A jornalista cearense Mirtes Semeraro de Alcântara
Nogueira é a nova protagonista da série do escritor e professor Emiliano José
sobre as memórias do jornalismo baiano, tendo como ponto de partida os difíceis
anos da Ditadura Militar, os jornais Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia
funcionando como uma espécie de trincheira a absorver jornalistas de esquerda.
Ela um exemplo.
Não a conheci e por isso não saberia falar sobre a
nossa personagem, mas deixo que a própria Mirtes agradeça, em dois momentos, a Emiliano:
1 - “Amei tua
milagrosa matéria, nunca pensei!😳 Meu texto e
memórias não combinam c/ o jornalismo "enfatiotado". Mas você é
Emiliano, muito além dos jornais, alma devassa sempre escancarada pro mundo
velho/ novo sem porteiras. Só uma coisa falhou: o teu prognóstico sobre as
minhas fotos, enviado a Mônica. Mandei tudo de livre espontânea pressão,
chancelada historicamente pelas filhas e filho, e em particular pela
primogênita Cíntia, que te fala tomada pelos encantos de tuas palavras, pela
emoção de filha, que hj não mais consigo poupar e, sobretudo, pela gratidão
histórica através dos resgates que vão lavando, parcialmente, as nossas almas
na implacável luta pelo descortinar da VERDADE e da Justiça, que ainda se deve
à nossa História e à luta de seu povo”.
2 - "Emiliano querido, dentro do jeito possível, na firmeza de propósitos e pena, acho que mais esta página foi levada a cabo. É longo o caminho a ser percorrido e há de reverberar em conquistas democráticas. Reafirmo minha gratidão histórica e o companheirismo selado pela resistência, em luta, que se perpetua e lega às novas gerações e ao nosso povo as marcas e glórias da nossa História. Forte abraço!”
2 - "Emiliano querido, dentro do jeito possível, na firmeza de propósitos e pena, acho que mais esta página foi levada a cabo. É longo o caminho a ser percorrido e há de reverberar em conquistas democráticas. Reafirmo minha gratidão histórica e o companheirismo selado pela resistência, em luta, que se perpetua e lega às novas gerações e ao nosso povo as marcas e glórias da nossa História. Forte abraço!”
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Emiliano José
29
de março 2020
Espessa neblina I
Nas
minhas andanças, descobri coisas estranhas.
Presenças
fugazes no jornalismo.
Gente
mal chegada, já saindo.
Não
por querença própria.
Por
mãos alheias.
Ditadura
nos calcanhares.
Foi
assim com Luiz Manfredini.
Já
contei, só pincelo lembrança: chega clandestino à Bahia em 1969, entra
quietinho na "Tribuna da Bahia" no início de 1971, duas vagas, dez
candidatos, entra, copy e editor nacional.
Abril,
sequência de prisões de Ação Popular, ele, militante, arruma seus panos de
bunda e cai no mundo.
Mar
não estava pra peixe.
E
em terra de piranha, jacaré nada de costas.
Recorda-se
com carinho de Chico Ribeiro, seu mestre.
Lições
nunca esquecidas.
De
Curitiba para o mundo, jornalista até os dias de hoje.
Vários
livros.
Bendita
e meteórica "Tribuna".
Tem
mais.
Falo
agora de Mirtes.
Dou
nome inteiro, metro e meio de nome, para não dizerem ser lorota minha: Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira.
Cearense.
História
mais ou menos sabida: é a menina de dezesseis anos pernas lindas comidas pelo
ácido jogado pelos criminosos do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), durante
a chamada "Batalha da Maria Antônia", no dia 3 de outubro de 1968, em
São Paulo.
Os
criminosos estavam aquartelados no "Mackenzie".
Em
frente, a Faculdade de Filosofia da USP, cujos estudantes tentavam se defender,
sem armas.
Bem,
essa história completa, caro leitor, você poderá ler no capítulo "O
instinto da Loba e a batalha da Maria Antônia" do livro "A última
clandestina em Paris", quinto volume da série "Galeria F : Lembranças
do Mar Cinzento".
Só
me mandar endereço, mando o livro.
Não
é essa a história a contar agora.
Quero
falar da passagem dela pela "Tribuna da Bahia", estranha, estranha.
Sem
vestígios, sem provas.
A
não ser o testemunho dela, bastante circunstanciado.
Não
peçam carteira assinada, nada disso.
Só
vale a verdade contada por ela.
E
minha certeza da veracidade
Tem
muito tempo não, e Mirtes me procura em Salvador.
Mandou-se
de Fortaleza para pedir contatos com Walter Pinheiro e Paulo Roberto Sampaio.
Vinha
atrás de si mesma.
Havia
trabalhado na "Tribuna".
Parece
absurdo: queria confirmação, não obstante tivesse certeza dessa passagem.
Falei
com os dois.
Procurou-os.
Cheios
de boa vontade.
Não
acharam nada.
Não
puderam ajudá-la.
Vamos
voltar um pouco no tempo...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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30
de março 2020
Espessa neblina II
Garimpar
trajetos, sem certezas.
Melhor
ir colhendo uma ou outra pedra do que esperar a revelação absoluta.
Vamos
montando o mosaico pouco a pouco.
A
memória nos trai.
Implacavelmente.
