1976, foi ideia de um grupo de jornalistas desencaixados da grande imprensa e que já haviam namorado, flertado, se envolvido com a imprensa alternativa fora da Bahia.
Essa descrição é de Gustavo Falcón.
A ideia foi nascendo nas noites de farra da velha Salvador.
O álcool ajuda a imaginação.
O álcool e o que mais seja.
Por que não fazer uma coisa nova na Bahia?
Por que não ir além do feijão-com-arroz tradicional da imprensa empresarial?
Resgatar o jornalismo.
Era a pretensão.
Texto coloquial, frequente uso de gírias.
Reportagens.
Análises, restritas a algumas poucas matérias.
Temas, de natureza social.
Envenenamento por mercúrio em Alagados.
Analogia entre a miséria e o padecimento humano na África e em Salvador.
Retirantes da seca na Bahia.
Matérias tinham acentuada cor local.
O esquecido box baiano, lembrado.
Falcón dirá: o jornal fazia política na linguagem.
Os jornalistas com liberdade de falar na primeira pessoa.
E isso era um sacrilégio na imprensa baiana, colonizada, como todo o jornalismo brasileiro, pelos padrões dos New York Times da vida, pra aceitar a provocação de Falcón, um de meus mestres.
O jornal assume o texto personalizado, jornalista deixa de ser Deus, o ser da revelação, da verdade.
Pode dizer, escrever eu acho ouvi me disseram me contaram eu fui lá e vi.
Isso era uma revolução.
Representou, como expresso no livro "Os baianos que rugem...", uma articulação de forças heterogêneas a juntar jornalistas, poetas, fotógrafos, desbundados, ex-militantes.
Nessa iniciativa, estavam excluídas a frieza do noticiário e o release.
Projeto gráfico singular, utilizou amplamente a fotografia, cartuns.
Impresso em off-set, tablóide.
Não enfrentou censura.
No terceiro número, no entanto, deu de cara com a mão pesada, violenta, da ditadura: Polícia Federal caiu matando, invadiu a redação, quebrou a porra toda.
Ditadura é ditadura.
Foi o fim do "Boca"...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jose Alcino Alcino: Deputado, o Sr tem algum exemplar dessa edição da manchete?
Emiliano José: Tenho! Único!
Emiliano José: Pode passar aqui em casa, ler na varanda. À disposição. Cobro depois, numa visita a Itacaré.
Jackson Souza: O esquadrão da morte do ACM.
David Go Leal: Ernandes Santos
Lucia Correia Lima: O Boca surge na verdade, inspirado nas aventuras do jornalismo independente de SP. João Santana fã de Hamilton Almeida mentor de O Bondinho.
Lucia Correia Lima: Um dos mentores. Como Sergio de Souza, Narciso Kallyli, Paulo Poké de Jesus que comandou uma revolução gráfica.
Lucia Correia Lima: Foi fechado depois de publicarmos por idéia de Lena Coutinho, poemas de Goubery
Antonio Pastori: Adorei “Tigre da Esso e Elefante da Shell atacam Água de Meninos”.

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Emiliano José
1º de janeiro 2020
Um jornal ao lado dos despossuídos

Foi uma das mais ricas experiências da imprensa alternativa.
Contava com profissionais ousados e criativos.
Naufragou após o quarto número, cujo exemplar não deu as caras em Salvador: rodado em São Paulo, constitui uma 'raridade arqueológica", no dizer dos autores de "Os baianos que rugem...".
Difícil pudesse dar certo.
"Não possuía uma estrutura administrativa, era caótico, as decisões de pauta ocorriam na base do grito, na imposição pela postura mais agressiva".
E mais: não existia como empresa juridicamente constituída, era uma ficção jurídica - é depoimento de Gustavo Falcón.
Como empreendimento, um fracasso.
"Invasão", desse ponto de vista, também.
Já vimos: durou um número.
"Boca", ao menos, quatro, isso contando o quarto número, até agora não localizado.
Gustavo Falcón o define como "uma experiência marginal":
- A sede era em pleno puteiro, o jornal era completamente marginal, na rua Gregório de Matos, quer dizer em pleno brega do Pelourinho. O próprio nome já era uma coisa maldita. Uma referência ao poeta Gregório de Mattos, cuja obra satírica escandalizou a Bahia setecentista.
Não compensa citar nomes.
Uma infinidade.
Dos melhores do jornalismo baiano.
Constituiu-se inegavelmente num espaço criativo no interior do jornalismo baiano.
Talvez o momento mais rico das experiências alternativas na Bahia, do ponto de vista do jornalismo.
Conseguiu articular denúncias fortes do cotidiano pobre de Salvador no contexto de uma nova forma de fazer jornalismo, de nítida inspiração existencialista, sem nunca perder uma visão de esquerda, tendo lado: era sempre o dos espoliados, dos deserdados da sorte.
A hegemonia dessa experiência era de vinculados à ideia do movimento contracultural, a sacudir o mundo naquela quadra histórica.
Conseguiu resgatar a força do jornalismo, sem deixar se influenciar pelos poderosos grupos manipuladores da opinião pública.
Sacudiu uma boa parte do segundo semestre de 1976 - sobrevive de julho a outubro.
Uma contribuição inestimável ao exercício de um jornalismo em busca da verdade e da liberdade.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jorge Américo Góes de Almeida: Desejo-lhe um ano de 2020 com saúde, paz, amor, justiça e liberdade!
Emiliano José: Muito obrigado, querido companheiro. Saberemos enfrentar os desafios de 2020. Abração
Solange Souza Lima Moraes: Maria Gil
Lucia Correia Lima: Curiosidade: João Santana foi ao encontro de Gil na clinica que substituiu a prisão por porte de maconha e lá encontrou com Hamilton Almeida Filho o Haf, seu ídolo pioneiro na imprensa de jornalistas que enfrentou a ditadura. Um ex meu marido outro então marido.
Tenho a cassete da entrevista de ambos com Gil preso. Fiz cópia e há alguns anos mandei para João. Além de botar em CD
Emiliano José: Lucia Correia Lima Preciosidade
Lucia Correia Lima: Emiliano José vou socializar. Fazer cópias
Leandro Fortes: Lucia Correia Lima Que sensacional!
Lucia Correia Lima: Leandro Fortes escrevendo sobre tudo isto
Mônica Bichara: Que relíquia, esse material é para ser socializado mesmo. Fantástico
Lucia Correia Lima: Mônica Bichara vou providenciar. Grata por sua linda amizade. Deixei mensagem no zap
Claudia Moreira de Carvalho: Podia scanear e postar no face...
Lucia Correia Lima: Claudia Moreira de Carvalho vou fazer site
Claudia Moreira de Carvalho: Lucia Correia Lima OBRIGADA 💪🏼‼️
David Go Leal: Ernandes Santos
Adilson Borges: Maravilha! Bota na roda

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Emiliano José
02 de janeiro 2020
Fazendo história

Não imaginem vocês tenha tratado do vigor da imprensa alternativa em 1977 por acaso.
Estava noticiando sobre o "Informe Confidencial" do CISA, de meados de 1977, e de repente me vi num longo desvio, abordando "Invasão" e "Boca do Inferno", surgidos entre 1976 e 1977.
O desvio foi consciente.
A repressão olhava de um lado, a gente ia pra outro.
Sabíamos, a esquerda tradicional e a esquerda contracultural, dos limites da imprensa empresarial.
Quiséssemos um jornalismo menos limitado, tínhamos de trilhar caminhos próprios.
Aventurar-nos.
Assim foi.
Olhando os resultados hoje, podemos dizer da precariedade dos resultados.
"Invasão", um número.
"Boca do Inferno", quatro.
Mas, assim, falamos apenas da longevidade, da sustentabilidade dos projetos.
Inegavelmente, foram iniciativas revolucionárias do ponto de vista do jornalismo, e isso era o que perseguíamos.
Nenhum deles levou em conta devidamente as dificuldades econômicas.
Parássemos pra analisar, e quem sabe não saísse um único número.
Fomos em frente, fizemos história.
Enquanto a repressão olhava pra dentro dos jornais, especialmente para o "Grupo dos 19" do "Jornal da Bahia", nós corríamos por fora e produzíamos um jornalismo corajoso e de qualidade.
Claro, a repressão tomou conhecimento de nossos passos.
No terceiro número do "Boca", caiu matando, e disso já falamos.
Do "Boca", não participei, mas estou falando de um movimento amplo.
Poderia acrescentar "O inimigo do Rei", do mesmo período, de inspiração anarquista.
Dele, no entanto, já falei na fase inicial dessa série.
O documento da repressão é interessante.
Revela o espírito de uma época.
A tentativa de localizar líderanças.
E devo acentuar, se não o fiz suficientemente: no "Jornal da Bahia" cumpríamos nossas tarefas com zelo profissional, fosse qual fosse a pauta a nos chegar às mãos.
A principal liderança sindical era Anísio Félix, com quem tínhamos divergências, não obstante não desconhecêssemos seu valor.
O jornalismo alternativo era uma tentativa de ir além do dia a dia.
No cotidiano da grande imprensa, as grandes matérias não são tão frequentes.
Acontecem de vez em quando...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Esse material que você está revelando é uma aula de história para as gerações mais novas, Emiliano José. A imprensa alternativa tentava minar uma repressão real, num tempo em que tudo era difícil. O contato tinha que ser pessoal, reuniões pelas madrugadas, textos datilografados que precisavam ser entregues em mãos.....Não tinha celular, zap, e-mail, google, redes sociais.....era resistência mesmo, na marra 
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Emiliano José
03 de janeiro de 2020
Diagnóstico do Grupo Esquerdista

