#MemóriasJornalismoEmiliano – Adilson Borges: O romântico-maluco-beleza




Pai/autor de “My Little Ben”, o jornalista-poeta-músico-cantor-cronista Adilson Borges é o personagem da vez da série #MemóriasJornalismoEmiliano, do também jornalista-escritor-professor Emiliano José. Um mergulho que começa na adolescência na Cidade Nova, quando descobriu a queda pelo jornalismo editando “O Feto”, contando com repórteres que parecem saídos de ficção. Romildo e João Lourenço entre eles. No dilema entre jornalismo e a música como profissão, a notícia venceu. Que bom, comemoramos.

Mas que bom também que a viola, as composições, as cantorias não ficaram adormecidas. Sobretudo com a parceria do amigo e também jornalista Paulo D´Antão. Entre as inspirações, músicas para os filhos mais novos (são 5 ao todo, mais duas netas), Chico e Ben, do casamento com a querida Marília, que já dura 25 anos.

Ele conta: “Gravamos, eu e Dantão, uma música juntos.  Está no segundo CD dele, Pra lá do azul do Rio Vermelho. A música é Sambando no Concreto.  Fiz para ele e sobre ele, companheiro de música e poesia e que já fez uma música para Chico, meu primeiro filho com Marilia, quando ela estava grávida. É Anjo Poeta. Está gravada só por Dantão no primeiro CD dele, Delenda Cartago.  Há pouco mais de quatro anos, Marilia grávida de novo, 17 anos depois do primeiro filho, nos deu outro presente, uma música para Ben: Beija-flor e Querubim. Com a delicadeza peculiar, pediu para eu fazer o último verso”.

Nas fotos que compõem essa postagem em homenagem a Adilson, destaque para a da festa de comemoração dos 40 anos de formatura, com muitos amigos queridos. Junto postei a letra da música que ele compôs para o evento, de onde foi tirada a frase "Parece que foi ontem", slogan do encontro. 
É o próprio Adilson quem conta para historiar a escolha do tema: “Como não é todo dia que a gente faz 40 anos de formatura - nem 10 nem 20 nem 30-, fiz uma coisinha musical para marcar o evento.  
Relevem a qualidade do som porque hoje, com Ben inquieto, estava difícil preservar o meu estúdio ( o banheiro).  
Gosto da ideia do sorteio. Por isso, pensei  em três nomes. Vocês  podem votar em um deles ou em nenhum:  Facom 40 graus, Zen 40 graus ou Facom Zen 40 graus. O vencedor pode me acompanhar no pandeiro. 
Ah, elogios aceito-os públicos;  críticas no privado . Beijos para todos.
Obs: Venceu Santuário dos Desejos, nome defendido por Oldack

Agora é com Emiliano José, pra não tirar o gostinho da leitura. Vou tentar postar os links das músicas também


Sambando no Concreto (Adilson e D' Antão)

https://www.youtube.com/watch?v=MqEXFECmqT4

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 (Formatura com o professor Aloísio da Franca Rocha)

Emiliano José 
4 de fevereiro 2020
Coisa de louco

A amizade se estreitou no Alto do Saldanha, Brotas, onde eu morava, no primeiro semestre de 1980.
Foi o copidesque de "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", escrito por mim e Oldack Miranda.
Esses dias, e somente esses dias, fui saber de um filho dele, talvez entrado já nos quarenta, de nome Emíliano.
Ao chamar um táxi, entro e ele pergunta:
- É Emiliano?
- Sim - respondo.
E ele:
- Também me chamo Emiliano.
Diz de quem é filho.
Compreendi
Liguei do carro mesmo:
- Nem me falou...
Sorriu.
Só.
É o que se pode chamar um sujeito alto astral.
Duas coisas sempre o marcaram: textos e música.
Adilson Borges confessa: tais territórios sempre apareceram embaralhados para ele.
Não sabe o que levou um ao outro.
Os textos o levaram à música?
Ou a música o levou aos textos, às letras das canções?
Não resolverá esse mistério jamais.
- O importante na minha trajetória profissional é ver como as duas coisas resultaram de uma inquietação intelectual que me levaram à música e ao jornalismo.
Violão, de ouvido,  aprendeu em Itapuã, adolescente ainda.
Retornado à Cidade Nova, onde havia nascido, tendo a música já como dileta companheira, resolve, aos 18 anos, criar o jornal "O feto".
Brincadeira com o fato.
Levou o nome a sério: no editorial do primeiro número anuncia o fim do jornal ao completar nove meses.
Nascer.
Morrer.
Ele próprio escrevia a maioria dos textos, sempre numa perspectiva libertária.
Contava com apocalípticos poetas: Orlando Pinho e Emanuel.
Músicos como Roberto Ferreira.
Cronistas como João Lourenço, estudante de economia.
Poesia, cinema, literatura, racismo, o jornal continha tudo, a porra toda.
Não tinha vinculação partidária.
Vendido na Barraca de Pipa, ponto final de ônibus, Largo da Cidade Nova.
Pipa, o dono, de nome Enogno, isso mesmo, Enogno, era uma espécie de gerente d'O Feto.
Mimeografado, o jornal tinha inspiração underground, como o bonito e louco "Verbo Encantado", à frente Alvinho Guimarães e outros malucos.
Capas, lindos desenhos de Celso e Romildo.
A inspiração underground aí tornava-se mais evidente ainda.
Nas capas de Romildo, havia sempre uma figura humana com duas ou três cabeças, uma frontal, outra ou outras lateral.
Senha de identificação de seu mundo esquizofrênico e epiléptico, como ele próprio se diagnosticava.
Consciente de si, Romildo encontrava um jeito de enfrentar as crises quando insuportáveis: pegava algumas poucas mudas de roupa e internava-se num hospício.
O jornal era coisa de louco.
E Romildo não cabe num capítulo.
Uma noite...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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 Emiliano José
5 de fevereiro 2020
Duelo de espadas com Wagner

