#MemóriasJornalismoEmiliano – Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira – Espessa Neblina


 
A jornalista cearense Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira é a nova protagonista da série do escritor e professor Emiliano José sobre as memórias do jornalismo baiano, tendo como ponto de partida os difíceis anos da Ditadura Militar, os jornais Tribuna da Bahia e Jornal da Bahia funcionando como uma espécie de trincheira a absorver jornalistas de esquerda. Ela um exemplo.
Não a conheci e por isso não saberia falar sobre a nossa personagem, mas deixo que a própria Mirtes agradeça, em dois momentos, a Emiliano:

1 - “Amei tua milagrosa matéria, nunca pensei!😳 Meu texto e memórias não combinam c/ o jornalismo "enfatiotado". Mas você é Emiliano, muito além dos jornais, alma devassa sempre escancarada pro mundo velho/ novo sem porteiras. Só uma coisa falhou: o teu prognóstico sobre as minhas fotos, enviado a Mônica. Mandei tudo de livre espontânea pressão, chancelada historicamente pelas filhas e filho, e em particular pela primogênita Cíntia, que te fala tomada pelos encantos de tuas palavras, pela emoção de filha, que hj não mais consigo poupar e, sobretudo, pela gratidão histórica através dos resgates que vão lavando, parcialmente, as nossas almas na implacável luta pelo descortinar da VERDADE e da Justiça, que ainda se deve à nossa História e à luta de seu povo”.

2 - "Emiliano querido, dentro do jeito possível, na firmeza de propósitos e pena, acho que mais esta página foi levada a cabo. É longo o caminho a ser percorrido e há de reverberar em conquistas democráticas. Reafirmo minha gratidão histórica e o companheirismo selado pela resistência, em luta, que se perpetua e lega às novas gerações e ao nosso povo as marcas e glórias da nossa História. Forte abraço!”

                     ******************************** 

Emiliano José
29 de março 2020
Espessa neblina I

Nas minhas andanças, descobri coisas estranhas.
Presenças fugazes no jornalismo.
Gente mal chegada, já saindo.
Não por querença própria.
Por mãos alheias.
Ditadura nos calcanhares.
Foi assim com Luiz Manfredini.
Já contei, só pincelo lembrança: chega clandestino à Bahia em 1969, entra quietinho na "Tribuna da Bahia" no início de 1971, duas vagas, dez candidatos, entra, copy e editor nacional.
Abril, sequência de prisões de Ação Popular, ele, militante, arruma seus panos de bunda e cai no mundo.
Mar não estava pra peixe.
E em terra de piranha, jacaré nada de costas.
Recorda-se com carinho de Chico Ribeiro, seu mestre.
Lições nunca esquecidas.
De Curitiba para o mundo, jornalista até os dias de hoje.
Vários livros.
Bendita e meteórica "Tribuna".
Tem mais.
Falo agora de Mirtes.
Dou nome inteiro, metro e meio de nome, para não dizerem ser lorota minha: Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira.
Cearense.
História mais ou menos sabida: é a menina de dezesseis anos pernas lindas comidas pelo ácido jogado pelos criminosos do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), durante a chamada "Batalha da Maria Antônia", no dia 3 de outubro de 1968, em São Paulo.
Os criminosos estavam aquartelados no "Mackenzie".
Em frente, a Faculdade de Filosofia da USP, cujos estudantes tentavam se defender, sem armas.
Bem, essa história completa, caro leitor, você poderá ler no capítulo "O instinto da Loba e a batalha da Maria Antônia" do livro "A última clandestina em Paris", quinto volume da série "Galeria F : Lembranças do Mar Cinzento".
Só me mandar endereço, mando o livro.
Não é essa a história a contar agora.
Quero falar da passagem dela pela "Tribuna da Bahia", estranha, estranha.
Sem vestígios, sem provas.
A não ser o testemunho dela, bastante circunstanciado.
Não peçam carteira assinada, nada disso.
Só vale a verdade contada por ela.
E minha certeza da veracidade
Tem muito tempo não, e Mirtes me procura em Salvador.
Mandou-se de Fortaleza para pedir contatos com Walter Pinheiro e Paulo Roberto Sampaio.
Vinha atrás de si mesma.
Havia trabalhado na "Tribuna".
Parece absurdo: queria confirmação, não obstante tivesse certeza dessa passagem.
Falei com os dois.
Procurou-os.
Cheios de boa vontade.
Não acharam nada.
Não puderam ajudá-la.
Vamos voltar um pouco no tempo...
#MemóriasJornalismoEmiliano

