#MemóriasJornalismoEmiliano – Oldack de Miranda: O parceiro





Parceiro de longas datas do escritor e jornalista Emiliano José, autor dessa série que mergulha em uma fase do jornalismo baiano, especialmente do extinto Jornal da Bahia, por meio das lembranças dos colegas, Oldack de Miranda é a bola da vez.

Uma parceria que envolveu a dureza da prisão na Ditadura Militar; clandestinidade; o livro “LAMARCA – o capitão da guerrilha”; 40 anos de formatura em jornalismo, comemorados em 2019; a redação do Jornal da Bahia e jornais alternativos.

Por falta de mais fotos antigas, a edição vai ser ilustrada com muitas fotos recentes, pescadas das redes sociais, sem qualquer ligação com os capítulos da série.

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(À esquerda, de camisa xadrez e calça boca de sino, Oldack Miranda cobre, pela Tribuna da Bahia, a entrevista do cineasta Guido Araújo, no ICBA,  anunciando  a ll Jornada de curta-metragem da Bahia, que se tornaria a Jornada de Cinema da Bahia, foco de resistência cultural à ditadura militar)

Emiliano José
17 de fevereiro 2020
No Vale do Pindaré-Mirim

A "Tribuna da Bahia" foi sua primeira casa.
Chegou indicado por Telma Andrade, estudante de Física da UFBA, amiga de Césio Oliveira, chefe de reportagem.
Contratado por RC$ 500 cruzeiros mensais, permanece no jornal entre 1º de abril a 14 de outubro de 1973.
Já lá se vão quase cinquenta anos.
O redator-chefe era Milton Cayres de Brito, o veterano comunista.
O pauteiro, José Barreto de Jesus.
Começou penteando telex de notícias nacionais.
Pentear era nosso jargão para corrigir, acentuar as notícias chegadas das agências.
Logo foi convidado para o Departamento de Pesquisas, onde trabalhou ao lado de Gustavo Falcón.
Faziam pesquisas e textos de apoio para as reportagens especiais.
Foi seu laboratório de Jornalismo.
Pede demissão em outubro.
Destino: "Jornal da Bahia".
Convidado por Césio Oliveira, o Gordo, atraído para a nova experiência depois do rico aprendizado na "Tribuna".
Antes de chegar ao novo emprego, Oldack Miranda é preso.
Uma sucinta retrospectiva.
Militante de Ação Popular desde o movimento estudantil em Belo Horizonte, Miranda viveu a experiência de luta na Mata do Jaíba, em Minas Gerais, chamada pela Organização de integração na produção.
Da Mata do Jaíba para o Vale do Pindaré-Mirim, no Maranhão, onde o líder camponês Manoel da Conceição liderava o trabalho de organização sindical de cerca de cinco mil trabalhadores rurais, plantadores de arroz e mateiros.
Em setembro de 1971, desembarca vindo das matas do Pindaré-Mirim no Terminal Rodoviário de Sete Portas.
Reencontra a família.
Pai e mãe morando na Baixa do Bonfim, no final da avenida Dendezeiros.
Não podia morar com eles.
Clandestino, prisão decretada, hospeda-se na casa de tia Lídia, na Pituba.
Para sair do isolamento, frequentava a casa das primas Indaia Junquilho Freire, Isnaia e Ismaília, na Caixa D'água.
Sabia, Miranda sabia: era uma situação insustentável, por mais solidários fossem os familiares.
Dia mais, dia menos, a casa iria cair.
Pensa muito, conversa com Nelly, a mãe, e em maio de 1972 resolve se apresentar para cumprir seis meses na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Sentença decretada à revelia, no chamado processo dos 17 militantes da Ação Popular, em Belo Horizonte, levando-o à clandestinidade desde 1968.
Mas, só se apresentou porque dona Nelly...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Justa homenagem, imagino quanta história tem pra ser contada
Telma Andrade: História de resistência. Sempre
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(D. Nelly era amiga de Zezéu Ribeiro (PT), vereador e depois deputado federal. Em 1973, comeu o pão que o diabo amassou ao procurar três de seus nove filhos nas prisões da ditadura. Já havia experimentado esse tormento quando seu marido,  Oldack Caetano Miranda, foi preso no golpe de 1964. Nilmário cumpria pena no Carandiru em São Paulo, Sérgio foi preso no Rio de Janeiro e Oldack Miranda, preso em Salvador foi levado para Recife. Era uma leoa. Nilmário escreveu: "mãe era assim, serena, aqueles olhinhos azuis comoventes, como todas as coragens de mães". Professora, a mãe leoa tornou-se ativista aos 60 anos. Quando queria descansar, Zezéu ia para Teófilo Otoni-MG)

Emiliano José
18 de fevereiro 2020
Escapando do inferno

Dona Nelly matutou matutou.
Filho clandestino, condenado.
Melhor seria cumprir a pena de seis meses e voltar à vida legal.
Lembrou-se de colega de escola em Barbacena.
Era agora general, podia ajudá-la.
Conversaram.
Acertou-se que Oldack Miranda se apresentaria diretamente ao quartel do Exército, em Juiz de Fora.
Não passaria pelos interrogatórios do DOPS ou do DOI-CODI de Minas Gerais, onde inevitavelmente seria torturado.
Em maio de 1972, Miranda se apresenta de acordo com o combinado.
Passa a cumprir os seis meses de pena na Penitenciária de Linhares, em Juíz Fora.
Uma ação de alto risco.
Naquele ano, repressão havia caído matando no Vale do Pindaré-Mirim, no Maranhão, de onde ele viera.
Fizesse a ligação, e Miranda ia comer o pão que o diabo amassou.
Saiu da prisão, teve a experiência da "Tribuna da Bahia", chamado para o "Jornal da Bahia", e antes que assumisse o novo emprego, outra prisão.
Cai numa operação sangrenta da repressão contra Ação Popular.
De outubro de 1973 até fevereiro do ano seguinte, a ditadura mata sete dirigentes da Organização, entre os quais Gildo Macedo Lacerda, preso junto com Miranda na Bahia, e um dos desaparecidos políticos daqueles anos de terror.
Miranda passa por torturas no Quartel do Barbalho e no DOI-CODI de Pernambuco, onde matam Gildo e José Carlos da Mata Machado, um dos sete dirigentes de Ação Popular, e colega de Miranda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte.
A prisão foi em 22 de outubro de 1973.
Saiu cinco meses depois, março de 1974.
Começa a trabalhar como auxiliar de escriturário na Continac Formulários Contínuos, dirigida pelo primo Nilmário Freire e que prestava serviços ao Banco Econômico.
Extremamente grato à solidariedade do primo, não aguentava aquela vida, não.
Num dia de junho de 1974, lembra-se como se fosse hoje, vinha caminhando da agência central do Banco Econômico, rua Lauro Müller, em direção ao Elevador Lacerda.
Destino: "Jornal da Bahia", no Terminal da Barroquinha.
Na esquina com a rua Portugal, depara com Antônio Jorge Moura:
- Está indo pra onde, Oldack?
- Pro "Jornal da Bahia". Acabo de encerrar uma carreira de bancário, de três meses de experiência como auxiliar de escriturário e CR$ 420 cruzeiros de salário. Não dá pra mim. Vou ao jornal falar com Gustavo Tapioca.
Num rompante, Antônio Jorge disse:
- Vou com você, também quero um lugar.
Fazia Economia na UFBA e estagiava no Banco Econômico.
E seguiram os dois, a conversar.
Antônio Jorge era irmão de Mariluce Moura, jornalista, viúva de Gildo Macedo Lacerda.
Desprezaram a rua Portugal, um vespeiro, tomaram a Santos Dumont, beiraram a calçada da Capela de São Pedro em direção à Praça Cayru, onde estava o Mercado Modelo, seus cheiros e sabores.
Saem do Elevador Lacerda e passam rente à Cubana, sorveteria de dar água na boca, até hoje no mesmo lugar.
Atravessam a praça Thomé de Souza, descem a Ladeira da Praça, dobram lá embaixo à direita, na Baixa dos Sapateiros, e chegam ao jornal, Terminal da Barroquinha...
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COMENTÁRIOS

David Go Leal: Para a nossa cultura e saber político, urge esquematizar as correntes e pensamentos que se organizavam dentro do PC e em seguida do PT. Para mim seria uma fonte de saber. As diversas leituras não me permitiram desenhar um quadro claro desta importante forma de organização politica e frente de ações que reverberam e vão revereberar por longo tempo.
Joaquim Lisboa Neto: Ler essas crônicas é viajar pela Velha São Salvador, aqui fala um sertanejo que andarilhou por aí nas madrugas
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(Com a filha Thaís)

