#MemóriasJornalismoEmiliano – Sóstrates Gentil - Em nome do pai, do mestre e do amigo


Por Ludmila Duarte, Helô Sampaio, Renato Simões e George Modesto a homenagem ao jornalista



Não conheci o protagonista deste episódio da série #MemóriasJornalismoEmiliano, mesmo porque quando ele faleceu, em 1976, aos 39 anos de idade, eu ainda nem estava na faculdade de jornalismo. Mas tive um primeiro contato com o nome Sóstrates Gentil quando cobria a Assembleia Legislativa para a Tribuna da Bahia. Vice-presidente do Comitê de Imprensa (a presidente era Malu Fontes), despertei o interesse em saber quem era o jornalista que dava nome à nossa sala. Foi quando conheci um tantinho, bem resumido, do perfil de Sóstrates. Destaque para seu senso de justiça e defesa dos direitos humanos. E foi quando fiquei sabendo que era pai de uma colega querida, ainda novinha na profissão, Ludmila Duarte.

Mas nada comparado a essa aula que o mestre Emiliano José nos dá aqui sobre esse personagem fantástico de uma fase, infelizmente muito curta, do jornalismo baiano. E para contar essas memórias o autor se valeu de depoimentos emocionantes, não só da filha Ladmila, que tinha apenas 4 anos quando ele se foi em um trágico acidente de carro, mas também da jornalista/professora Helô Sampaio, que formou gerações (inclusive a mim) mas na época era “foca” engatinhando nas redações, e dos amigos-irmãos Renato Simões, hoje desembargador, e o advogado George Fragoso Modesto Júnior.

Renato, que por coincidência conheci bem jovem, por ser cunhado de um amigo querido, Toninho Lélis, nos proporcionou momentos de emoção ao decidir escrever uma carta ao amigo distante. Contou notícias nem um pouco agradáveis do mundo de cá, como o Brasil mergulhado num retrocesso político inimaginável, correndo até mesmo o risco de retorno à ditadura por um desgoverno fascista. Certamente Sóstrates gostou mais das lembranças dos tempos de aventuras em busca de apoio para as peças de teatro que escrevia. Mais feliz ainda ao saber, pela própria filha Ludmila, que ela deu vida a seus personagens na escola secundarista. 
Em nome do pai!

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( Legenda de Ludmila: Meu pai de pé depois de aprontar. Botou a gente no teto do carro. Posso imaginar minha mãe enlouquecida com a arte dele. As duas semi-nuas somos eu e minha irmã, Bartira. As outras duas são Daniela e Bianca, filhas do advogado Elquisson Soares, que era amicíssimo dele)

Emiliano José
12 de abril 2020
Sóstrates Gentil I

Eu vinha chegando.
Era início de minha jornada jornalística.
Mal arriava as malas nas redações, um ano e pouco, e ele partiu.
Morria num acidente em 23 de janeiro de 1976, aos 39 anos, durante viagem de férias com a família pela região Norte do Brasil.
Única vítima fatal do acidente.
Mal o conheci.
A vida tem dessas coisas: pessoas passam e a gente só vai descobrir o significado delas após a partida.
Este, o caso.
Para mim, uma referência, olhada à distância.
Rapidamente, relembro.
Duas ou três linhas de homenagem a um bravo jornalista, não mais.
Outros completarão.
Escassos, os elementos à mão.
Nasceu dez anos antes de mim, 1936.
Em Laranjeiras, Sergipe.
Sóstrates Gentil Alves de Souza, filho do telegrafista Gentil Martins de Souza, experimentava mudanças constantes.
Até desembarcar em Salvador no ano de 1947, ele e toda família.
Chegou a começar Direito, por insistência do pai.
Adiantou, não.
Direito não era sua praia.
Em 1968, gradua-se em Filosofia pela UFBA.
No ano de 1970, casa-se com Maria de Pompeia Duarte Santana, hoje professora aposentada da UCSal.
Do casamento, duas filhas: a jornalista Ludmilla e a economista Bartira.
Escadinha: Ludmilla nasce em 1971, Bartira, 1972.
Desde cedo, foi atraído pelo jornalismo.
Começou no "Jornal da Bahia",1961.
Passou pelo "Diário de Notícias" e jornal "A Tarde".
Sempre como repórter de Política, paixão.
Na "Tribuna da Bahia", seu último porto, chegou a subeditor de Política, encarregado da coluna "Raio Laser".
Na "Tribuna", assinava, ainda, coluna de crítica teatral.
O teatro, outra de suas paixões.
Em 1976, pouco antes de morrer, recebeu o prêmio "Quintino de Carvalho", atribuído pela Assembleia Legislativa ao jornalista com a melhor cobertura do ano.
Não era um indiferente, não se queria distante das coisas do mundo.
Comunista.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Nossa Emiliano José, que coisa boa. Sempre quis conhecer a história de Sóstrates, tratado como uma lenda do jornalismo baiano. Não sabia que tinha desaparecido tão cedo. Bela homenagem, né Ludmilla Duarte? Separe fotos para me mandar, amiga, como os demais capítulos da série #MemóriasJornalismoEmiliano este tb será editado para o Pilha Pura
Emiliano José: Mônica Bichara Nesse caso, tenho pouca coisa. Dois ou três capítulos. Sério. Mas não quis deixá-lo de lado.
Emiliano José: Ludmilla me deu o que pôde. Era muito criança quando ele morreu. Tomara surjam contribuições. Beijo
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara, não tenho fotos aqui comigo, vou ver o que consigo te passar daqui. 😘
Ludmilla Duarte: Emiliano José , Helô Sampaio tem ótimas histórias dele, inclusive a do dia que ele caiu de carro no Dique do Tororó, que é ótima...!
Emiliano José: Ludmilla Duarte sou repórter antigo. Corro logo atrás. Já ouvi. Ontem.
Ludmilla Duarte: Emiliano José Eu te contei a dia dia que Ivan foi buscar ele na sede da PF, onde levaram ele pra "explicar" um artigo? Se nao, te mando por email.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Não contou. É preciosidade. Vá se abrindo, vá.
Emiliano José: Puxe mais pela memória. Você é novinha. Esqueceu nada. Ainda.
Emiliano José: Mande logo.
Emiliano José: Por aqui mesmo.
Emiliano José: Beijo
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte Valeu Lud, mande para ilustrar a postagem. O máximo q vc conseguir
Ludmilla Duarte: Chorei aqui. 😥
Ludmilla Duarte: Obrigada, professor. 💕💕
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(Com a esposa Pompeia) 

Emiliano José
13 de abril 2020
Sóstrates Gentil II

Tudo é mistério.
Foca olha de soslaio.
Querendo saber de tudo, como se não quisesse.
Foca era sempre gente jovem.
Meu caso, não.
Ditadura me deu quatroentena.
Entrei 1970.
Saí 1974.
Cana dura na "Lemos Brito".
Tinha então 28 anos quando comecei na "Tribuna da Bahia".
Moçada foca estava na casa dos 20, 20 e pouco.
Ficava olhando.
Editoria de Política.
Meu não tão obscuro objeto de desejo.
Sabia ser cedo.
Estava saindo das fraldas no jornalismo.
Teria de esperar.
Via Ivan Carvalho, o editor.
De poucas palavras.
Educado.
Gentil.
Não propriamente simpático.
Chegou a me dizer uma vez de suas preferências políticas.
Era de direita.
Mérito declarar-se como tal num meio marcadamente de esquerda ou liberal-progressista, ou barato legal.
Direita ficava na encolha, sem dar palavra.
Ele, não.
Discretamente, sem qualquer arrogância, se revelava.
Passei a respeitá-lo.
Não obstante, talvez isso também tenha contribuído para me manter sempre a uma prudente distância dele.
Prudente para a época.
Você sai de prisão ressabiado.
De direita?
Quero muita conversa, não.
Claro, uma besteira.
Com o olhar de hoje.
Ivan era bom sujeito.
Excelente profissional.
Texto impecável - testemunho de outro grande jornalista, Renato Pinheiro.
Gostava, por ser de direita, de ter ao seu lado, alguém de esquerda.
Considerava pudesse equilibrar a cobertura.
Sábio.
Sóstrates Gentil tornou-se seu companheiro de Editoria de Política.
Era conhecido militante do PCB - o velho Partidão.
Quando cheguei à "Tribuna da Bahia", a dupla já trabalhava junto.
E em harmonia, não se assustem...
#MemóriasJornalismoEmiliano  
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Emiliano José
14 de abril 2020
Sóstrates Gentil III