---------------------------------------------------------- 

Emiliano José
30 de março 2020
Espessa neblina II

Garimpar trajetos, sem certezas.
Melhor ir colhendo uma ou outra pedra do que esperar a revelação absoluta.
Vamos montando o mosaico pouco a pouco.
A memória nos trai.
Implacavelmente.
Espessa neblina.
Único jeito é ir garimpando.
Nunca sozinho.
Carece sempre ajuda doutro.
Não existimos solitários na busca da memória.
Espessa neblina.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira, já apresentada, me revela: chegou à "Tribuna da Bahia" pelas mãos de Sílvia Coutinho.
Eita diabo: o aparecimento de Sílvia obriga-me a uma pausa.
Mode contar um pouco a história dela, entrelaçada com a de Mirtes.
Disse antes: ela, Sílvia, chegou em Salvador corrida, repressão nos calcanhares.
Grávida de sete meses, 1973, marido a tiracolo, de nome Walmir Andrade, trompetista e professor de Matemática.
Já havia também contado: José Barreto de Jesus, Barretinho, foi o coiteiro.
Abrigou os dois em seu pequeno apartamento no STIEP, defronte do antigo campo de treinamento do E. C. Bahia, depois Clube do Baneb.
Sabia dos riscos.
Topou corrê-los.
Sílvia, deu jeito de abrigá-la na "Tribuna".
Tornou-se jornalista.
Pra ele, conseguiu desse aulas num colégio.
Peço paciência ao leitor.
Contar um pouco mais.
Sílvia enfrenta com indescritível dor a crise do relacionamento.
Separação.
Walmir foi para o Rio de Janeiro.
Ela e o filho João Marcos ficaram na Bahia - o nome era homenagem a Jean Marc, ex-presidente da UNE, de quem eram muito amigos.
Depressão.
Os amigos resolvem ser melhor ela voltar para o Rio de Janeiro.
Seria cuidada pelos familiares.
Devia ser 1975.
Oldack Miranda foi escalado para acompanhá-la e a João Marcos, bebê bebê.
Depois de vê-la amparada por familiares, voltou à Bahia.
Barreto ainda pôde testemunhar o casal morando junto em 1979, quando passou pelo Rio de Janeiro seguindo para o México.
Testemunha: não estava bem.
Sílvia não resistiu à persistente depressão: deu fim à vida.
Quando Mirtes a procurou para recapitular sua chegada à "Tribuna" soube disso:
- Ela havia feito de sua morte o recurso definitivo para eliminar tudo quanto nos oprimia e encontrar o seu pouso de paz.
#MemóriaJornalismoEmiliano
---------------------------------------------------------- 

Emiliano José
31 de março 2020
Espessa neblina III

Foi a jornalista Sílvia Coutinho sua madrinha para a chegada à "Tribuna da Bahia".
Mas tem é história essa Mirtes.
Não carece contar tudo.
Boa parte está dita em "A última clandestina em Paris", de minha autoria.
Poucos conhecem talvez uma das maiores revoltas femininas da América Latina.
E isso não havia contado ainda
Consequência da tentativa da diretora do Colégio Estadual Justiniano de Serpa, Adísia Sá, de cobrar taxas da moçada estudantil, em 1968.
À frente da luta, Mirtes.
As meninas, aos milhares, agitaram as ruas de Fortaleza.
Cunharam tal manifestação como a "Revolta das Saias".
Adísia Sá caiu.
Isso marcou a biografia dela, inapelavelmente.
Três dias depois da queda da diretora, derrotada em suas pretensões, ela, Mirtes, já expulsa do colégio, vê a casa dela e todo o quarteirão tomados pela Polícia Federal.
Queriam porque queriam prendê-la.
Às seis horas da manhã, escapa pela janela de seu quarto, apenas de babydool, pula muros impossíveis de serem escalados, a não ser, como ela diz, "em casos extremos de muita adrenalina e fantasmas de pau-de-arara".
Será acaso esteja escrevendo isso no dia 31 de março, tido como o dia do golpe de 1964?
Não creiam em acasos.
O inconsciente atua.
Acolhida por vizinhos, encolhida sob uma caixa d'água vazada no sótão da casa-refúgio, e em permanente sobressalto de um destelhamento como já acontecia em várias casas vizinhas, Mirtes permanecia ilesa graças ao apoio da corajosa família-anfitriã.
Os moradores do bairro, a perguntar sobre as razões de todo aquele rebuliço.
No terceiro dia, a polícia pediu para dois de seus homens subirem ao sótão.
A avó, disse à empregada para colocar a escada para facilitar a subida, e recomendou ao neto:
- Melhor desligar a chave do registro de luz porque da última vez que o eletricista subiu lá encontrou muitos fios desencapados.
Os policiais não subiram.
No quinto dia, foi resgatada numa operação às barbas da Polícia Federal, de seus homens armados, de suas viaturas.
Como isso se deu?
Tenham alguma paciência...
#MemóriasJornalismoEmiliano
-------------------------------------------------------