No "Informe Confidencial" do CISA, no final da página 2, há uma confissão de dificuldades:
"Esclarecemos que no momento este Órgão não dispõe de condições para aprofundar o presente Informe".
A partir daí, listam-se os nomes e os dados recolhidos sobre eles.
Abre com Antônio Jorge de Souza Moura. Como em todos, indica filiação, data de nascimento, essas coisas do gosto dos órgãos de informação.
Antônio Jorge, de acordo com o Informe, teria deixado o "Jornal da Bahia" em 1976.
João Carlos Teixeira Gomes, redator-chefe, "advertiu o grupo esquerdista, do qual o mesmo fazia parte naquele jornal, indo para a 'Tribuna da Bahia', onde se encontra até a presente data".
Não se tome nada como verdadeiro.
Apenas registro.
Informa, en passant: Antônio Jorge fez parte do jornal "Invasão", "que recentemente foi apreendido".
Em minhas lembranças, não houve apreensão.
Mas, posso me enganar
Acrescenta: faz parte do movimento estudantil como aluno de Jornalismo da UFBA.
E aí lembra dos tantos informes dos órgãos de segurança em que é citado, de 20/5/1976, 20/9/1976, 24/3/1977.
Como se vê, era bem vigiado o nosso Antônio Jorge.
Já nos deixou.
Não pôde ler esse troféu.
Ficaria orgulhoso.
Cuida também de Oldack Miranda.
Citado nos informes de 24/3/1977 e de 12/11/1973, informa-se houvesse deixado o "Jornal da Bahia" em 1975, acompanhando saída "de elementos de sua linha ideológica".
Seguiu para a "Tribuna da Bahia" e logo retornou ao "Jornal da Bahia", "onde se encontra atualmente".
Denuncia-o como "amigo inseparável de Tibério Canuto, Dailton Mascarenhas, Césio Oliveira e outros da mesma linha".
Às noites, costumava "frequentar a casa de Dailton, na Ribeira".
Acrescenta: "já esteve preso diversas vezes na Bahia e em Minas Gerais por participação em movimentos esquerdistas".
Peço desculpas ao leitor pelo detalhamento.
É uma forma de compartilhar o olhar da repressão no período.
Quaisquer dessas informações terão de ser checadas, claro.
Oldack deve me dar depoimento sobre sua trajetória jornalística nas próximas horas.
Aí, saberei distinguir verdade de invenção.
Importante a registrar é a existência de uma vigilância constante sobre os passos de quem a repressão considerasse de esquerda.
De que modo isso era feito, não será fácil descobrir.
E não é aconselhável especular.
Sem dúvida, no entanto, éramos bem vigiados.
E sequer percebíamos.
A rigor, não estávamos preocupados.
Estávamos tocando a vida.
Na sequência, falam de Didico....
#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
4 de janeiro 2020
Miltinho: bode expiatório

Didico era o codinome atribuído a Milton Mendes Filho pelo "Informe Confidencial".
Recentemente, José Carlos Zanetti e eu o visitamos.
Enfrentava problemas de saúde.
Foi um momento alegre.
Ele nos reconheceu.
Sorriu.
Lembrou de outros tempos.
Lembramos.
De suas arrancadas impetuosas no precário campo de futebol da "Lemos Brito".
De suas matadas de bola elegantes.
Dribles desconcertantes.
Era bom no trato da redonda.
Nesse dia, estávamos acompanhados de Rosália - Rosa Mendes, assim conhecida.
Foi a primeira mulher de Miltinho, e do Departamento de Pesquisa da "Tribuna da Bahia", mora na Itália tem tempo.
Miltinho, preso por ser militante do MR-8, danou-se a fotografar logo ao sair da cadeia.
Trabalhou em jornais, consagrou-se, e depois passou a fotografar para o movimento sindical de trabalhadores.
É citado em documentos dos órgãos de segurança em 16/2/1973, 20/2/1973, 20/5/1976 e 24/3/1977, segundo o tal "Informe Confidencial".
A repressão atribuiu a ele um acentuado papel na crise do Marotinho.
Deu-o como responsável pelo que chama de "conflito criado na Baixa do Marotinho por ocasião das invasões naquele local".
O Informe noticia o "farto noticiário dos jornais locais" a respeito do Marotinho, "principalmente da 'Tribuna da Bahia', onde o referido trabalha".
Houve decisão de retirada de moradores de uma ocupação na periferia de Salvador, e foi um pega-pá-capá dos diabos - polícia caiu pra cima dos moradores, houve resistência, Alcebíades e Carmosina à frente - ainda estão vivos e fortes pra contar no Novo Marotinho, na Estrada Velha do Aeroporto, para onde a população foi transferida.
Foi episódio a ficar para a história de Salvador. Padres Renzo e Paulo Tonnucci se envolveram, o advogado Adelmo Oliveira, Trabalho Conjunto, Instituto dos Arquitetos, entidades estudantis.
Até o cardeal Dom Avelar Brandão Vilela intercedeu a favor dos moradores.
E sobrou pra Miltinho.
Seu crime foi fotografar.
O cenário possibilitava excelente material.
Lindas fotos, a revelar o drama habitacional de Salvador e especificamente o daquelas famílias.
Ninguém esperaria fosse a repressão buscar as causas reais do episódio.
Melhor encontrar um bode expiatório.
Miltinho.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Saudade de Miltinho, fizemos muitas pautas juntos, inúmeras em "invasões", inclusive no Marotinho, qdo comecei a estagiar, em 79, Jorge Hage prefeito indicado. Um doce de pessoa, sempre gentil, um revolucionário de verdade. Espero que esteja melhor de saúde
Jose Jesus Barreto: Grande Miltinho ! Jogamos muitos babas. Era arisco. Bom e ousado fotógrafo. Amigo de vera, querido. Saudades dele.
Rui Patterson: Miltinho, o Didico, era também o Tatu? Já formado, em 1977, participamos de movimentos periféricos, com os padres Tonucci, Renzo e Claudio Perani. 

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Emiliano José
5 de janeiro 2020
Documento histórico