Fico pensando no destino das pessoas.
Nem sei se destino.
Nas escolhas.
Nas esquinas da vida, Ivan Carvalho e Sóstrates Gentil se encontraram.
Já disse, um declaradamente de direita.
Outro, manifestamente de esquerda.
Vamos contextualizar um pouco.
O jornalismo não é muito dado a isso.
Eu, no entanto, não abro mão.
Ivan Carvalho tinha tudo para ser comunista.
Primo por parte de mãe de Quintino de Carvalho, cuja história na juventude esteve ligada ao PCB.
No livro "Quintino de Carvalho: A mente contemporânea do jornalismo baiano", de Márcio Luiz Conceição Bacelar, é fonte essencial a revelar a atuação do primo nos tempos duros do governo Dutra.
E de Otávio Mangabeira na Bahia.
Quintino, redator-chefe de "O Momento" na segunda metade da década de 1940, viu o jornal ser empastelado por brutamontes do DOPS da Bahia.
O jornal era ligado ao PCB.
Ele, preso.
Família de comunistas.
Parecia estar na veia.
Tio por parte da mãe de Quintino, José Mutti de Carvalho foi fundador do Sindicato dos Bancários da Bahia, sob influência do PCB.
João Mutti de Carvalho, político influente em Itiúba, terra natal de Quintino, outro tio, foi responsável pela instalação de um comitê do PCB no município.
José Mutti foi perseguído, preso e torturado.
Quintino não ficou muito tempo preso.
Não gostou da experiência.
Afasta-se do PCB e passa a se dedicar integralmente ao jornalismo.
A morte o alcançou aos 43 anos, dia 20 de dezembro de 1971, quando dirigia a "Tribuna da Bahia", seu projeto mais querido e ousado.
Ivan Carvalho, com toda essa herança familiar, na "Tribuna" desde o início, não foi seduzido pelo pensamento de esquerda.
Assumiu a visão de mundo da direita.
Mas, já se disse, queria sempre alguém de esquerda ao lado.
A escolha recaiu sobre Sóstrates Gentil naquele ano da graça de 1973.
Gentil, no ano anterior, estava no jornal "A Tarde".
Quem conta isso...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Aurelio Miguel: Ivan Carvalho foi um jornalista competente e ético. A retidão de caráter é uma característica dessa família. Cesar Lemos de Carvalho, irmão de Ivan, é um magistrado sensível, íntegro e competente.
Emiliano José: Aurelio Miguel Obrigado, Aurélio. Estou certo, então. Abraço
Aurelio Miguel: Emiliano José, foi só um registro. Quero destacar, nesses dias de estupidez e intolerância, que Ivan respeitava pensamentos divergentes e, também, se fazia respeitar.
Emiliano José: Aurelio Miguel Absolutamente verdadeiro.
Cidelia Argolo: Para mim que sou de esquerda declarada tento sempre observar o caráter, Ivan, mesmo da direita sempre se mostrou um profissional sério e respeitoso com os colegas, Quintino pra mim era um déspota dentro do jornal, aliás foi o único emprego em que fui demitida sem dó e nem piedade. E pasmem o motivo: ele queria que eu trabalhasse de calça comprida. Fui demitida pois na época minhas belas pernas incomodavam... Portanto, o histórico de ser ou ter sido esquerda não significa muito. O importante: atitudes coerentes no passado e presente.
Emiliano José: Cidelia Argolo Nem sei se Quintino era propriamente de esquerda no período. Estupidez, mesmo.
Aurelio Miguel: Cidelia Argolo ,adorei a modesta alusão " às belas pernas". Uau ! Desafortunamente , sai da Tribuna antes da primeira edição , privando meus olhos .....
Ludmilla Duarte: Eu e meu pai acabamos por nos encontrar numa redação de jornal. Enfim. No Bahia Hoje, jovem repórter, recém-saída do batismo como foca no Jornal da Bahia, fui pra editoria de Política a convite da então editora, Nice Melo. Ivan era o colunista de Política, toda a equipe da editoria sentava junta no canto direito da Redação, ao fundo. Ivan era caladão e quase nunca participava dos boxixos de fim de tarde, mas um dia comecei a perceber que as fofocas de bastidor da Assembleia Legislativa, que eu contava aos colegas na volta das minhas coberturas diárias, iam saindo em notas apimentadas na coluna dele. Malandro. Só descobri porque um dia perguntei-lhe como ele tinha tomado conhecimento de uma das histórias (o deputado envolvido me abordou furioso) e ele se desmontou em gargalhadas. 🤣 Em vez de me aborrecer com Ivan, gargalhei junto, e a partir daí sentar com ele no final do dia e passar os fuxicos de corredores do Legislativo Estadual, eu mesma, todos os dias, virou rotina. Foi assim que nos aproximamos. E é uma das minhas melhores lembranças da "arara do Rio Vermelho" (isso e a greve 🤭) . Aprendi muito sobre cobertura política nesses papos com Ivan. E ouvi dele muitas histórias saborosas sobre meu pai.
Emiliano José: Ludmilla Duarte E por que não conta todas? Estou aguardando..
Ludmilla Duarte: Emiliano José Hahahahaha! Vou tentar lembrar!
Emiliano José: Ludmilla Duarte Nem esforço precisa
Mônica Bichara: Conta Ludmilla Duarte, vamos enriquecer essas memórias do jornalismo baiano
Albérico Campos: Só os bons por aqui, a gente se sente numa grande biblioteca onde os livros conversam entre si.👏👏👏👏
Ludmilla Duarte: Bem, então tá, senta que lá vem história. Claro, foi Ivan quem me contou. Um dos generais da ditadura, alta cúpula, núcleo duro, havia estado em Salvador participando de alguma solenidade. Meu pai foi o repórter da cobertura. Escreveu o artigo (provavelmente crítico hahahahaha), mas o pior foi o diabo da charge. Ao lado da matéria assinada por meu pai em cima do evento com o general, foi publicada a charge do dia, e tinha uma latrina na charge. Não deu outra, na mesma manhã a PF entrou na Redação e levou meu pai. Pra explicar que raio era aquilo, se por acaso a ideia era dar descarga na fala do general. Ivan nem contou conversa, pegou o paletó e seguiu o carro da PF, foi parar na própria sede, entrou, se apresentou (circulava muito bem entre a galera), ficou sentado na antessala do delegado-chefe esperando meu pai sair pra escoltar ele de volta pra Tribuna. Eu perguntei, "você resolveu ir por quê, Ivan?" (bem fingida, eu. Podia imaginar, mas queria que ele me dissesse de própria voz). Ao que ele me responde, naquela serenidade dele: "Você sabe, Ludmilla, naquela época era costume as pessoas irem e não voltarem". Não sabia se ria da graça e simplicidade da resposta dele, ou se chorava de uma gratidão tardia. Foi isso.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Tá vendo como sai fácil. Amanhã, você já entra no quarto. Capítulo. Espere.
Ludmilla Duarte: ESperando ansiosamente...!
Mônica Bichara: Quanta história interessante guardada, precisava mesmo essa série de Emiliano José pra desencavar essas memórias. Lembra mais causos, Ludmilla Duarte
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara Hahahahahahaha! Já vai...! Tô cavoucando...!
Emiliano José: Ludmilla Duarte Cavouca, Cavouca. Acaba saindo. 😘 carinhoso
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(Helô Sampaio)

Emiliano José
15 de abril 2020
Sóstrates Gentil IV

Foi minha professora.
Pense numa pessoa bem-humorada.
Pensou?
Difícil como ela.
Bom astral raro.
Para não confundir as pessoas, para não envelhecer a mestra, advirto: entrei na Escola de Biblioteconomia e Comunicação (EBC), depois Facom, com 30 anos, em 1976.
Cadeia me tirou de circulação por quatro anos.
Leitores já sabem.
Ensinava a gente a diagramar.
Nunca quis aprender.
Mais tarde, ela "fechou" não sei quantos jornais comigo.
Ia sempre à procura dela para o fechamento das publicações.
Como o do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Ou o do Conselho de Medicina da Bahia.
Sei lá qual mais.
Jornalista se vira nos trinta para ganhar a vida.
Tivesse sido bom aluno, não a procuraria e ela não livraria alguns trocados
Em 1982, já formado, fui candidato a deputado estadual pelo PMDB.
Quem me leva para Ibicaraí à cata de uns votinhos?
Heloísa Sampaio - o nome artístico dela é Helô.
Helô Sampaio, sim senhor.
Não deixa por menos.
Ibicaraí é terra natal dela.
O irmão, tenho a impressão, era candidato a prefeito.
Sei, certeza, ter aportado em Ibicaraí pela primeira vez pelas mãos dela, amizade desde lá.
Tive o privilégio de me hospedar na casa da família dela.
Se não fui bom aluno, amigo continuei.
Menina, menina conhece Sóstrates Gentil, redator respeitado e frequentemente pauteiro.
Começou a estagiar no jornal "A Tarde" no ano de 1972, julho, quase 48 anos passados.
Tempo tempo tempo.
Ela aí vivinha, cheia de energia para contar.
É notável contadora de histórias.
Ainda cursava a EBC quando chega à redação de "A Tarde".
Levada pelo professor Fernando Rocha.
Havia se destacado: aluna aplicada, interessada, participativa.
Não achava trabalho ou estágio em horário compatível com o curso.
Não queria mais pedir dinheiro ao pai, cuja prioridade devia ser o cuidado com os outros irmãos.
Já adulta, podia e devia cuidar de si.
Desobrigar o pai.
A indicação de Fernando Rocha, mão na roda...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Conta mais causos aí, Helo Sampaio. Aí tem história pra um livro
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(Helô Sampaio com Joana D´Arck, editora deste Pilha, em recente feijoada do Sinjorba)