Emiliano José
1 de abril 2020
Espessa Neblina IV

Foi cinematográfica a operação.
Desculpem o clichê, mas foi.
O irmão caçula do dono da casa, micro empresário, chegou com a mulher e o filho bebê.
Carro de luxo e as porra.
O bebê no colo de uma babá vestida a caráter: roupas impecavelmente brancas, touquinha no cabelo.
Conversas familiares postas em dia, e as visitas se despedem.
Entram no carrão, a criança no colo da babá.
Uniforme continuava impecável.
Quem acariciava o bebê agora era Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira.
Trocara de roupa com a babá, assumira nova função.
Polícia dormiu de touca.
Levada à casa de uma prima, num subúrbio afastado de Fortaleza, onde o pai dela a esperava junto com um querido aluno dele e sua bela noiva.
A mala pronta, um tanto de dinheiro entregue pelo pai, o casal a leva a Juazeiro, Juazeiro da Bahia, de onde segue para Salvador.
Conta esta chegada à Cidade da Bahia.
Não a de 1973.
Jeito de viver sem tudo dizer.
Herança de clandestinidade.
Em 1973, a ditadura estava a todo vapor.
Foi nesse ano sua chegada à "Tribuna da Bahia".
Ela principia a seu modo a contar esse caso, tentando andar no meio da espessa neblina:
- A "Tribuna da Bahia", dependências e arredores materiais e imateriais insistem a me soprar o tempo fugaz e inconcluso, através de mãos e rostos, nomináveis e inomináveis, a berçarem este causo comprido, que me liga, de forma irremediável, à "Tribuna".
São tempos de ditadura.
Mirtes tinha rotina de trabalho, definição de pautas diárias, salário no final do mês.
Nada, no entanto, de carteira assinada, registro, essas formalidades.
Qual o acerto?
Quem sabe?
Quem souber morre - brinca a moçada.
Sílvia Coutinho, única talvez a saber, já morreu.
Ela, Mirtes, não explica.
Não sabe.
Espessa neblina.
Fazia a cobertura de Salvador, recebia pautas da Editoria de Cidade.
Lembra de dois Paulo Roberto - "esporte/catchup" e "bunda podre".
Me disse isso.
São: Paulo Roberto Sampaio e Paulo Roberto Tavares.
O primeiro, de Esporte.
O segundo, Cidade.
Lembra também de Césio.
Césio Oliveira, acreditando-o copy.
Devia ser naquele momento secretário de Redação.
Espessa neblina.
#MemóriasJornalismoEmiliano

----------------------------------------------------------- 
Emiliano José
2 de abril 2020
Espessa neblina V

É tão neblinosa essa história.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira me contou:
- Chegar ao Largo da Barroquinha, descer do ônibus e ir, a passos rápidos, ao jornal.
Parei.
- Mirtes, na Barroquinha está o "Jornal da Bahia". A "Tribuna", na Djalma Dutra.
- Não há erro - retrucou.
E contou: descia na Barroquinha, caminhava a passos largos pela fervilhante Baixa dos Sapateiros, e lá adiante, no Largo das Sete Portas, dobrava à direita, caminhava um pouco mais, e subia pro terceiro andar, "Tribuna".
Uns três, quatro quilômetros.
Uma boa paletada.
Qual a razão desse trajeto?
Não explica.
Só reafirma.
Da "Tribuna", conheceu Salvador.
Era nela, a querida e fugidia "Tribuna'', por onde passava e escrevia,
"articulando-me todos os dias às gritas da cidade (Salvador, fatos, eventos, lugares) a conjugar caminhadas, pesquisas, entrevistas e anotações aos banhos da cidade e seus barulhos, seus mercados, suas ruas, seus casarios, seus candomblés, suas igrejas, suas repartições, suas praias, seus altos, seus baixos e, sobretudo, sua gente em profusão de malemolentes ou vibrantes bahianidades".
Penso no dizer dela
Paro a refletir.
É uma fala de deslumbramento.
Quem sabe, arrisco, a contemplação do mundo por uma clandestina.
A clandestinidade nos faz submergir a um mundo fechado, necessariamente.
O comum do mundo escorrega pelos dedos.
Quando lhe é dada a rara possibilidade de desfrutar do comum, vem o maravilhamento.
Você sente mais a força e a beleza e as cores do comum.
É quando você percebe o quanto de restrição à vida há na clandestinidade, nunca uma escolha, mas imposição de um quadro de ditadura.
Sai das sombras.
Sente o calor do sol.
Talvez por isso a escolha, se foi escolha, daquela caminhada da Barroquinha à Djalma Dutra.
Talvez por isso, a escolha do jornalismo, cujo dia a dia é sempre colorido, dando-lhe o conhecer do mundo, a convivência com a cidade, sua vida, suas cores, odores.
Divagações de um ex-clandestino.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Emiliano vc ficará responsável por resgatar alguma foto da Mirtes para ilustrar a série no blog Pilha Pura, vá pedindo logo. Belo resgate, é bom registrar
Emiliano José: Mônica Bichara Será uma luta...
Cintia Alencar: rsss rss
Emiliano José: Cintia Alencar Missão cumprida
Cintia Alencar: Emiliano José 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾Com alguma ajudinha!
Cintia Alencar: Muito emocionada com o texto Emiliano! Muito tocada em ler alguns “calsos” contados e recontados de forma magistral e eternizados nas suas palavras! Muito obrigada!
Mônica Bichara: Emiliano José que bom, vamos à edição
Edite ou exclua isso