Esse "Informe Confidencial" do CISA chegou às minhas mãos graças a Tibério Canuto de Queiroz Portela.
Ele vasculhava papelada do seu pedido de anistia, e deu de cara com esse material.
Afinal, segundo a publicação, ele integrava o quinteto dirigente dos comunistas do "Jornal da Bahia".
Os cinco pretendiam agitar as redações.
Trazê-las para o ideário comunista.
Oldack Miranda, Tibério Canuto, Antônio Jorge, Dailton Mascarenhas e eu - eis os perigosos comunistas, o quinteto infernal.
De Milton Mendes, abordado ontem, o Informe passa para Aurora Lilian Lopes Vasconcelos.
Não tenho informação de Aurora seriamente envolvida em atividades de esquerda.
Não significa nada.
Pode ser fosse tão eficiente nas artes da clandestinidade que nos enganasse.
Nesse caso, eu teria sido enganado.
Pode ser.
Fato: os órgãos de segurança botaram os olhos nela.
Aparecia em informes de 24 de março e 20 de maio de 1977.
O Informe registra: estava na "Tribuna da Bahia".
Ah, para sustentar estivesse envolvida em atividades sediciosas, informa a participação dela no jornal "Invasão".
Fui dar uma olhada no livro "Os baianos que rugem...", e bingo, lá está ela entre os quatro primeiros da redação: Ana Cristina da Cunha, Ana Maria Fachinetti, Antônio Jorge Moura e ela, página 143.
Nesse caso, o Informe não estava errado.
Integrava a publicação subversiva.
O CISA acrescenta, como agravante, o fato de ela ser "da mesma linha de Antônio Jorge de Souza Moura".
Outra vez, eu nunca soube da linha estratégico-programática de Antônio Jorge.
Eu o tinha como homem de esquerda, repórter impetuoso, arrojado.
Mas, "linha", conheci não.
Insisto: devo outra vez ter sido ludibriado a bem da segurança.
Antônio Jorge trazia seguidores para a 'sua linha", nesse caso discretamente, também utilizando-se das artes da clandestinidade, contrariando seu temperamento barulhento e explosivo.
E assim colocou Aurora sob sua direção.
Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.
Volto: não creiam cegamente em nada.
Já alertei.
É coisa desse Informe, dessa descoberta diabólica de Tibério Canuto.
Aurora está aí, plena de juventude, nascida bem depois de mim e de Tibério, pode botar as coisas em seus devidos lugares, havendo correções a fazer.
Documento histórico a gente deve repercutir.
Estou fazendo isso.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Denilson Vasconcelos: Katia Madeiro. Veja a matéria
Tibério Canuto Queiroz Portela: Emiliano, de fato o documento faz parte do processo AN-2010, diligência 9919 832
Emiliano José: Tibério Canuto Queiroz Portela Ótimo.
Mônica Bichara: Olha isso Aurora Vasconcelos hehehe por menos de 3 anos eu não aparecia TB nesses informes como perigosa comunista. Vcs TB, Jaciara Santos, Isabel Santos, Socorro Araújo.....
Jaciara Santos: Mônica Bichara menina, quem diria, Aurora Vasconcelos, até tu? Rs rs rs
Aurora Vasconcelos: Jaciara Santos Pois é. Eu não sei como me meteram lá, pois os citados eram do JB e eu da TB. E eu nem gostava de política. Era existencialista. Que espiões incompetentes da porra foram arranjar. E se meu pai tivesse sabido de uma coisa dessas? Quantos inocentes não pagaram por inverdades desse tipo de arapongas de quinta? E o pior: semi-analfabetos.
Me irritou muito os erros ortográficos. Vontade de dar dois bofetes nesses(as) fdp
Aurora Vasconcelos: Mônica Bichara Coisa de araponga de bosta.
Vitor Hugo Soares: No caso de Aurora Vasconcelos, incluída no "documento histórico" a partir do informe de araponga de meia pataca da participação dela no alternativo "Invasão" - onde se dedicava a atividades sediciosas, segundo o precário informante acho que posso e devo dar um depoimento. Sempre considerei Aurora uma das melhores, mais competentes, antenadas e eficientes repórteres de sua geração no jornalismo baiano. Sempre gostei (é assim até hoje) de ter Aurora por perto, ou na redação ao meu lado quando o assunto é apurar fatos e fazer jornalismo de qualidade. Foi assim na sucursal do Jornal do Brasil em Salvador, no jornal "Invasão" e na Vejinha-Bahia, cuja implantação coordenei quando chefe da sucursal da revista. Repórter de primeira, ´na apuração dos fatos e no texto, foi isso que ela sempre fez, com brilho, em todas estas publicações citadas. O mesmo acontecia com o saudoso Antônio Jorge Moura, que um infarte levou prematuramente. Em sua honra e memória, cito um fato marcante do jornalismo na Bahia e no País. Recebi na redação da sucursal do JB, a dica de que algo grave estava acontecendo na Casa de Detenção no quase fim da ditadura. Antonio Jorge estava ao meu lado na redação do JB. Pedi que ele fosse verificar o que estava acontecendo. Ele foi e voltou com um dos maiores furos da imprensa baiana e nacional na época: a fuga de Teodomiro Romeiro, primeiro condenado à morte pela ditadura no Brasil. Furo internacional que, graças a Antonio Jorge, fizemos chegar na sede do Jornal do Brasil, no Rio, antes do governador Antonio Carlos Magalhães tomar conhecimento da fuga no Palácio. É isso, com meu abraço em Aurora e minha saudade de Antono Jorge.
Aurora Vasconcelos: Vitor Hugo Soares Obrigado pelo afeto e respeito. Vc tem a minha admiração não só pelo excelente profissional que sabe ser como pela pessoa integra e amável. Abs carinhosos
Isabel Santos: Pois é. Quase, quase, Mônica Bichara.
Socorro Araújo: Essa é ótima!
Aurora Vasconcelos: Socorro Araújo Surpreeesaaaa? Imagine eu....
Aurora Vasconcelos: Eu já tinha visto. Tibério me mandou. Fiquei mais que perplexa. Nunca pertenci a nenhum partido ou grupo político e não era nem próxima de nenhum dos " perigosos esquerdistas". Meu relacionamento com eles, inclusive com Antonio Jorge, era de simples cumprimentos. Não sei o que meu nome estava fazendo lá. Mistério...
Apenas trabalhei em jornais de oposição.
Portanto, não lhe enganei Emiliano, rsrs, enganei ao espião com o meu jeitinho sonso de subversiva.
Emiliano José: Aurora Vasconcelos É, o espião a imaginou perigosa, sonsa, sonsa, enganando até os tiras, a ponto de produzirem relatórios sobre suas "atividades". A ditadura tinha cada araponga, viu?
Aurora Vasconcelos: Emiliano José Pois pois. Não imagino quais seriam as atividades. Mas gostaria de saber quem foi o infeliz que enchia o sistema de segurança com informações sem fundamentos.
Emiliano José: Difícil descobrir, Aurora. Também gostaria muito de saber.
José Umberto Dias: a clandestinidade em sendo le charme discret de la petit bourgeoisie
Rui Patterson: Um retorno ao passado desses e vcs -alguns - nem assumem! Se os "homens" disseram que são-foram perigosos esquerdistas, levem pra seus currículos!
Aurora Vasconcelos: Rui Patterson Não se pode nem se deve assumir o que não é verdade. Falo por mim.
Rui Patterson: Aurora Vasconcelos, fazendo as devidas ressalvas? Pq vc foi realmente fichada.
Aurora Vasconcelos: Rui Patterson Soube disso recentemente, o que mostra o perigo das ditaduras, onde as pessoas são fichadas inocentemente. Minha atuação, durante esse período nefasto da nossa história, foi sempre dentro da minha profissão de repórter. Numa democracia, isso não é crime, nem motivo para fichas. Afinal, ditaduras não são regimes onde os direitos e a verdade dos fatos sejam levados a sério.
Nada devo. Sequer explicações ao senhor ou a quem quer que seja.
Isabel Santos: Muito interessante. Só sei de uma coisa: esse Emiliano José é um retadão. Essa série de #MemóriasJornalismoEmiliano está maravilhosa de informações. E, DITADURA NUNCA MAIS.
Emiliano José: Isabel Santos 😘, querida Isabel.
Mônica Bichara: Hoje a gente até acha graça e brinca com esses enganos, como a inclusão de Aurora Vasconcelos que nem sequer era do JBa. Mas isso mostra quantos absurdos e injustiças a ditadura é capaz de produzir, perseguindo não só quem de fato lutava contra o regime em busca de uma vida mais justa para todos
Aurora Vasconcelos: Mônica Bichara Já pensou? Quantas pessoas foram torturadas sem saber do que se tratava? Me lembro do assassinato de Vladimir Herzog.
Mônica Bichara: Aurora Vasconcelos claro, um risco que todos correm nesses regimes. Basta eles invocarem com alguém, interpretarem alguma mensagem errada....Estava lendo a Pg. 2 diz que vc era da TB e os perigosos comunistas tentavam te seduzir, junto com  Jolivaldo Freitas kkkkkkkk esse sempre foi perigoso) e outros
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Emiliano José
06 de janeiro 2020
Césio

Césio Antônio Ferreira de Oliveira é o próximo da lista do Informe do CISA.
Surpreso, fiquei surpreso com as escassas quatro linhas dedicadas a ele.
Além da filiação, relembra ter sido citado em documento do Departamento da Polícia Federal de 24/3/1977.
Estava vigiado, mas nem tanto.
Curioso.
Os órgãos de segurança teriam razões para dar mais atenção a ele.
Fora militante na Escola Técnica Federal ao lado de vários comunistas.
Militante e liderança.
Teve eleição consagradora para presidente do grêmio da escola.
Assim, não era um qualquer.
Quem sabe, os órgãos de segurança já o considerassem conhecido o suficiente.
Não precisavam mais de informações.
Vá se saber os critérios adotados.
E também devia depender do tipo de araponga.
Subestimado nesse Informe.
Já estivera frente a frente com o major Nilton Cerqueira quando secretário de Redação da "Tribuna da Bahia", em episódio já contado nessa série.
Dele, ressalto a qualidade profissional, o talento, a serenidade, a capacidade de chefiar equipes.
Não fez faculdade.
Sua escola foi a "Tribuna da Bahia", desde a Escolinha.
Ascendeu rapidamente.
Era um texto leve, elegante, avesso a ranços tradicionais.
Sabia editar como poucos.
Uma queda especial para produzir títulos espirituosos, manchetes instigantes.
Um grande jornalista, vida dedicada à atividade.
Eu o conheci de perto.
O primeiro encontro deu-se em 1975.
Leu série feita por mim na "Tribuna da Bahia" sobre o processo de libertação das colônias africanas do domínio português, e me chamou para o "Jornal da Bahia", onde ocupava cargo de chefia.
A série sobre Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, aconteceu no final de 1974, no início de minha caminhada jornalística.
Gostou e me levou.
Mais tarde, não muito, vamos nos encontrar na memorável redação do "Estadão", chefiada por Carlos Navarro Filho, repórteres os dois.
Depois, soube dele em tantas atividades no campo da comunicação política.
Ah, dirigiu o "Jornal da Pituba", de muito sucesso, não obstante de vida curta.
Sua obsessão era, creio seja ainda, o jornalismo.
Eu o conheci assim.
Não mais como militante.
O que não o tornava menos perigoso aos olhos da repressão.
Bastava ser jornalista para ser suspeito.
No ano de 1977, parece, estavam preocupados com outros, e o deixaram mais à vontade, não inteiramente, como vimos.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cesio Oliveira: Nem perceberam que fui eu quem contratou a perigosa equipe subversiva para a reportagem do Jornal da Bahia: Emiliano José, Oldak Miranda, Tiberio Canuto, Denilson Vasconcelos, Carlos Prata, Dalton Godinho, Carlos Zanetti, Dailton Mascarenhas e Antonio Jorge Moura, esses dois últimos os único que não eram ex-presos políticos. A Lemos Brito toda na Barroquinha. Joca estava afastado para tratamento de saúde. A direção do projeto de construção de uma nova Redação era de Gustavo Tapioca.
Emiliano José: Cesio Oliveira Passaram batido...
Emiliano José: Ainda bem...
Denilson Vasconcelos: Aê Cesio Oliveira. Boas lembranças de ti. Um abraço.
Mônica Bichara: Meu vizinho Cesio Oliveira, não sabia q vc era tão "perigoso" kkkkk Grandes revelações 
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Emiliano José
07 de janeiro 2010
Obrigado, Gordo!