Emiliano José
16 de abril 2020
Sóstrates Gentil V

Tudo isso, essa passagem por Helô Sampaio, não é ainda a história dela.
Ainda vou contá-la.
Tenho promessa de ajuda.
Dela mesmo.
Aí vocês verão a mulher da pá virada.
Só aguardar.
Esses prolegômenos constituem suporte para o encontro dela com Sóstrates Gentil.
Já era veterano perto da menina.
Comunista de carteirinha - já disse.
Esses dias conversava com Othon Jambeiro, também meu ex-professor na EBC, e pergunto sobre Sóstrates.
Conviveu pouco com ele na redação - revelou.
Mais, nas atividades do PCB.
Helô começara a vida cedo.
Depois do ginasial e pedagógico em Ilhéus,. professora de canudo nas mãos, volta para Ibicaraí e se torna secretária-geral do ginásio da cidade.
Dois anos na função, e faz vestibular para Jornalismo.
Tinha muita esperança, não.
Moçada da capital, cheia de cursinhos, tinha muito mais chance.
Quase desmaia quando vê o nome entre os aprovados.
Foi assim seu primeiro passo.
Quando chega à redação de "A Tarde", era uma curiosidade só.
Não conseguia disfarçar a ansiedade.
Mas, contudo, confiante.
Sentada para fazer o primeiro texto, e vê a redação entrar em burburinho.
Todo mundo corre para as janelas.
Todo mundo olhando para a Praça Castro Alves.
O majestoso edifício de "A Tarde" era na Praça Castro Alves, resistente, abrigando hoje hotel de bacana, inaugurado em 1930, primeira sede própria do jornal.
Ela só ouvia dizer:
- É a volta da Cabocla.
Não, não sabia nada da tal cabocla, mas não ia passar recibo, dar assim de bandeja um atestado de ignorância.
Melhor correr também para a janela, dar de entendida.
Foi abrindo espaço entre os veteranos: Silva Filho, Octacílio Fonseca e ele, Sóstrates Gentil.
Olharam espantados para a foquinha abusada, mas sem reprovação.
A volta da Cabocla e do Caboclo é o caminho inverso dos dois, dia 5 de Julho, voltando ao panteão onde permanecem durante o ano, para sair de novo, da Lapinha ao Campo Grande, no Dois de Julho, Independência da Bahia.
Foi com a cabocla o início de sua relação com Sóstrates.
E com a redação de "A Tarde".
O redator-chefe, doutor Jorge Calmon, era o deus todo-poderoso.
Em mais de uma ocasião falei sobre ele nessa série.
Fernando Rocha, chefe de redação, padrinho dela.
E Sóstrates Gentil, na casa dos 35 anos de idade, era redator reconhecido, respeitado.
Às vezes, deslocado para exercer a função de pauteiro.
Corria o ano de 1972...
#MemóriasJornalismoEmiliano 
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(Helô com colegas ex-alunos na Assembleia Legislativa: Joana D´Arck, Paulo Bina, Rita Tavares, Bira Paim, Nestor mendes Jr., Nivaldo Costa, Alberto Freitas e Cláudio Souza)

Emiliano José
17 de abril 2020
Sóstrates Gentil VI

O pauteiro de cara percebeu: a foca, primeiro, dominava a língua portuguesa.
Condição essencial para quem tem pretensão de ser jornalista.
Além disso, Sóstrates Gentil percebeu seu espírito livre.
Não tinha amarras políticas.
Nem qualquer relação com empresas.
Um belo caminho pela frente, se houvesse dedicação.
Testou-a, foi sentindo o caminhar dela.
Aparecia uma pauta explosiva, dessas chamadas quentes, alguma denúncia qualquer, e a chamava.
Prevenia.
Orientava.
E mandava-a para a zona do agrião.
Helô, saía toda cheia de vontade, disposta, feliz feito pinto no lixo.
Isso fazia um bem danado.
Foca entra em depressão quando lhe entregam pautas secundárias.
Imagina estar sendo jogada pra escanteio, e nem sempre isso é verdadeiro.
Pauteiro tem de se virar nos trinta, muita pauta pra distribuir e as mais quentes são poucas.
O fato é que Sóstrates Gentil engraçou-se com ela.
Dava-lhe excelentes pautas.
Meio caminho andado para a afirmação profissional.
Cedo, cedo Helô enturmou-se.
Jornal fechado, e seguia junto com os veteranos para comer água no Cacique, comentar as pautas, as dificuldades do dia, os casos engraçados - talvez tenha sido nessas noitadas seu maior aprendizado de excelente contadora de casos.
Nessa fase inicial, pautada por Sóstrates, viveu de um tudo: quase um cachorro arranca um naco de sua perna durante reportagem num colégio, quase fez bobagem ao cobrir um incêndio e escapar de um pedaço da casa vindo ao chão pela força do fogo, ainda bem tudo quase.
Não foi pautada, ninguém foi, para cobrir mergulho de um carro no Dique do Tororó.
Soube-se: motorista bobeou, derrapou, ele e carro foram parar nas águas do fique.
"Fui tomar um banho no Dique".
Assim comentava o motorista, bem-humorado.
Não se soube muitos detalhes desse mergulho.
Como ele escapou, quem deu socorro, nada.
Sóstrates Gentil não contou.
O carro era dele.
O motorista, ele.
Alegre, decente, íntegro, amigo.
Helô o define assim.
Com saudades.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Helo Sampaio e Antônio Dias na minha formatura, professores inesquecíveis. A foca foi longe e formou gerações
Mônica Bichara: Nem precisa dizer q já estou juntando fotos pro Pilha, né? Vai catando aí Helo Sampaio
Emiliano José: Mônica Bichara Marcelo Cordeiro? Antônio Jorge? Além de Helô?
Mônica Bichara: Marcelo Cordeiro sim, o outro acho que é Renato Ferreira
Adilson Borges: Helô, preciosa pessoa!
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Emiliano José
18 de abril 2020
Sóstrates Gentil VII

Em nome do Pai.
Ludmilla mergulha.
Lembranças.
Pai nunca é pouca coisa na vida.
Fosse ao senso comum, e diríamos ter o acaso capturado-a.
Para o jornalismo.
Acaso?
É a primogênita.
Antes das lembranças, falar um pouco da filha de Sóstrates Gentil.
Jornalista aplicada.
Talentosa.
Atualmente, faz Mestrado na Adler University, em Vancoucer, no Canadá.
É um MPPA : Master in Public Policy and Administration - Social Change Leadership.
Podemos traduzir para o Português: Mestrado em Política Pública e Administração.
Área de concentração: Liderança para Transformação Social.
A universidade é muito progressista.
Todos os professores dela conhecem, leram e admiram Paulo Freire.
O educador brasileiro é citado em vários dos textos obrigatórios do curso.
Não esconde a alegria por isso.
E algum orgulho.
O Brasil lembrado pela obra de um dos maiores educadores do mundo.
Espécie de vingança diante do pensamento obscurantista do atual presidente brasileiro e seu entorno.
Concluiu a fase das aulas presenciais do Mestrado.
Agora, completar 300 horas de prática.
Na sequência, dissertação.
A prática está sendo feita em uma organização voltada à assistência da população de sem-tetos e usuários de drogas de Vancouver: Lookout Society.
Opera abrigos, habitações subsidiadas e centros de assistência.
Estes centros distribuem refeições, são locais onde a população assistida pode tomar banho, lavar roupa em máquinas, buscar roupas ou cobertores.
Adotam, ainda, uma política de redução de danos.
Oferecem "injeção assistida", iniciativa da província de British Columbia: usuários têm acesso a uma quantidade limitada de droga "segura", injetada sob vigilância de um profissional para eventualidade de socorro imediato em caso de overdose.
Uma baita experiência.
Amor pelos deserdados.
Quem sai aos seus não degenera.
Pai comunista, só podia dar nisso.
Em nome do Pai.
Espera um dia aplicar o conhecimento adquirido no Brasil, ajudar seu País.
Filha apresentada, vamos a uma lembrança do pai...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Que capítulo lindo, Ludmilla Duarte sempre foi um orgulho para os colegas. Né Adilson Borges? Tomara mesmo que um dia volte para aplicar os conhecimentos adquiridos em favor dos desassistidos daqui
Mônica Bichara: Emiliano José aprendeu a marcar, né? Tá espertinho
Emiliano José: Mônica Bichara testei. Menino quando está aprendendo...
Mônica Bichara: Emiliano JoséEmiliano José aplicado
Ludmilla Duarte: A pessoa tá enfurnada em casa na Primavera do Hemisfério Norte, escrevendo aquela tese de mestrado que clama furiosamente por distribuição de terra em seu país, aí vem o professor mais memorável do seu curso de graduação e lhe joga uma dessa nos peitos. Aí para tudo, fica a pessoa igual uma abestada chorando cântaros na frente do computador.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Chore. Mas sorria também. Razões não lhe faltam. Foi uma honra ser seu professor. Beijo
Jorginho Ramos: A beleza da narrativa faz justiça à figura de Ludmilla Duarte, uma profissional comprometida com os ideais do bom e sadio Jornalismo.
Ludmilla Duarte: Jorginho Ramos Ô lindão!!! Elogio de amigo conta?????
Jorginho Ramos: Ludmilla Duarte... Claro !
Maria Da Penha Albuquerque Silva: É pra chorar de emoção, um chororô gostoso
Adilson Borges: Oh, maravilha. Poucas pessoas conhecem tanto eu e Marilia quanto esta figura, que admiro profundamente até quando dela discordo. Inteligente, sensível, profissional aplicadíssima.. Mas não provoquem, hem? Estamos juntos, no sentido espiritual, há cerca de 25 anos. Mais que amigos, acho que somos irmãos! Beijo Lud! 
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Emiliano José
19 de abril 2020
Sóstrates Gentil VIII