Romildo era culto.
As capas feitas para "O Feto" deixavam trair sua cultura.
Gostava de música erudita.
Cultivava leitura, mergulhava nas literaturas.
Identificava-se com os "epilépticos e esquizos", no registro de Adilson Borges, como Dostoiévski.
Apaixonado por artes plásticas.
E pelo Cemitério da Quinta dos Lázaros.
Perambulava por lá quando lhe dava na telha.
Lá, todos devem saber, está o túmulo de Carlos Marighella.
Numa visita, à noite, que, convenhamos, cemitério fica mais sugestivo à noite, Romildo sentiu um sono da gota serena, daqueles cujo único jeito é deitar e dormir.
Olha para um caixão solitário, o cadáver seria enterrado no dia seguinte, ninguém o velava.
Não era afronta.
Só uma noite.
Tirou o cadáver, colocou-o num banco ao lado,
deitou no caixão.
Dormiu gostosamente.
De manhã, gritaria.
Não atinava o porquê.
Pra que tanto grito?
Escândalo.
Tiraram-no do caixão, caso parou na delegacia.
O jornalista de "O Feto" só andava a pé.
Caminhava diariamente da Cidade Nova à Baixa do Bonfim, onde moravam uns parentes.
Lavava carros, pintava quadros, decorava paredes, o diabo a quatro, se virava nos trinta.
Tinha ousadias.
Contou uma delas a Adilson.
Surrupiou uma espada da casa dos parentes.
Calma.
Era para um objetivo nobre.
Muito nobre.
Iria desafiar Richard Wagner para um duelo.
Havia pensado num duelo de capoeira.
Desistiu:
- Disputa de capoeira ele não toparia porque era metido a aristocrata.
Não houve o duelo.
O contendor não apareceu.
Covarde, havia morrido desde 1883.
No dia 13 de fevereiro.
Tinha uma relação de amor e ódio com Wagner.
Sabia reproduzir introduções de várias obras dele.
Uma vez, Adilson o convida para um concerto de música erudita na Reitoria da UFBA.
De graça.
Foi a primeira vez a vê-lo sem bermuda.
Todo composto, calça comprida.
Adilson grita:
- Vamos correr. A gente pega aquele ônibus saindo agora.
Romildo estancou:
- Adilson, você não sabe que eu só ando a pé?
Foram e voltaram a pé.
Da Cidade Nova ao bairro do Canela.
Uma paletada da desgraça.
Romildo não cabe em dois capítulos.
A redação montada por Adilson era coisa de louco...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Marilia Pessoa: Parabéns, Emiliano, se Romildo lesse essas histórias ficaria desconfiado. Depois, adoraria!
Emiliano José: Marilia Pessoa Obrigado. Beijo
Jose Alcino Alcino: Companheiros, te desejo Saúde pra gozar a vida.
Emiliano José: Jose Alcino Alcino Obrigado, companheiro!
Vera Barbosa: 🎶👏👏🎶Parabéns, meu querido irmão!
Emiliano José: Vera Barbosa Queridíssima irmã, obrigado. Beijo carinhoso.
Eli Eliete: Beleza!
Mônica Bichara: Muito bom esse repórter do Feto, imaginando as aventuras q vêm por aí 
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(Com vários colegas do JBa, início de carreira, antes das mulheres invadirem as redações: Rafael Pastore, Pedro Augusto. L.A., Fred Passos, Luiz Sérgio, Muniz.....)

Emiliano José
6 de fevereiro 2020
Ratos roendo o travesseiro e quebrando os dentes

Desde cedo, Adilson Borges sabia agrupar amigos.
Neste caso, para fazer "O Feto", jornalistas.
O talento de cada um era o da vida.
Não perguntava por diploma.
Nem queria saber se era normal.
Afinal, de perto alguém é normal?
Assim, o ilustrador das capas, nosso Romildo.
Alguns leitores estão imaginando-o saído de alguma peça de ficção.
Ou atribuindo-me criatividades inexistentes.
Tenho imensa inveja dos devotados à ficção.
Dos bons, claro.
Então, aos incrédulos, garanto: Romildo é personagem de carne e osso.
Adilson Borges, nos seus mais de 60, está cheio de juventude e não me deixa mentir.
A propósito, sem querer incomodar o leitor com digressões, levei uma suave bronca dele esses dias.
Assisti a um vídeo dele brincando com um menino.
O garoto não devia ter então nem três anos, creio.
Liguei pra ele por outra razão e o cumprimentei pelas brincadeiras com o neto.
- Porra nenhuma, é meu filho - disse, às gargalhadas, e falando sério.
Jovem, jovem, o Adilson.
Ele gostava demais de Romildo.
Não o via como louco.
- A loucura é um rótulo colado em quem não se ajusta à sociedade.
Romildo era um artista, apenas um artista.
Louco para se revelar ao mundo, sem anseios de estrelato.
Daí, suas incríveis capas de "O Feto".
Era um intelectual, e uma alma incomum para os padrões dominantes.
Ele, no entanto, fazia de tudo para contrariar Adilson: queria porque queria demostrar fosse louco.
Como se dissesse fosse loucura a teoria adilsoniana.
Não comia o reggae de Adilson.
Era louco.
Ponto final.
Vivia anunciando:
- Vou me matar!
Adilson já trabalhava no "Jornal da Bahia", chega em casa e encontra o amigo.
Sentado na sala, um travesseiro debaixo do braço.
Olhos esbugalhados, injetados de pedidos de misericórdia.
Meteu a mão na fronha, mostrou pedaços de concretos escondidos dentro do travesseiro.
Explicou:
- Quando os ratos vierem roer o travesseiro, acredite eles vivem atrás de mim para roer o travesseiro, vão quebrar os dentes.
Nos lampejos de lucidez, sorria meio sem graça, e perguntava a Adilson:
- Ainda acha que não sou maluco?
Adilson firme:
- Você não é maluco...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIO

Adilson Borges: O rapaz em apreço é Benjamim (foto), o mais novo dos meus cinco filhos. É lindo. Tem quatro anos, e uma sensibilidade irresistível
Emiliano José: Adilson Borges O mesmo nome do neto do nosso querido amigo comum, Oldack Miranda, recém-nascido.
Emiliano José: Chega certamente com a mesma sensibilidade.
Adilson Borges: Parabéns, Oldack.
Mônica Bichara: HAHAHAHA Adilson Borges é a única pessoa que conheço a levar 20 anos pra ter outro filho COM A MESMA ESPOSA. Parabéns, Marília, Benjamim é lindo. Essa é retada mesmo. 😜😜😜😜😜 ficou com preguiça de fazer antes, agora ele que explique que não é vô
Gorette Brandão: Emiliano, ofereça prova de que esse personagem existiu mesmo. É coisa de escritor muito criativo! Não basta citar Adilson, que vcs podem muito bem estar “culiados” nessa invenção.
Emiliano José: Gorette Brandão Coisa de Adilson. Eu vou criando em cima, que o personagem ajuda...
Adilson Borges: Gorette Brandão, querida. Não acrescentei uma vírgula à realidade, acredite.
Gorette Brandão: Adilson Borges, então esse homem era um assombro!
Adilson Borges: Gorette Brandão , assombro total!
Joaquim Lisboa Neto: O andarilho urbano
Carmela Talento: Cada história melhor do que a outra  
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Emiliano José
7 de fevereiro 2020
Crônica de uma morte em silêncio