Emiliano José
19 de fevereiro 2020
Transição traumática

Oldack Miranda foi muito bem acolhido por Gustavo Tapioca, diretor de Redação do "Jornal da Bahia".
Foi uma transição traumática a saída da "Tribuna da Bahia" até chegar ao "Jornal da Bahia".
Césio Oliveira, certamente combinado com Gustavo, o havia convidado em outubro de 1973.
No meio do caminho, a prisão.
Só agora, tentaria acertar os ponteiros com o jornal da Barroquinha.
Não houve dificuldades.
Gustavo e Césio compunham uma dupla afinada.
Inclusive quanto à acolhida de ex-prisioneiros políticos.
Gustavo havia sido militante de Ação Popular.
Césio, do movimento estudantil, tendo sido presidente do grêmio da Escola Técnica Federal.
Os dois, com visão política e espírito solidário.
Miranda teve carteira assinada em 26 de julho de 1974.
Salário de CR$ 800 cruzeiros.
Em março de 1975, ascende a repórter B.
Logo depois, editor de Economia.
Em seguida, editor da "Edição Especial de Segunda-Feira" - uma experiência que colocava o jornal todos os dias nas bancas, sete dias na semana.
Antônio Jorge Moura, também acolhido, tornou-se um grande repórter.
Voltou à "Tribuna da Bahia", onde estivera no mesmo período de Miranda.
Passou pelo jornal "A Tarde", pelas sucursais do "Jornal do Brasil" e "O Globo".
Assessorou o Instituto Rômulo Almeida, sobre quem escreveu um livro.
Trabalhou na assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Educação.
Foi editor de Política do Correio da Bahia, jornal da família ACM.
Miranda foi amigo de Antônio Jorge até o fim:
- Já com posições políticas diferentes, antagônicas até, nunca rompemos a amizade, até sua precoce morte aos 65 anos, em 4 de outubro de 2017.
Como repórter, cobre em 1974 misteriosa ocorrência numa pequena cidade do extremo--sul da Bahia, Ibirapuã...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Denilson Vasconcelos: Uma experiência e tanto trabalhar com Oldack Miranda no JBa. Prezo muito sua amizade e seu eterno ar de vô babão - páreo duro pra Zanetti. E de Antônio Jorge tenho boas recordações, particularmente de seu espírito solidário, num momento em que muita gente fingia olhar pro outro lado para não ver o que acontecia ao redor.
Marcelo Miranda: Muito bom rever a história do irmão Oldack e companheiros !!!
Denilson Vasconcelos: Marcelo Miranda. Faz um tempão que a gente não se vê, né! Um abraço
Mônica Bichara: Grandes histórias reveladas nessa série do mestre Emiliano José. Vá juntando fotos Oldack Miranda que sua série TB será editada no Pilha Pura com fotos e comentários, como todas as anteriores 
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(Com Maria Alice e Thaís)

Emiliano José
20 de fevereiro 2020
Morte de cinco crianças

Ibirapuã, tem é tempo, é vítima do que o povo do Extremo-sul chama as três pragas: cana, gado e eucalipto.
Atualmente, mais gado, sobretudo gado.
Hoje um grande laticínio do município emprega mais que a Prefeitura.
Claro, com uma grande zona rural, conta com várias lavouras.
Pequeno município.
Atualmente, sua população aproxima-se de nove mil pessoas.
Formado a partir da segunda metade do século XIX, emancipa-se de Caravelas somente em 1962.
Andei por lá em anos recentes nas minhas andanças militantes, numa delas ao lado de José Sérgio Gabrielli de Azevedo.
Sempre muito bem acolhido por Beta, vereadora então, brava militante do PT.
Quem quiser arribar para aqueles cantos, bom não ter pressa.
Necessário cobrir mais de 800 quilômetros de estrada, Adolphinho me corrige se estiver errado.
Adolphinho me dirigia por toda a região.
Oldack Miranda, nos seus primeiros passos no "Jornal da Bahia" recebe uma pauta explosiva pela caixa dos peitos.
Em Ibirapuã, numa única ruela, sem calçamento, morreram cinco crianças em poucos dias.
Tinham todas pouco mais de dez anos de idade.
Ditadura, o jornal soube disso por vazamentos, comentários daqui e dali.
Tudo era acobertado.
Boatos, talvez.
Mas, o jornal resolve conferir.
Miranda só confirma a pauta quando encontra uma equipe de médicos da Secretaria de Saúde do Estado.
As crianças morreram envenenadas por agrotóxicos.
Descarte de embalagens a céu aberto, o contato e a morte.
Vem de longe a matança por agrotóxicos.
A revista "Veja", cuja sucursal em Salvador era chefiada pelo jornalista e professor Carlos Libório, comprou a reportagem e o assunto ganhou repercussão nacional.
O jornal deu manchete forte:
"Malation mata cinco crianças".
O Brasil atualmente é o maior consumidor mundial de agrotóxicos.
E disparou sob o governo Bolsonaro a liberação de produtos proibidos em outros países.
O Malation...
#MemóriasJornalismoEmiliano   
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Emiliano José
21 de fevereiro 2020
Abrindo as portas do inferno

Oldack Miranda não imaginava certamente a que ponto chegaríamos quanto à liberação de agrotóxicos no Brasil.
A morte daquelas crianças em Ibirapuã era um trágico aviso.
No governo Bolsonaro, os agrotóxicos explodiram.
Até julho do ano passado, foram 290 liberações de venenos.
O Ibama revelou a utilização de 539 mil toneladas de pesticidas no Brasil em 2017.
No começo do governo do capitão reformado, segundo mês, o País chegava à fantástica marca de 2152 agrotóxicos autorizados, muitos deles proibidos em outros países, como o glifosato, proibido na França, produzido pela Monsanto, hoje Bayer.
Hoje, a morte vem aos poucos, nos nossos alimentos envenenados.
Está certa a Larissa Bombardi, geógrafa, professora da USP, autora do Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia:
- Metaforicamente, estamos abrindo as portas do inferno.
Há, ela diz em entrevista publicada pelo "Diário do Centro do Mundo" em 1 de março de 2019, uma vulnerabilização da saúde humana e ambiental do Brasil em função do estratosférico aumento da autorização de novos pesticidas.
Ainda como repórter, Miranda, acompanhado pelo fotógrafo Vigota, foi pautado para sentir e descrever o estado da chamada Estrada do Feijão, a BA-O52.
Pense numa desgraceira.
A estrada começava num entroncamento com a BR-116 - Rio-Bahia -, em Feira de Santana, até chegar 459 quilômetros depois à BR-161.
Recorda-se passando por Morro do Chapéu, Tapiramutá, Xique-Xique, Piritiba, Ipirá, Baixa Grande e Irecê.
Lá foram ele e Vigota e a Caravana Holiday.
De Kombi, atravessaram aqueles sertões.
Sabem o conforto de uma Kombi, não?
Macia, macia...
Sei não, só desconfio: o agravamento dos problemas de coluna de Miranda deve ter a ver também com essa viagem.
Não lembra do número, mas contou um a um os buracos, e algumas lembravam crateras, Kombi tinha de desviar.
Conversou com caminhoneiros, deu dedo de prosa com trabalhadores rurais, ouviu relatos de testemunhas de acidentes.
Ainda por cima, no longo trajeto, bateu um temporal dos diabos, raios e trovões de assustar qualquer cristão, o sertão virando mar, a buraqueira crescendo mode tanta água, Vigota fotografando, Miranda anotando, a Kombi resistindo, semelhava jegue rompendo a caatinga...
#MemóriasJornalismoEmiliano   
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(Penitenciária de Linhares (MG), para presos políticos, onde Oldack ficou preso em 1972.

Foto do livro "Cova 312" da jornalista mineira Daniela Arbex. No mesmo corredor Nilmário Miranda, ministro dos Direitos Humanos de Lula, ficou preso por vários anos. Daniela desvendou um segredo guardado por 35 anos pelos militares: o assassinato do guerrilheiro de Caparaó, Milton Soares de Castro, que já cumpria pena em Linhares. Também é autora de "Holocausto brasileiro" que conta o sofrimento de 60 mil mortos no hospício de Barbacena.vendeu mais de 100 mil exemplares.)