É, a repressão passou batida.
Césio agachadinho agachadinho sem barulho feito um bom vietcong foi rompendo barreiras enchendo a redação de comunistas.
Certamente há estudos a respeito da presença de comunistas na imprensa durante a ditadura.
O assassinato de Vladimir Herzog, em 1975, jornalista competente, tornou essa presença mais visível.
Era do PCB.
Caiu na esteira da Operação Radar, trágica ofensiva da ditadura.
Foram mortos mais de 20 dirigentes do PCB.
Falo no PCB, mas esclareço: a origem dos jornalistas de esquerda era variada.
Boa parte deles não estava necessariamente ligada a nenhuma organização revolucionária.
O jornalismo era um meio de ganhar a vida.
Os empresários da comunicação tinham razões para preferir jornalistas de esquerda.
Em geral, tinham sólida formação cultural, e isso era, é, essencial ao exercício da profissão.
Conheciam História.
Sem ela, jornalista tropeça.
Eram disciplinados no cumprimento das tarefas confiadas a eles.
Em geral, sabiam escrever.
Tinham senso ético.
Conheciam os limites da, vá lá, imprensa burguesa.
Em geral, tornavam-se bons profissionais.
Não superiores aos colegas com outras visões políticas, mas bons.
A movimentação do Gordo - Navarro, mestre em apelidos, o chamava assim pelos quilinhos a mais - deve ter levado tudo isso em consideração ao ir chamando os comunistas para o "Jornal da Bahia", sob o olhar cúmplice e ativo de Gustavo Tapioca, em cargo de direção naquele momento, cobrindo a ausência de João Falcão.
Claro, o Gordo matava dois coelhos de uma só cajadada.
Era solidário com seus companheiros, de um lado.
Não estava mais diretamente vinculado à luta política direta, mas nunca deixara de lado seus ideais de esquerda.
Queria ser solidário, e foi.
E ao mesmo tempo, de outro lado, fortalecia a redação com profissionais responsáveis e dedicados.
Originários das prisões, levou Tibério Canuto, Oldack Miranda, Dalton Godinho, José Carlos Prata, José Carlos Zanetti, Denilson Vasconcelos, eu próprio.
De cambulhada, levou ainda Antônio Jorge e Dailton Mascarenhas, também jornalistas de esquerda, embora não egressos de prisão.
Era 1975.
Constituiu uma redação de esquerda.
Muitos dos novos e das novas jornalistas entraram no clima e se fez um vigoroso jornalismo durante bom tempo.
E Césio teve grande responsabilidade em tudo isso.
Devo dizer: obrigado, Gordo!
O jornalismo baiano deve muito a você!
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Chico Vasconcellos e Jose Jesus Barreto tb, não? Ainda alcancei boa parte desses perigosos comunistas no JBa. Graças a Deus hehehehe
Jose Jesus Barreto: Mônica Bichara eu era da "festiva" rsrsr
Chico Vasconcellos: Mônica Bichara Sonhávamos com um mundo melhor.
Cesio Oliveira: Valeu, Zapata. Não sei se foi Pedro Bó ou Navarrinho quem cravou esse apelido na nossa época de Estadão. Mas valeu, Emiliano.
Gustavo Tapioca: Agradeço pela lembrança. Nos vemos amanhã às 10h.
Lucia Correia Lima: O bom preparo intelectual da esquerda e sim, a disciplina, levou o ACM quando fundou ao jornal Correio da Bahia à dizer: "vou contratar a esquerda toda!". Dito e feito. Muitos foram.
Carmela Talento: Devemos muito a Césio Oliveira formou uma equipe que fez história no jornalismo

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Emiliano José
8 de janeiro 2020
Outro vietcong

Recentemente, nos falamos.
Queria a biografia sobre Waldir.
Recebeu-a, autografada.
Jolivaldo foi o alvo seguinte do "Informe Confidencial" do CISA.
Jolivaldo da Cruz Freitas.
Nascido em dezembro de 1953.
Quando a repressão botou os olhos nele, tinha 22 anos.
Divulga um documento de 20 de maio de 1976 onde registra atividades subversivas dele.
É acusado de participar do "esquema".
Ou seja, estava articulado com os comunistas,. principalmente com os do "Jornal da Bahia" certamente.
Não o conheci tão intimamente, embora amigos.
Não o vejo, não obstante possa me enganar, como militante de esquerda.
Talvez, quem sabe, um simpatizante à distância.
Mas, havia os vietcongs, aqueles a preferir a clandestinidade.
Nós, os recém-saídos de prisão, optamos sempre pela atuação aberta, à luz do sol.
Não tinhamos nada a esconder.
Éramos tão somente profissionais ganhando a vida, na mais absoluta legalidade.
O coronel Luiz Arthur de Carvalho, secretário de Segurança, ex-superintendente da Polícia Federal, o que me enviara à tortura, pediu a minha cabeça ao "Jornal da Bahia".
A direção do jornal resistiu.
A cabeça permaneceu no lugar.
Continuei trabalhando.
Sim, podia haver os clandestinos.
Jolivaldo podia ser do "esquema" e enganar até a nosotros.
Uma eficaz atuação vietcong.
Naquele momento, 1977, segundo o Informe, estava no "Diário de Notícias".
É acusado de produzir um sem-número de matérias mentirosas sobre a civilizada polícia baiana.
Talvez sua insidiosa atuação caminhasse por aí: desgastar o aparelho de Estado, particularmente a briosa polícia.
Chegou a apresentar queixa contra a polícia.
Registrada na 1ª C.P., a ocorrência revela agressão de um policial militar durante as manifestações estudantis de 19 de maio de 1977.
A agressão resultou em fratura num dos braços.
A ocorrência diz "consta" fratura.
De repente, o sujeito está apenas simulando para incriminar soldados no desempenho de sua sagrada missão de reprimir subversivos.
Jolivaldo deve ler esse texto.
Espero.
Passado tanto tempo, pode falar do passado sem receio.
Como era sua participação no "esquema".
Não vão mais quebrar o seu braço.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Esclarece aí, perigoso Joly Jolivaldo Freitas. Não sabia q vc era comunista
Jaciara Santos: Tiiiiiiiio.... Até tu?
Mônica Bichara: Se soubesse nem tinha autorizado ser meu imitador oficial. Vai que os caras encasquetam que eu sou comunista TB.....Deus me livre
Jaciara Santos: e ele, nem tchum, pra nós...
Mônica Bichara: Jaciara Santos esse Jolivaldo Freitas tá se fazendo de sonso agora q descobrimos a verdadeira missão dele. Confessa aí, homi. Ou será q foi outra barrigada dos agentes, igualzinha a se Aurora Vasconcelos?
Aurora Vasconcelos: Os bundões incompetentes precisavam mostrar serviço 
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Emiliano José
9 de janeiro 2020
Mariluce, força de mulher