Romildo anunciava com frequência:
- Vou me matar!
Adilson Borges nem acreditava nem desacreditava.
Vai que...
Nosso protagonista lembra, guarda parecença com Santiago Nassar, notável personagem de Gabriel García Márquez.
Todo mundo sabia: seria morto pelos irmãos de Ângela Vicário, desonrada por Nassar.
E não havia o que fazer.
Era, foi a crônica de uma morte anunciada.
Assim, Romildo.
Não morreria de velho.
Cuidaria de decidir o momento de partir.
Pudesse, Adilson evitaria.
Um dia, deixou um bilhete.
Gostara do texto de Adilson sobre um filme.
Iria assisti-lo.
Encerrava dramaticamente:
"Terminada a sessão, me mato dentro do cinema".
Lido o bilhete de letras miudinhas, Adilson sentiu sumir todo o cansaço de um estafante dia de trabalho e se picou para o cinema da Biblioteca dos Barris.
Entrou com a sessão já no fim, todo mundo saindo.
Olhou cadeira por cadeira, até debaixo de cada uma.
Nada.
Nem sombra dele.
Ainda não fora desta vez.
Voltou para a Cidade Nova.
Era tarde da noite, mas ainda assim, ressabiado, procurou os familiares, donos de uma farmácia, e que moravam nos fundos dela.
- Faz pouco tempo, levantou, bebeu água, mijou e voltou para a cama.
O bilhete sumiu no vaso sanitário da casa de Adilson.
Olhando para a dança da água na sentina, Adilson murmurou entredentes:
- Qualquer outro aviso, fico na minha. Tá brincando comigo, porra.
Dia seguinte, Romildo nem parecia o candidato à morte de poucas horas atrás.
Louco varia de humor.
E quem não varia?
E louco tem sentidos aguçados.
Provável tenha ouvido a imprecação do amigo querido.
De fato, incomodava muito.
Não iria mais deixar bilhetes.
Não faria mais anúncios.
Apareceu morto no fundo da farmácia.
Um coquetel de medicamentos recolhidos pouco a pouco foi suficiente para fazer a ultrapassagem.
Seguiu para o reino dos encantados em silêncio.
Sem incomodar os amigos.
Que porra tinham eles com sua loucura? - provavelmente refletia.
Não poderiam dizer não tivessem sido avisados.
Da loucura e do desejo de partir, livrar-se desse vale de lágrimas
Em Adilson, ficou imensa saudade.
Terna lembrança.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Adilson Borges: Li com discretas lágrimas, Romildo teria hoje uns 75 anos de dor e êxtase !
Gorette Brandão: Amei conhecer Romildo por meio das memórias da dupla Emiliano/Adilson.
Emiliano José: Gorette Brandão Adilson e eu, honrados.
Emiliano José: Os erros, só meus.
Mônica Bichara: História fantástica   
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(Formatura, com Rêmulo Pastore)

Emiliano José
8 de fevereiro 2020
Triste Bahia, oh quão dessemelhante...

Cronistas, Adilson Borges gostava deles.
E foi sabendo: estavam ali, vizinhos.
Dinheiro, não havia.
Pagar, nem pensar.
Então, buscar amigos.
Caçar talentos por ali.
Encontrou João Lourenço.
Estudava Economia.
Descobriu nele um cronista de mão cheia.
Culto.
Inteligente.
Filho de dona Olga, uma negra enorme, simpática até mais não poder.
A Adilson, parecia viúva.
Ou, separada do marido.
Nunca soube nem quis saber.
Encantou-se com o zelo, o cuidado dela com os filhos, João Lourenço e Paulo, aos quais propiciou educação primorosa.
Adilson a conheceu e aos filhos quando foi morar com a vó na Cidade Nova pra completar o curso primário.
Daí em diante, pegou de amizade, especialmente com João Lourenço.
Dele se dizia ter sido preso no Largo da Cidade Nova, no golpe de 1964.
Ganhou logo a liberdade.
Adilson não sabe se foi torturado.
João Lourenço não tocava no assunto.
Quando topou colaborar com "O Feto", a amizade cresceu e a admiração de Adilson por ele também.
Inteligência viva, jeito despretensioso, conhecimento de economia, de política, de cultura.
Conversavam muito.
Adilson, aprendendo.
Quando surge "Transa", em 1972, João Lourenço considera tenha Caetano encetado um flerte do tropicalismo com o folclore, sobretudo a partir de "Triste Bahia", considerada a melhor música do álbum pelo próprio Caetano.
Gregório de Matos assume a cena na voz de Caetano.
Triste Bahia, oh quão dessemelhante...
Foi uma conversa.
Essa crônica perdeu-se.
Ele nunca quis escrever.
Mas, escreveu várias.
Não há arquivos d'O Feto'.
Seu criador resolveu dar-lhe nove meses de vida, cheio de metáforas que é, de simbolismos.
Os arquivos, como diz a moçada, quem souber morre.
Não há.
Guardados na prodígiosa memória de seu redator-chefe.
Hoje, quando fala do feto morto, desfia saudades.
Carinho.
Tristeza pelas perdas.
Como a de João Lourenço.
Um amigo.
Um mestre.
Da academia d'O Feto', inesquecível academia.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Eitcha que esse tem causo
Adilson Borges: Viver é acumular casos, Mônica querida. Viver muito, então ...
Isabel Santos: Por isso, vamos acompanhar essa sua rica trajetória, para conhecer muita coisa, recordar, aprender...viver. Viva #MemoriasJornalismoEmiliano, viva você, meu amigo Adilson Borges.
      
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Emiliano José
9 de fevereiro 2020
Não deixe esta chama se apagar