Espessa
neblina.
Único
jeito é ir garimpando.
Nunca
sozinho.
Carece
sempre ajuda doutro.
Não
existimos solitários na busca da memória.
Espessa
neblina.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira, já apresentada, me revela: chegou à
"Tribuna da Bahia" pelas mãos de Sílvia Coutinho.
Eita
diabo: o aparecimento de Sílvia obriga-me a uma pausa.
Mode
contar um pouco a história dela, entrelaçada com a de Mirtes.
Disse
antes: ela, Sílvia, chegou em Salvador corrida, repressão nos calcanhares.
Grávida
de sete meses, 1973, marido a tiracolo, de nome Walmir Andrade, trompetista e
professor de Matemática.
Já
havia também contado: José Barreto de Jesus, Barretinho, foi o coiteiro.
Abrigou
os dois em seu pequeno apartamento no STIEP, defronte do antigo campo de
treinamento do E. C. Bahia, depois Clube do Baneb.
Sabia
dos riscos.
Topou
corrê-los.
Sílvia,
deu jeito de abrigá-la na "Tribuna".
Tornou-se
jornalista.
Pra
ele, conseguiu desse aulas num colégio.
Peço
paciência ao leitor.
Contar
um pouco mais.
Sílvia
enfrenta com indescritível dor a crise do relacionamento.
Separação.
Walmir
foi para o Rio de Janeiro.
Ela
e o filho João Marcos ficaram na Bahia - o nome era homenagem a Jean Marc,
ex-presidente da UNE, de quem eram muito amigos.
Depressão.
Os
amigos resolvem ser melhor ela voltar para o Rio de Janeiro.
Seria
cuidada pelos familiares.
Devia
ser 1975.
Oldack
Miranda foi escalado para acompanhá-la e a João Marcos, bebê bebê.
Depois
de vê-la amparada por familiares, voltou à Bahia.
Barreto
ainda pôde testemunhar o casal morando junto em 1979, quando passou pelo Rio de
Janeiro seguindo para o México.
Testemunha:
não estava bem.
Sílvia
não resistiu à persistente depressão: deu fim à vida.
Quando
Mirtes a procurou para recapitular sua chegada à "Tribuna" soube
disso:
-
Ela havia feito de sua morte o recurso definitivo para eliminar tudo quanto nos
oprimia e encontrar o seu pouso de paz.
#MemóriaJornalismoEmiliano
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Emiliano José
31
de março 2020
Espessa neblina
III
Foi
a jornalista Sílvia Coutinho sua madrinha para a chegada à "Tribuna da
Bahia".
Mas
tem é história essa Mirtes.
Não
carece contar tudo.
Boa
parte está dita em "A última clandestina em Paris", de minha autoria.
Poucos
conhecem talvez uma das maiores revoltas femininas da América Latina.
E
isso não havia contado ainda
Consequência
da tentativa da diretora do Colégio Estadual Justiniano de Serpa, Adísia Sá, de
cobrar taxas da moçada estudantil, em 1968.
À
frente da luta, Mirtes.
As
meninas, aos milhares, agitaram as ruas de Fortaleza.
Cunharam
tal manifestação como a "Revolta das Saias".
Adísia
Sá caiu.
Isso
marcou a biografia dela, inapelavelmente.
Três
dias depois da queda da diretora, derrotada em suas pretensões, ela, Mirtes, já
expulsa do colégio, vê a casa dela e todo o quarteirão tomados pela Polícia
Federal.
Queriam
porque queriam prendê-la.
Às
seis horas da manhã, escapa pela janela de seu quarto, apenas de babydool, pula
muros impossíveis de serem escalados, a não ser, como ela diz, "em casos
extremos de muita adrenalina e fantasmas de pau-de-arara".
Será
acaso esteja escrevendo isso no dia 31 de março, tido como o dia do golpe de
1964?
Não
creiam em acasos.
O
inconsciente atua.
Acolhida
por vizinhos, encolhida sob uma caixa d'água vazada no sótão da casa-refúgio, e
em permanente sobressalto de um destelhamento como já acontecia em várias casas
vizinhas, Mirtes permanecia ilesa graças ao apoio da corajosa família-anfitriã.
Os
moradores do bairro, a perguntar sobre as razões de todo aquele rebuliço.
No
terceiro dia, a polícia pediu para dois de seus homens subirem ao sótão.
A
avó, disse à empregada para colocar a escada para facilitar a subida, e
recomendou ao neto:
-
Melhor desligar a chave do registro de luz porque da última vez que o
eletricista subiu lá encontrou muitos fios desencapados.
Os
policiais não subiram.
No
quinto dia, foi resgatada numa operação às barbas da Polícia Federal, de seus
homens armados, de suas viaturas.
Como
isso se deu?
Tenham
alguma paciência...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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1
de abril 2020
Espessa Neblina IV
Foi
cinematográfica a operação.
Desculpem
o clichê, mas foi.
O
irmão caçula do dono da casa, micro empresário, chegou com a mulher e o filho
bebê.
Carro
de luxo e as porra.
O
bebê no colo de uma babá vestida a caráter: roupas impecavelmente brancas,
touquinha no cabelo.
Conversas
familiares postas em dia, e as visitas se despedem.