---------------------------------------------------------------- 
Emiliano José
3 de abril 200
Espessa neblina VI

A jornalista entrou em campo.
Ainda temerosa.
Tempo de terror.
Ainda com preventiva decretada.
Na mira da repressão.
Sílvia Coutinho pediu-lhe discrição, ela mesma e o marido Walmir refugiados na Bahia, todos militantes de Ação Popular.
Antes de começar, não obstante o arranjo não oficial, submetida a um teste e a uma entrevista.
Escrever, sempre soube.
Não sabia se o saber servia à atividade jornalística.
Aprovada.
Escrever, sempre gostou.
Difícil, tormento, tornar-se íntima da máquina.
Datilografar nunca foi seu forte.
Até hoje, escreve à mão, e clama a alguém para digitar seus textos.
Na "Tribuna da Bahia", Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira tinha de se virar.
Um suplício.
Era sempre a última repórter na redação, quando os editores já estão na fase do fechamento de suas páginas.
- A última a ficar no jornal, sempre na risca da hora extenuada.
Percorreu abrigos de idosos, entrevistou geriatras e gerontólogos.
Pasmada com o alto índice de suicídio na velhice.
Aportou em praça do Garcia, ao entardecer, "quando ainda restava o baba da noite e a tristeza da comunidade local se acendia pela degradação daquele espaço".
Era um espaço acolhedor, o da pracinha.
Namorados, o burburinho das crianças, conversas e gargalhadas de irrequietos grupos de jovens, jogos de dominós, damas, cartas, que os mais velhos também são filhos de Deus.
Ia se acabando, a pracinha.
Fez referência aos orixás, conheceu remotos candomblés, suas lindas festas, e rituais de iniciação das iaôs.
Sentiu de perto os muitos cheiros dos frutos da terra, as muitas cores da impressionante Feira de São Joaquim.
Testemunhou a luta dos feirantes por atenção dos poderes públicos.
Caminhou pelos terraços do Mercado Modelo.
Cantou "em palavras emolduradas de encanto as areias brancas de Abaeté e as suas águas escurecendo dúvidas diante da própria preservação".
Andar por Salvador, andou.
Escrevinhou muito sobre a Cidade da Bahia.
Esse encanto de cidade.
Descobriu-a.
Ficou intrigada, no entanto...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ana Vieira: Lindo,!!

------------------------------------------------------------- 
Emiliano José
04 de abril 2020
Espessa neblina VII

Intrigada.
Ansiosa.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira encontrava-se nesse estado d'alma.
Saía todo dia.
Não tem a lavadeira?
Lava roupa todo dia?
Que agonia, e a beleza da voz de Luiz Melodia?
Têm, né?
Repórter é pauta todo dia.
Sorte: sempre são diferentes.
Às vezes, você gosta.
Outras, uma agonia.
Nunca uma.
Duas, três.
No aperto da chefia de reportagem, quatro.
E repórter se vira nos trinta.
Tem de se virar.
Sem choro nem vela.
Mirtes foi encarando a rotina da "Tribuna da Bahia".
Gostando.
Alegre, quase orgulhosa: fazia a cobertura de Cidade, as matérias não eram assinadas, mas tinha a alegria de vê-las publicadas no primeiro caderno.
Não eram assinadas porque foca.
E, também, por cuidados.
Clandestina é clandestina.
Não existia.
Passados coisa de 45 dias, pouco menos, pouco mais, ela começou a se intrigar.
Nada mais de matérias publicadas.
Ia às ruas, voltava, luta renhida com a máquina de escrever, a última repórter na redação sempre, e o dia seguinte e a infrutífera pesquisa.
Nada mais de matérias publicadas.
Não acreditava fosse pela qualidade.
Afinal, várias haviam sido bem aproveitadas.
Bem aproveitadas.
Não conseguia atinar com a razão.
Misto de intriga e decepção.
Alegria de jornalista é ver a matéria exposta.
Não lhe diziam nada, os editores.
E seguiam lhe dando pautas todo dia.
Ela, cumprindo-as.
As matérias dela também se tornaram clandestinas.
Nada de virem à luz do dia.
Destino?
Mau-olhado?
Todo santo dia, ia lá no primeiro caderno, e qual Diógenes, procurava procurava, e nada.
Nenhuma, nenhumazinha linha dela.
De qualquer forma, bateu insegurança.
E o pior: a condição de sem-registro, sem lenço, nem documento, pesava: não se sentia à vontade para questionar, cobrar.
Com pouco ânimo, olha um dia pro mural da redação e depara com elogio à matéria feita por ela no dia anterior.
Não entendeu nada.
Não vira nada publicado.
Resolveu enfrentar o mistério: perguntar.
Acontece que...
#MemóriasJornalismoEmiliano

------------------------------------------------------------- 
Emiliano José
05 de abril 2020
Espessa neblina VIII