Emiliano José
22 de fevereiro 2020
Deu gorgulho na Estrada do Feijão

Mal arriou as malas, corpo estropiado da viagem, Oldack Miranda danou-se a escrever sobre a Estrada do Feijão.
Era batizada assim pelo marketing de ACM.
Irecê havia se tornado um vigoroso produtor de feijão, e a publicidade aproveitou.
Era último ano do primeiro governo de ACM, indicado por Garrastazu Médici, o mais terrível dos generais-presidentes.
ACM fora também indicado pelos militares como prefeito de Salvador anteriormente.
E será novamente indicado governador, para um segundo mandato, entre 1979-1983.
Nele, colava bem o rótulo de Brizola: filhote da ditadura.
Na jornada, Miranda não encontrou muitos caminhões carregados de feijão.
O grosso da safra seguia para Pernambuco.
Conversou com Patinhas, naquele momento dirigindo a redação, e ele resolveu transformar a reportagem em manchete de primeira página:
"Deu gorgulho na Estrada do Feijão".
Histórica, espirituosa manchete.
Patinhas é João Santana Filho, conhecido não só como notável jornalista mas, também, como grande publicitário voltado à comunicação política.
O "Jornal da Bahia" viveu, entre 1971 e 1975, com ACM governando, sob tenaz, odiosa perseguição.
Respirou quando Roberto Santos assumiu.
Foi ainda no ano de 1974 o julgamento de Miranda.
Dia 9 de outubro de 1974, ele ainda no "Jornal da Bahia"
Julgado pelo Conselho Permanente de Justiça para o Exército, na Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar.
A auditoria ocupava então um prédio histórico em São Joaquim, Água de Meninos para os baianos, nome da antiga feira livre destruída por incêndio suspeito, um pouco antes da Estação da Calçada.
O advogado era Inácio Gomes, indicado por uma grande amiga da mãe de Miranda, Isabel Santana, líder do Movimento Feminino pela Anistia na Bahia, secundada por Amabília Almeida.
Inácio Gomes foi advogado de muitos prisioneiros políticos.
Muitos jornalistas do "Jornal da Bahia", presentes: Nilton Nascimento, Mariana Soares,
Rêmulo Pastore e Antônio Jorge Moura.
E o editor da Edição Especial de Segunda-Feira, Fernando Pinto, protagonista de uma cena hilariante.
Era gordo, o Fernando Pinto.
Sentou-se de modo desajeitado numa cadeira defeituosa e esparramou-se pelo chão.
Por alguns minutos, quebrou o clima sisudo da instalação militar: foi um estrondo da porra, os juízes militares se mexeram, todo mundo olhou pro Fernando Pinto estatelado no chão, logo ajudado a se recompor, agora com mais cuidado e em cadeira sem defeito.
O julgamento ocorreu sem surpresas...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Devanier Lopes: Maravilha
Jose Tavares: Tribuna da BA, talvez o segundo jornal mais importante do estado, restou com duas folhas, tamanha a perseguição comandada por ACM 
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(Barbalho Oldack de Miranda visita cela em que ficou preso em 1973 no Forte do Barbalho)

Emiliano José
23 de fevereiro 2020
Tortura, sangue e morte no Recife

O julgamento de Oldack Miranda ocorreu sem surpresa.
Foi absolvido por unanimidade.
Miranda tinha essa expectativa.
Mas, ditadura é ditadura: podia também ser condenado.
Essa absolvição, de outubro de 1974, tinha uma explicação.
Não vem assim de graça, não.
A ditadura pretendia colocar uma pedra em cima desse processo.
Enterrá-lo, pudesse.
Era marcado pelo sangue.
Não apenas sangue: por assassinatos covardes de dois revolucionários, Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado, ambos de Ação Popular, como Miranda.
Gildo, preso em Salvador junto com Miranda, ambos levados para Recife.
Mata Machado, em São Paulo, e também levado para Recife.
Os três, barbaramente torturados.
Gildo e Mata Machado, não resistiram.
O corpo de Mata Machado foi resgatado pela família.
O de Gildo, nunca.
Assim, um ano depois, melhor colocar um ponto final nisso.
Já era governo Geisel, ditadura com a proposta de distensão lenta, gradual e segura.
Em 1975 e 1976, mata o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho.
Distensão, mas continuando a matar.
A Certidão do Superior Tribunal Militar, solicitada pela advogada Ronilda Noblat faz referência ao processo 01/74, instauração de Inquérito Policial Militar 01/73.
Denunciado em 7/1/1974, interrogado em 25/1/1974, absolvido em 9/10/1974.
Tudo a toque de caixa.
Como convinha nesse caso.
Miranda volta para o jornal com seus colegas de redação.
Passam antes num boteco da Barroquinha, em frente ao jornal, guiados por Utamá Sebastião, editor de Municípios, e exímio conhecedor dos bares e botequins da velha Cidade da Bahia.
Consta terem conseguido fechar bem suas páginas...
Chega 1975.
Miranda, dividido entre o "Jornal da Bahia" e a sucursal do jornal de combate "Movimento", chefiada administrativamente pelo advogado do Mosteiro de São Bento, Adelmo Oliveira.
Voluntários, ele e outros militantes...
#MemóriasJornalismoEmiliano

 COMENTÁRIOS

Isabel Santos: Ainda bem. #TorturaNuncaMais

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(Lembranças de Oldack: "No Forte do Barbalho, principal centro de tortura da Bahia durante a ditadura militar, ex-presos políticos e entidades de direitos humanos celebraram os 30 anos de Brasil democrático. Um dos piores danos que a ditadura provocou foi a perda de memória da população brasileira. Participei do evento e meu neto João Pedro, de 13 anos, fotografou a cela em que fiquei preso, assistiu a aula pública e a palestra sobre justiça de transição, que não ocorreu no Brasil, deixando impunes torturadores, assassinos e agentes do terrorismo de Estado"). 

Emiliano José
24 de fevereiro 2020
Imprensa alternativa e EBC

É, 1975, nas lembranças de Oldack, foi um ano de muito trabalho.
Não era simples dividir-se entre a dura rotina do "Jornal da Bahia" e as tarefas do "Movimento".
Todos os trabalhadores eram voluntários.
Dividiam ele, José Carlos Zanetti e Helder Barbosa a rotina de toda semana ir buscar "Movimento" no aeroporto "Dois de Julho"
Depois, distribui-lo nas bancas e para os assinantes.
O editor-chefe era o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira.
Olhando em retrospectiva, o mais importante jornalista da imprensa alternativa de todo o período ditatorial.
Entre os colunistas, o jornal contava com o deputado federal baiano Francisco Pinto, principal liderança do Grupo Autêntico do MDB.
Jornal alternativo, de esquerda, abertamente contra a ditadura militar.
Miranda militou em "Movimento" até 1977, quando surge "Em Tempo", dissidência de "Movimento".
Também a sucursal de "Em Tempo" foi chefiada pelo advogado das invasões de terras urbanas ociosas de Salvador, Adelmo Oliveira.
Ainda em 1975, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia (Sinjorba) iniciou um debate sobre a regulamentação da profissão.
As redações estavam cheias de estagiários e profissionais considerados irregulares - incluindo muitos ex-presos políticos.
A luta sindical liderada pelo jornalista Anízio Félix nos obrigou a voltar pra escola.
Fazer vestibular e tudo.
Estudantes, novamente.
Eu e Oldack, entramos no mesmo ano na EBC: 1976.
Duro: Miranda agora tinha de dividir-se entre "Jornal da Bahia", "Movimento", depois "Em Tempo", e escola.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jose Alcino Alcino: A TVE não chega no interior. Só da Globo. O melhor canal de comunicação do governo não chega à grande parte da população.
Emiliano José: Chega em parte. Está crescendo.
Denilson Vasconcelos: Todos fomos pra faculdade. E foi muito bom conviver com gente mais nova, debates em sala de aula, abrir a mente para novos conhecimentos...
Emiliano José: Denilson Vasconcelos Absolutamente verdadeiro!
Isabel Santos: E assim, vocês formaram uma dupla do barulho rsss, que deu (dá) o que falar na literatura política. Bela amizade. Aplausos, também por terem a garra de enfrentar o vestibular e vivenciar a EBC.
Emiliano José: Isabel Santos eternos aprendizes
Isabel Santos: Assim também me considero. "Só sei que nada sei", dizia Sócrates.
Emiliano José: Isabel Santos É isso!