Ludmilla, antes de seguir para Vancouver, esteve comigo conversando sobre seu projeto de Mestrado.
A pretensão original era mergulhar na vida da nação Tupinambá, no sul da Bahia, liderada pelo cacique Babau.
Babau Tupinambá, nome de batismo Rosivaldo Ferreira da Silva, é uma liderança determinada. Preso várias vezes, nunca recuou.
É líder incontestável dos Tupinambás de Olivença.
Estava então na Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social.
Estava disposto a ajudá-la.
Sob minha direção, uma Coordenação Indígena me possibilitava contatos frequentes com o Cacique Babau.
Chegando a Vancouver, o projeto mudou de rumo.
Não precisará vir ao Brasil para concluir o trabalho.
Chegará de volta pronta para servir ao nosso povo.
Estivesse vivo, e o pai, Sóstrates Gentil, estaria muito orgulhoso das escolhas feitas pela filha.
O pai, referência.
Menina, menina o perdeu.
Não havia completado cinco anos quando o acidente o levou.
Ela sempre o procura.
Lembranças.
E o encontra sempre.
O território da memória é do tamanho do universo.
Nova nas redações, ia mapeando pistas.
Outra vez, surge a figura de Ivan Carvalho.
Era o colunista da Editoria de Política do "Bahia Hoje".
A editora Nice Melo a convidara.
Ludmilla sabia da relação de amizade dos dois.
Compreendeu ser a amizade o maior dos sentimentos, capaz de unir dois pensamentos políticos tão diversos.
Ivan, de direita.
Sóstrates, comunista de carteirinha.
Gostavam-se.
Ponto.
Respeitavam-se.
Lição para os tempos atuais, tão cheios de ódios, de muros erguidos, intolerância estimulada, desde inclusive a presidência da República.
Em nome do Pai.
Queria saber de histórias daquela convivência.
Ivan nunca foi efusivo.
Ao contrário.
Ficava na dele, reflexivo, assuntando.
Ludmilla, ultrapassada a fase foquista - deixada a condição de foca -, começa se enturmar, e se aproxima de Ivan.
Vai cercando, cercando, terna como ela só, e ele se abrindo.
Naquele tempo...
Ivan começou assim a história do general em visita à Bahia...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Emiliano José: Isabel Santos, Jaciara Santos, Mônica Bichara, Adilson Borges Jeanne Borges Nice Melo Oldack Miranda Carmela Talento Alberto Freitas José Carlos Teixeira
Mônica Bichara: Emiliano José muito bem, mas o de Isabel Santos não marcou kkkkk tô adorando essas aulas
Emiliano José: Mônica Bichara não sei por que não marca Isabel Santos
Emiliano José: Mônica Bichara As dadas por você, né? Estou aprendendo? Já marquei alguns...
Mônica Bichara: Emiliano José tá ficando craque
Emiliano José: Jose Jesus Barreto
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Carmela Talento: Uma viagem incrível nesse verdadeiro túnel do tempo do jornalismo. Conhecendo histórias incríveis, relembrando de outras, está valendo muito, viu Emiliano
Mônica Bichara: "Em nome do pai". Emiliano José já me deu até o título pro Pilha, né Ludmilla Duarte?
Ludmilla Duarte: Emiliano José me quer toda boba e emotiva, duas coisas que eu escondo ao máximo pra não estragar minha fama de durona... Mas já que me derreteu, lá vai mais uma história. Esta é mais recente, mas é da série "Encontros", e está mais na página artística que jornalística de meu pai. Foi em 2014 salvo engano. Eu chefiava a Ascom da Codevasf em Brasília e fiquei encarregada de formatar um evento de celebração de 40 anos da Companhia para os funcionários. O baiano Elmo Vaz era o presidente. Pensei, sem muita esperança, que seria extraordinário levar Ariano Suassuna, gênio da raça 🥰, para uma de suas palestras-espetáculo no auditório. Suassuna tem tudo a ver com Codevasf, uma companhia criada para dar suporte àquele povo sertanejo nordestino que enfrenta secas frequentes e vive da agricultura nas margens dos rios Sao Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Mearim. Viramos, mexemos, localizamos o contato da assessoria dele e... deu certo. Eu mal podia acreditar, comecei a ler Suassuna ainda criança pegando os livros dele na biblioteca deixada por meu pai. Foi uma sorte monumental, por acaso Suassuna ia participar de um evento do STJ em Brasília na mesma semana e topou incluir a Codevasf na agenda. Bom, chegou o grande dia, eu nervosíssima levando três dos meus livros pra ele autografar. Suassuna chegou uns 30 minutos mais cedo, acompanhado da mulher e do genro, eu fui recebê-lo, não sabia se podia abraçar e beijar, mas abracei e beijei assim mesmo, estava numa emoção da zorra, não é todo dia que a gente conhece um gênio assim em carne e osso, e ainda toca e fala com ele. Sentamos na primeira fileira do auditório, trocamos umas palavras, eu com os livros na mão, ele se adiantou e pegou pra autografar, adorou meu nome russo, perguntou de onde eu era, eu disse que era de Salvador e que meu pai era teatrólogo, que foi assim que me aproximei da obra dele ainda criança, ao que ele me pergunta: quem é seu pai? Ah, você não pode ter conhecido, ele morreu ainda jovem em 1976. "Sim, mas diga o nome dele, quem sabe..." Sóstrates Gentil. "Claro que conheci. Ele era muito amigo de Joca (João Carlos Teixeira Gomes), que também era meu amigo, e Joca nos apresentou. Conheci seu pai, sim". Pronto, acabou o mundo. Foi isso.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Cavouca, tem mais...
Emiliano José: Em nome do Pai...
Ludmilla Duarte: FOTO
Ludmilla Duarte: FOTO
Emiliano José: Ludmilla Duarte att Mônica Bichara
Mônica Bichara: Emiliano José tudo salvo, não podia perder essa. Que história maravilhosa, Ludmilla Duarte
Emiliano José: Vamos caminhando. Amanhã tem mais.
Emiliano José: Mônica Bichara deixe: trabalho à frente.
Mônica Bichara: Realmente, tem pessoas que vivem tanto e não deixam rastro....já outras. Sóstrates um exemplo disso
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(Jornalista Ivan Carvalho)

Emiliano José
20 de abril 2020
Sóstrates Gentil IX

Naquele tempo...
Assim começou Ivan Carvalho a conversa com Ludmilla sobre Sóstrates Gentil, pai dela.
História do general em visita à Bahia.
Era um tempo estranho.
O pai chegara à "Tribuna da Bahia" em 1973.
Duas ou três palavras sobre esse tempo.
Não custa relembrar: era País dirigido por um assassino frio e cruel.
O general Emílio Garrastazu Médici dirigiu o Brasil matando.
Prendendo, torturando e matando.
Era tempo em que filho chorava e a mãe não via.
Minha mãe só me verá seis meses depois de preso.
Sangue correu.
Muita gente desapareceu.
Ditadura.
Imprensa, amordaçada.
Pela censura e auto--censura.
Ser jornalista era fácil não.
Inda mais se comunista.
Inda mais se de carteirinha.
Como Sóstrates.
Talvez, muito provável, ele tenha ido pra "Tribuna" pra respirar novos ares.
A experiência do jornal "A Tarde" fora rica.
Era de longe a mais importante publicação do Estado.
Longeva e conservadora experiência.
A "Tribuna" o atraiu certamente pelo lado inovador, uma iniciativa jornalística ousada.
Ali, quem sabe, talvez pudesse desenvolver mais o tanto aprendido, e soltar um pouco mais o discurso, não obstante soubesse das limitações impostas pela conjuntura.
O PCB, com sua longa história, lhe dera régua e compasso.
Depois de Médici, virá o general Ernesto Geisel, o da abertura lenta e gradual.
Insistirá: "é preciso continuar a matar".
Ditadura.
Pois é, naquele tempo um general visitou a Bahia.
Um general de alto coturno.
Participa de uma solenidade e segue de volta para Brasília.
Ivan Carvalho designou Sóstrates para a cobertura.
Experiente, escreveu a matéria sem quaisquer arroubos esquerdistas.
Sabia o terreno onde pisava.
Dia seguinte, olha o jornal.
Deve ter pensado: fodeu.
Um friozinho na espinha.
Uma charge ilustrava a matéria.
Provavelmente de Lage, genial chargista levado para a "Tribuna" por Antônio Matos logo no início do jornal.
Genial e ousado.
Genial e corajoso.
A charge...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Emiliano José: Mônica Bichara Jaciara Santos Isabel Santos, Adilson Borges Jeanne Borges Nice Melo Oldack Miranda Jorginho Ramos Carmela Talento Alberto Freitas Ana Vieira José de Jose Jesus Barreto Cesio Oliveira
Ana Vieira: Emiliano José Jamais deletei a definição de Evanice Maria dos Santos( Lady Eva): " "a Tribuna é jornal para jornalista".Essa avaliação me despertou uma certa frustração por não ter passado por lá.
Emiliano José: Ana Vieira Isso não a impediu de ser excelente jornalista.
Ana Vieira: Emiliano José obrigada, mestre e amigo
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Ludmilla Duarte: Emiliano José Ri alto imaginando a cara de Ivan as 7h da manhã enfiada no jornal e pensando "fodeu".
Ludmilla Duarte: Aí me transportei para os anos 70 e ri de novo, de nervoso.
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte essa foi foda mesmo, impossível ler sem imaginar a cena
Mônica Bichara: Curiosa pra ver a charge, já imaginando aqui o q o genial Lage aprontou. Vc tem, né? Se não tiver vamos ter que catar, pelamordedeus
Emiliano José: Mônica Bichara Tenho não. Só com Ludmilla. Ou nos arquivos. Mas aí precisa data.
Mônica Bichara: Emiliano José gente, vamos pensar aí quem pode ter 
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(Passeando no Elevador Lacerda com a sobrinha Bianca, filha de Elquisson Soares)