Pobre d'O Feto'.
Havia sido abortado havia dois anos.
Vina, a namorada, estava grávida.
Contou a Adilson Borges.
Passado o susto, começa a matutar.
Sente o peso da idade adulta.
Precisa se mexer.
Conversa com a namorada disse tudo vai certo tranquilizou-a.
Havia lido numa revista: é possível trabalhar em jornal como foca sem ter registro profissional ou curso superior.
Com 23 anos, chega à sede do "Jornal da Bahia" ali pelas 20 horas.
Apresenta-se ao plantonista.
Branco, quase louro, sobrenome Vita - não era Fernando Vita.
Atende Adilson com surpreendente delicadeza.
Nem esperava tanto cuidado, atenção, gentileza.
- Sei escrever. Quero trabalhar.
Conversou, explicou ser melhor vir outro horário.
Porta aberta.
Volta dia seguinte.
Sai de lá como vendedor de assinaturas do jornal.
A perseguição de ACM estava no auge.
Governador indicado pela ditadura, ameaçou, constrangeu todos os anunciantes, e o jornal ficou à míngua.
De 400 trabalhadores, passou para 181.
A campanha "Não deixe esta chama se apagar" foi lançada em 1972.
Campanha de assinaturas.
Obteve resposta da população.
A circulação aumentou.
O jornal respirou.
Adilson, nas ruas, vendendo jornais.
A barriga de Vina crescia.
Nele, crescia o desejo de ser jornalista.
Senão, viver de música.
Faz o vestibular da UFBA.
Na primeira etapa, passa em Música e em Jornalismo.
Na segunda etapa, perde no teste de teoria em Música.
Selado o destino: Jornalismo.
Tiana havia nascido.
1975 foi um ano feliz.
Perdeu em Música, é verdade.
Mas, durante o exame de Teoria Musical, experimentou uma emoção especial: Walter Smetak, seu ídolo, o defendeu apaixonadamente.
Admitiu que ele era fraco em Teoria Musical, mas acrescentou:
- Ele sabe fázê, é o que importa, só não sabe o nome do que está fazendo. Depois batiza - disse com seu sotaque suíço abaianado.
Perdeu por 3x2.
Alívio: Jornalismo.
Continuaria com seu violão, tocando e compondo.
Em 1976, matricula-se na Escola de Biblioteconomia e Comunicação (EBC), da UFBA.
É da minha turma de Jornalismo.
Comemoramos quarenta anos de formados há poucos dias.
E no mesmo ano, 1976, passa a revisor no "Jornal da Bahia", comandado Dias - Carlos Dias da Cruz.
Em 1977, vai para a Revisão de "A Tarde".
Os estudantes de esquerda da EBC reabrem o diretório.
Ele assume o cargo de...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Que bom que o jornalismo ganhou a parada e nós ganhamos um dos mais completos jornalistas da nossa geração. E a música continua companheira firme e forte    
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(Na boamia com Oldemar Vitor, Jadson Oliveira, Vado Alves, Tião e Cesinha)

Emiliano José
10 de fevereiro 2020
A vida requer é coragem

Adilson Borges é escolhido pelo Diretório Acadêmico como representante dos estudantes da EBC junto ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia, presidido por Anísio Félix.
Estava em "A Tarde", na revisão.
Começa a pensar na vida.
Queria não passar a vida toda enterrado ali.
Nenhuma criatividade.
Só repassar textos.
De lascar.
Sem titubear, pede demissão.
Louco - muitos amigos reprovaram a iniciativa.
"A Tarde" era disparado o maior jornal.
Sempre um futuro promissor.
Deu ouvidos, não.
A vida, feita de escolhas.
Requer coragem - Guimarães Rosa.
É arriscada.
Por isso, bela.
Volta ao berço.
De novo, "Jornal da Bahia".
Ganhando menos.
Mas na redação, seu sonho.
Formatura, em 1980.
Em 1981, ingressa na Prefeitura de Salvador, âncora segura, de onde só sai aposentado após 35 anos ralando.
Governo Waldir, iniciação em tevê.
Na TVE, aprende edição de TV.
TV Aratu, Rádio Educadora, TV Itapoan - correu trecho.
Um dos pioneiros do "Bahia Hoje': selecionou e treinou repórteres.
Não esquentou cadeira: saiu antes do jornal ganhar as ruas.
Um dia, voltou como editor de primeira página e editorialista.
Até ser demitido, ele e mais dezenas de profissionais, após uma greve histórica de mais de um mês.
Se virava nos trinta.
Além da prefeitura, trabalhava em jornais, TVs, rádio, publicidade, o que aparecesse.
Garantir o pão das crianças.
Subeditor de Economia do "Jornal da Bahia", editor de Economia da "Tribuna da Bahia", editor da "Gazeta da Bahia", braço da Gazeta Mercantil no Estado.
Foi, ainda, editor de Política d' "A Tarde", onde trabalhou 14 anos.
Fez campanhas eleitorais, participou com a agência Link da eleição do primeiro prefeito do PT em Itabuna, Geraldo Simões.
Escreveu, para a Prefeitura, o livro "Política de Assistência ao Idoso na cidade de Salvador".
Foi diligente copidesque, do livro "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", escrito por mim e Oldack Miranda.
Recentemente, escreveu "Zé do Trem na Estação de 1964", memórias do militante de AP, José Carlos Arruti Rey.
Tem história pra contar, o Adilson.
Se acalmem.
Ainda vem é coisa...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Adilson Borges fez "de um tudo" no jornalismo, o cara tem muito km rodado por jornais, TVs, assessorias.....Tem que ser muito bom pra isso. E é desses quase unanimidade, não conheço quem não goste. Esse tem história pra um ano de "novela"
Mônica Bichara: Quero o livro, Adilson Borges. Onde encontra?
Isabel Santos: Meu querido Adilson (Adilson Borges). São muitos anos de feliz amizade com esse colega competente, sério, ético, forte e seguro naquilo que acredita. Por onde passou, nos cargos que exerceu, deixou sua marca positiva. Grande colega. Um paizão, um avozão. Só elogios para esse ser de sorriso largo, bonito. Vou lá atrás ler os outros textos de memória, sabendo que vou encontrar coisas maravilhosas destrinchadas pela criatividade de #MemóriasJornalismoEmiliano.
Adilson Borges: Meus diletos e minhas diletas. 😻Reconheço que no começo fiquei com o pecado que o diabo mais gosta, a vaidade. Depois, fiquei assustado ao pensar que eram história de um finado. Ou, para não ser radical , de alguém que chegou ao fim de linha. De repente, alcancei o melhor momento: lia como se fosse a história de outra pessoa. E esse é, para mim, exatamente, o ponto ideal da relação com músicas que faço. Estão boas para ouvir e tocar quando não mais as reconheço como minhas. Agora, percebo coisa diversa. Comecei a enjoar deste personagem de quem ainda não sei todos os segredos. E nunca saberei.😹
Adilson Borges: Mas é bom lembrar de algumas coisas edificantes. Por exemplo, quando estava no Jornal da Bahia e o editor-chefe de então, Rômulo Pastore, chega para Levi, editor de municípios, que me relatou o gu diálogo, e diz: “Sua editoria tem dois redatores. Precisamos cortar um para reduzir despesas, mas não pode ser meu compadre Lindsay” - figuraça que já se despediu deste mundo. O outro, cujo nome não foi pronunciado, era eu. Aí é que se dá um exemplo de compaixão e desprendimento singular. Nossa Isabel, solidária como sempre, me chama discretamente e propõe troca de cabeça: ela sairia em meu lugar porque eu tinha filhos (três à época) e ela ainda era solteira. Deu trabalho para ela aceitar minha recusa. E eu saí do jornal mais feliz. A fé que sempre tive no ser humano ficou mais forte. Beijo Bel!
Mônica Bichara: Dois queridos, Adilson Borges e Isabel Santos. Que atitude linda, Bebel. Solidariedade é mesmo a marca registrada dela. em todos os sentidos. Por isso que amo tanto essa irmã que o jornalismo me deu
Isabel Santos: Beijo, amigo. Emoção.
Isabel Santos: Beijo, irmã querida.  
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(Show 49 anos de. Chico Buarque)