Entram
no carrão, a criança no colo da babá.
Uniforme
continuava impecável.
Quem
acariciava o bebê agora era Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira.
Trocara
de roupa com a babá, assumira nova função.
Polícia
dormiu de touca.
Levada
à casa de uma prima, num subúrbio afastado de Fortaleza, onde o pai dela a
esperava junto com um querido aluno dele e sua bela noiva.
A
mala pronta, um tanto de dinheiro entregue pelo pai, o casal a leva a Juazeiro,
Juazeiro da Bahia, de onde segue para Salvador.
Conta
esta chegada à Cidade da Bahia.
Não
a de 1973.
Jeito
de viver sem tudo dizer.
Herança
de clandestinidade.
Em
1973, a ditadura estava a todo vapor.
Foi
nesse ano sua chegada à "Tribuna da Bahia".
Ela
principia a seu modo a contar esse caso, tentando andar no meio da espessa
neblina:
-
A "Tribuna da Bahia", dependências e arredores materiais e imateriais
insistem a me soprar o tempo fugaz e inconcluso, através de mãos e rostos,
nomináveis e inomináveis, a berçarem este causo comprido, que me liga, de forma
irremediável, à "Tribuna".
São
tempos de ditadura.
Mirtes
tinha rotina de trabalho, definição de pautas diárias, salário no final do mês.
Nada,
no entanto, de carteira assinada, registro, essas formalidades.
Qual
o acerto?
Quem
sabe?
Quem
souber morre - brinca a moçada.
Sílvia
Coutinho, única talvez a saber, já morreu.
Ela,
Mirtes, não explica.
Não
sabe.
Espessa
neblina.
Fazia
a cobertura de Salvador, recebia pautas da Editoria de Cidade.
Lembra
de dois Paulo Roberto - "esporte/catchup" e "bunda podre".
Me
disse isso.
São:
Paulo Roberto Sampaio e Paulo Roberto Tavares.
O
primeiro, de Esporte.
O
segundo, Cidade.
Lembra
também de Césio.
Césio
Oliveira, acreditando-o copy.
Devia
ser naquele momento secretário de Redação.
Espessa
neblina.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
2
de abril 2020
Espessa neblina V
É
tão neblinosa essa história.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira me contou:
-
Chegar ao Largo da Barroquinha, descer do ônibus e ir, a passos rápidos, ao
jornal.
Parei.
-
Mirtes, na Barroquinha está o "Jornal da Bahia". A
"Tribuna", na Djalma Dutra.
-
Não há erro - retrucou.
E
contou: descia na Barroquinha, caminhava a passos largos pela fervilhante Baixa
dos Sapateiros, e lá adiante, no Largo das Sete Portas, dobrava à direita,
caminhava um pouco mais, e subia pro terceiro andar, "Tribuna".
Uns
três, quatro quilômetros.
Uma
boa paletada.
Qual
a razão desse trajeto?
Não
explica.
Só
reafirma.
Da
"Tribuna", conheceu Salvador.
Era
nela, a querida e fugidia "Tribuna'', por onde passava e escrevia,
"articulando-me
todos os dias às gritas da cidade (Salvador, fatos, eventos, lugares) a
conjugar caminhadas, pesquisas, entrevistas e anotações aos banhos da cidade e
seus barulhos, seus mercados, suas ruas, seus casarios, seus candomblés, suas
igrejas, suas repartições, suas praias, seus altos, seus baixos e, sobretudo,
sua gente em profusão de malemolentes ou vibrantes bahianidades".
Penso
no dizer dela
Paro
a refletir.
É
uma fala de deslumbramento.
Quem
sabe, arrisco, a contemplação do mundo por uma clandestina.
A
clandestinidade nos faz submergir a um mundo fechado, necessariamente.
O
comum do mundo escorrega pelos dedos.
Quando
lhe é dada a rara possibilidade de desfrutar do comum, vem o maravilhamento.
Você
sente mais a força e a beleza e as cores do comum.
É
quando você percebe o quanto de restrição à vida há na clandestinidade, nunca
uma escolha, mas imposição de um quadro de ditadura.
Sai
das sombras.
Sente
o calor do sol.
Talvez
por isso a escolha, se foi escolha, daquela caminhada da Barroquinha à Djalma
Dutra.
Talvez
por isso, a escolha do jornalismo, cujo dia a dia é sempre colorido, dando-lhe
o conhecer do mundo, a convivência com a cidade, sua vida, suas cores, odores.
Divagações
de um ex-clandestino.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Emiliano vc
ficará responsável por resgatar alguma foto da Mirtes para ilustrar a série no blog
Pilha Pura, vá pedindo logo. Belo resgate, é bom registrar
Emiliano José: Mônica Bichara Será
uma luta...
Cintia Alencar: rsss rss
Emiliano José: Cintia Alencar
Missão cumprida
Cintia Alencar: Emiliano José 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾Com
alguma ajudinha!
Cintia Alencar: Muito emocionada
com o texto Emiliano! Muito tocada em ler alguns “calsos” contados e recontados
de forma magistral e eternizados nas suas palavras! Muito obrigada!
Mônica Bichara: Emiliano José
que bom, vamos à edição
Edite
ou exclua isso
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Emiliano José
3
de abril 200
Espessa neblina VI
A
jornalista entrou em campo.