O alvo seguinte do "Informe Confidencial" é Mariluce Moura.
Eu a conheci logo ao chegar à Bahia, em 1970.
Na condição de dirigente de AP, ela ainda estudante de jornalismo.
Eu dava assistência ao movimento estudantil.
Desde lá, nos tornamos amigos.
Dela, falo com emoção.
Por enquanto, não trato do jornalismo.
E deixo o "Informe" momentaneamente de lado.
Seu amor, Gildo Macedo Lacerda, foi assassinado pela ditadura.
Foram presos, ele e ela em 22 de outubro de 1973.
Ela trabalhava no "Jornal da Bahia".
Na sucessão de quedas na Bahia, Oldack Miranda também é preso.
Mariluce e Gildo são separados na noite do dia 22 de outubro.
Ainda pôde lançar um último olhar para Gildo, amoroso e angustiado.
Olhar de quem nada podia.
Nunca mais o veria.
Ontem, Gustavo Tapioca e eu conversávamos sobre esse episódio trágico.
Gildo e Oldack são levados para Recife.
Destroçado por torturas, Gildo é assassinado.
Entrou no rol dos desaparecidos políticos, vítima da ditadura.
Mariluce estava grávida de poucas semanas.
Tessa nunca conheceu o pai.
É professora de filosofia na USP.
Gildo é morto numa operação sangrenta da ditadura.
A atuação de um "cachorro", Gilberto Prata, orientou a repressão na busca dos principais dirigentes de Ação Popular Socialista, organização revolucionária de combate à ditadura, cumpre enfatizar.
Mataram sete deles entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974.
Ao "cachorro" se devem as mortes e desaparecimentos de Paulo Stuart Wright, Eduardo Collier Filho, Humberto Câmara Neto, Fernando Santa Cruz, Honestino Guimarães, José Carlos Novaes da Mata Machado e dele, Gildo.
Vamos ter chance de conhecer a história desse massacre brevemente.
Virá em livro escrito pelo ex-ministro Nilmário Miranda, irmão de Oldack.
Gildo foi anistiado em 30 de outubro de 2008.
Sua memória, honrada.
Mariluce, sabe-se lá como, conseguiu reunir forças e seguir a vida.
Tornar-se brilhante profissional.
Para mim, um exemplo.
Depois de cumprir pena, eu a reencontro.
E ela foi uma das pessoas a me dar régua e compasso no jornalismo.
O escritor francês Leon Bloy disse acertadamente, recorro constantemente a ele:
"Sofrer passa. Ter sofrido não passa nunca".
Experiências como a de Mariluce jamais são esquecidas.
Estão lá, na alma.
Mas, a vida não para.
Mariluce tem uma força singular, de mulher singular.
Amanhã, volto ao "Informe Confidencial".
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Esse caso é uma das páginas mais escabrosas da ditadura. E pensar que muitos querem reviver esses tempos, é de doer na alma  
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Emiliano José
10 de janeiro 2020
De pé, "apesar de você"

O "Informe Confidencial" do CISA fala em dois documentos referentes a Mariluce Moura.
Um, de 12 de novembro de 1973.
Outro, de 21 de janeiro de 1974.
O informante apenas cita.
Nunca informa conteúdos.
Difícil imaginá-los.
Os dois, muito próximos às prisões, à morte e desaparecimento de Gildo Macedo Lacerda.
Certamente, depois de presa e solta, Mariluce estava ultravigiada.
É revoltante a forma como o Informe se refere a Gildo.
Trata-o como amante de Mariluce.
O "subversivo Márcio", nome frio emprestado a ele pela repressão.
Na sucessão de invenções caluniosas, informa ter sido morto "num tiroteio com a Polícia Federal".
Já contamos, e se sabe: Gildo foi levado para Recife, sob ordens do coronel Luiz Arthur de Carvalho, atendendo pedido do Exército.
Lá foi torturado brutalmente.
Até morrer.
Lá desapareceram com seu corpo.
A covardia é uma das características das ditaduras.
A brasileira matou muita gente.
Sempre covardemente.
Na tortura.
Assim, com Gildo.
Informa-se a presença de Mariluce em "O Globo", no Rio de Janeiro, depois do assassinato de Gildo.
E ensinando na PUC.
Depois, voltando a Salvador, ali pelos meses de fevereiro ou março de 1977.
Passaria a trabalhar na sucursal de "O Globo", em Salvador.
E digo passaria porque não sei da veracidade das informações.
Não tendo nada a dizer dela, fala generalidades.
"Sempre que pode faz restrições ao regime", escreve o informante.
Mariluce, naquele momento, alma ferida, devia seriamente se limitar a seus afazeres profissionais.
Não creio estivesse empenhada em "fazer restrições ao regime", não obstante, por todas as razões, tivesse-as de sobra.
E trabalhava em "O Globo", cujos limites editoriais eram claros.
Acentua, contraditoriamente: Mariluce prefere falar pouco, "sobretudo em presença de pessoas que não fazem parte do 'esquema'".
Davam-na, portanto, como integrante do "esquema" montado a partir do "Jornal da Bahia", o ninho de comunistas montado pelo Gordo, o querido Césio Oliveira.
Não sei a reação de Mariluce a tudo isso.
Talvez de justa indignação.
Talvez sorria diante de tanta besteira, tanta indigência.
Ela me dirá.
Parece alterne hoje atividades profissionais na Bahia e em São Paulo.
Jornalista requisitada, sempre.
De pé.
As dores da existência, grandes, não a derrotaram.
Persistiu a acreditar na vida.
"Apesar de você"...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Impressionada com os detalhes desse relatório confidencial.....Belo resgate, Emiliano José
Lucia Correia Lima: Era free na sucursal do Globo e Luce trabalhava lá sim. Era Osvaldo Gomes o chefe. Foi qdo indiquei João Santana ( acho que Nadja também fez o mesmo) para tirar as férias de Mazzei. Osvaldo percebeu a capacidade de João, lhe contratou e pouco tempo tempo qdo o prefeito Mario Kertész criou a secretária de comunicação e convidou Osvaldo, este colocou João no seu lugar para mágua ou incompreensão de todos da equipe que lá estavam há muito mais tempo. Lembro de Mariluce, Mazzei, Renato Pinheiro um que hoje é prof de jornalismo de uma faculdade. O Teixeira. Foi duro para João enfrentar este ciúmes mas logo ele transformou a sucursal na melhor do país.  
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Emiliano José
11 de janeiro 2020
Papa Capim

Tibério é o próximo alvo do "Informe Confidencial".
Tibério Canuto de Queiroz Portela.
Nascido em Quipapá, Pernambuco.
Um mês depois de mim, março de 1946.
Acerta quando o situa como integrante da direção regional de AP na Bahia.
Quando revela ter sido preso.
Em maio de 1971.
Erra o nome de Antônio Rabelo - fala em "Antônio Mabello".
De onde tirou esse nome, ninguém há de saber.
Caíram ele, Renato Godinho Navarro e Rabelo, os três do CR/6 - Comando Regional 6, de AP, correspondente à Bahia e Sergipe.
"Foi processado em Brasília em decorrência de atividades da UNE".
Que eu saiba, não
Tibério há de esclarecer.
Toda a atividade dele no movimento estudantil esteve vinculada ao movimento secundarista.
Julgado e condenado a 30 meses de reclusão pela Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar, Bahia, não sei se abrangia Sergipe também.
Sai da prisão em setembro de 1973.
Direto para o "Jornal da Bahia".
Em junho de 1977, mês do relatório, continua no jornal.
Curioso: informa-se de uma relação exclusiva dele com Oldack Miranda e Dailton Mascarenhas.
Frequentava a casa de Dailton, dizia o relatório.
Besteira.
Se o fizesse, só esporadicamente.
Morava com Oldack Miranda, no Stiep.
Ele e a mulher.
Oldack, também casado.
E Tibério era dos que tinham relações amplas.
O tal relatório situa Tibério acompanhando "com vivo interesse o movimento estudantil".
Sei lá o significado disso.
Tibério não tinha mais qualquer relação com a movimentação estudantil.
Do que sei, ao menos.
Vai ver ainda dava alguma assistência aos novos militantes estudantis de uma AP a teimar em sobreviver, e sobreviveu durante algum tempo.
Não sei.
Ele pode esclarecer.
Na prisão, recebeu o apelido de Papa-Capim.
Não sei o autor.
Talvez Odilon Pinto, Cebola.
Nem sei a razão.
Talvez pelo cabelo loiro.
Sarará, na verdade.
Deixou crescer uma respeitável cabeleira, ao modo black power.
Não sei se à época era simpatizante dos Panteras Negras
Formou comigo uma boa dupla de zaga no time de futebol da "Lemos Brito".
Boa, elogio gratuito.
Éramos duros, isso sim, daqueles zagueiros respeitados muito mais pelo natureza rude do que pelo trato elegante com a bola: a menina podia até passar,.o jogador, não. Tentasse firulas, era um corpo estendido no chão...
No jornalismo...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Tibério Canuto Queiroz Portela: Atendendo os esclarecimentos solicitados 1) Respondi a um processo em Brasília, por confusão dos órgãos de informação que me xolocaram como um dos responsáveis pelas agitaçôes estudantis no Distrito Federal, jubto com Luiz Travassos e Luiz Raul. Detalhe: jamais estive em Brasília nos meus tempos de liderança secundarista.. 2) O documento faz confusão com a minha primeira prisãobem 1966, na Central do Brasil, quando ia me dirigia a Belo Horizonte para levar uma saudação dos secundaristas ao 28° Congresso da UNE, que elegeu José Luiz Moreira Guedes. 3. Creio que quem deu o apelido de Papa Capim foi Índio, um preso comum.
Tibério Canuto Queiroz Portela: No período abordado pelo informe do CISA eu tinha, de fato, contato com o pessoal da Nova Ação, que vendiam Movimento na UFBA, e, deppis, o Em Tempo. Isso se dava sobretudo por meio de Jorge Almeida (Macarrão), Vacareza e Pedroso, que me tinham como conselheiro. Não havia AP reorganizada. O que tínhamos era um grupão do qual vocé e outros ex presos políticos participavam. É esse grupão que dá sustentação a Movimento e depois Em Tempo
Emiliano José: Tibério Canuto Queiroz Portela Ótimos esclarecimentos.
Tibério Canuto Queiroz Portela: O Grupão era uma organização horizontal e plural.
Emiliano José: Isso
Tibério Canuto Queiroz Portela: Emiliano, acho que você vai levar um esporro de Gil quando ela ler seu texto por colocá-la como minha mulher. Cuidado com o identitarismo feminista.  
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Emiliano José
12 de janeiro 2020
Persistência e solidariedade