Emiliano José
11 de fevereiro 2020
Vitória sobre Malthus

Negro gato.
Sete instrumentos.
Da música.
Da poesia.
Do amor.
Do jornalismo.
Sete vidas pra viver.
Pra desfrutar.
Alegrar o mundo com seu sorriso largo.
Um violão debaixo do braço.
Dedilhar e cantar - do que gosta.
Já fez shows, ele e Paulo Dantão, enamorados de Chico Buarque, no Pelô, em Morro de São Paulo.
De vez em quando, chega e canta para as amigas, amigos.
Só pra eles.
Um privilégio.
De amores, Adilson Borges fala sempre de um: Marília.
Crava o ano do redescobrimento do amor: 1994.
Marília, "mistura de força e delicadeza, política e poesia", tomou-o pelas mãos, fez-se guia, iluminando seus caminhos.
E lhe deus dois filhos: Francisco e Benjamim.
Quando faz uma assembleia em casa e reúne Tiana, Saulo, Emiliano, e os dois, alimenta um sentimento de vingança, de pirraça.
Só alegria.
Cinco filhos.
Derrotou os malthusianos, povoou o mundo, fez uma ode à vida.
Benjamim tem apenas quatro anos.
E a vida segue.
Ninguém há de adivinhar os próximos passos dos dois.
Ele se delicia ao falar de sua vida de estudante.
Dessa vida, não falará como costumam fazer os jornalistas.
Acostumados aos fatos.
Presos à objetividade.
Só um mergulho onírico pode dar conta daquele tempo.
Só a poesia.
Insiste: só o mundo dos sonhos.
Jornalismo é uma beleza.
Torna-se, entretanto, uma prisão se você não acordar pra vida.
Necessário se libertar das amarras.
Deixar a verdade fluir de outras formas.
Adilson deixa a imaginação mandar quando mergulha no oceano da sua escola de jornalismo.
Quer poesia.
"E na escola La Nave va": foi buscar inspiração felliniana para hablar da EBC.
Um dia, fez um poema para Lívia, e usava a palavra lívida... e ele seguirá com seu poema, os leitores terão paciência, que poesia não pode vir assim de supetão...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Não sei quem está mais poético nesse capítulo, se o contador ou a criatura. Texto delicioso, Emiliano. Nosso personagem povoador do mundo merece 
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(Redação da Tribuna da Bahia, de costas, quando editava Economia, com Liliana Peixinho, Urbano e Araken)

Emiliano José
12 de fevereiro 2020
La Nave va

Saber, difícil.
O que teria levado Adilson Borges a evocar Fellini e seu La Nave va?
Quem souber morre, brinca a juventude.
No navio, excêntricos amigos da cantora de ópera Edmea Tetua, cujas cinzas serão jogadas na Ilha de Erimo, onde ela nasceu, convivem.
Um jornalista registra tudo.
Refugiados sérvios são acolhidos.
É 1914, à beira da I Guerra Mundial.
O filme é de 1983.
E na escola, na EBC, La Nave va.
Não se diga poesia propriamente.
Quase-crônica, melhor.
Começando pelo fim, lembra de um poema feito para Lívia quando usa a palavra lívida, não se sabe se a sugerir rima pobre.
Esse texto - La Nave va - era também uma homenagem à mesma Lívia, oradora da turma, e que se mandou pra São Paulo logo formada e que voltava para uma visita aos amigos depois de tanto tempo.
O primeiro dia a gente nunca esquece.
Numa manhã estranha de 1976, sol quente, eles caminhando na Federação para fazer a matrícula na EBC.
Eles, quem?
Shirley Pinheiro, com sapato de fivela.
Érico Oliveira, guarda-chuva no braço.
Os três, já no RU, matando a fome.
Érico se explica: guarda-chuva é preventivo.
Sempre pode cair uma chuvinha ou temporal e cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Adilson estranha o silêncio de Shirley.
- Em minha terra, no interior, me ensinaram não falar durante a refeição.
Da boa educação, deve ter completado.
Deixa queto.
La Nave va, e Adilson se recorda de Rui César de havaiana.
Que diabo ele faz? As unhas do pé estão sempre limpas.
Rui será o primeiro presidente da UNE depois do golpe de 1964, eleito em 1979, congresso realizado na Bahia.
Adilson, na EBC, o via dirigindo as reuniões para reabrir o diretório com nome de Vladimir Herzog.
La Nave va, e a memória resgata vestidão de alça no corpito de Socorro:
"Help para quem queria se aproximar, e o cheirinho de álcool e tabaco de Pedro Augusto. Eta casal bonito!"
Pernas, ora, as pernas torneadas de Tânia.
Olhos, os olhos claros de Zé Américo, poeta de Ipiaú.
La Nave va, lembra:
"Do cabelão de Emiliano, camisa por dentro das calças sempre. Da barba cerrada sem um fio branco e da impaciência de Oldack."
La Nave va, Oldack pegado de namoro com Alice, "a primeira mulher ruiva de quem cheguei perto, na minha casa subterrânea e já com duas crianças em Cidade Nova".
La Nave va, e Dalton Godinho assalta a memória.
Recém saído da prisão, dormiu com uma companheira em sua casa depois de uma panfletagem.
De manhã, Vina, mulher de Adilson, mostra o bilhete curto deixado no sofá:
"Obrigado, companheiro".
A noite foi boa.
La Nave va...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Socorro Araújo: Por que será que apaguei tantas lembranças e sempre que alguém fala desse corpitcho com vestido de alça parece que é outra pessoa? Queria ganhar na loteria, fazer uma festa e convidar toda essa gente que aparece nessas memórias. Os que não estão mais por aqui, Pedro, Rui, Vicente, Irecê..., a gente botava umas fotos. Sonhos...
Emiliano José: Socorro Araújo Aí, escreva sobre essa festa...
Mônica Bichara: Aprovado, vamos produzir Socorro Araújo
Adilson Borges: Boa ideia
Mônica Bichara: Quanta gente querida numa memória só