Emiliano José
21 de abril 2020
Sóstrates Gentil X

O general visitara a Bahia.
Há poemas, há músicas inscritas em nossa alma.
Há "Explico algunas cosas", de Neruda, o notável poeta e comunista.
Falo dessa poesia, desse canto de amor e dor, reverência de Neruda a outros poetas, indignação dele diante da mortandade promovida por Franco, ode a Federico Garcia Lorca fuzilado por ser, como teria dito um.juiz, mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver.
Instado pela memória a falar.
Falo porque esse poema me acompanhava durante meus quatro anos de prisão.
"...E numa manhã tudo estava ardendo..."
"...Frente a vocês vi o sangue de Espanha levantar-se para afogá-los em uma só onda de orgulho e de punhais!..."
Mas a me acompanhar dia a dia, repetidas sempre, baixinho baixinho, eram essas palavras:
"... Generais traidores:
olhem minha casa morta,
olhem a Espanha
dilacerada..."
Os generais da ditadura brasileira não eram diferentes.
Dilaceraram o Brasil.
Por isso, a evocação, a memória retendo o grito do poeta no calabouço.
Perdoem a digressão, as lembranças me assaltam, não as controlo.
O diabo do inconsciente.
Sim, falava da charge a acompanhar a matéria sobre a visita do general à Bahia, escrita por Sóstrates Gentil.
Uma latrina.
Uma privada.
Uma sentina.
Era essa a charge simplória ao lado do texto enxuto de Sóstrates.
Merda - deu merda.
Matéria publicada, charge ao lado, mesmo dia a Polícia Federal entra na redação da "Tribuna da Bahia" abruptamente, bem ao estilo.
Naquele tempo era assim.
Queria o redator da matéria.
O responsável.
Leva Sóstrates Gentil para a Superintendência da Polícia Federal, na Cidade Baixa.
Ao lado do Mercado Modelo.
Estive ali duas vezes.
A primeira, quando de minha prisão em 23 de novembro de 1970.
Cheguei sangrando muito, sem camisa, recebido pelo coronel Luiz Arthur de Carvalho, o superintendente, mandado por ele para a tortura no Quartel do Barbalho...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Oportuno relembrar esses fatos nesse momento em que insanos pedem fechamento de Congresso e do STF.
Mônica Bichara: Carmela Talento bem colocado, vivemos dias tenebrosos. Como se não bastasse um inimigo invisível, um verme nós ameaçando a todo momento com o fantasma da ditadura
Fred Matos: "Os generais da ditadura brasileira não eram diferentes." E os atuais continuam escrotos como os da ditadura, como os da Espanha de Franco. Acompanhando sempre as suas memórias, Emiliano. Abraços.
Emiliano José: Fred Matos Toda razão, companheiro.
Mônica Bichara: Jogou duro, Neruda na caixa dos peitos.....Mas o clima pede, os generais atuais a lembrar os de ontem, ditadura, comunismo, fascismo.....Grande texto, Emiliano José, parabéns mais uma vez
Emiliano José: Mônica Bichara Nada. Bom é ter uma editora como você...
Mônica Bichara: Emiliano José hahaha fui promovida
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Emiliano José
22 de abril 2020
Sóstrates Gentil XI

A segunda vez, na Superintendência da Polícia Federal, ali, ao lado do Mercado Modelo, foi no dia 8 de dezembro de 1970.
Já passados intermináveis dezesseis dias de prisão.
Ultrapassada a fase da tortura.
Fazia sol.
À tarde.
Uma calça jeans sustentada por um barbante.
Sem camisa.
Fedendo.
O agente-escrivão, no interrogatório, reclamou do fedor.
Tinha culpa?
Queria estar fedendo?
Até ali, não me fora permitido um único banho no Quartel do Barbalho, onde estava preso.
Nesse dia, festa da Conceição da Praia, minha prisão era oficializada: abriram o Inquérito, tomaram minhas palavras a termo.
Ainda olhei pela janela e vi o burburinho festivo lá fora, povo comendo água.
Deixei de ser um preso clandestino.
Isso era importantíssimo naquele tempo.
Mais difícil para eles sumirem com o preso depois de aberto o Inquérito.
Estranho dizer: foi um dia feliz.
Reafirmei minhas convicções frente à ditadura, está lá por escrito, e era agora um preso posto a termo.
Sóstrates Gentil sabia para onde o estavam levando.
Sabia, em termos.
Quando você era preso, naquele tempo, a rigor, não sabia o destino.
Podia ser embarcado num rabo de foguete, e nunca mais voltar.
Tantos foram embarcados.
No trajeto, pensava.
Nem era trajeto longo: Djalma Dutra, dobrava à esquerda no Largo das Sete Portas, pouco depois, à direita, túnel de ligação com Cidade Baixa, e coisa de um quilômetro depois, passado o porto, a então temível sede da Polícia Federal na Bahia.
Pensava.
Que será que será?
Iam perguntar pela matéria certamente.
Era o de menos.
Nada a esconder.
Fizera texto objetivo, como da boa técnica, era também artimanha para escapar de armadilhas.
Sabia até onde podia ir.
E a charge?
Na hora, examinaria como explicar.
Difícil, mas não impossível.
O duro era saber da conjuntura: o PCB estava sempre na mira da ditadura.
Mais ainda depois de terem sido destroçadas as organizações da esquerda armada.
O PCB virou alvo principal.
Esse, o maior problema.
Podia ficar preso.
Menos pelo jornalismo.
Mais pela militância no PCB, provavelmente do conhecimento da repressão.
No caminho, nenhuma conversa.
Ele, só pensar.
O pensamento parece uma coisa à toa mas como é que a gente voa quando começa a pensar...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ludmilla Duarte: Valha-me Nossa Senhora, mesmo conhecendo o final dessa história eu tô aqui num suspense do cão!!!
Emiliano José: Ludmilla Duarte O autor tem direito a criar. A partir da realidade e da imaginação. Não é?
Ludmilla Duarte: Emiliano José Todo artista tem um tanto de bruxo... capaz de vc tá escrevendo mesmo o que aconteceu de verdade...
Emiliano José: Ludmilla Duarte Tem. Narrador é bruxo. Pode não ser artista. Não sou. Mas invadir a mente do personagem, isso faço. Licença poética. Ou de bruxo. Bruxo também pede passagem.
Mônica Bichara: Eita suspense, curiosidade mata um
Emiliano José: Mônica Bichara Narrador pensa que dirige. Nada. O personagem é quem dirige...
Joaquim Lisboa Neto: Sempre com Lupi na mente...
Abraços do modesto amigo, leitor e admirador
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Emiliano José
23 de abril 2020
Sóstrates Gentil XII

Só pensar.
Tão curto e tão longo o trajeto da "Tribuna" para a sede da Superintendência da Polícia Federal.
O PCB costumava discutir como enfrentar a tortura, prática comum nos cárceres da ditadura.
Seus militantes eram exemplares diante dos torturadores.
Sóstrates Gentil lembrou de Marighella, de Mário Alves.
O primeiro, símbolo de resistência no Estado Novo e nos primeiros dias da ditadura de 1964, quando, inconformado com a tentativa de prisão, reagiu, e levou um tiro encostado ao coração.
Assassinado pela ditadura em 1969.
Mário Alves, torturado até a morte, morreu empalado no início de 1970.
Os dois, baianos.
Os dois, maior parte de suas vidas no PCB.
Sabia do pau-de-arara, do choque elétrico, do afogamento.
Chegariam a isso com ele?
Quem ia preso, naquele tempo, sempre admitia essa possibilidade.
Regra geral do Partidão: não entregar ninguém, resistir.
Era essa a disposição de Sóstrates, viesse o que viesse.
E era impossível saber: essa a angústia de quem caía.
Você não sabia seu destino, não sabia a pretensão dos torcionários, não dominava até onde conheciam sua militância.
Era a escuridão.
Diante dela, da escuridão, melhor ir tateando, tentando conhecer o terreno, descobrir quais informações o inimigo têm, e diante disso saber o que falar.
E nunca entregar ninguém, nunca revelar o essencial.
Tomara meu Deus tomara fiquem apenas em torno da matéria do general - comunista às vezes admite evocar Deus, licença poética.
Aí, se for apenas o jornalismo, tiro de letra, não obstante o diabo da charge.
Ia pensando nisso tudo, e a viatura parou.
Chegou ao destino.
Na redação da "Tribuna", todos preocupados, tensos.
Ivan Carvalho não vacilou: tomou de seu paletó, desceu ligeiro, ligou o Fusca e caiu no encalço da viatura da Polícia Federal.
Chegou quase junto com os policiais.
Era repórter dele.
Não o deixaria sozinho.
Comunista fosse, e Sóstrates nunca negou essa condição, era seu amigo, além de colega de profissão.
Amigo é para os momentos difíceis...
Sóstrates desceu, os policiais acompanhando-o.
Não teve tempo de perceber a chegada de Ivan.
Um ambiente lúgubre - ao menos foi essa a sensação quando entrou...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Trabalhei com Ivan Carvalho na Tribuna e realmente era uma figuraça, nunca fez distinção entre os de esquerda e direita. Certeza que não deixaria seu repórter sozinho naquela situação, ainda mais com a identificação de comunista. Grande Ivan 
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Emiliano José
24 de abril 2020
Sóstrates Gentil XIII

Ivan Carvalho apresentou-se.
Era o chefe de Sóstrates Gentil.
Dizendo chefe, entendiam melhor.
Dizer editor, era complicar.
Foi encaminhado à antessala do delegado-chefe, mais conhecido como superintendente.
Aconselhado a esperar.
Esperaria o quanto fosse.
Pretendia levá-lo de volta ao jornal.
Isso, na melhor hipótese.
Estava apreensivo - não podia negar.
Sóstrates já tinha sumido nas entranhas da Superintendência da Polícia Federal.
Ali era tudo muito apertado.
Salas pequenas.
Começaram o interrogatório.
Conduzido pelo delegado-chefe.
Ao menos, sentiu: não havia indícios de tortura.
Parecia seria tudo na conversa.
Jogo de esgrima das palavras.
Disso entendia: a política lhe dera régua e compasso.
Como acréscimo, o teatro, pelo qual era também apaixonado.
Perguntavam meio a esmo.
Falavam da matéria e da charge, tudo junto e misturado.
Às vezes, deixavam trair alguma irritação.
Ele, sereno.
Sereno e altivo.
Sem arrogância, falou um pouco do jornalismo, disse-lhes da objetividade da matéria.
Uma simples cobertura sobre a visita de um general à Bahia.
Não, não entendiam muito daquilo.
Sentia neles alguma frustração pela ignorância diante do assunto, não sabiam muito bem de que acusá-lo, quais as evidências de crime a serem juntadas para um eventual Inquérito.
Sóstrates mantendo a história, fácil porque verdadeira.
Sua matéria havia sido cuidadosa.
Sorte não insistirem na privada.
Quando tocaram no assunto, desconversou.
Insistissem, podia dar merda.
Depois de algum tempo, não sabe quanto, insatisfeitos, os agentes o dispensam.
Surpreende-se com Ivan Carvalho, pacientemente à sua espera.
Nunca esqueceu desse gesto.
Voltou escoltado à "Tribuna".
Por Ivan.
No Fusca dele.
Anos mais tarde, Ludmilla, primogênita de Sóstrates, já jornalista, trabalhando no "Bahia Hoje", fingindo inocência, pergunta a Ivan Carvalho porque resolvera ir à Polícia Federal atrás de seu pai.
Sereno, didático, já passada a metade dos anos 1990, Ivan responde:
- Você sabe, Ludmilla, naquele tempo era costume as pessoas irem e não voltarem...
Ludmilla não sabia se ria da graça e simplicidade da resposta ou se chorava, gratidão tardia.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Albany Camelo Sampaio Jr.: Emiliano José Estou acompanhando. Excelente para quem gosta de história.
Emiliano José: Albany Camelo Sampaio Jr. Honrado, meu velho 
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Emiliano José
25 de abril 2020
Sóstrates Gentil XIV