Resolve enfrentar a situação.
Elogio a quê?
Não vira matéria nenhuma.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira teve uma baita surpresa: aquela matéria, a elogiada, e tantas outras, até ali para ela desaparecidas, vinham sendo publicadas no Segundo Caderno, reservado à Cultura.
A matéria elogiada pelo colega era sobre a morte em curso da pracinha do Garcia, cuja elaboração já contamos.
Passou vergonha.
Mas recuperou brios.
Mirtes não me disse.
Especulo.
Ao olhar o texto dela hoje, desconfio a razão de os editores terem jogados suas matérias para a Cultura, tirando-as do Primeiro Caderno, onde estavam reportagens voltadas ao cotidiano.
Sua prosa tem um permanente quê intimista, perpassado pela cultura, uma evocação quase Clarice Lispector, não obstante não saiba se ela se dedica à leitura da notável escritora.
Vida clandestina não tem sossego.
Outubro de 1973.
Sílvia Coutinho procura-a.
Visivelmente tensa.
Entrega-lhe uma carta de Gildo Macedo Lacerda:
- Leia no banheiro, destrua imediatamente, obedeça todas as instruções.
A carta informava sobre o cerco implacável sob o qual Ação Popular (AP) se encontrava.
Cerco a matar sete dirigentes da Organização entre aquele mês e fevereiro de 1974.
Entre eles, Gildo Macedo Lacerda, cujo corpo jamais foi encontrado.
Deixou a Bahia atropeladamente.
Roupa do corpo e alguns vinténs no bolso.
E a certeza inafastável da destruição.
Matavam o sonho.
E seus companheiros.
Segue para Recife.
Não sabia, não podia saber: Recife foi onde Gildo foi morto sob inimagináveis torturas.
Ainda tentou recompor essa passagem pela "Tribuna".
O jornal abriu as portas para sua tentativa.
Nada.
Sem vestígios.
Salvo suas memórias, as inesquecíveis matérias, o amor por Salvador.
- E sigo em confusão, pudores perdidos, antes do dia em que eu me esqueça completamente.
Registra seu agradecimento:
- Deixo suspenso o agradecimento à "Tribuna da Bahia", no muito obrigada sem assento, multiforme e reinventado, tornando-se a resistência democrática, em renovação, como elo oficial e institucionalmente ignorado, dando trelas ao meu desconsolo no ambíguo consolo encontrado: "Deixa quieto!", como dizem os nossos jovens (ainda bem) contraditórios, mas de genuíno convencimento.
Espessa neblina.
#MemóriasJornalismoEmiliano 
-----------------------------------------------  
Emiliano José
06 de abril 2020
Espessa neblina IX

Não foi dito tudo ainda.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira não abre tudo de vez.
Quem sabe, síndrome da clandestinidade.
Coisa difícil de se livrar, podes crê.
Não, não era cearense.
Ao menos, não nasceu no Ceará.
Cearoca.
Filha de cearense e carioca.
Nascida no Rio de Janeiro.
Batizada no capricho em Iguatu, interior do Ceará.
Morando no Rio, passava, ela e família, as férias grandes em Iguatu.
Depois, arribaram de vez pra Fortaleza.
Tinha entre 13 e 14 anos quando chega à capital cearense.
Logo logo inicia militância.
Eu não soubera até hoje onde morou em Salvador, no período do trabalho na "Tribuna da Bahia".
Vai abrindo aos poucos.
Síndrome da clandestinidade.
Morava num pensionato.
Na Piedade.
Provável soubesse ter sido a Praça da Piedade o cenário do enforcamento e esquartejamento dos quatro líderes da Revolta dos Búzios ou Revolução dos Alfaiates.
Mestre-alfaiate João de Deus do Nascimento.
Aprendiz de alfaiate Manuel Faustino Santos Lira.
E dois soldados: Lucas Dantas do Amorim Torres e Luís Gonzaga das Virgens e Veiga.
Quase cinquenta acusados.
Sobrou para os quatro
Porque pobres.
Porque negros.
Porque da perigosa ralé.
Fui relator, como deputado federal pelo PT, do projeto de Luiz Alberto, como eu, deputado, também do PT, que os inscrevia como Heróis da Pátria, aprovado.
Vivia num cenário histórico.
Apropriado.
O pensionato abrigava rapazes nos andares de cima.
Moças, no térreo.
Vá lá não fosse primor de conforto.
Era o possível para quem tinha escassos vinténs.
Agora, de uma coisa não esquece: a dona cuidava ela própria da cozinha.
E aí era primor.
Muito zelo.
Temperos apurados, carregados de baianidade, ah, o dendê.
Sentiu a Bahia com toda sua magia.
Ao menos, a da comida.
#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS


Mônica Bichara: Que maravilha ela ter dado continuidade a essa busca no baú da memória. Nós agradecemos
-------------------------------------------------  
Emiliano José
7 de abril 2020
Espessa neblina X