Adilson Borges: A pedido, segue o artigo que deu origem às artes de Emiliano:
                         E na escola Lá Nave va
Começo pelo fim: me lembro de um poema que fiz para Lívia e usava a palavra lívida.
Agora reinicio: recordo o primeiro dia.
Uma manhã estranha como a de hoje, em 1976, Shirley Pinheiro, com sapato de fivela, e Érico Oliveira com guarda-chuva no braço, Sol quente e a gente caminhando na Federação para fazer a matrícula.
Agora estamos no RU e Érico revela que o guarda-chuva é preventivo e Shirley explica seu silêncio: em sua terra, no interior, lhe ensinaram que não se fala durante a refeição.
Me lembro de Rui Cezar, sempre de havaiana (que diabo ele faz que as unhas do pé ficam limpas?) e no comando das reuniões para reabrir diretório com nome de Vladimir Herzog.
Corta.
Jorginho maquina e é eleito presidente do diretório e eu assumo o pomposo cargo de representante dos estudantes da EBC no sindicato dos jornalistas.
Os vestidões de alça no corpito de Socorro, Help para quem queria se aproximar, e o cheirinho de álcool e tabaco de Pedro Augusto. Eta casal bonito!
Das pernas torneadas de Tânia, do olho claro de Zé Américo, Ipiaú. Do cabelão de Emiliano, camisa por dentro das calças sempre. Da barba cerrada sem um fio branco e da impaciência de Oldack.
E do seu namoro com Alice, a primeira mulher ruiva de quem cheguei perto, na minha casa subterrânea e já com duas crianças em Cidade Nova. Onde Dalton Godinho, recém-saído da cadeia, dormiu com uma companheira, após a gente ter feito panfletagem.
De manhã cedo, minha mulher espera eu acordar para me mostrar um bilhete curto que achou no sofá:
"Obrigado, companheiro".
Da sopa de verdura na casa de Mércia (?), ex de Emiliano. Ela ia dormir e eu e Oldack esticávamos a jornada escrevendo Lamarca: O Capitão da Guerrilha.
Uma dúvida: eu realmente já conhecia Carlos Ribeiro? Claro, de Itapuã. Ou não?
Mistérios: como Einar, de voz sex, podia ser tão calma e arrumada no meio daquele turbilhão?
E Raimundo Vieira, cadê? Abandonou a escola? O que aquela freira sacramentina que me vendeu uma histórica máquina remington estava fazendo certa feita perto de uma roda de maconha na árvore ao lado da cantina de Beré?
Lembranças soltas: aulas com Fernando Rego em São Lázaro, ele provocando nossa cabeça e conversando/ironizando com Matildes. Antônio Dias endeusado, eterno paraninfo das k
O incrível caso de Setaro, que, com menos de seis meses como estudante na EBC, virou professor. Pulou da plateia para o palco por falta de mestre para ensinar Cinema.
O Inimigo do Rei com a manchete "Além de preto, bicha"- frase que teria sido usada por Reynivaldo Brito, em sala de aula, contra o estudante Amilton (ou Hamilton?) Vieira.
Festa com Rita Lee cantando Lança Perfume, Gil cantando Realce, Caetano com Odara. E Ruy Espinheira se alinhando com Henfil na crítica aos tropicalistas.
Minha amizade de cachaça (ele no uísque, eu na cerva), arte (especialmente fotos, cinema e música - ele gostava de me ver cantando com o violão) com Oldemar Victor.
Luís Nova me mostra seus poemas engajados, como se dizia na época.
Jorginho rasga o discurso de Antônio Jorge Moura, que queria ser orador da turma, e bota a culpa em mim.
A camisa preta que minha irmã me deu para a formatura. A recusa de Beraldo de fazer o juramento com o braço estendido feito alongamento na academia. A oradora da turma com voz macia no discurso duro.
Lívia voltou, então, chega de saudades. O meu poema para Lívia terminava assim:
"Pode não parecer, mas em tempos como o nosso, essa é uma verdadeira canção de amor/ amizade" 

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(Com Dom Gílio)

Emiliano José
13 de fevereiro 2020
Freira na roda de maconha

La Nave va.
Os poetas seresteiros cantores nem sempre são compreendidos.
Adilson Borges, um deles.
Esse texto "E na escola La Nave va" tenta capturar a EBC, a hoje Facom, com olhar de cronista-poeta.
O leitor siga junto.
Ele mergulha no passado em meio a nuvens.
Volta até às noites de rigoroso e competente copy quando em minha casa, no Alto do Saldanha, ele, eu e Oldack nos debruçávamos sobre a jornada de Lamarca.
Dali saiu, em 1980, "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", hoje na 17ª edição.
La Nave va.
No meio de nuvens, pergunta se então já conhecia Carlos Ribeiro.
Claro, de Itapuã.
Ou não?
As nuvens atrapalham.
La Nave va.
A vida, cheia de mistérios: como Einar, de voz sexy, podia ser tão calma e arrumada no meio daquele turbilhão?
E cadê Raimundo Vieira?
Abandonou a escola?
La Nave va.
E envolvido pelo nevoeiro, às vezes parecia fumaça fumacê, tinha miragens:
"O que aquela freira sacramentina, sim, ela mesma, a que me havia vendido uma histórica máquina Remington, fazia numa roda de maconha na árvore ao lado da cantina de Beré?"
Não parece Fellini fazendo das suas?
La Nave va.
Aulas em São Lázaro, tínhamos aulas por lá.
O encontro, mágico para todos nós, com o notável professor-filósofo Fernando Rego.
Fazendo todo mundo pensar, arreliando Matilde, um provocador permanente, raro professor.
Lembro-me dele me provocando, mandando fosse a Marx, primeiro volume de O Capital, destrinchar os segredos da mercadoria, valor de uso, valor de troca.
Fui.
La Nave va.
O endeusado professor Antônio Dias, eterno paraninfo das turmas de esquerda.
O incrível caso de André Setaro: com menos de seis meses como aluno na EBC, vira professor.
Da plateia para o palco.
Por falta de mestre para ensinar Cinema.
La Nave va.
O "Inimigo do Rei" escandalizando com a manchete:
"Além de preto, bicha".
A frase teria sido usada pelo professor Reynivaldo Brito em sala de aula contra o estudante Hamilton Vieira.
La Nave va...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Quanta saudade da cantina de Beré kkkkk (da EBC também, claro). As farras com garrafão de vinho Frei Vinícius, que a grana não dava pra luxo de cerveja - Beré escondia em meio aos refri. E o querido Hamilton sempre presente. Quando ele sofreu essa baixaria, a notícia espalhou feito pólvora pela rádio corredor  
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(Sempre o samba)