Cláudio Abramo deu uma curiosa definição sobre a ética jornalística.
A ética do marceneiro.
Qual o enigma?
Quais as pretensões do Mestre ao dizer isso?
Simples: a ética do jornalista é a ética do cidadão.
Tem responsabilidades com o povo.
Com a Cidade.
Com a Nação.
Não é uma ética especial.
Claro, há os aspectos específicos da profissão.
Mas, tudo subordinado à ética cidadã.
ACM, noutro extremo, costumava dizer, me perdoem se não citá-lo com precisão, haver dois tipos de jornalista: os amantes da notícia e os apaixonados por dinheiro.
Aconselhável não confundir os dois: não ofereça dinheiro a quem quer notícia, nem notícia a quem ambiciona ouro, incenso e mirra.
Há os dois tipos.
O jornalista-cidadão.
O jornalista à venda.
Sóstrates Gentil era um apaixonado jornalista-cidadão.
Íntegro
Defensor da verdade.
E isso numa conjuntura adversa, ditadura à frente dos destinos do País
Foi protagonista de um episódio a revelar isso, a demonstrar sua preocupação com recém-chegados à profissão.
Corria o distante ano de 1975.
Renato Pinheiro iniciara sua vida profissional um pouco antes.
Na "Tribuna", Milton Cayres de Brito redator-chefe, Othon Jambeiro, subeditor Geral.
Foi seu ritual de iniciação no final de 1971, primeiro ano na Escola de Biblioteconomia e Comunicação, futura Facom.
Aínda, em outros momentos, trabalhará na "Tribuna" sob a direção de Sérgio Gomes e de João Ubaldo Ribeiro.
A iniciação dele no jornalismo político aconteceu em 1975, aos 22 anos de idade.
Estava sob a rotina da Reportagem Geral, agora em "A Tarde", tranquilo, quando é chamado por Jorge Calmon, redator-chefe do jornal:
- A partir de hoje, você fará a cobertura diária da Assembleia Legislativa.
Desembarca num ambiente desconhecido.
Hostil, assim lhe parecia.
Cabelos ao vento, nos ombros
Mais parecia um hippie.
Inda mais no meio de toda aquela gente envolta em paletós e gravatas.
Estranho no ninho...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Leandro Fortes: Eu sou discípulo dos mestres Perseu e Emiliano, com muito orgulho.
Emiliano José: Leandro Fortes Mestre é Perseu. Continuo aluno.
Jorginho Ramos: Leandro Fortes ..Exato. São duas referências !
Carlos Pereira Neto Siuffo: Querido Emiliano, essa definição da ética do jornalista é de Claudio Abramo em seu livro de memória " A Regra do Jogo", abs.
Emiliano José: Carlos Pereira Neto Siuffo Errei no autor. Vou modificar. Muito obrigado. Um e outro, mestres. Ato falho.
Emiliano José: Tenho o livro. Não é bom usar só memória. Melhor conferir. Bom contar com leitores atentos. E amigos como você. Muito grato.
Emiliano José: Jorginho Ramos Othon Jambeiro me informou: Perseu foi professor em Filosofia UFBA, São Lázaro, final dos anos 60. Era sobrinho de Cláudio Abramo, também o imaginava irmão. Casado com a querida Zilah, com quem convivi muito nos últimos anos, na Fundação que leva o nome dele. Pra seus arquivos.
Carlos Pereira Neto Siuffo: Filho de Athos Abramo (jornalista), irmão de Claudio. Perseu era pai da linda Laís Abramo.
Emiliano José: Carlos Pereira Neto Siuffo Obrigado, Carlinhos.
Jorginho Ramos: Beleza. Informações valiosas.
Zeca Peixoto: Que aula!
Mônica Bichara: Verdade, uma aula
Ludmilla Duarte: O advogado Renato Simões, hoje desembargador, foi um amigo-irmão de meu pai. Ele me enviou um depoimento lindo que já está com Emiliano José. Renato também compartilhou o depoimento dele e os escritos de Emiliano aqui no FB com outro advogado e amigo comum dele e de meu pai, George Fragoso Modesto Júnior. George retornou o contato de Renato com outro depoimento lindo, que Renato dividiu comigo e eu, não resisto, vou postar aqui:

“1. Pois é: quando em 1969 Samuel Beckett ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, já no ano seguinte , 1970 portanto, Gentil e Pompéia buscavam um exemplar da peça “Fim de Partida”, porque não havia ainda quem tivesse publicado sua tradução e, certo dia, lembro-me que fomos, eu e Gentil na Biblioteca dos Barris, por pouco tempo inaugurada, à cata desse material; frustrados retornamos a pé, rumo à Piedade, quando resolvi passar na Pensão de D. Lúcia, mãe do Glauber. Fomos recebidos por ela mesmo, que logo foi me dizendo: seu amigo está aí; sai de lá de dentro, em nossa direção o próprio, que ao me avistar, aos berros: Maluquinho é vc! e seguidamente viu Gentil e em tom brincalhão o chama: só...trastes, rimos muito, aos protestos de D Lucia, mulher admirável, advertindo-lhe de que os nomes não eram esses. A partir daí Gentil passou a me chamar de “Maluquinho”; lembra?
2. Quando vcs se propuseram a encenar “O Homem do Princípio Ao Fim” , eu fui ao RJ curtir a dor de ter perdido o vestibular, foi então que Gentil me pediu que agilizasse a liberação da peça pelo próprio Millor Fernandes; deu-me o endereço, telefones dele e tudo mais; fato é que não havia meio de me avistar ou ao menos uma reposta do rabujento Millor; num desses dias estava eu em Copacabana, sento-me numa daquelas mesas ao ar livre e peço um chope (apesar de não ser seu grande apreciador) e antes que fosse servido, batem-me às costas, era Glauber: porra Maluquinho o que faz aqui? Aproveitando a abordagem contei-lhe da minha chateação, de até aquela altura não ter me avistado com Millor; conversamos muito, eu bebendo o indigitado e Glauber suco de laranja integral, como fazia questão de frisar ao garçom, a cada vez que o pedia. Ao nos despedirmos disse-me Glauber: diga a Gentil que a peça vai ser liberada, se não for hoje, amanhã; ele nem me deu chance de dizer-lhe algo, foi-se embora. No dia seguinte comprei o Pasquim e lá estavam Glauber e Millor falando dos seus feitos: Glauber do seu último filme, à época - O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade(1969) e Millor sobre sua peça, O Homem do Princípio ao Fim. Quando me dei conta Gentil já me dizia daqui de Salvador, que o SBAT havia lhe liberado a encenação. Tenho como frase pronta, dizer que existem pessoas que não deveriam morrer nunca, Sóstrastes Gentil e Glauber Rocha são duas dessas, porque preencheram a minha mocidade, hoje prestes a me juntar a eles.”
Emiliano José: Ludmilla Duarte Minha flor, mandou pro meu e-mail? Preciso. Beijo. Tudo isso será para o Sóstrates-teatro. Ainda não cheguei lá.
Ludmilla Duarte: Emiliano José Hahahaha. Então tá! Vou mandar!
Emiliano José: Ludmilla Duarte Gracias. Beijo
Mônica Bichara: Gente, q maravilha.....Pelo visto esse personagem não termina tão cedo uhuuuuuu Renato Mário conta mais
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara Vc é uma fofa, Moniquinha!
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Emiliano José
26 de abril 2020
Sóstrates Gentil XV

Renato Pinheiro, um desconforto só, foi tentando.
Sempre de bom trato, conversava com um, com outro, mostrava-se simpático.
Nem precisava forçar.
Sempre fora.
Trabalhei com ele no "Jornal da Bahia".
Dou testemunho.
Mas, claro, aquela parecença hippie, não ajudava.
Cumpria a tarefa.
Cobrir a Assembleia exige atenção.
Aos discursos e, sobretudo, aos bastidores.
Aprendia.
Um dia, passado já algum tempo, já mais à vontade, mais enturmado, é abordado por Silva Góes, veterano repórter, àquele momento no "Diário de Notícias".
Nem arrodeou muito.
Direto ao ponto: vinha como intermediário do deputado federal Ney Ferreira, dirigente do MDB.
O parlamentar era o chefe do adesismo na Bahia.
No MDB, colocava-se inteiramente a serviço de ACM e da ditadura.
Genro de Antônio Balbino.
Silva Góes trazia uma proposta de Ney Ferreira: pagaria a Renato Pinheiro uma complementação salarial.
Nem precisava completar qual a contrapartida.
Mas completou.
Sabia-o em "A Tarde".
Uma notinha aqui, outra acolá, uma referência positiva no meio de alguma matéria, e estava tudo bem.
Nem muito esforço requeria.
Renato Pinheiro demorou pra cair em si.
Perplexo.
Assustado.
Depois, indignado.
No entanto, apesar do espanto diante da ousadia, respondeu serenamente, mas de modo firme:
- O jornal "A Tarde" me paga muito bem. Diga ao deputado que declino da generosidade dele.
Sem chão, feito cachorro caído da mudança, cego no meio de tiroteio.
Ali, quase se encerrava a carreira de repórter político, tal a decepção.
Doido pra desabafar com alguém.
Olhava pra um lado, pra outro.
Não tinha intimidade com quase ninguém.
Desabafo é desabafo.
Requer confiança.
O olhar fixou-se em Sóstrates Gentil, o experiente repórter político da "Tribuna da Bahia".
O jeito dele inspirava confiança.
Abriu-se com ele, foi acolhido.
Sóstrates mostrou-se indignado.
Comentou com Newton Sobral, também sério e experiente, do "Jornal da Bahia", àquele momento cobrindo a Assembleia Legislativa:
- Olhe a proposta indecente que o filho da puta do Ney Ferreira fez ao garoto. O menino é bom.
Vou adotar.
E investiu-se da condição de orientador de Renato Pinheiro na reportagem política.
Era 1975.
Rapidamente, tornaram-se amigos.
Amizade subitamente interrompida com a morte de Sóstrates no acidente de 1976.
#MemóriasJornalismoEmiliano 
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Emiliano José
27 de abril 2020
Sóstrates Gentil XVI