Em torno da mesa, não tem jeito, sempre rola conversa.
Às vezes, por educação, formalidade.
E aí, pode ir além.
Papo vai, papo vem, e laços se constroem.
Não seria diferente no pensionato.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira era falante, extremamente comunicativa.
Não se transformou em extraordinária liderança secundarista no Ceará, não liderou a "Revolta das Saias" por acaso.
Claro, numa situação daquela, clandestina, havia de se conter.
Que tempero, hein?
A moqueca está uma delícia.
O xinxim de bofe nunca esteve tão bom.
Que chuva, hoje.
O sol está de rachar.
Ia puxando pelos lugares-comuns, e a conversa rolava.
Calada, não conseguia.
As coisas do mundo.
Contornando a política, inconveniente a quem vivia na clandestinidade.
Mas, eis o diabo atentando, e aparece um sujeito pelo qual se afeiçoa.
Calma.
Não tentem arrumar romance onde não há.
Estudante de Medicina, café da manhã, almoço, e ela sente-se à vontade.
Começa a se abrir.
A se afeiçoar - apenas isso, volto a alertar.
Primeiro, os dois mergulham em afinidades literárias.
Seguem depois por outros caminhos, as coisas do mundo.
E ela resolve contar: foca da "Tribuna da Bahia", perseguida política.
Se sumisse, pede: avise minha família.
Ousadia e tanto.
Liberalismo - dizíamos nós, os revolucionários.
Isso contrariava as mais elementares regras de segurança.
Podia ter caído ali.
Desaparecida nas brutais mãos da repressão do governo Médici, recordista em mortes e desaparecimentos de militantes políticos.
Como tantos de seus companheiros de Ação Popular naquele ano.
Deu sorte.
O estudante era do bem, a sério.
Acontece.
Quando a vida por um fio, você se agarra a alguma esperança, alguma luz, quer acreditar na humanidade.
Arrisca.
Às vezes, acerta
Como no caso de Mirtes com o estudante de Medicina...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cintia Alencar: Também muito desolador não poder acreditar em nada nem ninguém né? Compreensível, mas de fato poderia ser um escorregão fatal!
Emiliano José: Cintia Alencar Poderia. Felizmente, não foi. Amanhã, último capítulo. Penso seja o último. A ver.
Cintia Alencar: Emiliano José estou adorando! E ja mandei para a protagonista! 😘
Emiliano José: Cintia Alencar muito feliz com sua leitura. Honrado. Fim da tempestade, mando livros.
---------------------------------------------------- 
Emiliano José
8 de abril 2020
Espessa neblina XI

O estudante de Medicina com quem Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira fez amizade, muito ligeira, chamava-se, chama-se porque vivinho da Silva, Abnoel.
Muito ligeira pelas circunstâncias.
Nem muda de roupa levou.
Saiu da "Tribuna da Bahia" e caiu no mundo.
Repressão caiu matando.
Ela escapou.
Os colegas de pensionato não entenderam nada.
Apenas Abnoel atinava com as razões.
Sabia da história daquela moça, então com 20, 21 anos.
Dezesseis tinha quando o Comando de Caça aos Comunistas cobriu suas pernas com ácido em 1968.
Ele, mais novo, devia estar na faixa dos 18 anos, nascido, penso, em 1955.
Fiz contas.
Está hoje com 65 anos.
Vou esticar um pouco a prosa.
E peço atenção da leitora, do leitor.
Assunto é sério, controverso.
Não alongo a conversa por capricho.
Já sabem: ela confiou quase cegamente em Abnoel Leal de Souza, psiquiatra e médico do Trabalho enquanto na ativa.
Já está aposentado.
Mora em Salvador.
A história dela: confiou tanto, tanto, a ponto de pedir: sumisse, avisasse a família no Ceará.
Ele cumpriu a missão dada.
Família não acreditou muito.
Achou estranho.
Podia ser alguém da repressão.
E sabe-se lá por que, acharam estranho o nome.
As pessoas observam padrões para nomes: é João, Maria, José, Paulo.
Quando sai da bíblia de cada um, se arrepiam.
Sou jornalista.
Me dedico a vasculhar nossa memória histórica recente.
As coisas ainda quentes, vivas.
Testemunhas, vivas.
Obrigação minha, dever profissional e histórico,
tentar checar primeiro a existência de Abnoel.
Depois, pensionato e convivência.
Por fim, o aviso à família sobre o sumiço dela.
Sei, sei muito bem, das armadilhas da memória
Das trapaças do inconsciente - pobre Freud, olhe o tratamento dado, devia ser mais cerimonioso com o gênio.
Procurei a querida amiga...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Bom saber que essas memórias continuam brotando. Estamos revivendo a história pelo baú de Mirtes e pela sensibilidade de Emiliano José
Cintia Alencar: Ansiosa pelo próximo capítulo!

Emiliano José: Cintia Alencar Ele virá. Com surpresas. É o diabo do Freud.