Ainda
temerosa.
Tempo
de terror.
Ainda
com preventiva decretada.
Na
mira da repressão.
Sílvia
Coutinho pediu-lhe discrição, ela mesma e o marido Walmir refugiados na Bahia,
todos militantes de Ação Popular.
Antes
de começar, não obstante o arranjo não oficial, submetida a um teste e a uma
entrevista.
Escrever,
sempre soube.
Não
sabia se o saber servia à atividade jornalística.
Aprovada.
Escrever,
sempre gostou.
Difícil,
tormento, tornar-se íntima da máquina.
Datilografar
nunca foi seu forte.
Até
hoje, escreve à mão, e clama a alguém para digitar seus textos.
Na
"Tribuna da Bahia", Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira tinha de se
virar.
Um
suplício.
Era
sempre a última repórter na redação, quando os editores já estão na fase do
fechamento de suas páginas.
-
A última a ficar no jornal, sempre na risca da hora extenuada.
Percorreu
abrigos de idosos, entrevistou geriatras e gerontólogos.
Pasmada
com o alto índice de suicídio na velhice.
Aportou
em praça do Garcia, ao entardecer, "quando ainda restava o baba da noite e
a tristeza da comunidade local se acendia pela degradação daquele espaço".
Era
um espaço acolhedor, o da pracinha.
Namorados,
o burburinho das crianças, conversas e gargalhadas de irrequietos grupos de
jovens, jogos de dominós, damas, cartas, que os mais velhos também são filhos
de Deus.
Ia
se acabando, a pracinha.
Fez
referência aos orixás, conheceu remotos candomblés, suas lindas festas, e
rituais de iniciação das iaôs.
Sentiu
de perto os muitos cheiros dos frutos da terra, as muitas cores da
impressionante Feira de São Joaquim.
Testemunhou
a luta dos feirantes por atenção dos poderes públicos.
Caminhou
pelos terraços do Mercado Modelo.
Cantou
"em palavras emolduradas de encanto as areias brancas de Abaeté e as suas
águas escurecendo dúvidas diante da própria preservação".
Andar
por Salvador, andou.
Escrevinhou
muito sobre a Cidade da Bahia.
Esse
encanto de cidade.
Descobriu-a.
Ficou
intrigada, no entanto...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ana Vieira: Lindo,!!
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Emiliano José
04
de abril 2020
Espessa neblina
VII
Intrigada.
Ansiosa.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira encontrava-se nesse estado d'alma.
Saía
todo dia.
Não
tem a lavadeira?
Lava
roupa todo dia?
Que
agonia, e a beleza da voz de Luiz Melodia?
Têm,
né?
Repórter
é pauta todo dia.
Sorte:
sempre são diferentes.
Às
vezes, você gosta.
Outras,
uma agonia.
Nunca
uma.
Duas,
três.
No
aperto da chefia de reportagem, quatro.
E
repórter se vira nos trinta.
Tem
de se virar.
Sem
choro nem vela.
Mirtes
foi encarando a rotina da "Tribuna da Bahia".
Gostando.
Alegre,
quase orgulhosa: fazia a cobertura de Cidade, as matérias não eram assinadas,
mas tinha a alegria de vê-las publicadas no primeiro caderno.
Não
eram assinadas porque foca.
E,
também, por cuidados.
Clandestina
é clandestina.
Não
existia.
Passados
coisa de 45 dias, pouco menos, pouco mais, ela começou a se intrigar.
Nada
mais de matérias publicadas.
Ia
às ruas, voltava, luta renhida com a máquina de escrever, a última repórter na
redação sempre, e o dia seguinte e a infrutífera pesquisa.
Nada
mais de matérias publicadas.
Não
acreditava fosse pela qualidade.
Afinal,
várias haviam sido bem aproveitadas.
Bem
aproveitadas.
Não
conseguia atinar com a razão.
Misto
de intriga e decepção.
Alegria
de jornalista é ver a matéria exposta.
Não
lhe diziam nada, os editores.
E
seguiam lhe dando pautas todo dia.
Ela,
cumprindo-as.
As
matérias dela também se tornaram clandestinas.
Nada
de virem à luz do dia.
Destino?
Mau-olhado?
Todo
santo dia, ia lá no primeiro caderno, e qual Diógenes, procurava procurava, e
nada.
Nenhuma,
nenhumazinha linha dela.
De
qualquer forma, bateu insegurança.
E
o pior: a condição de sem-registro, sem lenço, nem documento, pesava: não se
sentia à vontade para questionar, cobrar.
Com
pouco ânimo, olha um dia pro mural da redação e depara com elogio à matéria
feita por ela no dia anterior.
Não
entendeu nada.
Não
vira nada publicado.
Resolveu
enfrentar o mistério: perguntar.
Acontece
que...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
05
de abril 2020
Espessa neblina
VIII
Resolve
enfrentar a situação.
Elogio
a quê?
Não
vira matéria nenhuma.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira teve uma baita surpresa: aquela matéria, a
elogiada, e tantas outras, até ali para ela desaparecidas, vinham sendo
publicadas no Segundo Caderno, reservado à Cultura.
A
matéria elogiada pelo colega era sobre a morte em curso da pracinha do Garcia,
cuja elaboração já contamos.