Quando Tibério Canuto de Queiroz Portela sai da prisão no segundo semestre de 1973, vê no jornalismo um meio de ganhar a vida.
Procura Gustavo Tapioca, diretor de Redação do "Jornal da Bahia".
É admitido.
Tapioca agiu solidariamente.
Sabia das dificuldades de um sujeito saído da cadeia, e sem eira nem beira.
Já se conheciam.
Tapioca fora militante de AP.
Do movimento secundarista.
Tibério se articulara com ele e José Sérgio Gabrielli de Azevedo quando da preparação do congresso da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
Reuniu-se com eles no final de 1966,.em Salvador.
O congresso da UBES realizou-se no Rio de Janeiro, em abril de 1967, e o delegado destacado por AP foi Gabrielli.
Tibério, eleito presidente, trabalhou no decorrer de 1967, para que Tapioca o sucedesse na presidência da UBES.
Considerado por Tibério como o "melhor quadro da nova geração na Bahia".
Não aconteceu.
Tapioca viu-se numa dessas encruzilhadas da vida: estava prestes a se casar e a AP propunha a ele integrar-se à produção ou assumir a dianteira no movimento estudantil.
Ir trabalhar como operário numa fábrica ou como trabalhador rural no cacau.
Ou assumir a direção da UBES.
Relutou.
Mas, decidiu casar-se e dar outro rumo na vida.
O sogro, João Falcão, oferece a ele a oportunidade de ser diretor de Redação.
Aceitou e saiu da militância direta.
Nunca deixou de lado suas convicções.
Tibério, no início, enfrentou dificuldades.
Não sabia nada de jornalismo.
Ia aos trancos e barrancos.
Editores foram a Tapioca: não dá, é melhor demitir.
- Não, nada de demitir. Vamos ajudá-lo. Sei do potencial dele.
Tibério se esforçou no limite, e logo, logo estava como editor de Economia.
No ano de 1977, segue para São Paulo, onde será um dos principais jornalistas de "Em Tempo", depois de "Movimento".
O "Em Tempo" na Bahia aglutinou um grupo numeroso de pessoas de esquerda, e um grande número de jornalistas.
Exercemos influência no jornal.
Conseguimos emplacar a ida de Tibério para São Paulo, sede da publicação.
Tibério seguirá ganhando a vida como jornalista.
Deve isso à sua tenacidade em aprender.
E inegavelmente à solidariedade de Tapioca.
 #MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Tibério Canuto Queiroz Portela: Sou eternamente grato a Gustavo Tapioca. Sem a sua solidariedade dificilmente chegaria aonde cheguei. Além de tudo, Gustavo abriu as portas para vários ex-presos politicos que ao sair da cadeia não tinham profissão.
Gustavo Tapioca: Forte abraço, Tiberio. Meu presidente.
Oldack Miranda: Todos os ex-presos políticos da ditadura devem muito a Gustavo Tapioca. Saídos da prisão, precisávamos trabalhar. O Jornal da Bahia acolheu a todos.
Gustavo Tapioca: Forte abraço, Oldack. Já disse ao Emiliano que precisamos nos ver e voltar a beber juntos. Abração e obrigado pelos exageros.
Tibério Canuto Queiroz Portela: Grande abraço, Gustavo Tapioca. Nós todos que estivemos na trincheira do Jornal da Bahia e aí iniciamos nossa profissão temos uma eterna dívida de gratidão a você. Já tinha dito isto a Emiliano, assim que chegou em minhas mãos o informe do CISA.
Mônica Bichara: Cheguei ao JBa no final de 79 para estagiar, mas lembro que esses nomes eram apontados como exemplo, como referência. Que escola fantástica foi o Jornal da Bahia, pra toda a vida, não só de jornalismo
Antonio Ibanez Ruiz: Estou confirmando o meu orgulho de poder beber uma cerveja, de vez em quando, com o nosso Amigão GT. Abraços e saudades 
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Emiliano José
13 de janeiro 2020
Ontem como hoje, jornalistas são inimigos

Vou lendo e concluindo o quanto é pobre, indigente, o tal "Informe Confidencial".
Ainda bem.
Nos deixavam mais à vontade.
Pra fazer jornalismo.
As informações são desencontradas.
Informam pouco.
Desinformam, às vezes.
Sobre mim, erra até data de prisão.
E não acompanha corretamente minhas andanças profissionais.
Erra o nome de Joca - a Bahia sabe chamar-se João Carlos Teixeira Gomes.
Durante todo o texto, chama-o de José Carlos Teixeira Gomes.
É citado num documento de 24 de março de 1977.
A ele são dedicadas escassas duas linhas.
Nesse dia, o informante trabalhou bastante: há documento também sobre Dailton Mascarenhas.
Revela: Dailton estava no "Jornal da Bahia" em 1975 "como um dos principais elementos de um grupo de esquerda que crescia no jornal".
Foi para a "Tribuna da Bahia" e depois para o "Diário de Notícias", "onde liderou um movimento do pessoal da redação contra os diretores por causa de um atraso no pagamento de salários, o que motivou na saída de muita gente do jornal". (sic).
Voltou para o "Jornal da Bahia", "onde está ao lado de Tibério Canuto e Oldack Miranda, acompanhando de perto todo o movimento estudantil".
Houve reuniões na casa de Dailton, na Ribeira.
Fornece o endereço: Rua Júlio David, 6.
Já disse: não se pode tomar tais informações como verdadeiras.
Quem for estudar o período, terá um duro trabalho de checagem.
Raimundo Mazzei é brindado com escassas linhas para se informar ser do "esquema", trabalhar n'O Globo', e ter interesse no movimento estudantil.
Pulam pra João Neiva.
Estava na "Tribuna da Bahia".
Era da "esquerda festiva", pobre do Neiva.
Fugiu de São Paulo por problemas políticos e veio dar com os costados na Bahia, onde estava havia apenas dois anos.
Já se disse: ele tinha um gozo especial ao esculhambar a polícia - assim o informante o via.
Estudava Jornalismo na UFBA.
É primeiro-secretário do Diretório Acadêmico.
Militante da porra.
O documento difundido sobre ele também é do dia 24 de março de 1977.
Pedro Formigli, com quem trabalhei no "Estadão", é citado para lembrar de uma queixa na 1ª C.P. sobre uma agressão sofrida por ele por parte de um soldado da PM quando cobria manifestação estudantil de maio de 1977.
Isnaia Junquilho Freire entra no Informe como Pilatos entrou no Credo.
Prima de Oldack, ela o acolhera quando chegou de Minas, saído da prisão, início dos anos 70.
Está relacionada.
Nunca foi jornalista.
Desse "Informe Confidencial" pode-se concluir:
a ditadura via os jornalistas como inimigos.
O atual presidente da República os vê da mesma maneira, sem tirar nem pôr.
Inimigos precisam ser vigiados.
Cuidar-se dos ataques deles.
No caso da Bahia, o araponga era muito fraco.
Quem terá sido?
Nunca vamos saber.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Agora então. . .pra esse governo medíocre, somos os inimigos preferenciais. A história se repete
Joana D'arck: Sempre assim.
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Emiliano José
14 de janeiro 2020
Saltando a fogueira