Joaquim Lisboa Neto: Curtindo as bem traçadas linhas de Emiliano enquanto amargo sessentena  
---------------------------------------------------------------  
Emiliano José
8 de abril 2020
Espessa neblina XII

Jornalista vai e volta.
Deve saber lidar com a fonte.
Ainda mais quando amiga.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira é companheira de décadas, já disse, insisto.
Fomos da mesma organização revolucionária, Ação Popular.
Militamos juntos no movimento secundarista, eu vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.
Leu meus últimos escritos.
Ponderou.
Não, não cometera nenhuma imprudência ao falar sobre sua situação com Abnoel Leal de Souza, o então estudante de Medicina.
Explicou.
Não conversou assim de chofre.
Foi assuntando, assuntando.
A colega de quarto dela trabalhava à noite.
Ela tomava o café da manhã sozinha.
Ficava ali, de bituca.
Ouvia tudo.
Os estudantes de Medicina, e havia vários no pensionato, falavam alto.
Nos diálogos, percebe o acento progressista de Abnoel.
Na literatura, nas artes, na compreensão da vida.
Passado coisa de um mês, permite-se a aproximação.
Amizade.
Conversas sobre a vida, literatura, artes.
E fez então o pedido, já revelado: caso sumisse, avisasse a família.
Assim, insiste, não foi imprudência.
Tá legal, eu aceito o argumento.
Volto ao jornalismo.
O uso do cachimbo faz a boca torta.
Achei necessário, de um jeito ou de outro, confirmar a história.
Mania antiga da profissão.
Pedi a uma amiga de tempos idos, militante também: encontrasse Abnoel e examinasse se ele se dispunha a falar comigo.
Médica psiquiatra, mesma geração, era mais fácil o acesso.
Localizou-o, conversaram demoradamente por telefone.
Fazia tempo não se falavam.
Para os dois, um reencontro muito agradável.
Essa a sensação de Conceição Nogueira, Mariinha, minha emissária.
Por ela, soube nome todo dele.
Que está bem.
Abnoel lembrou e confirmou: lembra de Mirtes, das conversas muito agradáveis durante as refeições no pensionato, de ter sabido dela na "Tribuna da Bahia".
Muita coisa a memória reteve.
Não achava necessário conversar comigo, revelou apreço, disse ter lido livros meus.
Tudo estava dito.
Ela me transmitiria.
Mas...
Quando o mas surge, é problema...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cintia Alencar: rss rsss Não foi imprudência, seguiu os procedimentos. Como quando se disfarçava caminhando no centro de Fortaleza e deixava só os cabelinhos loiros e cacheados (nada bandeirosos) a mostra! Mal posso esperar pela continuação!!!!
Emiliano José: Cintia Alencar Deixa quieto! - diz a moçada, sua turma. Beijo carinhoso

Mônica Bichara: hum, esse mas......sinal de que vem muita coisa reveladora pela frente. Pelo pouco que já conheço da história de Mirtes, não tenho dúvidas que não foi imprudente. Parabéns mais uma vez Emiliano José pelo faro jornalístico, sabia que encontrar Abnoel seria fundamental para a continuidade desse enredo. Ansiosa pela continuidade 
--------------------------------------------------------  
Emiliano José
10 de abril 2020
Espessa neblina XIII

Foi um reencontro agradável o da doutora Conceição Nogueira, Mariinha, e do doutor Abnoel Leal de Souza.
Jornalistas aprendem cedo: só médicos devem ser chamados de doutores.
O resto, não.
Então: os dois, médicos, doutores.
E muito próximos porque ambos psiquiatras.
Além de tudo, lidam com a complexidade da mente humana.
Os doutores conversaram.
Tudo muito bem, tudo muito certo.
Até certo ponto.
Certeza dele: não avisou a família de Mirtes sobre seu sumiço.
Isso garante, jura de pé junto, não fez.
Seria até um orgulho admitir isso hoje.
Mas, não fez.
Contrariamente ao que afirma Mirtes com segurança.
Aqui, minha experiência de quem foi prisioneiro político por quatro anos e experimentou a indizível experiência da tortura, reclama cuidados.
Nada de precipitações.
Não queiram uma faixa de Gaza onde existem armadilhas da memória.
Insondáveis armadilhas.
O jornalismo nesse caso, estanca.
Ao menos nessas circunstâncias.
Caberia uma checagem inviável, por falta de condições.
Vamos acreditar: os dois têm razão.
Desenvolvo, ousado sou.
Busco minha própria experiência.
O leitor, a leitora hão de perdoar essa digressão.
Creio necessária.
São muitos os olhares sobre os trágicos acontecimentos daquele período.
Noite de 23 de novembro de 1970.
Desço carregado por soldados numa maca a pequena ladeira de paralepípedos de um lado do Quartel do Barbalho.
Nu, o corpo estropiado, entre roxo, vermelho e verde, de tanta tortura.
Vendado.
Theodomiro Romeiro dos Santos, preso no mesmo quartel, olha pra mim, pros restos de mim, e balbucia uma certeza:
- Está morto.
Tiram minha venda e perguntam:
- Conhece?
- Não - responde.
Aí, Theo me observa respirando.
- Só está desmaiado - pensou.
E eu assistia a tudo, não obstante o corpo destroçado.
Olhos semicerrados.
Nem morto, nem desmaiado.
Duro recompor coisas passadas cinco décadas.
Às vezes, nem com ajuda de Freud.
Controvérsias atrás de controvérsias.
Saí da prisão no final de 1974.
De lá para cá, arrumei um canto do inconsciente para apagar coisas.
Fui constatando isso.
Vinha uma pessoa me falar com detalhes sobre minha participação em algum episódio político delicado, e eu não lembrava.
Falo de episódios do pós-prisão.
Me dizem ter encontrado Zé Dirceu, ter acompanhado o advogado Adelmo Oliveira, levando liminar de juiz sustando desocupação do conjunto Tiradentes, na Cidade Baixa, em Salvador, falam até da fuga de Theodomiro em 1979...
Muitos episódios.
Se me matassem na tortura, não admitiria.
Nenhum deles.
E não o faria pela simples razão de ter apagado todos esses acontecimentos, testemunhados por amigos.
Fácil concluir ter sido um poderoso mecanismo inconsciente de preparar-me para uma futura prisão.
E guardar numa caixinha o perigoso, o arriscado.
Não abrir brechas para a queda de ninguém.
Afinal, vivi vários anos do pós-prisão em liberdade condicional...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cintia Alencar: Que tera a dizer sobre tais fatos nossa protagonista? Mal posso esperar...
Emiliano José: Cintia Alencar Tranquila. Veja
Joaquim Lisboa Neto: Resistência invejável
Combatividade igual
Abração camarada!
Jorginho Ramos: Estou a acompanhar... a História passando na tela do computador...
Mônica Bichara: Incrível como cada capítulo consegue ser mais surpreendente que o outro. As memórias se misturam, os enredos se entrelaçam....a ditadura, ela sim é a triste protagonista desta série. Vilã, mas protagonista, ditando os destinos. Mas que bom q a trama deu vida a tantos personagens marcantes, permitindo que eles sobrevivessem para nos contar tudo agora
--------------------------------------------------------
Emiliano José
11 de abril 2020
Espessa neblina XIV