Renato Pinheiro seguiu em frente.
Substitui Sóstrates Gentil depois da morte dele.
Na "Tribuna da Bahia", tem ampla liberdade de trabalho conferida por Ivan Carvalho.
Um dos melhores textos conhecidos por ele.
E um sujeito rigorosamente decente.
Já se disse, mas não custa reforçar com o depoimento de Pinheiro:
- Era de direita assumido. E por isso gostava sempre de ter ao seu lado alguém de esquerda para equilibrar a Editoria - primeiro Sóstrates Gentil, depois eu.
Quando Ivan Carvalho aceitou convite de outro jornal, Renato Pinheiro o substituiu como editor de Política na "Tribuna da Bahia".
Do episódio da Assembleia, quando Sóstrates Gentil o fez uma espécie de afilhado, passando a orientá-lo naquele ninho de cobras, jamais se esquecerá.
Eterna gratidão.
Uma breve e necessária digressão.
Amigo e leitor, Carlos Pereira Neto Siuffo, apontou erro cometido por mim, em texto recente dessa série.
Eu indicava como sendo de Perseu Abramo a defesa da ética do marceneiro a ser defendida pelos jornalistas.
Minha longa convivência na Fundação Perseu Abramo, a convivência com a notável Zilah Abramo, viúva de Perseu, tudo isso pode explicar meu ato falho, erro, o que seja.
Sem justificá-lo.
Cláudio Abramo, como Perseu, um dos mais notáveis jornalistas brasileiros, é o formulador da ideia.
Compensa recuperá-la.
Está à página 109 de "A regra do jogo : o jornalismo e a ética do marceneiro", Edição de 1988, da Companhia das Letras, o depoimento de Cláudio Abramo:
- Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista - não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. (...). O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista.
Imperdível lição.
Voltemos a Sóstrates Gentil, cuja vida foi sempre pautada na ética do marceneiro, irrepreensível jornalista-cidadão...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Joaquim Lisboa Neto: Delícia de leitura, plagiando título de ensaio seu sobre o nosso Osório Alves de Castro 
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Emiliano José
28 de abril 2020
Sóstrates Gentil XVII

Ludmilla é hoje jornalista experimentada.
Talentosa.
Está em terras distantes, Vancouver, no Canadá.
Disso já falamos, apenas retomo fio da meada.
Tem pelo pai admiração incontida.
Merecida.
Fala de um reencontro com ele ali pelos meados dos anos 1990.
Recuperar a imagem do pai se você o perdeu quando estava com quase cinco anos apenas não é empreitada fácil.
Há quem prefira guardá-la a um canto, ficar com o pouco retido, a imagem envolta em névoas, e seguir a vida.
Ludmilla prefere ir atrás.
Mergulhar.
O quanto puder.
Em nome do Pai.
Jornalista, deve ter consciência do porquê do abraço a tal profissão, quer reencontrá-lo sempre.
Passo a passo, a cada reencontro, vai descobrindo-o.
E o amor, revivido a cada descoberta.
Lado a lado com a admiração.
Destino houvesse, e poderia dizer ter lhe pregado uma peça.
O Pai não devia ter partido tão cedo.
Podia ter crescido com ele em vida.
Desfrutado de suas tantas lições.
As do homem da cultura, das letras, do teatro.
E as tantas advindas de sua personalidade de homem reto, íntegro, de irretocáveis princípios.
O destino não quis.
Ingrato.
Perverso.
O reencontro com o Pai em meados dos anos 1990 foi no jornal "Bahia Hoje".
Falar em reencontro não é uma espécie de licença literária: ela o chama assim.
Era jovem repórter recém-saída do batismo como foca no "Jornal da Bahia".
Convidada pela editora de Política, Nice Melo, depara com Ivan Carvalho.
Era ele a ponte para o reencontro.
Soube muito por ele da personalidade do Pai, de suas qualidades como jornalista e ser humano.
Reencontrou-o em muitas conversas.
É sempre bom acompanhar as pegadas do Pai fora dos muros familiares.
Ivan Carvalho era muito amigo dele.
As diferentes posições políticas não foram obstáculos para uma sólida amizade.
Ia puxando conversa.
Ivan, falando.
Deixando trair amizade e admiração.
Colunista de Política, silenciosamente, quem sabe como homenagem à amizade perdida, tentava passar antigas lições à jovem repórter...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ludmila Duarte: Emiliano José Mônica Bichara
Mônica Bichara: Guenta coração, né amiga Ludmila Duarte? Pura emoção
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Emiliano José
29 de abril 2020
Sóstrates Gentil XVIII

Redação é ambiente de trabalho e de convivência.
Você vai fazendo amizades.
Com uns, se aproxima mais.
Com outros, menos.
Como em qualquer lugar.
Os novos, vão tateando, sentindo, e se aproximando daqueles com os quais têm mais afinidades.
Assim, com Ludmilla, filha de Sóstrates Gentil, no "Bahia Hoje" naqueles meados dos 1990.
A equipe da editoria de Política cultivava o costume de sentar-se no canto direito da redação, ao fundo.
Final de tarde.
Era o momento de trocar ideias, falar da política e dos políticos.
Dos bastidores, mananciais inesgotáveis do noticiário político, fontes essenciais das editorias de política.
Ludmilla, já à vontade, cobrindo Assembleia Legislativa, nesses encontros, ouvia muito.
E falava também.
Contava os muitos casos pescados entre uma conversa e outra dos parlamentares, ou fruto de algum off de um ou outro deputado.
Ali rolava muita fofoca.
Ludmilla observava Ivan Carvalho, o colunista da editoria, o amigo do Pai.
Caladão, não entrava nas conversas.
Só assuntava.
Ouvidos atentos.
Fazia de conta não estar tão interessado.
Não era com ele.
Um dia, Ludmilla lê uma nota apimentada na coluna dele.
Nada demais não fosse parecida com história contada por ela nos encontros de final de tarde.
Disse nada.
Podia ser impressão, talvez ele próprio tivesse levantado a informação e incrementado-a.
Dias depois, outra nota.
E passados alguns dias, mesma coisa.
Todas, tinha certeza, fruto de suas informações.
Tinha convicção: caladão, a um canto, malandramente, Ivan ia guardando as fofocas, depurando-as, depois apimentando-as e, crau, publicava-as.
Ludmilla só confirmou isso de modo a não restar dúvidas porque um deputado, puto dentro das calças, abordou-a.
A conversa em off saltara para a coluna de Ivan Carvalho.
Só podia ser ela a fonte.
Calou-se.
Dizer o quê?
Perguntou a Ivan.
Uma sonora gargalhada - a resposta.
Ludmilla compreendeu.
Ao invés de se irritar, riu junto.
Mestre é mestre: todo dia, a partir desse fato, passava pra ele as informações de bastidores da Assembleia.
Era como um reencontro com o Pai.
Malandro é malandro, mané é mané.
Ela deixou de ser mané.
Lição pra não esquecer.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Adelyne Lacerda: Kkkkk sensacional!!!
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Emiliano José
30 de abril 2020
Sóstrates Gentil XIX

Ludmilla não esquece: o Pai foi homem da cultura.
O jornalismo era uma faceta de Sóstrates Gentil.
Uma.
Sua militância tinha um horizonte largo, próprio dos intelectuais do Partidão.
Arrisco dizer, na esteira de Gramsci: era o típico intelectual orgânico.
Colocava-se, na sua intensa atividade intelectual, a serviço do projeto de mudança da sociedade.
Naquele momento, concentrar forças na luta contra a ditadura.
Olhos postos na conquista da democracia, sem perder de vista a perspectiva socialista.
Lia, lia muito.
Estudava, estudava muito.
Apaixonado por teatro.
Cultivava amizades no campo das artes.
Juarez Paraíso, o grande Juarez Paraíso, notável artista plástico, foi amigo querido e padrinho de casamento dele.
Mário Gusmão, insuperável ator.
Nilda Spencer.
Amigo também do grande João Carlos Teixeira Gomes, jornalista e escritor.
De Renato Simões, advogado, hoje desembargador da Justiça do Trabalho pelo 5º Constitucional.
Do genial Glauber Rocha.
Só para citar alguns.
Inebriado pelas crianças.
Queria conversar com elas.
Escreveu, montou e dirigiu 'Zipilin contra os Águias do Tempo".
"A Torre dos Bonecos Encantados".
"Tio Fusca e seus Sobrinhos Astronautas"
Com essas peças, dialogava com a meninada.
Talvez uma de suas maiores alegrias.
Não, não perguntem como ele equilibrava o tempo.
Receber pauta.
Cumprir.
Escrever.
Fazer coluna de teatro.
Escrever peças.
Montar.
Dirigir.
Paixões impulsionam a vida.
Delas, surge o tempo.
Assim, com ele.
Movido a paixões.
Várias.
#MemóriasJornalismoEmiliano