Essa série está me levando a muitas descobertas.
A trajetórias antes desconhecidas.
Ou só resvaladas.
Sabia alguma coisa do jornalista Gusttavo Falcón.
Convivera com seu irmão, Peri Falcón, na "Lemos Brito".
Dona Bárbara, sua mãe, nos visitava na cadeia.
Não conhecia, no entanto, a própria odisseia política dele.
Desde muito jovem, militante.
No Colégio "Severino Vieira" integra o grêmio, já pertencente à Polop, organização revolucionária.
Participa na linha de frente das manifestações de massa dos secundaristas de Salvador no final da década de 1960.
Militante comunista, amplia seu raio de ação.
Chega a vários colégios da capital e a muitos do interior.
Entra de cabeça na rearticulação da Associação Baiana de Estudantes Secundaristas (ABES) e União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).
Era o porta-voz dos interesses dos estudantes do "Severino Vieira" e o defensor da linha política defendida pela Polop.
Em 1968, lidera a primeira ocupação organizada durante uma greve num colégio secundário na Bahia.
Sentiu-se no fogo da Revolução.
Foram 40 dias de ocupação.
Dias heróicos, assim os enxergava.
Atividades culturais, didáticas, científicas e políticas.
Foi projetado como liderança.
A repressão botou uma lupa em cima.
Ficou preocupada com aquela inovadora forma de fazer política.
Atraía a massa.
Fazia crescer sua consciência política.
Colocava os estudantes contra a ditadura.
É, mas a ditadura não viera para brincar.
O AI-5 chegou com toda sua violência, 13 de dezembro de 1968.
Gustavo foi expulso
E proibido de estudar em colégios públicos.
Além de queda, coice.
Com 16 anos, precisava cuidar da vida.
Sobretudo, estudar.
Família pobre, contou com a ajuda de amigos e parentes para custear a conclusão do curso médio, feito no Colégio "Atheneu Sergipense", em Sergipe, valendo-se do expediente acelerado do "Madureza".
Nessa modalidade, era possível concluir o curso médio rapidamente.
Eu próprio me vali desse recurso no ano de 1967.
Saltou a fogueira: voltou de Sergipe com o diploma do curso médio nas mãos.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Denilson Vasconcelos: Grande figura, ao lado de quem tive o prazer de trabalhar no IC Shopping News. Numa época em que este tipo de publicação não precisava ser shopping lixo.
Zeca Peixoto: Que história!
Mônica Bichara: Cada capítulo dessa história é mais impressionante que o outro. Estou juntando todo também para postar editado com os comentários no Pilha Pura  
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Emiliano José
15 de janeiro 2020
Perigosos secundaristas

Gustavo Falcón não abriu mão da participação política.
Fora da escola pública, encontrou saída concluindo o colegial valendo-se do "Madureza".
Dirigente do Comitê Estudantil Secundarista da Polop, propôs em plenária de sua base, a criação do Movimento de Organização e Luta (MOL).
Tratava-se de arregimentar nas escolas estudantes simpáticos à luta contra a ditadura, naquele momento perdidos diante de tanta repressão.
Estavam sem orientação alguma, não obstante desejosos de participarem da luta.
O movimento proposto por Gustavo foi aprovado pela base secundarista e pela direção estadual da Polop.
A direção dessa iniciativa contava, ainda, com a participação, entre outros de Manoel Falcón Marino Neto, um dos irmãos comunistas de Gustavo, já falecido, e de Jaime Cunha, hoje advogado, militante do PT.
Corria o ano de 1969.
Em poucos meses de trabalho, o movimento chegou a contar com 300 estudantes organizados em dezenas de escolas da Região Metropolitana de Salvador.
Surgiram vários jovens quadros políticos: Antônio Risério, Eduardo Paes Machado, José Raimundo Fontes podem ser lembrados.
Risério, escritor renomado.
Eduardo Paes Machado, sociólogo, professor da UFBA.
José Raimundo, deputado estadual atualmente, prefeito de Vitória da Conquista duas vezes.
Repressão percebeu a movimentação e em abril de 1970 desencadeou uma operação imensa destinada a desbaratar o MOL.
O comando sediava-se no famoso Quartel do Barbalho, base de apoio para as ações de captura, detenção e tortura dos jovens militantes secundaristas.
A repressão estava em plena ofensiva em todo o País.
Matara Carlos Marighella em novembro de 1969.
Mário Alves, no início de 1970.
Marighella, da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Mário Alves, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Dois grandes dirigentes comunistas.
Como iriam deixar o MOL seguir adiante?
Mas, os secundaristas da Polop não se deram conta dessa conjuntura.
Nem a direção estadual.
Em poucos dias, o MOL foi completamente destruído.
Montou-se um aparato de guerra.
Comandado diretamente pelo coronel Luiz Arthur de Carvalho, superintendente da Polícia Federal e durante muito anos o principal dirigente da repressão da ditadura no Estado.
A repressão imaginava estar defronte de uma poderosa organização armada.
Havia recolhido impressos com obras de Guevara, Marighella e tantos outros revolucionários considerados dignos de estudo pela Polop, cuja tradição era de uma organização voltada ao aprofundamento teórico.
Mas, a repressão se preparara para o pior.
Gustavo cai...
#MemóriasJornalismoEmiliano  
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Emiliano José
16 de janeiro 2020
Tocando terror

Noite.
Boca da noite.
Gustavo Falcón, Antônio Risério e Eduardo Paz Machado reunidos.
Jaime Cunha não pôde estar presente.
A coordenação do Movimento de Organização e Luta (MOL) discutia a ação de agitação e propaganda do dia seguinte, Primeiro de Maio.
Era o Brasil de Médici.
Do terror.
Repressão com dentes afiados.
Em todo o País.
Terminada a reunião, Gustavo e Eduardo caminham, saindo de Nazaré onde ocorreu o encontro, em direção à Barroquinha, local do maior terminal de ônibus de Salvador.
Seria ali a ação do dia seguinte - das cinco da manhã em diante.
Panfletos prontos lembrando o Primeiro de Maio como dia de luta dos trabalhadores, a exploração, as violências da ditadura.
Não iriam deixar passar a data em branco.
No trajeto, conversavam animadamente.
Gustavo, já militante e dirigente estudantil da Polop, gostava muito de Eduardo.
Ainda simpatizante, prometia muito na visão dele.
Distraidamente, ali pelas 9,30 da noite, desciam escadas cujo final era o Terminal da Barroquinha.
Iam passar os olhos no teatro de operações do dia seguinte, fazer um aligeirado levantamento topográfico.
No meio da escadaria, o pau cantou.
Um bocado de brutamontes surgiu não se sabe de onde gritando e batendo murros e pontapés armas nas mãos ditadura de dentes arreganhados algemas apertadas.
O bote estava armado.
A operação destinada a desmantelar o movimento estudantil secundarista dirigido pela Polop estava marcada para aquela noite.
A direção do MOL não se dera conta.
Tocava a vida.
A noite foi de terror.
Interrogatórios.
Torturas físicas e psicológicas.
Gustavo não dizia uma palavra.
E ficou impressionado com o comportamento de Eduardo.
O simpatizante não admitia sequer conhecer Gustavo.
Admirável.
De repente, aos borbotões, empurrados, tiras gritando tocando terror, Gustavo observa amigos entrando assim amedrontados olhos esbugalhados.
Todos jovens, como ele e Eduardo
Juventude despedaçada.
Destroçada.
A felicidade, se é possível usar a palavra numa situação dessas, foi constatar a inexistência, em meio a tanta gente presa, de qualquer companheiro da Organização, como ele chamava a Polop.
Ao menos, de qualquer quadro fora do movimento secundarista.
Em menos de uma semana, Gustavo viu desfilar à sua frente quase todos os participantes do MOL, inteiramente desbaratado.
Aberto o inquérito, Gustavo se viu...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Muito importante relembrar esses fatos nesse momento de ameaça à democracia
Mônica Bichara: Verdade, Carmelinha. Esse resgate da história do jornalismo baiano na ditadura é uma aula para as novas gerações entenderem que é preciso lutar contra esse retrocesso que estamos vivendo
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Emiliano José
17 de janeiro 2020
Dois inquéritos

Gustavo Falcón, passada a fase do terror absoluto, porrada e pergunta, vieram os inquéritos.
Sim, inquéritos.
Dois.
Um, sabatinado pela Polícia Federal.
Outro, pelo Juizado de Menores.
O primeiro, por óbvio.
Pela pura e simples existência da ditadura.
A PF não deixaria barato.
Pouco lhe importava não tivesse ainda completado 18 anos.
Mandava às favas os escrúpulos legalistas, ainda mais sob Médici.
Era um terrorista perigoso e ponto final.
De qualquer forma, no entanto, era de menor, como se dizia à época.
Necessário seguir formalidades da lei.
Além de terrorista, era menor infringindo a lei.
A rigor, devia ser ouvido apenas no âmbito do Juizado de Menores.
Mas, nada.
Falava a um e a outro.
Um absurdo jurídico, absolutamente usual sob a ditadura.
Ninguém passa pela experiência de prisão, tortura, cumprimento de pena, e sai ileso.
As feridas ficam lá, na alma.
Para sempre.
Há quem queira ignorá-las, passar ao largo.
Mais cedo, mais tarde, as feridas dão sinal.
Gustavo diz: da tortura pode sair uma pessoa renovada.
Ou um ser humano em frangalhos.
Renovada, em termos.
Transformada, melhor.
Ou destruída, esfacelada, como ele disse.
Confessa: fez bacharelado, mestrado e doutorado em ciências políticas aplicadas nos meses passados preso.
A prisão é uma escola política.
E um termômetro para as convicções do ser humano.
Aquela experiência, com toda sua brutalidade, quase pôs fim à sua vida de jovem idealista.
Resistiu.
Onde estivesse, manteve seus ideais, renovados.
Prisão ensina profundamente o valor essencial da liberdade.
Foi assim com Gustavo:
- Fora da prisão, jamais havia tido a real dimensão do valor da liberdade.
Pensa: a ditadura, sufocando as liberdades, o empurrara para a semi-clandestinidade.
Na cadeia, dizia de si para si:
- Para de agir. Pelo menos saímos livres da suspeita de integrarmos uma organização terrorista.
Pensa nele e nos outros:
- Todos os que pagaram mais caro o preço da ousadia, como eu, Antônio Risério, Eduardo Machado, Jaime Cunha, Antônio César Ramos Santos, entre muitos outros, amargamos a dura experiência da derrota, da humilhação, do sofrimento que passou a virar, para muitos de nós, perseguição, após sair da prisão.
Ao sair da prisão, Gustavo...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Rui Patterson: Continua? Ou só no próximo livro?
Emiliano José: Rui Patterson Amanhã, né Rui...
Lucia Correia Lima: Forte. Pena que compadre em Facebook tem. Nem aí
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Emiliano José
18 de janeiro 2020
Desafios pós-prisão