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(Forte do Barbalho)

Emiliano José
25 de fevereiro 2020
No culto dos egunguns

Oldack Miranda, em 1975, deu de cara com mil espíritos vagando na noite.
Deu de cara com eguns, ou egunguns, espíritos dos antepassados.
Os mesmos egunguns vistos por Kehinde, menina menina, passeando pelas ruas de Uidá, na África, antes de dar com os costados no Brasil, escravizada, como conta Ana Maria Gonçalves no seu excepcional "Um defeito de cor".
O caso, conto como se deu.
Inventar alguma coisa é atributo de quem conta.
Cês já tiveram o privilégio de ler Manoel de Barros?
Se não, corram.
Lembrei dele: "Noventa por cento do que eu escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira"
Vou tentar, no entanto, ser fiel, não obstante não seja idiota da objetividade.
Miranda resolveu num daqueles finais de semana próprios pra curtir a vida, quando você é chamado ao lazer, ao ócio, resolveu junto com uma renca de amigas e amigos navegar na direção da Ilha de Itaparica.
Navegar é preciso, viver não é preciso.
Povoado de Ponta de Areia, praia de Amoreiras.
Ô vidão!, como dizia Rêmulo Pastore, jornalista, amigo tirado de nós tão cedo pelo destino ingrato.
Oldack se refastelando.
O velho calção de banho, cerveja que só a porra, gracias a la vida que me ha dado tanto...
Chegada a noite, sábado, a curiosidade animou a todos: iriam conhecer o santuário do Culto aos Eguns.
Tinham ouvido falar aqui, acolá, com ares de mistério, e o mistério sempre é atraente.
Não ficava muito distante.
Coisa de um quilômetro, logo ali, informou um pescador.
Meteram as caras mato adentro - é, incluía passar por uma pequena mata.
Parecia mais longe do que informara o pescador.
Mas, não fosse assim, não seria conversa de pescador.
Chegaram, e foram respeitosa e firmemente orientados: homens à esquerda, mulheres à direita.
Os atabaques soaram.
Uma percussão perturbadora.
Parecia do outro mundo, tão fascinante.
Miranda viajando, nas nuvens.
Aqueles atabaques não eram coisa de gente.
Parecia, brinque não, parecia coisa do outro mundo.
De fato, não podia ter perdido um espetáculo daquele.
Para ele, um espetáculo.
Podia até pedir perdão aos eguns e ao Alapini do Terreiro por sentir assim.
Mas, era um espetáculo.
Extasiado, vê o Egun surgir, belo belo, com suas roupas coloridas tecidas com folhas secas de bananeira, dançando...
A dança, envolvente, sedutora.
Os corpos todos, sutilmente fosse, se mexiam.
Ao lado dele, do Egun, um filho da Casa o acompanhava atentamente brandindo uma vara branca.
Não permitia...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Albany Camelo Sampaio Jr.: Emiliano, excelente esse memorial sobre o mestre Oldack Miranda.
Julio Cezar Rocha: E haja historia!!!!!!!!!!!
Joaquim Lisboa Neto: Viajo nos escritos entremeados de toques musicais do companheiro Emiliano
Adilson Borges: Legal. Aí, então...veja o próximo capítulo.
Emiliano José: Adilson Borges Sempre. Novela é assim...
Mônica Bichara: Curiosa, sempre tive a maior curiosidade em presenciar o Culto aos Eguns, sobretudo quando conheci o Mestre Didi
Isabel Santos: Que poesia esse texto de Emiliano. Estou aqui visualizando esse belo momento. Êxtase mesmo, né Oldack Miranda? Nossa profissão é tudo de bom.

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Emiliano José
26 de fevereiro 2020
Cavalo de orixá

Fascinante, a dança do Egun.
Um Ojé com uma vara branca acompanhava-o atentamente.
Não permitia a aproximação dele das pessoas sentadas nos bancos laterais.
Oldack Miranda ouviu dele a explicação: Eguns estavam presentes.
Todos eles queriam dançar.
É, mas nem sempre se passa pelo culto aos Eguns impunemente.
A pessoa chega inocente, começa a se mexer, e os Eguns podem chegar.
Aconteceu com Angelina, da caravana de Miranda.
Entrou em transe.
Na visão leiga de Miranda e dos demais da turma dele, no transe, ela estava passando muito mal.
Primeira ideia foi sair dali.
Como?
Portas fechadas com cadeados e correntes.
Não era possível sair.
Miranda conversa conversa, e convence os religiosos.
Um Ojé com a vara branca, chamada por ele de Ixã, os conduzia pela noite impressionantemente escura.
Quando considerou estarem perto do destino deles, deixou-os seguir sozinhos.
Fez, no entanto, com ar preocupado, uma advertência:
- Andem rápido porque há mil Eguns soltos na noite.
O pouco que faltava foi percorrido a toque de caixa, marcha acelerada.
Não se sabe se os Eguns se intrometeram nos sonhos de Miranda e dos demais naquela noite.
Dizer de uma noite inesquecível é pouco.
Dela, nunca mais se esqueceram.
Oldack Miranda viu ali uma boa reportagem.
Não fora pautada.
Mas, caiu no colo dele.
Precisava, no entanto, cercar o assunto.
Procurou Mestre Didi - Deoscoredes Maximiliano dos Santos.
Ao seu lado, sempre, sua companheira, estudiosa do culto aos ancestrais, Juana Elbein dos Santos.
Queria entender os fundamentos do culto.
Talvez caibam duas ou três palavras sobre Mestre Didi, por sua notável importância na religião dos orixás.
Filho de Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá.
Vinha da tradição, ele.
Sua trisavó, Marcelina da Silva, Obá Tossi, foi uma das fundadoras da primeira casa de tradição nagô de candomblé na Bahia, o Ilê Axé Aira Intile, depois Ilê Iya Nassô, a Casa Branca, nascida na Barroquinha, e cujo templo está hoje na Avenida Vasco da Gama, em Salvador...
#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Comemoração dos 30 anos de formatura em jornalismo na EBC-UFBA)

Emiliano José
27 de fevereiro 2020
Mil eguns soltos na noite

Mestre Didi foi iniciado no culto aos orixás por Eugenia Anna dos Santos, Mãe Aninha, fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá.
Dela, recebeu o título de Assogbá, Supremo Sacerdote do Culto de Obaluaiyê.
Marcos Theodoro Pimentel, Alapini do Terreiro do Barro Vermelho, na Ilha de Itaparica, foi seu primeiro mestre no Culto aos Egunguns.
O segundo, Arsênio Ferreira dos Santos, conhecido como Paizinho, Otun Alagbá do Ilê Agboulá, sobrinho de Pimentel.
Foi sagrado Alapini, Ipekun Ojé, Sumo Sacerdote do Culto aos Egunguns.
Deixou um grande legado na literatura e nas artes plásticas, tudo voltado à preservação da cultura africana na Bahia.
Entrevista com Mestre Didi, já conhecendo um pouco dos fundamentos do culto aos Eguns, Oldack Miranda escreveu a matéria.
João Santana, então conhecido como Patinhas, editor, leu, releu, gostou, e achou o título:
"Mil Eguns soltos na noite".
Recuperava a advertência dada a Miranda quando voltava pra casa depois do transe de Angelina.
Um belo saque.
A lembrança dessa aventura e dessa matéria aflorou por conta de um encontro dele com Moacir Ribeiro, em sua casa, em Monte Gordo, no Litoral Norte, isso ali por 2005.
Haviam trabalhado juntos e se tornado amigos no "Jornal da Bahia" e no "Bahia Hoje".
Eu o conheci e firmei amizade acompanhando seu trabalho como editor de Polícia no "Jornal da Bahia", nos anos 1970.
Conversa vai, conversa vem, e subitamente Ribeiro se levanta, vai pra dentro da casa, e volta com uma página amarelada, gasta pelo tempo, datada de 1975.
Era a reportagem sobre os mil eguns soltos na noite.
Pediu, quase rogou, lhe desse a folha emprestada.
Tiraria uma cópia e devolveria o original.
Que nada - Ribeiro não cedeu nem a pau.
Desconfiava pudesse não voltar, a página perder-se pelos caminhos.
Único jeito pra Miranda é desembarcar na Biblioteca Central dos Barris, procurar o arquivo do "Jornal da Bahia", descobrir se a matéria sobreviveu, e recuperá-la.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carlos Pereira Neto Siuffo: Foi vc quem me disse a frase, ali pelos inícios dos anos 1980, 'quem rouba livro é amigo". Nunca esqueci.
Emiliano José: Carlos Pereira Neto Siuffo Carlinhos, já perdi preciosidades assim. E como descobrir?
Mônica Bichara: Poxa, Moacyr Ribeiro, manda uma foto dessa preciosidade aí pra a gente editar
Emiliano José: Mônica Bichara Bem que podia, né? Comece a pedir fotos pra Oldack Miranda
Isabel Santos: Pois é. Deu bobeira, Oldack Miranda kkkkkk Moacyr Ribeiro (querido Moa) foi mais esperto. Guardou a preciosidade sobre nossos irmãos da religião de matriz africana. Papel amarelado é coisa de 'jornalistadasantigas'. Você um deles. Corre atrás rs
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(Faculdade de Direito da UFMG, em 1967. Foto encontrada no DOPS mineiro após redemocratização. Passeata contra a ditadura foi reprimida com violência em BH. A repressão gerou uma foto histórica, descoberta nos arquivos do DOPS. À direita, está o estudante Oldack de Miranda, sem camisa, pedras nas mãos, resistindo ao cerco. À esquerda, o irmão Nilmário Miranda. Quase 40 anos depois, a foto foi grafitada no Espaço José Carlos da Mata Machado, morto na tortura. A foto ilustrou o cartaz do Congresso de Justiça de Transição reproduzido pelo jornalista baiano Otto Filgueiras em seu livro "Revolucionários sem rosto - uma história da Ação Popular". Ele dedicou a obra aos seus colegas do Jornal da Bahia Oldack de Miranda, Emiliano José, José Carlos Prata e Antônio Jorge Moura)