Emiliano José
14 de fevereiro 2020
Chega de saudades

La Nave va.
Adilson Borges e Lança Perfume e Rita Lee.
Ela no auge.
Realce, Gil.
Caetano, Odara.
Ruy Espinheira aliado com Henfil na crítica aos tropicalistas.
EBC e o espírito do tempo.
La Nave va.
Amizade de cachaça: ele no uísque, Adilson na cerva.
Oldemar Victor, o violão e as músicas de Adilson os aproximavam, e as discussões: fotos, cinema, música.
Luiz Nova, grande Luiz Nova, hoje instigante professor de Jornalismo na UFRB, mostra a Adilson seus poemas engajados.
Engajado, nunca deixou de ser.
La Nave va.
Travessuras: Jorginho rasgando discurso de Antônio Jorge Moura, candidato a orador de turma, e bota a culpa em Adilson.
Camisa preta na formatura, dada pela irmã.
Recusa de Beraldo Boaventura de fazer o juramento com o braço estendido feito alongamento na Academia.
La Nave va.
Oradora da turma, voz macia.
Discurso duro.
Sem perder a ternura.
Chega de saudades.
2018, Lívia Pedreira chegou, nossa oradora, tantas décadas fora.
O poema para Lívia terminava assim:
"Pode não parecer, mas em tempos como o nosso, essa é uma verdadeira canção de amor/amizade".
La Nave va.
No La Nave va, obra-prima de Fellini, um jornalista anotava tudo naquele louco navio com as cinzas de Edmea Tetua, a cantora de ópera.
A EBC, recoberta pelas nuvens do tempo, pelo fumacê do passado, também contava com um cronista-poeta, músico, contador de histórias.
Ele, nesse mergulho no passado, afastando o fumacê, murmura lupicinianamente:
- Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...
Um dia, ele conta.
Promete...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cristina Santeiro: Agora gostei, esse ritmo diferente da narrativa...
Emiliano José: Cristina Santeiro Vida ensinando, eterno aprendiz.
Jorginho Ramos: Nós já tínhamos eleito Lívia Pedreira oradora oficial na solenidade de formatura. Ela inclusive elaborou o discurso com nossa participação. Eis que Antonio Jorge, com aquele jeito Antonio Jorge de ser, (derrotado na escolha) queria porque queria impor outro discurso. E levou o texto para a Escola de Jornalismo. Mais por insistência dele que por educação nossa, topamos ouví-lo. Na cantina de Dona Beré todos sentados em torno de uma mesa o ouvíamos. À medida que ele ia lendo, punha as folhas de papel de lado. Sorrateiramente eu ia tirando alternadamente algumas e debaixo da mesa fazia bolinhas de papel que Adilson mais que discretamente chutava para longe. Quando ele terminou eu disse : "Não entendi muito bem o 2° período da segunda página...". Antonio Jorge começou a procurar entre os papéis e não achava. Começou a ficar nervoso, aí eu disse : "Esquece, releia aí a pagina 4...". Novamente ele não achava... ficava mais nervoso... a noite chegava, Dona Beré queria fechar a cantina e o nervosismo de Antonio Jorge aumentava. Aí Adilson Borges deu o xeque-mate: "É, companheiro, fica o discurso de Livia mesmo...". Antonio Jorge esperneou mas não teve jeito.
Adilson Borges: Jorginho não-vale-nada Ramos, você é um sacana! Não chutei bolinha de papel alguma, mas sua nova versão é ótima!
Emiliano José: Adilson Borges Está ficando emocionante. Tudo registrado.
Emiliano José: Adilson Borges A dupla infernal Borges e Jorge...
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(Gazeta da Bahia, braço da Gazeta Mercantil no estado)

Emiliano José
15 de fevereiro 2020
As portas da percepção

Adilson Borges é jornalista.
É também do samba.
Anda com um violão debaixo do braço.
Teve sorte.
Aproximou-se de Batatinha pra valer quando de uma greve do "Diário de Notícias".
Era o representante da EBC pelo Diretório Acadêmico junto ao Sindicato dos Jornalistas.
Ele e a colega Sinedite iam todo dia ao jornal solidarizar-se com os trabalhadores.
Batatinha era gráfico.
Creio todos o conheçam.
Dos maiores sambistas do País.
"Meu desespero ninguém vê" - você não se lembra?
"Sou diplomado em matéria de sofrer" - lembra não?
"Diplomacia" - o sucesso, ao lado de tantas outras memoráveis letras e músicas.
O empurrão foi dado por Maria Bethânia, a partir do início dos 1960, quando começa a gravá-lo.
Mas, esse encontro no "Diário de Notícias" foi, na verdade, reencontro.
Antes, quando ainda fazia "O Feto", cultivou amizade com Nelson Sapateiro, no Pau Miúdo.
Era sapateiro e entre uma meia sola e outra, tomava do cavaquinho e soltava a voz pequena, afinada, afiada.
Ele e Batatinha, muito amigos, sempre juntos.
Nessas noites, Adilson sentia-se um privilegiado.
Nelson Sapateiro de vez em quando procurava o copo atrás do balcão e bebia gostosamente seus goles de cachaça.
Cheiro de cola de sapateiro e de cachaça, aquele clima, e olhem, ele não bebia, levavam Adilson quase em transe a pensar em Aldous Huxley, e a murmurar:
- Essa tenda abre as portas da percepção.
Sorria, feliz.
Privilégio.
Um dia, Nelson Sapateiro perguntou a razão do riso, tanta alegria.
Adilson olhou pra Batatinha:
- Como não ficar feliz ao lado dessa legenda do samba?
Batatinha devolveu, abrindo largo sorriso:
- Esse menino aí é poeta, Nelson! - e voltou a batucar na caixa de fósforos o hit de Nelson Sapateiro:
"Cheguei numa roda de samba
Diga quem estava lá
Era a turma do miudinho
Botando pra quebrar."
Lembramos de tudo, nessa viagem, por conta do neto mais recente de Adilson, neto nada, filho, hoje quatro anos, Benjamim.
É que o avô, avô nada, pai, depois de diploma avançado em inglês aos 65 anos, resolveu...
#MemóriasJornalismoEmiliano

Mônica Bichara: Hum!!!! Agora vai cantar em inglês, é?
Emiliano José: Mônica Bichara Espere...
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(A felicidade ao lado de Marília e Ben)

Emiliano José
16 de fevereiro 2020
My Little Ben

Vocês sabem, né?
Maluco beleza ou é muito calmo, zen, quase parando, ou aqueloutro, doido pra seguir adiante, importa idade não, vida não para.
Adilson Borges é um bom maluco beleza.
Diferente.
Combina zen budismo com a ideia de que a vida não para.
Não é um, é dois.
Ou três porque também jornalista-maluco-beleza.
E é pai-avô, puxado pelo filho de 4 anos.
Aos 65, agoniado, arruma tempo, e vai aprender, aperfeiçoar o inglês.
Curso on-line.
Não esperava fosse tão puxado.
Produtivo, Maluco beleza se virou nos trinta.
Violão ficou a um canto, quase suplicando por alguma atenção, pequena fosse.
Quase dizendo, perguntando, de seu grande amor passei a um traste, quase lixo?
Violão também é sentimental.
Só tomava dele quando o neto, neto nada, filho, sempre escorrego, o intimava a cantar, aí o violão sorria e o filho, feliz.
Por minutos.
A vida agora, inglês.
Tanto tanto fez, e chegou: recebeu o diploma.
E não era qualquer diploma: pós-avançado.
Agora, podia copidescar inglês, não brincassem com ele.
Aí, relaxou, pensou mais no filho, Benjamim, sempre exigente, que filho nessa idade exige que só a porra, cansa o véio...
Teve uma ideia para acalmá-lo: fazer uma música para ele.
Só pra ele.
Mas, pensou em Gil e Caetano no exílio londrino, no diploma pós pós, e resolveu fazer a música em inglês.
Verdade, verdade, estava às portas de terminar o curso.
Finzinho.
Só faltando diploma.
E surgiu My Little Ben, ouçam logo abaixo.
Bastaram 15 minutos de estúdio, e Paulo D'antão no coro.
Dez dias depois, descobre uma preposição fora do lugar.
Bem, o filho, não percebia, gostava, se divertia, era ouvir e dançar.
Ele, puto, é consolado pela teacher novaiorquina: músico tem licença poética.
Adiantou pouco o consolo.
Restava-lhe o ensinamento de Batatinha: diploma era dado pela vida, a mestra.
Era também diplomado em matéria de sofrer.
Sem nunca esmorecer.
Nunca deixou a alegria de lado, que ela ajuda a animar a caminhada.
Deixou-se abraçar pela poesia, e segue a cantar, a escrever.
Vida que segue.
Bela, apesar de tudo.
Adilson Borges, dos últimos românticos- malucos-beleza. #MemóriasJornalismoEmiliano


COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Que massa, muito bom. Um maluco beleza muito querido, pra ninguém botar defeito. Que bom q o jornalismo ganhou a parada, mas a música foi resistência e tem lugar garantido nesse enredo
Jaciara Santos: Grande Borges...
 ------------------------------------------------------------



Família

(Os 5 filhos:Cristiana, Saulo, Emiliano , Francisco e Benjamim)

(Além dos filhos as netas Gabriele e Danúbia)

(Os 5 filhos, Ben na barriga de Marília)

(O dengo)



(A musa, Marília)

(Filhos e netas:Danúbia, filha de Emiliano -de chapéu; Saulo, Emiliano, Ben, Cristiana, Gabriele, filha de Saulo; e Chico)
**************

Amigos  
(Com Isabel e Sinval em foto de Manuel Porto)


 (Comemoração dos 40 anos de formatura com os colegas da turma. O tema da festa foi tirado da música que Adilson compôs para o evento)

Santuário dos Desejos

O riso sereno de um buda
pairando em algum lugar
as dores do tempo transmuta
em tempo do tempo passar.
Já faz tanto tempo assim?
Nem me contem
porque, pra mim,
tudo parece que foi ontem!
Lembro bem da fumaça,
da ditadura, menina nua,
lema, dilema, caçador e caça
e do jargao"A luta continua!"
Lembro da nossa alegria,
estrelas do céu da escuridão,
bate, debate de todo o  dia
com a certeza da razao no coração
Lembro do papo-cabeça
dialética do concreto.
Farinha e bÍblia sobre a mesa,
paixões diversas sob o mesmo teto.
Lembro dos apocalípticos
e muito bem dos integrados,
 de belos casais idílicos
e das canções de amor e amizade.
Lembro bem da fumaça,da ditadura, menina nua...

O tempo escorre entre meus medos.
Cego, não o vejo correr
No santuário dos desejos,
resisto,
 e não me deixo morrer.




 (Na confraria, galera que se reúne ha mais de 30 anos para conversa  e birita: Navarrinho, Jorginho, Formigli, Teixeira, Aragão....)

(Com Ludmila no Canadá)

Joana D´Arck, Jaciara Santos e eu, Jornalistas pela Democracia)

(#EleNão com Joana Jadson e Alberto)

(#EleNão com Renato Pinheiro, Lucy e Kardé)

(Com Socorro Araújo e Jadson Oliveira)


(Emoção no chá de fraldas de Ben na redação do jornal A Tarde)

 (Feijoada do Sinjorba)

Com Délio no samba)

Feijoada do Sinjorba
(Eu e Cláudia Correia na feijoada do Sinjorba)

(Eleição do Sinjorba e Fenaj, #NinguémSoltaaMãoDeNinguém)

(Joana, Vado, Supinho e Joly)

(Com Waldir Pires e colegas do jornal A Tarde)







 (Clarindo Silva da Cantina da Lua)

(Trabalhando na agência de publicidade de Fernando Passos (à direita ): Engenho Novo)


(Galera da Gazeta de óculos escuros)

 (Luiz Caldas)
 (Em Cuba com Marília)


 (Cobertura de carnaval do jornal A Tarde)
 Cuba
 (Cuba)
(Paris com Marília)

 (Com Luciana, filha de Jaciara #LuteComoUmaGarota)





Comentários

  1. Como sempre, minha comadre brocou na edição. Também como sempre, Emiliano deu show na narrativa de mais uma de suas memórias. E o protagonista dispensa elogios, mas é impossível falar de Borges sem superlativos: é uma figura imensa, um dos jornalistas mais completos e ser humano inigualável (humor cáustico, sincero, ético, honesto) com quem tive o privilégio de conviver. Mas ele foi sovina em seu relato ao autor. Sua história tem muito mais capítulos... Ah, se tem! Senti falta de menção ao apelido da juventude (da Faconha, talvez). Parabéns Mônica, Emiliano, Borges! Vocês brocam.

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    1. Só tive o cuidado de juntar tudo, o mérito é todo do autor Emiliano e do protagonista, Adilson é uma unanimidade em matéria de amigo querido, não conheço quem não goste

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  2. Gente, que coisa boa ler essas aventuras dos colegas jornalistas, dá vontade de ler e relar várias vezes essas narrativas. Mérito do companheiro Emiliano José que teve a feliz iniciativa de recuperar essa histórias contadas tão bem por ele. E Mônica juntando tudo em uma edição perfeita, para facilitar ainda mais a leitura. Sem falar no Pilha abrindo espaço para esse verdadeira coletânea de "causos". Já estou na expectativa de novos capítulos.

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    1. Pois então leia e releia, se veja nas fotos, compartilhe com os amigos.....é realmente uma trajetória que precisava ser contada, ainda que resumida

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  3. Que maravilha. Mais uma edição massa da querida Mônica para textos supimpas do querido Emiliano José sobre a linda trajetória jornalística do querido Adilson Borges, Gostoso de se ler novamente no Pilha, relembrar novamente bons e significativos momentos dessa figura, como diz a querida Jaci, "imensa, um dos jornalistas mais completos e ser humano inigualável (humor cáustico, sincero, ético, honesto)", que também tive e tenho o privilégio de conviver. Tá tudo registrado na memória. Muitos aplausos para mais um capítulo dessa maravilhosa série #MemóriasJornalismoEmiliano.

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    1. Bebel, seu nome não aparece, mas pelo carinho todo mundo reconhece seu texto. Que bom que vc gostou, inclui sua foto com ele

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  4. O comentário acima é de Isabel Santos

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