Passou
vergonha.
Mas
recuperou brios.
Mirtes
não me disse.
Especulo.
Ao
olhar o texto dela hoje, desconfio a razão de os editores terem jogados suas
matérias para a Cultura, tirando-as do Primeiro Caderno, onde estavam
reportagens voltadas ao cotidiano.
Sua
prosa tem um permanente quê intimista, perpassado pela cultura, uma evocação
quase Clarice Lispector, não obstante não saiba se ela se dedica à leitura da
notável escritora.
Vida
clandestina não tem sossego.
Outubro
de 1973.
Sílvia
Coutinho procura-a.
Visivelmente
tensa.
Entrega-lhe
uma carta de Gildo Macedo Lacerda:
-
Leia no banheiro, destrua imediatamente, obedeça todas as instruções.
A
carta informava sobre o cerco implacável sob o qual Ação Popular (AP) se
encontrava.
Cerco
a matar sete dirigentes da Organização entre aquele mês e fevereiro de 1974.
Entre
eles, Gildo Macedo Lacerda, cujo corpo jamais foi encontrado.
Deixou
a Bahia atropeladamente.
Roupa
do corpo e alguns vinténs no bolso.
E
a certeza inafastável da destruição.
Matavam
o sonho.
E
seus companheiros.
Segue
para Recife.
Não
sabia, não podia saber: Recife foi onde Gildo foi morto sob inimagináveis
torturas.
Ainda
tentou recompor essa passagem pela "Tribuna".
O
jornal abriu as portas para sua tentativa.
Nada.
Sem
vestígios.
Salvo
suas memórias, as inesquecíveis matérias, o amor por Salvador.
-
E sigo em confusão, pudores perdidos, antes do dia em que eu me esqueça
completamente.
Registra
seu agradecimento:
-
Deixo suspenso o agradecimento à "Tribuna da Bahia", no muito
obrigada sem assento, multiforme e reinventado, tornando-se a resistência
democrática, em renovação, como elo oficial e institucionalmente ignorado,
dando trelas ao meu desconsolo no ambíguo consolo encontrado: "Deixa
quieto!", como dizem os nossos jovens (ainda bem) contraditórios, mas de
genuíno convencimento.
Espessa
neblina.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
06
de abril 2020
Espessa neblina IX
Não
foi dito tudo ainda.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira não abre tudo de vez.
Quem
sabe, síndrome da clandestinidade.
Coisa
difícil de se livrar, podes crê.
Não,
não era cearense.
Ao
menos, não nasceu no Ceará.
Cearoca.
Filha
de cearense e carioca.
Nascida
no Rio de Janeiro.
Batizada
no capricho em Iguatu, interior do Ceará.
Morando
no Rio, passava, ela e família, as férias grandes em Iguatu.
Depois,
arribaram de vez pra Fortaleza.
Tinha
entre 13 e 14 anos quando chega à capital cearense.
Logo
logo inicia militância.
Eu
não soubera até hoje onde morou em Salvador, no período do trabalho na
"Tribuna da Bahia".
Vai
abrindo aos poucos.
Síndrome
da clandestinidade.
Morava
num pensionato.
Na
Piedade.
Provável
soubesse ter sido a Praça da Piedade o cenário do enforcamento e
esquartejamento dos quatro líderes da Revolta dos Búzios ou Revolução dos
Alfaiates.
Mestre-alfaiate
João de Deus do Nascimento.
Aprendiz
de alfaiate Manuel Faustino Santos Lira.
E
dois soldados: Lucas Dantas do Amorim Torres e Luís Gonzaga das Virgens e
Veiga.
Quase
cinquenta acusados.
Sobrou
para os quatro
Porque
pobres.
Porque
negros.
Porque
da perigosa ralé.
Fui
relator, como deputado federal pelo PT, do projeto de Luiz Alberto, como eu,
deputado, também do PT, que os inscrevia como Heróis da Pátria, aprovado.
Vivia
num cenário histórico.
Apropriado.
O
pensionato abrigava rapazes nos andares de cima.
Moças,
no térreo.
Vá
lá não fosse primor de conforto.
Era
o possível para quem tinha escassos vinténs.
Agora,
de uma coisa não esquece: a dona cuidava ela própria da cozinha.
E
aí era primor.
Muito
zelo.
Temperos
apurados, carregados de baianidade, ah, o dendê.
Sentiu
a Bahia com toda sua magia.
Ao
menos, a da comida.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Que maravilha
ela ter dado continuidade a essa busca no baú da memória. Nós agradecemos
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Emiliano José
7
de abril 2020
Espessa neblina X
Em
torno da mesa, não tem jeito, sempre rola conversa.
Às
vezes, por educação, formalidade.
E
aí, pode ir além.
Papo
vai, papo vem, e laços se constroem.
Não
seria diferente no pensionato.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira era falante, extremamente comunicativa.
Não
se transformou em extraordinária liderança secundarista no Ceará, não liderou a
"Revolta das Saias" por acaso.
Claro,
numa situação daquela, clandestina, havia de se conter.
Que
tempero, hein?
A
moqueca está uma delícia.
O
xinxim de bofe nunca esteve tão bom.
Que
chuva, hoje.
O
sol está de rachar.