Emiliano José
28 de fevereiro 2020
Coisa de doido

O "Jornal da Bahia" é lembrado com entusiasmo por Oldack Miranda.
Tinha história: fundado por um ex-comunista rompido com o stalinismo, surgiu arrebanhando grandes intelectuais como João Ubaldo Ribeiro, Glauber Rocha, João Carlos Teixeira Gomes, Paulo Gil Soares, Guido Guerra.
Enfrentou odiosa perseguição de ACM.
Desenvolveu a histórica campanha "Não deixe esta chama se apagar", resistindo à perseguíção do déspota.
Com Roberto Santos governador, respirou.
Levi Vasconcelos, parte da história do jornal, em setembro do ano passado, registrou o clima reinante à época:
"Na juventude comunista, militante do time de Luís Carlos Prestes, João da Costa Falcão deixou aquela vida de lado e virou grande empresário. Dono do Jornal da Bahia, vendeu um banco, o Baiano da Produção, para bancar uma briga com ACM, em plena ditadura militar.
Brigava com ACM, apaziguava com a ditadura, mas abria as portas do JBa para empregar ex-presos políticos egressos dos cárceres como Emíliano José, Oldack de Miranda, José Carlos Prata, Dalton Godinho, José Carlos Zanetti e Denilson Vasconcelos, encorajado pelo genro Gustavo Tapioca, também militante de esquerda."
Não, a nota de Levi não para aí.
Dá ênfase à forma como João Falcão tocava o jornal.
Repetir às vezes é necessário.
Guerra total contra ACM, de um lado.
Nada de melindrar os militares, de outro.
Não dava pra brigar com os dois.
Caminhava no fio da navalha.
Os tempos eram duros.
Um dia, é ainda nosso Levi contando, João Falcão convoca uma reunião de editores.
Que será? - indagam-se todos.
#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Recebendo o diploma de Sócio Honorário da Academia de Letras de Teófilo Otoni (MG), em novembro de 2016) 



Emiliano José
1 de março 2020
A sublevação dos mendigos

Marcelo Simões é dos tais: de bem com a vida.
Nada lhe tira o bom humor.
Pra tirar sarro, daquiprali.
Ao menos era assim nos anos 1970.
Até hoje me penitencio de episódio de um longínquo carnaval, aqueles tempos.
Andava pela Carlos Gomes, à altura do antigo "Diário de Notícias", distraído, naqueles momentos de pouco movimento, quando todo mundo dá uma pausa, à espera do próximo trio elétrico.
De repente, alguém me pega pelo cinto, por trás.
Como, não me perguntem: num golpe só botei o indigitado deitado à minha frente meus pés já em movimento para arrebentar-lhe a cara.
Nunca lutei judô, caratê, o que seja.
Capoeira, sim, final dos anos 1970, com mestre Sena, na mesma Carlos Gomes, ajudado por mestre Gilson.
Acho tenha sido reação derivada do trauma do período da ditadura, algumas vezes escapei depois de segurado pelo tira, e não admitia ninguém tentar me imobilizar.
Marcelo Simões, no chão, olhava pra mim assustado com minha reação.
Eu, também.
Voltemos ao baú de Oldack Miranda.
Decidida a pauta, Simões incorporou o personagem, caminhou para a rua, um mendigo só, todo maltrapilhado.
Viu logo ali, nas proximidades da rua Chile, um bocado deles, pedindo esmola.
Carregava uma caneca de alumínio grande.
Ali, receberia as moedas e outros trocados.
Sentou, sentiu olhares pouco amistosos dos companheiros de profissão.
Não entendeu muito bem.
Logo, iria compreender.
A redação levou um susto danado quando viram entrar um mendigo esbaforido.
Simões, olhos arregalados, medo.
A chegada à nova atividade não fora tão pacífica.
Ponto de esmola tem dono.
Forasteiro não entra assim, não.
É coisa organizada.
Não tem sindicato, mas se põe ordem na casa.
Ninguém se iluda com as aparências.
Sublevação de mendigos contra ele.
- Que é que você quer aqui?
Porrada.
Deu polícia.
Um bafafá de bom tamanho.
Não quis mais repetir a aventura.
Simões, mais tarde, foi tentar ganhar dinheiro como publicitário, escreveu livros, buscou o mundo fora da Bahia.
Espalhou seu talento por aí.
E sua alegria.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Essa foi boa hahaha grande pauta
Emiliano José: Mônica Bichara Não cumprida...
Denilson Vasconcelos: No tempo que era magro Tim Lopes fazia isso para jornais alternativos no Rio. Foi peão de obra, mendigo... A televisão acabou escancarando sua imagem. E os tempos já eram outros. Aí deu ruim.
Isabel Santos: kkkkk que massa. Grande Marcelo Simões. Bom saque de Oldack Miranda, mas deixou nosso colega em maus lençóis kkkkk 

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Emiliano José
2 de março 2020
Isso não tem preço

Oldack Miranda mexe no baú.
Otto Filgueiras, cuja partida recente para o reino dos encantados nos deixou tristes, é parte de suas lembranças.
Dele, também me recordo com saudade.
Foi dos primeiros a me acolher na Bahia quando cheguei, em 1970.
Depois, convivemos muito, como profissionais e militantes.
Miranda recupera o lançamento em 2014 do primeiro volume de "Revolucionários sem rosto - uma história de Ação Popular", editada pelo Instituto Caio Prado, escrito por Filgueiras.
Fez uma homenagem assim:
"Dedico esse trabalho a todos os colegas jornalistas com os quais aprendi o ofício, entre eles Vicente Alessi Filho, Oldack de Miranda, Emiliano José, José Carlos Prata e Antônio Jorge Moura, pelos primeiros ensinamentos na profissão".
- É uma coisa que não tem preço - diz Miranda.
Filgueiras trabalhou no "Jornal da Bahia" e nas sucursais dos jornais "Movimento" e "Em Tempo", na Bahia.
Em São Paulo, na "Retratos do Brasil", "Revista do MST", "Revista Globo Rural", "Revista Teoria e Debate" e "Gazeta Mercantil".Em 1981, recebe o "Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos" com a reportagem "Os 14 dias que abalaram a Bahia", publicada pelo jornal "Movimento".
A matéria trata do quebra-quebra de ônibus em Salvador contra o aumento do preço das passagens.
Jadson Oliveira é co-autor, também premiado.
Levou o "Prêmio ABIC de Jornalismo" (1994/1995) com a reportagem "De volta, com futuro", publicada na revista "Globo Rural".
E publicou o livro "Chesf em alta tensão - a greve proibida", produzido pelo Sindicato dos Eletricitários da Bahia, em 1983.
Na iconografia de "Revolucionários sem rosto", Filgueiras inclui fac-simile do cartaz do "Congresso Justiça de Transição - Por um Estado de Direito", realizado entre 29 de maio e 1º de junho de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
O cartaz tinha por base uma foto dos irmãos Oldack de Miranda e Nilmário de Miranda, enfrentando a polícia com pedras nas mãos, em 1968, quando a faculdade foi ocupada pelos estudantes, num grande protesto contra a ditadura militar.
A foto foi encontrada nos arquivos do DOPS mineiro e tornou-se ilustração da carteira da UNE.
A foto revela o espírito do tempo.
A juventude de peito aberto, corpos expostos, sem camisa, as pedras lembrando a funda de David contra Golias.
- Isso não tem preço - repete Miranda.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Oldack Miranda, separa essa foto e as q vc quiser pra ilustrar essas memórias. Pode ir me mandando
Oldack Miranda: Mônica Bichara mandando como, amiga?
Mônica Bichara: Oldack Miranda por zap ou e-mail (moncabichara@gmail.com) pra postagem das memórias no Pilha Pura, como as anteriores
Luiz Denis Graça Soares: Otto Filgueiras tb editou o ALARME, boletim do Sinergia Bahia, logo após a retomada do sindicato dos pelegos em 81. Pretendo digitalizar estes boletins neste 2020
Emiliano José: Luiz Denis Graça Soares Ótimo, companheiro!