Ser preso, torturado enfrentar pena, são situações-limite na existência.
Houve tentativas de suicídio de muitos na prisão.
Sei de alguns.
Houve suicídios pós-prisão.
Aqueles, aquelas incapazes de suportar o peso deixado pelos monstros da ditadura em suas almas.
Melhor terminar o suplício com o fim da existência.
Ditadura é isso e muito mais.
Insisto: deixa marcas para sempre.
Muitos sabem lidar com tais marcas.
Outros, nem tanto.
Gustavo Falcón sai da cadeia, olha o entorno, amigos sumidos assim, ditadura prendendo, torturando, matando.
O irmão, Pery Falcón, na clandestinidade.
Irmãs, irmandade toda, de uma forma ou de outra, envolvida com a militância.
Família comunista - esta.
Barra tinha pesado, situação não era fácil.
Ainda assim, decide seguir na luta.
A frente de combate reclamava sua presença.
A prudência recomendava recuo.
O espírito comunista, ousadia.
Uma coisa a cadeia fizera: formou seu caráter, deu-lhe uma rigorosa visão humanista, a ser honrada até o final de seus dias.
Alea jacta est: resolve mergulhar na clandestinidade, seguindo orientação da Polop.
Desembarca em São Paulo, depois Rio de Janeiro.
Em Niterói, torna-se assistente dos trabalhadores de base da Organização, fazendo educação política.
Tentar, tentou.
Mas, tudo era pesado, duras as condições de clandestinidade, precária a vida, medo, insegurança, um manto sombrio cobrindo a existência de um jovem recém-chegado à maioridade.
Tão jovem e tão velho, obrigado pelas condições políticas a amadurecer precocemente.
Sente-se cercado.
Dava não.
Melhor voltar à Bahia.
Vai concluindo e era duro concluir: aquela estratégia era suicida.
Aquela forma de luta não tinha futuro.
A ditadura estava na ofensiva, e a esquerda tinha uma dificuldade enorme de compreender isso.
Era hora de recuo.
De acumular forças.
Embarca no Jornalismo e na Universidade.
A democracia, sua baliza.
Seu valor universal, à Carlos Nelson Coutinho, aqui sou eu me aventurando teoricamente sem permissão.
Aproveitava todas as brechas da censura na chamada grande imprensa, onde passou a trabalhar, a partir da "Tribuna da Bahia", e disso já falei.
E "Invasão", "Boca do Inferno", "Opinião", "Ex", mergulho na imprensa alternativa, rico mergulho.
E veio a Universidade...
#MemóriasJornalismoEmiliano    

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Emiliano José
19 de janeiro 2020
O nazi-fascismo não dorme

Na Universidade, estudante de Sociologia da UFBA, torna-se monitor da professora Alda Mota, auxiliando-a nas tarefas das disciplinas introdutórias.
Ditadura já vivia a disputa entre a linha dura dos porões e os defensores da distensão lenta e gradual.
Recém-casado, a remuneração da bolsa da monitoria o ajudava muito.
Complementava a renda obtida como jornalista.
Ajudava a garantir o sustento da casa.
A disputa entre o porão e a distensão, que se iniciava, ia lhe render fruto amargo.
A ditadura exigiu a saída dele da função de monitor.
Comunista não podia exercer tal tarefa.
Podia fazer a cabeça da moçada.
Ordem expressa da 6ª Região Militar.
Teve uma alegria ao menos.
O chefe do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, professor Carlos Costa, entrega-lhe carta de recomendação extremamente elogiosa.
Uma palavra de conforto, revelando o espírito digno de um professor, com coragem suficiente para evitar tornar-se vassalo dos militares.
Na sua chegada ao jornalismo, me parece já ter dito isso, mas o que abunda não vicia, agradece de modo especial a Hamilton Celestino e a Milton Caires de Brito, esse ex-dirigente do PCB e Constituinte eleito em 1945.
A "Tribuna da Bahia" garantiu a existência de Gustavo Falcón durante a maior parte da década de 1970.
É, mas o nazi-fascismo não dorme.
Os dias atuais estão aí para reafirmar isso.
Numa tarde monótona de Salvador, no segundo semestre de1973, é sequestrado à porta da casa onde morava, no Engenho Velho de Brotas para pavor de sua jovem esposa, grávida e desligada de qualquer tipo de atividade política.
Conduzido à temível Polícia do Exército (PE), no Quartel do Barbalho.
Tinha certeza: não estava envolvido mais com atividade clandestina.
Não atinava com a razão.
E ditadura precisa de razão?
Enquanto seguia sequestrado, pensava no terror de passar por tudo de novo: interrogatórios e torturas.
São aqueles momentos eternos, onde tudo é dúvida, medo, insegurança.
Onde tudo é incerto.
A cabeça, em polvorosa
O coração, acelerado...
#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
20 de janeiro 2020
Pastor de abelhas

A cabeça em polvorosa.
O coração, acelerado.
O que será que será?
Sequestrado.
Barbalho.
Gustavo Falcón não sabia a razão daquele inesperado sequestro.
Daquele mergulho no terror.
Novamente.
Pergunta daqui, pergunta dali, e ele foi entendendo a razão do absurdo.
Havia hospedado uma mineira, amiga de um colega de trabalho, Oldack Miranda, mulher de José Carlos da Matta Machado, de Ação Popular, assassinado pela ditadura junto com mais seis dirigentes da Organização, entre os quais Gildo Macedo Lacerda, levado de Salvador para Recife, assassinado e desaparecido.
Essa ofensiva sobre AP ocorreu entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974, quando a repressão mata os sete dirigentes.
A ditadura achou pudesse Gustavo Falcón ter alguma ligação com AP.
Em plena sala de tortura, um puxa-estica danado, Gustavo falando a verdade nesse caso, não tinha nada a ver com AP, fizera um favor a um amigo ao hospedar a moça, AP não era sua praia.
Liberado.
No pedido de anistia, faz um balanço:
"Da violência do Estado sobre a minha pessoa, resultou uma carga de prejuízos morais, psicológicos e econômicos cujo cálculo extrapola a medição puramente mercantil".
Juventude quase despedaçada.
Liberdade várias vezes cerceada e suprimida.
Obstáculos à sua formação profissional e ao seu desempenho como estudante e trabalhador.
Viu, ainda, sua família ser duramente perseguida.
Jacema Elvira de Oliveira Falcón, detida no Congresso da UNE, Ibiúna, São Paulo, foi obrigada a submeter-se a empregos precários por mais de uma década.
A perseguição política impedia a irmã de ser médica com emprego regular.
Outra irmã, Yara Cecy de Oliveira Falcón, presa em Recife, amargurou anos de prisão.
O irmão, com quem compartilhei cadeia na Penitenciária Lemos Brito, Pery Tadeu de Oliveira Falcón, preso duas vezes,. sempre torturado, foi amplamente prejudicado em sua vida profissional por razões de ordem política.
Resolve pedir reparação como uma exigência cidadã.
Para nenhum governo mais ter a ousadia, sob nenhum pretexto ou argumento, de prejudicar quem quer que seja por razões de ordem puramente ideológica ou política.
"E muito menos venha a sequestrar, torturar e ameaçar a integridade física, moral e intelectual de qualquer ser humano. Nem comprometer o futuro, como foi o meu caso particular, de nenhum jovem por ação repressiva, ilegal e extra-jurídica do Estado".
Faz tempo, Gustavo Aryocara de Oliveira Falcón recolheu-se à comovente atividade de pastor.
Vive em Cachoeira, onde, num pequeno sítio, pastoreia abelhas.
Muito próprio nesse tempo de tentativa de
dizimação da espécie pela proliferação desenfreada dos agrotóxicos.
Quer ajudar a salvá-las.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Bravo, Emiliano, essas memórias tornaram-se leitura indispensável, verdadeira aula de história
Emiliano José: Mônica Bichara Valeu, Mônica. Sempre honrado pela leitura. 

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