Ia
puxando pelos lugares-comuns, e a conversa rolava.
Calada,
não conseguia.
As
coisas do mundo.
Contornando
a política, inconveniente a quem vivia na clandestinidade.
Mas,
eis o diabo atentando, e aparece um sujeito pelo qual se afeiçoa.
Calma.
Não
tentem arrumar romance onde não há.
Estudante
de Medicina, café da manhã, almoço, e ela sente-se à vontade.
Começa
a se abrir.
A
se afeiçoar - apenas isso, volto a alertar.
Primeiro,
os dois mergulham em afinidades literárias.
Seguem
depois por outros caminhos, as coisas do mundo.
E
ela resolve contar: foca da "Tribuna da Bahia", perseguida política.
Se
sumisse, pede: avise minha família.
Ousadia
e tanto.
Liberalismo
- dizíamos nós, os revolucionários.
Isso
contrariava as mais elementares regras de segurança.
Podia
ter caído ali.
Desaparecida
nas brutais mãos da repressão do governo Médici, recordista em mortes e
desaparecimentos de militantes políticos.
Como
tantos de seus companheiros de Ação Popular naquele ano.
Deu
sorte.
O
estudante era do bem, a sério.
Acontece.
Quando
a vida por um fio, você se agarra a alguma esperança, alguma luz, quer
acreditar na humanidade.
Arrisca.
Às
vezes, acerta
Como
no caso de Mirtes com o estudante de Medicina...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Cintia Alencar: Também muito
desolador não poder acreditar em nada nem ninguém né? Compreensível, mas de
fato poderia ser um escorregão fatal!
Emiliano José: Cintia Alencar
Poderia. Felizmente, não foi. Amanhã, último capítulo. Penso seja o último. A
ver.
Cintia Alencar: Emiliano José
estou adorando! E ja mandei para a protagonista! 😘
Emiliano José: Cintia Alencar
muito feliz com sua leitura. Honrado. Fim da tempestade, mando livros.
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Emiliano José
8
de abril 2020
Espessa neblina XI
O
estudante de Medicina com quem Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira fez
amizade, muito ligeira, chamava-se, chama-se porque vivinho da Silva, Abnoel.
Muito
ligeira pelas circunstâncias.
Nem
muda de roupa levou.
Saiu
da "Tribuna da Bahia" e caiu no mundo.
Repressão
caiu matando.
Ela
escapou.
Os
colegas de pensionato não entenderam nada.
Apenas
Abnoel atinava com as razões.
Sabia
da história daquela moça, então com 20, 21 anos.
Dezesseis
tinha quando o Comando de Caça aos Comunistas cobriu suas pernas com ácido em
1968.
Ele,
mais novo, devia estar na faixa dos 18 anos, nascido, penso, em 1955.
Fiz
contas.
Está
hoje com 65 anos.
Vou
esticar um pouco a prosa.
E
peço atenção da leitora, do leitor.
Assunto
é sério, controverso.
Não
alongo a conversa por capricho.
Já
sabem: ela confiou quase cegamente em Abnoel Leal de Souza, psiquiatra e médico
do Trabalho enquanto na ativa.
Já
está aposentado.
Mora
em Salvador.
A
história dela: confiou tanto, tanto, a ponto de pedir: sumisse, avisasse a
família no Ceará.
Ele
cumpriu a missão dada.
Família
não acreditou muito.
Achou
estranho.
Podia
ser alguém da repressão.
E
sabe-se lá por que, acharam estranho o nome.
As
pessoas observam padrões para nomes: é João, Maria, José, Paulo.
Quando
sai da bíblia de cada um, se arrepiam.
Sou
jornalista.
Me
dedico a vasculhar nossa memória histórica recente.
As
coisas ainda quentes, vivas.
Testemunhas,
vivas.
Obrigação
minha, dever profissional e histórico,
tentar
checar primeiro a existência de Abnoel.
Depois,
pensionato e convivência.
Por
fim, o aviso à família sobre o sumiço dela.
Sei,
sei muito bem, das armadilhas da memória
Das
trapaças do inconsciente - pobre Freud, olhe o tratamento dado, devia ser mais
cerimonioso com o gênio.
Procurei
a querida amiga...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Bom saber que
essas memórias continuam brotando. Estamos revivendo a história pelo baú de
Mirtes e pela sensibilidade de Emiliano José
Cintia Alencar: Ansiosa pelo
próximo capítulo!
Emiliano José: Cintia Alencar
Ele virá. Com surpresas. É o diabo do Freud.
Joaquim Lisboa
Neto:
Curtindo as bem traçadas linhas de Emiliano enquanto amargo sessentena
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Emiliano José
8
de abril 2020
Espessa neblina
XII
Jornalista
vai e volta.
Deve
saber lidar com a fonte.
Ainda
mais quando amiga.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira é companheira de décadas, já disse, insisto.
Fomos
da mesma organização revolucionária, Ação Popular.
Militamos
juntos no movimento secundarista, eu vice-presidente da União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas.
Leu
meus últimos escritos.
Ponderou.
Não,
não cometera nenhuma imprudência ao falar sobre sua situação com Abnoel Leal de
Souza, o então estudante de Medicina.
Explicou.
Não
conversou assim de chofre.
Foi
assuntando, assuntando.