Antes de seguir viagem.
Prepare o seu coração
Pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar.
É, lembrei de Vandré.
Disparada.
Pensando.
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei.
Acordar, recordar, remontar, revisitar o passado.
Memórias.
O jornalismo pode ajudar.
As visões se clareando.
Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira, gosto de dizer o nome inteiro das pessoas, depois de ter lido o texto de ontem, disse acreditar em Abnoel.
Não foi ele, então, o emissário do sumiço dela.
E ela se conforma: não saberá quem foi.
Dificilmente saberá.
A repressão incomodou a família muitas vezes.
Com cartas, telefonemas, o diabo a quatro.
Como distinguir a verdade da provocação?
Fato: nessa ocasião, alguém informou a família.
E como ela diz: do lado do Bem, só Abnoel sabia.
Mais ninguém.
Agora, ela admite: pode ter sido a própria repressão, tentando provocar, buscar pistas decorrentes de alguma movimentação da família depois de tomar conhecimento do sumiço.
Sabia, sabe hoje: a repressão estava nos seus calcanhares.
Só conseguiu escapar graças ao aviso de Gildo Macedo Lacerda.
Largou a "Tribuna da Bahia" com a roupa do corpo.
Então, como a repressão frustrou-se, teria resolvido provocar a família.
Quem sabe, dali surgiria uma pista.
Espessa neblina.
Nevoeiro.
A nos desafiar.
Fazer como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar.
A verdade é utopia.
Se alcança e se perde.
E a gente corre atrás de novo.
Eterna busca.
Mirtes gosta de Mário Quintana.
Despeço-me dela, lembrando-o, homenageando-a:
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Cintia Alencar: E eis que Mirtes Semeraro de Alcântara Nogueira se pronuncia: “Emiliano querido, dentro do jeito possível, na firmeza de propósitos e pena, acho que mais esta página foi levada a cabo. É longo o caminho a ser percorrido e há de reverberar em conquistas democráticas. Reafirmo minha gratidão histórica e o companheirismo selado pela resistência, em luta, que se perpetua e lega às novas gerações e ao nosso povo as marcas e glórias da nossa História. Forte abraço!”
Mônica Bichara: Cintia Alencar essa declaração merece ir para a abertura da postagem editada no Pilha
Cintia Alencar: Mônica Bichara 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Cintia Alencar: Nossa gratidão pelo carinho e resgate! Forte Abraço!

Emiliano José: Cintia Alencar Feliz pelo carinho de vocês. Tudo decorreu da forte história de su madre. Beijo

                        **********************************


 (Os quatro filhos)







Comentários

  1. Mais uma trajetória emocionante na história do jornalismo baiano, que Emiliano nos conta com toda beleza do seu texto. Parabéns, Mirtes. Muito bom conhecer toda sua garra, se "virando nos trinta", uma rotina de quem vivenciava a Reportagem, sobretudo, naqueles anos tão terríveis. E Mônica sempre atenta, condensando tudo para nos facilitar a leitura de todos os episódios da série.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Você é uma leitora sempre atenta, Bebel, e já teve seu bau da memória também lindamente contado por Emiliano.

      Excluir

Postar um comentário