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(Chamada de capa da matéria de Oldack no Jornal da Bahia)

Emiliano José
3 de março 2020
Terror nos Alagados

Um espectro continuava a assombrar João Falcão: o espectro da dívida.
Precisava pagar 250 mil dólares ao Banco Econômico, parte de um empréstimo de 500 mil dólares.
A perseguíção de ACM cobrava seu preço.
De cortar o coração: vendeu a histórica sede da Barroquinha para honrar o compromisso.
Antes, uma questão o atormentou por dias: onde abrigar o jornal?
Pagava a dívida, mas não queria fechar as portas.
Encontrou a mais ampla solidariedade da "Tribuna da Bahia".
De Joaci Góes e Walter Pinheiro.
Em 14 de outubro de 1981, o "Jornal da Bahia" seguiu para o prédio da Rua Djalma Dutra.
Os dois jornais passam a dividir o espaço.
Não aguentou muito.
Em dezembro de 1983, fecha negócio com dois jovens advogados.
O jornal era agora de Carlos Villares Barral e Francisco Bastos.
Barral e Chico Bastos convidam Oldack Miranda para ser o redator-chefe.
Foi uma passagem meteórica.
Durou 54 dias.
Vamos entender por quê.
Fevereiro de 1984.
Governo João Durval.
Um agrupamento da Polícia Militar deflagra uma autêntica operação de guerra nos Alagados - soldados entraram arrebentando pessoas e barracos, habitações precárias equilibradas sobre palafitas enterradas no mar.
Um terror.
Um repórter da Editoria de Polícia chegou esbaforido, agitado à redação, todo cheio de informações, fotos, entrevistas.
Miranda ordenou: faça a matéria.
Manchete do dia seguinte:
"Polícia Militar aterroriza Alagados".
Crise, diretoria se reúne, governo liga, um quiprocó da porra.
Miranda defende a matéria.
Qualquer jornalista sério o faria.
Além de tudo, ele tinha um carinho especial por Alagados.
Conhecia a área.
Algumas vezes, danou-se pelas palafitas, bebeu cravinho e cerveja em tantas bodegas.
Fez romaria por lá, nem uma nem duas, várias.
Para tanto, contava sempre com a larga experiência de mestres-sala da boemia em Salvador.
Do maior deles, Jheová de Carvalho.
De Rêmulo Pastore, sucessor já experimentado de Jheová, ô vidão.
De Antônio Jorge, mais novato, mas já de boa performance na noite.
Eram estes seus parceiros nas noitadas agradáveis de Alagados, tão pacíficas.
Lá residiam...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Isabel Santos: Alagados está na memória de muitos jornalistas que por ali passaram para fazer reportagens. Vimos de perto, às vezes, com muito sofrimento e emoção, as dificuldades dos maradores que se equilibravam de todas as maneiras naquelas palafitas. Mas também não era difícil vivenciar o bom astral deles porque, assim, com garra e bom humor, conseguiam ultrapassar as turbulências. Era a Esperança falando mais alto.

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Emiliano José
4 de março 2020
Guerra prossegue nos Alagados

Alagados foi um trágico retrato da concentração de renda num Brasil escravocrata, profundamente desigual.
Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na areia...
Milhares de pessoas de Salvador tomaram o mar de assalto.
Invadiram-no a perder de vista na região onde é hoje o bairro do Uruguai.
Uma arquitetura original.
Equilibrista.
Madeira.
Restos de madeira.
Palafitas.
Trabalhadores.
Trabalhadoras.
Crianças pra burro.
Miséria.
Uma outra cidade.
Outro mundo.
Com seu comércio.
Seu jeito de existir.
Suas bodegas.
Seu multifacetado pequeno comércio.
Pobre se vira nos trinta.
Esse mundo, Oldack Miranda conheceu.
Não vira nenhuma razão para toda aquela truculência da PM.
Por Isso, defendeu a manchete.
Quem sabe, a notícia sobre a violência inibisse operações como aquela.
Que nada.
Na noite seguinte, sempre à noite, a PM caiu matando novamente em Alagados, invadindo casebres, mulheres, crianças, famílias inteiras sendo acordadas sem quê nem pra quê, apavoradas diante de tanto grito, fuzis, metralhadoras, no meio de um cenário de guerra.
Miranda tascou nova manchete:
Polícia Militar volta a aterrorizar Alagados".
Demitido.
É provável tenha havido uma pressão intensa do governo João Durval e Barral e Chico Bastos não tenham tido peito para enfrentá-la.
E não eram jornalistas.
Isso talvez também contribuiu para que não compreendessem os deveres da profissão.
Miranda conta:
- Na última eleição que Emíliano disputou, por indicação do advogado, ex-preso político Rui Patterson , fui à Associação de Moradores 1º de Maio articular apoio ao candidato a deputado federal. Emocionado, vi as duas capas do "Jornal da Bahia" pregadas na sala de reuniões. Mais de trinta anos depois. Isso não tem preço.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Denilson Vasconcelos: Uruguai já existia. Uma parte de Alagados, a maior, estava nele; outra, no Jardim Cruzeiro e em Lobato; e mais uma entre Ribeira e Massaranduba.
Emiliano José: Denilson Vasconcelos Isso
Mônica Bichara: Tem a foto dessas capas, Oldack Miranda?
Emiliano José: Mônica, ele não tem. Nem fotos dele como jornalista. Vamos ter que resolver Edição dele com criatividade. Arquivo. Creio que há jeito. Ele está pensando.
Oldack Miranda: Minha gente, depois de duas prisões na década de 1970 eu quase não aparecia, nem em fotos. Achei que eu tinha me tornado uma pessoa tóxica, muitas pessoas foram presas porque andavam comigo apenas. Estou pesquisando, mas é difícil.
Mônica Bichara: Imagino, mas veja o q vc consegue. Será q o pessoal dessa associação não guardou?

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(Sessão especial da AL-BA pelos 50 anos da TV Aratu, com Suely Temporal, Neuzinha Menezes e Vanda Amorim )

Emiliano José
5 de março 2020
Rômulo Almeida

Parece coisa do destino.
Oldack Miranda cultiva passagens meteóricas em sua vida profissional.
Cultiva, nada.
Acontecem.
Em 1979, estava ele posto em sossego e aparece Chico Ribeiro Neto.
Não era qualquer um.
Secretário de Redação de "A Tarde".
Convida-o para ser editor de Economia.
Era maio.
Aceitou.
Miranda não conhecia muito os meandros, os segredos do novo jornal.
Novo para ele.
Do centenário jornal.
Vamos a um dos segredos.
Às vezes, segredos, se não dominados, periga serem fatais.
Na página diária de Economia, havia uma coluna chamada "Fatos e Negócios".
Um nome sugestivo.
Miranda devia ter se colocado em guarda.
Procurar saber sobre em torno de quais interesses, quais fatos e negócios alimentavam a coluna.
Seguir o dinheiro - velho conselho.
Nada.
No seu raciocínio, estritamente profissional, como não tinha qualquer interesse em publicar notas de promoção de empresas, resolveu colocar o espaço à disposição da redação.
Democratizou "Fatos e Negócios".
Entregavam nota, ele publicava.
Deu errado:
- O jornal "A Tarde" era repartido em capitanias hereditárias. As editorias e colunas eram privatizadas, com tolerância dos editores.
Dito de outra forma, havia quem recebesse algum pelas notas.
Os prejudicados sentiram seus feudos ameaçados, o dinheiro escasseando.
Reclamaram, pressionaram, até que...
A justificativa para a volta das capitanias hereditárias foi bem prosaica.
Jorge Calmon, o redator-chefe, argumentou a existência do privilégio dado a Rômulo Almeida na Editoria de Economia e no Caderno Econômico.
Era um personagem detestado pelo governo estadual e pelo federal - pela ditadura.
Foi o argumento.
Não adiantava argumentar ser Rômulo Almeida a mais credenciada fonte da área econômica de todo o País.
Admitido em maio de 1979.
Posto no olho da rua em dezembro de 1980.
Coisas da vida.
Escolhas.
Delas, nunca se arrependeu.
#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Lançamento do livro do colega Chico Araújo sobre o Padioleiro Manoel, em 2019, com dona Maria de Lourdes e Manoel Alves de Oliveira)