A
colega de quarto dela trabalhava à noite.
Ela
tomava o café da manhã sozinha.
Ficava
ali, de bituca.
Ouvia
tudo.
Os
estudantes de Medicina, e havia vários no pensionato, falavam alto.
Nos
diálogos, percebe o acento progressista de Abnoel.
Na
literatura, nas artes, na compreensão da vida.
Passado
coisa de um mês, permite-se a aproximação.
Amizade.
Conversas
sobre a vida, literatura, artes.
E
fez então o pedido, já revelado: caso sumisse, avisasse a família.
Assim,
insiste, não foi imprudência.
Tá
legal, eu aceito o argumento.
Volto
ao jornalismo.
O
uso do cachimbo faz a boca torta.
Achei
necessário, de um jeito ou de outro, confirmar a história.
Mania
antiga da profissão.
Pedi
a uma amiga de tempos idos, militante também: encontrasse Abnoel e examinasse
se ele se dispunha a falar comigo.
Médica
psiquiatra, mesma geração, era mais fácil o acesso.
Localizou-o,
conversaram demoradamente por telefone.
Fazia
tempo não se falavam.
Para
os dois, um reencontro muito agradável.
Essa
a sensação de Conceição Nogueira, Mariinha, minha emissária.
Por
ela, soube nome todo dele.
Que
está bem.
Abnoel
lembrou e confirmou: lembra de Mirtes, das conversas muito agradáveis durante
as refeições no pensionato, de ter sabido dela na "Tribuna da Bahia".
Muita
coisa a memória reteve.
Não
achava necessário conversar comigo, revelou apreço, disse ter lido livros meus.
Tudo
estava dito.
Ela
me transmitiria.
Mas...
Quando
o mas surge, é problema...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Cintia Alencar: rss rsss Não foi
imprudência, seguiu os procedimentos. Como quando se disfarçava caminhando no
centro de Fortaleza e deixava só os cabelinhos loiros e cacheados (nada
bandeirosos) a mostra! Mal posso esperar pela continuação!!!!
Emiliano José: Cintia Alencar
Deixa quieto! - diz a moçada, sua turma. Beijo carinhoso
Mônica Bichara: hum, esse
mas......sinal de que vem muita coisa reveladora pela frente. Pelo pouco que já
conheço da história de Mirtes, não tenho dúvidas que não foi imprudente.
Parabéns mais uma vez Emiliano José pelo faro jornalístico, sabia que encontrar
Abnoel seria fundamental para a continuidade desse enredo. Ansiosa pela
continuidade
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Emiliano José
10
de abril 2020
Espessa neblina
XIII
Foi
um reencontro agradável o da doutora Conceição Nogueira, Mariinha, e do doutor
Abnoel Leal de Souza.
Jornalistas
aprendem cedo: só médicos devem ser chamados de doutores.
O
resto, não.
Então:
os dois, médicos, doutores.
E
muito próximos porque ambos psiquiatras.
Além
de tudo, lidam com a complexidade da mente humana.
Os
doutores conversaram.
Tudo
muito bem, tudo muito certo.
Até
certo ponto.
Certeza
dele: não avisou a família de Mirtes sobre seu sumiço.
Isso
garante, jura de pé junto, não fez.
Seria
até um orgulho admitir isso hoje.
Mas,
não fez.
Contrariamente
ao que afirma Mirtes com segurança.
Aqui,
minha experiência de quem foi prisioneiro político por quatro anos e
experimentou a indizível experiência da tortura, reclama cuidados.
Nada
de precipitações.
Não
queiram uma faixa de Gaza onde existem armadilhas da memória.
Insondáveis
armadilhas.
O
jornalismo nesse caso, estanca.
Ao
menos nessas circunstâncias.
Caberia
uma checagem inviável, por falta de condições.
Vamos
acreditar: os dois têm razão.
Desenvolvo,
ousado sou.
Busco
minha própria experiência.
O
leitor, a leitora hão de perdoar essa digressão.
Creio
necessária.
São
muitos os olhares sobre os trágicos acontecimentos daquele período.
Noite
de 23 de novembro de 1970.
Desço
carregado por soldados numa maca a pequena ladeira de paralepípedos de um lado
do Quartel do Barbalho.
Nu,
o corpo estropiado, entre roxo, vermelho e verde, de tanta tortura.
Vendado.
Theodomiro
Romeiro dos Santos, preso no mesmo quartel, olha pra mim, pros restos de mim, e
balbucia uma certeza:
-
Está morto.
Tiram
minha venda e perguntam:
-
Conhece?
-
Não - responde.
Aí,
Theo me observa respirando.
-
Só está desmaiado - pensou.
E
eu assistia a tudo, não obstante o corpo destroçado.
Olhos
semicerrados.
Nem
morto, nem desmaiado.
Duro
recompor coisas passadas cinco décadas.
Às
vezes, nem com ajuda de Freud.
Controvérsias
atrás de controvérsias.
Saí
da prisão no final de 1974.
De
lá para cá, arrumei um canto do inconsciente para apagar coisas.
Fui
constatando isso.
Vinha
uma pessoa me falar com detalhes sobre minha participação em algum episódio
político delicado, e eu não lembrava.
Falo
de episódios do pós-prisão.