Emiliano José
6 de março 2020
Multidão estraga festa de ACM

Em março de 1981, Oldack Miranda é convidado para a assessoria de Comunicação da EBAL, que gerenciava a rede estatal de supermercados da Cesta do Povo.
Walter Baptista, presidente.
Nadya Argolo, jornalista, com passagem anterior pelo "Jornal da Bahia", ocupava o cargo de Relações Públicas.
Juntos, organizam inaugurações de dezenas de unidades da Cesta do Povo Bahia afora.
De 1979 a 1983, ACM governava a Bahia.
Sem voto, imposto pela ditadura.
A Cesta do Povo era o carro-chefe do marketing governamental.
Ou ao menos, uma das peças fundamentais.
As inaugurações eram verdadeiros comícios, com direito a palanque e tudo.
Um dia, ACM tirou da cartola a ideia de colocar um supermercado dentro de Alagados.
Moderno, muito bem equipado, máquinas registradoras de última geração.
Oferecer ao povo pobre de Alagados, e bote pobre nisso, um supermercado dos melhores.
ACM não era bobo.
Ordem dada, ordem cumprida.
Walter Baptista era bem mandado.
No dia da festa, saía gente pelo ladrão, vinda das palafitas.
Todo Alagados presente.
Suburbana também.
Multidão.
Um belo comício.
Como queria ACM.
ACM, entusiasmado.
Eufórico, não podia ver povo.
Ao falar, enfático, conclamou:
- Venham, venham, é tudo de vocês!
O povo levou a sério: invadiu o moderno supermercado, carregou tudo que via pela frente, não havia como conter a multidão alegre, entusiasmada com a oferta do governador.
Numa investida como essa, aconteceu o inevitável: tudo foi ao chão, inclusive as modernas máquinas registradoras.
Um furacão.
Ao final, o presidente Walter Baptista descansava no chão, sentado sobre uma das máquinas registradoras, desalentado, sem ânimo para consolar a tristeza de toda a equipe, cujo trabalho fora destruído em poucos minutos.
Quem sabe, tenha sobrado uma lição: com multidão não se brinca.
E talvez um consolo: por alguns poucos dias, matou-se a fome de um bocado de gente.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Nelson Simões: Pense num absurdo...  
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Emiliano José
7 de março 2020
De novo, no olho da rua

Trabalhar sob o jugo de ACM não era mole, não.
Não apenas por ele.
Sim, era de um autoritarismo incomparável.
Um soba.
Mas, havia o guardinha da esquina.
Mil olhos vigiando.
Querendo agradar o Chefe.
Talvez pudesse emprestar de Marilena Chaui a expressão: servidão voluntária.
O povo chamaria a espécie de forma menos elegante: o cordão dos puxa-sacos.
Um bando de pusilânimes querendo mostrar serviço.
Às vezes, a troco de nada.
Um sorriso, talvez
Apenas isso.
Garantir um empreguinho de merda.
Coisas pequenas.
Muitos graciosamente exerciam o papel de dedo-duro.
Tinham algum gozo nisso, à falta de outros.
Esses pequenos monstros vêm à tona sobretudo em fases de transição, de crise.
Gramsci disse Isso: é aquele momento em que o velho recusa-se a morrer,.o novo não tem força pra despontar, e nesse intervalo surgem os monstros.
Revela-se a face pior da sociedade.
O sádico se revela.
A ditadura estava por um fio.
Terminaria em 1985.
Foi num dia 13 o acontecido com Oldack Miranda.
13 de junho de 1983.
Walter Baptista o chama.
Chamar assim com alguma solenidade dava logo pra desconfiar.
Engatou um veja bem, constrangido, e foi ao ponto.
Não escondeu a verdade.
Recebera um telefonema de uma senhora.
Carlista de carteirinha.
Apaixonada, doida pra prestar serviço.
Engenheira aposentada.
Dona Olga.
Proprietária do apartamento alugado por Miranda, em Salvador.
Avenida Centenário, 1.
Edifício Aglo - Olga ao contrário.
Não contou conversa: "esse rapaz trabalha pro governo ACM, mas fez campanha aberta para Roberto Santos governador, Rômulo vice-governador, a chapa do PMDB".
No velho fusquinha 69, a prova do crime - adesivos da campanha.
A senhora deu detalhes.
Walter Baptista gostava de Miranda.
Mas, tirou o dele da reta.
Como arriscar?
E se chega aos ouvidos de ACM?
Miranda ia dizer o quê?
Negar, não podia.
Foi pra rua.
Pro olho da rua.
Outra vez...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Joaquim Lisboa Neto: No olho da rua mas com a cabeça erguida, altaneiro. Dignidade invendável.
Angelica Rodrigues Oliveira: em tempos sobrios, um salve aos Mirandas da vida, os imprescindíveis! 
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Emiliano José
8 de março 2020
Sabe nada, inocente

Da Cesta do Povo para o sindicato.
Entre 1984 e 1985, Oldack Miranda trabalha como Assessor de Imprensa do combativo Sindicato dos Trabalhadores da indústria e Extração de Petróleo - STIEP.
Gestão Milton Cecílio.
Como grande parte dos jornalistas, trabalha dobrado.
Também assessorava Mário Kertész no ano da luta pelas Diretas Já, na disputa interna pela legenda do PMDB, vencida por Kertész.
Eleito prefeito, ele o nomeia Assessor Especial.
Manoel Castro entregou o cargo em 31 de dezembro de 1985.
O ex-prefeito não tomou uma única providência para o carnaval.
E faltavam apenas 29 dias para a festa.
A bomba caiu no colo de Miranda.
Nomeado Coordenador do Carnaval de Salvador, se virou nos trinta.
Passou 29 dias sem dormir em casa.
Uma loucura.
Mas, sentiu o gosto da vitória: o Carnaval saiu.
Na Barra e em 22 bairros.
Trabalho de louco.
Miranda se recorda de um grupo carnavalesco vinculado ao PCdoB hostilizando-o publicamente.
Uma dirigente do grupo atirou uma cesta de lixo nele durante uma entrevista coletiva.
Era o preço a pagar.
Auxiliado pelos funcionários municipais e pelo amigo Tinta Forte conseguiu dar conta do recado.
Tinta Forte era um negro retinto, quase dois metros de altura, bem-humorado, despachado, mais tarde vereador, com enorme prestígio lá pelas bandas de São Caetano.
E sacava das manhas do carnaval.
Não são poucas.
Miranda não entendia porque as pessoas não se retiravam depois de tudo acertado.
Ficavam paradas, a esperar serem chamadas.
Um clima estranho.
Miranda tinha de insistir: reunião encerrada.
Tinta Forte explicou:
- Estão esperando pra entregar a sua parte.
- Como minha parte? - Miranda pergunta.
Tinta Forte deve ter pensado "sabe nada, inocente", e explicou:
- Entra carnaval, sai carnaval, e os dirigentes de bloco sempre entregavam um tanto de dinheiro ao coordenador. Só você não recebeu...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Denilson Vasconcelos: Oldack carnavalizando. Coisas da vida. Aprendizado e tanto.
Lucia Correia Lima: Bela denúncia  
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Emiliano José
9 de março 2020
Xerife dos preços

Logo depois do carnaval, Oldack Miranda recebeu a estrela de xerife.
Explico.
Nomeado por Mário Kertész Coordenador do Plano Cruzado em Salvador, fechava ou multava supermercados resistentes ao congelamento de preços de Sarney.
Sempre acompanhado de policiais e também fiscais da Fazenda.
Guarda uma lembrança curiosa sobre a Coordenação do Carnaval.
Um dia, ao chegar ao Comando da Polícia Militar, nos Aflitos, caminhando pelo corredor com sua então inseparável pastinha preta, foi parado por um coronel:
- Preciso de recursos para colocar os PMs no Campo Grande.
Não andou dez metros, e outro coronel colou nele e cochichou:
- Ele pediu dinheiro, não foi? Não dê nada não.
Uma experiência diferente, um novo aprendizado.
Sendo jornalista, estava sempre ao lado do poder municipal nas entrevistas.
E era ele o entrevistado.
Waldir Pires assume em 1987.
Miranda passa a assessorar Pedral Sampaio, secretário de Transportes.
Correu trecho: na Assembleia Legislativa, em momentos diversos, foi meu assessor, do deputado João Almeida e do deputado Colbert Martins Filho.
Entre 1993 e 1994, a convite de Luiz Caetano, íntegra a Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Camaçari, na gestão de Humberto Ellery.
De 1995 a 2006, assessora os três mandatos do deputado federal Pedro Irujo, do PMDB.
Registra: durante o primeiro mandato de Lula, o Vasco Pedro Irujo votou com o governo em tudo.
E aí veio a experiência do jornal "Bahia Hoje".
De agosto de 1995 a julho de 1997, assume a função de redator-chefe do jornal.
Era empreendimento de Pedro Irujo, planejado e executado até ali pelo jornalista Tasso Franco.
Acontece que...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Devanier Lopes: E aí?
Emiliano José: Devanier Lopes Vida que segue... 
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(Com a filha Thaís e o neto João Pedro)

Emiliano José
10 de março 2020
"Bahia Hoje" debaixo de tempestade

O "Bahia Hoje" foi uma iniciativa do empresário Pedro Irujo, planejado e executado pelo jornalista Tasso Franco.
Oldack Miranda é convidado para assumir como redator-chefe debaixo da tempestade de uma greve por aumento salarial de 28 dias, liderada pelo Sindicato dos Jornalistas da Bahia.
Assume com a faca no pescoço.
Antes de assumir, de modo a não confundir as coisas, tinha ido ao jornal uma única vez, precisamente no coquetel de lançamento.
Para levar o empreendimento adiante, jogou o jornal para a esquerda.
Luiz Mott escrevia regularmente sobre a saga LGBT.
Zulu Araújo, convidado por Miranda, revelou-se um grande articulista.
Arthur Andrade, com sua coluna "Bahia com H", apimentava o jornal.
A Editoria de Política corria solta.
Não era pouco trabalho.
Revisava todas as páginas, num jornal sem departamento de revisão de texto.
Fazia o editorial.
Fechava a primeira página.
Cravava a manchete principal.
Registra: isso não seria possível sem a participação do jornalista César Barrocas na Secretaria.
E de um dedicado corpo de editores.
Conta mais.
No primeiro dia de trabalho, chama o Editor de Arte, Kageiama, e dobra o salário dele, dando-lhe liberdade de criação.
Ele conseguiu segurar o chargista Cauh.
Miranda, ele próprio, assinou reportagens.
Como "Vinte e cinco anos da CESE" - Coordenadoria Ecumênica de Serviço.
Assinou outra de página inteira, resolvendo pendenga antiga entre Pedro Irujo e Caetano Veloso.
A matéria era sobre um filho recém-nascido de Caetano.
Contava-se: prepostos de Pedro Irujo picharam, na calada da noite, frases ofensivas ao cantor no muro de sua residência em Ondina.
Seria uma represália a críticas públicas de Caetano ao empresário.
Amigos comuns disseram a Miranda do quanto Caetano gostara da matéria, a ponto de sair comprando o jornal nas bancas de revista para presentear amigos.
Pedro Irujo era personalidade contraditória...
#MemóriasJornalismoEmiliano   
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Emiliano José
11 de março 2020
Fim do "Bahia Hoje"

Já se disse: Oldack Miranda trabalhou uma dúzia de anos com "O Basco".
O suficiente para conhecê-lo bem e considerá-lo uma personalidade contraditória.
Pedro Irujo entrou para o PRN e liderou a aventura de Collor na Bahia em 1991 e 1992.
Passou pelo PFL.
Chegou ao PMDB, foi seu presidente regional.
Perdeu o controle do partido para o rolo compressor de Geddel Vieira Lima e Michel Temer.
Alardeava, e isso também já se disse: durante o primeiro governo Lula, votou a favor de todas as iniciativas governamentais na Câmara Federal.
De Collor a Lula.
Em 2006 encerra sua carreira política.
Decidiu não concorrer maís.
Era dono da TV Itapoan.
Infelizmente, como diz Miranda, decidiu vendê-la para o pastor-empresário, proprietário da Igreja Universal, Edir Macedo.
Incluiu o "Bahia Hoje" no negócio.
O jornal fechou as portas.
Experiência inovadora, de vida curta.
A Miranda coube a tarefa de gerenciar os minutos finais:
- Despedir uma redação de 63 profissionais foi a pior coisa que me aconteceu na vida. A ordem era pagar tudo que a legislação ordenava, na Justiça do Trabalho. Ninguém reclamou. A experiência do "Bahia Hoje" está para ser contada pelo jornalista Tasso Franco. Eu peguei o barco andando.
Com Jaques Wagner governador, Miranda é nomeado para a Assessoria da Presidência da Agência de Fomento, Desenbahia, em janeiro de 2007.
Com o governador Rui Costa, confirmado no cargo.
Vida que segue.
#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Com Waldir Pires e o amigo Rui Barreto no lançamento da 17ª edição de "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", em 2015)

Emiliano José
12 de março 2020
Lamarca vive!

Dias e dias de trabalho em minha casa no Alto do Saldanha, em Brotas, Salvador.
Um ano ao menos de pesquisa.
Depois, redação final.
Eu dava o primeiro texto, Oldack Miranda complementava, Adilson Borges atento ao bom português.
O lançamento foi na Literarte, de Getúlio e Nildão, na Avenida Sete.
Meados de 1980.
Gente saindo pelo ladrão.
Miranda, na etapa final, pegou seu velho Fusca, e desembestou na direção de Brotas de Macaúbas.
Antes, passamos na Capelinha de São Caetano e arrumamos alguns trocados com padre Renzo Rossi para a gasolina.
Ele e Deus ganharam estrada.
Ontem mais que hoje, uma longa viagem.
Chegou inteiro
O bravo Fusca, também.
A pauta era refazer o caminho de Zequinha e Lamarca desde a escapada deles do refúgio da mata do Buriti Cristalino.
Mas, ninguém controla os céus
Caiu uma tempestade dos diabos.
O sertão virou mar.
Chegaram a Buriti Cristalino, ele e Olderico Campos Barreto, em cuja casa Miranda se hospedou.
Foram a pé.
O Fusca não subia aquela serra.
Olderico é um sobrevivente.
No dia 28 de agosto de 1971, antes das seis da manhã, Fleury e seus homens caíram matando no Buriti Cristalino.
Assassinaram o irmão de Olderico e de Zequinha, Otoniel.
Mataram o professor Luís Antônio Santa Barbara.
E meteram uma bala na cara de Olderico, a mão direita estraçalhada por outro tiro.
O pai, o velho Zé Barreto, torturado por vários dias.
Massacre.
Miranda reviveu no Buriti todo esse terror.
Mais tarde, 17 de setembro, o assassinato de Lamarca e Zequinha.
Correram aqueles sertões, os dois, depois de ouvirem os tiros no Buriti Cristalino.
Andaram pelo Engenho do Pau D'Arco, Pé do Morro, Saco do Padre, Três Reses, Serra da Conceição, Ibotirama, Carnaúba.
Lamarca, já alquebrado, carregado nas costas por Zequinha.
Estavam descansando numa quebrada, perto de Pintada, povoado perdido na caatinga, município de Ipupiara.
Foram mortos ali, covardemente.
Miranda só conseguiu cobrir o Buriti Cristalino.
As chuvas não o permitiram correr a região.
E estragaram as fotos tiradas na precária máquina fotográfica carregada a tiracolo.
Salvou umas poucas.
Vírgula.
Rino Marconi, com sua larga experiência, conseguiu recuperar algumas.
Providencial ajuda.
Com o material da reportagem de Miranda, era meter mãos a obra e colocar o livro na rua.
Dezessete edições, pelo menos dois filmes, 40 anos passados, podemos dizer:
- Valeu a pena!
Iara, Nilda, Santa Bárbara, Otoniel, Zequinha, Lamarca:
- Presentes!
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Antonio Silvany: Aniversário de Olderico, hoje. Vida longa para ele!
Abraço amigo.

Vera Barbosa: Encontrei recentemente o Paulo Betti, com quem trabalhei na série "Os Maias", ele veio a Lisboa com uma peça de teatro. Falamos sobre o seu livro, e o filme Lamarca, onde ele foi o protagonista. Ele gostou imenso do livro e do filme... Emiliano José tenho muito orgulho em ser sua irmã... Beijos
Emiliano José: Vera Barbosa querida irmã, muita, muita saudade. Beijo carinhoso
Claudia Moreira de Carvalho: Um dos melhores livros que já li na minha vida! Oldack Miranda. Emiliano José: como não amar
Zora Motta: #LamarcaPresente
Marcos A B Neves: A luta continua. Hoje o inimigo está travestido, más continua o mesmo!
Mônica Bichara: #LamarcaPresente
Fábio Rosa: Toda vez que leio algo sobre essa passagem, fico angustiado. Parte da coragem do brasileiro foi morta junto com Zequinha e Lamarca. Era o que queriam.

(Oldack de Miranda e Emiliano lançaram "Lamarca, o capitão da guerrilha" na Literarte, em 1980. Registro da Tribuna da Bahia)  

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 (40 anos de formatura EBC)

(Com Kardé Mourão e Moacy Neves, diretora e presidente do Sinjorba)








(Com o neto João Pedro)

(Paulo Pimenta, deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul, foi o principal "influencer" na internet a apoiar Lula durante o período de prisão em Curitiba. Esteve em Salvador, na rádio Metrópole, acompanhando o ex-presidente Lula, antes da prisão. Mantém ativo o Canal da Resistência nas redes sociais)

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