Me
dizem ter encontrado Zé Dirceu, ter acompanhado o advogado Adelmo Oliveira,
levando liminar de juiz sustando desocupação do conjunto Tiradentes, na Cidade
Baixa, em Salvador, falam até da fuga de Theodomiro em 1979...
Muitos
episódios.
Se
me matassem na tortura, não admitiria.
Nenhum
deles.
E
não o faria pela simples razão de ter apagado todos esses acontecimentos,
testemunhados por amigos.
Fácil
concluir ter sido um poderoso mecanismo inconsciente de preparar-me para uma
futura prisão.
E
guardar numa caixinha o perigoso, o arriscado.
Não
abrir brechas para a queda de ninguém.
Afinal,
vivi vários anos do pós-prisão em liberdade condicional...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Cintia Alencar: Que tera a dizer
sobre tais fatos nossa protagonista? Mal posso esperar...
Emiliano José: Cintia Alencar
Tranquila. Veja
Joaquim Lisboa
Neto:
Resistência invejável
Combatividade
igual
Abração
camarada!
Jorginho Ramos: Estou a
acompanhar... a História passando na tela do computador...
Mônica Bichara: Incrível como
cada capítulo consegue ser mais surpreendente que o outro. As memórias se
misturam, os enredos se entrelaçam....a ditadura, ela sim é a triste
protagonista desta série. Vilã, mas protagonista, ditando os destinos. Mas que
bom q a trama deu vida a tantos personagens marcantes, permitindo que eles
sobrevivessem para nos contar tudo agora
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Emiliano José
11 de abril 2020
Espessa neblina
XIV
Antes
de seguir viagem.
Prepare
o seu coração
Pras
coisas que eu vou contar
Eu
venho lá do sertão
Eu
venho lá do sertão
Eu
venho lá do sertão
E
posso não lhe agradar.
É,
lembrei de Vandré.
Disparada.
Pensando.
Mas
o mundo foi rodando
Nas
patas do meu cavalo
E
nos sonhos que fui sonhando
As
visões se clareando
As
visões se clareando
Até
que um dia acordei.
Acordar,
recordar, remontar, revisitar o passado.
Memórias.
O
jornalismo pode ajudar.
As
visões se clareando.
Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira, gosto de dizer o nome inteiro das pessoas,
depois de ter lido o texto de ontem, disse acreditar em Abnoel.
Não
foi ele, então, o emissário do sumiço dela.
E
ela se conforma: não saberá quem foi.
Dificilmente
saberá.
A
repressão incomodou a família muitas vezes.
Com
cartas, telefonemas, o diabo a quatro.
Como
distinguir a verdade da provocação?
Fato:
nessa ocasião, alguém informou a família.
E
como ela diz: do lado do Bem, só Abnoel sabia.
Mais
ninguém.
Agora,
ela admite: pode ter sido a própria repressão, tentando provocar, buscar pistas
decorrentes de alguma movimentação da família depois de tomar conhecimento do
sumiço.
Sabia,
sabe hoje: a repressão estava nos seus calcanhares.
Só
conseguiu escapar graças ao aviso de Gildo Macedo Lacerda.
Largou
a "Tribuna da Bahia" com a roupa do corpo.
Então,
como a repressão frustrou-se, teria resolvido provocar a família.
Quem
sabe, dali surgiria uma pista.
Espessa
neblina.
Nevoeiro.
A
nos desafiar.
Fazer
como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar.
A
verdade é utopia.
Se
alcança e se perde.
E
a gente corre atrás de novo.
Eterna
busca.
Mirtes
gosta de Mário Quintana.
Despeço-me
dela, lembrando-o, homenageando-a:
Se
as coisas são inatingíveis... ora!
Não
é motivo para não querê-las...
Que
tristes os caminhos, se não fora
A
presença distante das estrelas!
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Cintia Alencar: E eis que Mirtes
Semeraro de Alcântara Nogueira se pronuncia: “Emiliano querido, dentro do jeito
possível, na firmeza de propósitos e pena, acho que mais esta página foi levada
a cabo. É longo o caminho a ser percorrido e há de reverberar em conquistas
democráticas. Reafirmo minha gratidão histórica e o companheirismo selado pela
resistência, em luta, que se perpetua e lega às novas gerações e ao nosso povo
as marcas e glórias da nossa História. Forte abraço!”
Mônica Bichara: Cintia Alencar
essa declaração merece ir para a abertura da postagem editada no Pilha
Cintia Alencar: Mônica Bichara 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Cintia Alencar: Nossa gratidão
pelo carinho e resgate! Forte Abraço!
Emiliano José: Cintia Alencar
Feliz pelo carinho de vocês. Tudo decorreu da forte história de su madre. Beijo
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Mais uma trajetória emocionante na história do jornalismo baiano, que Emiliano nos conta com toda beleza do seu texto. Parabéns, Mirtes. Muito bom conhecer toda sua garra, se "virando nos trinta", uma rotina de quem vivenciava a Reportagem, sobretudo, naqueles anos tão terríveis. E Mônica sempre atenta, condensando tudo para nos facilitar a leitura de todos os episódios da série.
ResponderExcluirVocê é uma leitora sempre atenta, Bebel, e já teve seu bau da memória também lindamente contado por Emiliano.
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