Sérgio Buarque de Gusmão: O livro cresce...
Emiliano José: Sérgio Buarque de Gusmão Caminhando. A ver.
Fred Matos: Conheci Sóstrates em 1975. Ele iria dirigir uma peça de meu pai, Ariovaldo Matos, "O Rigue" e fui escalado pelo velho para ser o produtor. Não aconteceu porque a peça não foi liberada pela Censura. Foram poucos os contatos que tivemos em reuniões na casa de Ari, mas tive e mantenho um excelente conceito sobre ele. O que era uma intuição se confirma lendo esse seu depoimento.
Emiliano José: Fred Matos Obrigado, Fred. Muito obrigado.
Emiliano José: Fred Matos Deve ser O Ringue, não?
Emiliano José: 0u é isso mesmo?
Fred Matos: Emiliano José Isso mesmo, O Ringue
Emiliano José: Fred Matos Obrigado. Você podia me ligar?
Fred Matos: Emiliano José Liguei, mas caiu na caixa-postal. Você verá uma ligação do DDD 031, é que estou morando em Minas Gerais.
Ludmilla Duarte: No Marista integrei um grupo de teatro chamado Caricaturetas. Resgatei as peças dele no baú de minha mãe, apresentei ao grupo e acabamos montando "A Torre dos Bonecos Encantados". Foi um sucesso estrondoso entre a criançada do Ensino fundamental. O combinado com a escola era a gente ficar em cartaz apenas durante a semana da criança, como fazíamos todos os anos, mas notamos que a meninada voltava para rever a peça e o auditório ia ficando cada vez mais lotado. Traziam os primos, os amigos, os vizinhos. Acabamos ficando mais três finais de semana em cartaz, todos com auditório lotado. Eu já estava no último ano do Ensino médio, assim como a maioria do pessoal do Grupo. Foi a última montagem infantil da história do Caricaturetas, grupo que deve ter durado uns 10 anos e era admirado por toda a escola.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Sim, mas do baú só foi montada essa?
Ludmilla Duarte: Emiliano José Infelizmente, pelo Cari sim. Porque a anta aqui só foi ter essa ideia já no final do Ensino médio. E montar uma peça leva tempo. Fizemos um trabalho lindo, o Grupo era grande, cheio de gente talentosa. O cenário de Maurício Marçal foi um escândalo de lindo, o figurino de Pati estava um absurdo, maravilhoso, Carlutti dirigiu, o elenco entrou em cena afiado. A peça tinha muitos personagens, a mãe, o filho, a filha desaparecida e trancada na Torre, os 3 bonecos Encantados que despertavam pra ajudar o menino, o bruxo e seus ajudantes malvados (três corvos), a fada. A peça é uma lindeza, e a gente, modéstia à parte, fez um trabalho à altura do autor.
Ludmilla Duarte: Não foi à toa que a meninada ficou doida.
Emiliano José: Ludmilla Duarte quem é Pati? Quem é Carlutti? Se puder, nomes inteiros. Atento. Tudo muito bom. Sou repórter antigo.
Ludmilla Duarte: Emiliano José Pode deixar, estamos quase todos dessa época do Cari num grupo de WhatsApp. Vou pegar as credenciais do povo e te passo. Bem, até já pedi pra eles virem aqui comentar. Vamo ver.
JoãoDude Costa: Companheiro Emiliano José, sou Dude, o mesmo que teve o prazer de te conhecer há pouco tempo na Leiaute. Fiz parte desse grupo com Ludy e estava nessa montagem. Ela tem a memória melhor do que a minha e disse que fui resgatar a trilha original. Da música, me lembro e canto até hoje, mas dessa história, infelizmente, não mais :( Que bom saber que estamos mais próximos por outros laços. Abração
JoãoDude Costa: Ludy, tô cavucando o baú do cérebro aqui até agora. Talvez se você lembrar o nome do professor da Escola de Música...
Ludmilla Duarte: JoãoDude Costa Dude... tô fazendo um esforço da zorra... era Dilton...? Algo assim...? Conta a historia de como vc localizou ele (o nome tava nas páginas do texto), resgatou a trilha sonora original da peça (linda, por sinal), vcs regravaram tudo na casa de Aragão...! Ele tocava um instrumento de sopro... clarineta? E vc foi um dos bonecos, Dude! Vc estava muito engraçadinho...! Sua peruca era azul? Laranja? A de Jô era rosa. O outro boneco era Deco Gedeon?
Ludmilla Duarte: Vc foi catar ele na escola de música ou de Belas Artes. Mas ainda acho que era música.
Emiliano José: Feliz que se reencontrem. Só vocês, tão jovens, para recuperar tudo. Abração, Dude.
JoãoDude Costa: Uriel 💙
Emiliano José: Vá puxando pela memória. Você é novinha. Memória fresca...
Ludmilla Duarte: FOTO 1
Ludmilla Duarte: FOTO 2
Emiliano José: Difícil ler. Faça síntese das duas matérias,. por favor. Em nome do Pai.
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Emiliano José
1 de maio 2020
Sóstrates Gentil XX

"O Santo Inquérito", do baiano Dias Gomes, genial dramaturgo, o encantou.
Sóstrates Gentil se envolveu com a história de Branca Dias, senhora de engenho perseguída pela Inquisição no século XVI, levada ao palco por Gomes.
O teatro, com sua magia, poesia, consegue contornar às vezes as proibições das ditaduras.
E dizer o impublicável.
Não precisa ser panfletário.
Lembrar o acusador de Branca Dias, padre Bernardo, dizendo:
"Os que invocam os direitos do homem acabam por negar os direitos da fé e os direitos de Deus, esquecendo-se de que aqueles que trazem em si a verdade têm o dever sagrado de estendê-la a todos, eliminando os que querem subvertê-la, pois quem tem o direito de mandar tem também o direito de punir."
Linguagem da ditadura atravessando os séculos.
Pelos caminhos da arte, a luta seguia, não frontal.
Embora ele mergulhasse no teatro sobretudo pela paixão.
Isso o deixava feliz.
Juntava as coisas.
Era um brechtiano.
Montou e dirigiu "O Santo Inquérito".
Também "O Homem do Princípio ao Fim", de Millôr Fernandes, "A Farsa do Advogado Pathelin", texto de autor desconhecido, adaptado por Luiz Hasselmann, "Valentino ou O Canivete de Prata", de Florisvaldo Matos.
Foi atrás do veneziano do século XVIII, Carlos Goldoni, e montou e dirigiu também "Mirandolina", nome da protagonista, peça também conhecida como "La Locandiera" ou "A Estalajadeira".
"Esperando Godot", de Samuel Beckett, também mereceu seu carinho, montagem e direção.
Recebeu prêmio do jornal "A Tarde", em 1971, ano do nascimento de Ludmilla, pela peça "A bicicleta do condenado", de Fernando Arrabal.
Não soubéssemos da história de Sóstrates Gentil e sua rica passagem pelo jornalismo, e o diríamos um teatrólogo, tal a profusão de peças dirigidas.
Era também um teatrólogo.
Nunca homem de uma nota só.
Homem de sete instrumentos.
Admirável criador.
Onde estivesse.
#MemóriasJornalismoEmiliano 
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Emiliano José
2 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXI

Foram amigos de fé.
Irmãos camaradas.
Mesmos sonhos.
Mesmo ideais.
Renato Simões e Sóstrates Gentil.
Simões é hoje desembargador da Justiça do Trabalho.
Vendo essa série, emocionou-se.
Tomou da pena e escreveu carta ao amigo.
Incrédulos acharão besteira.
Ele, nem aí.
A fé não costuma faiá.
A carta não vai chegar...
Roga praga, não, incréu.
Cê não sabe nada do reino dos encantados.
Começou como antigamente:
"Sóstrates Gentil, meu amigo querido!".
E desanda a escrever, fala até de mim.
"Não sabe com que alegria vi as publicações de Emiliano na internet a seu respeito. Principalmente num momento como este que atravessamos. Seria tão bom se ainda estivesse aqui conosco. Estou certo que sua caneta séria se juntaria a milhares de jornalistas dessa nossa terra para impedir que a política fosse depreciada, atividade essencial do ser humano."
Ele tenta definir o amigo. Fala dos compromissos dele com o jornalismo, da defesa da política.
"Enfrentou nessa trincheira, como bandeira de vida, o mau-caratismo, fez esse combate, tanto o de dentro, como o de fora da atividade."
Mostra a capacidade dele de viver na diversidade - "nunca desrespeitou quem não pensasse como você".
Tolerância respeitosa.
Firmeza de princípios.
Suspira fundo:
"Ah, como você está fazendo falta a esse jornalismo, meu amigo!"
No jornalismo de hoje, perderam-se os conceitos e a verdade dos fatos foi deteriorada, prevalecem as versões a serviço do poder - desabafo de Simões na carta.
Revela ter sido testemunha da angústia do amigo, da luta para tentar atravessar o período ditatorial, fazer do Brasil uma democracia.
Não chegou até lá.
A democracia só foi conquistada em 1988, com a Constituição-Cidadã.
Tão desmerecida nos tempos atuais.
E hoje "as suas duas paixões, a política e o teatro, estão reféns daquilo que você sempre combateu."
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Grande Renato Simões, trabalhamos juntos na prefeitura na gestão de Lídice da Mata, foi um gigante naquela luta sem tréguas nos quatro anos de governo. Quantos pedidos de direito de respostas nas emissoras de TV, processos contra difamação e calúnia sem falar na competente atuação para suspender o sequestro de verbas pelas empreiteiras. Quanta luta !
Mônica Bichara: Que maravilha esse depoimento, Renato Mário Simões é realmente um grande defensor da democracia. Lembro bem, Carmela Talento, dos embates que Lídice da Mata teve que enfrentar naquela época e ele foi um guerreiro contra toda malvadeza. Pelo pouco que já conheço de Sóstrates, por Emiliano José e Ludmilla Duarte, não tenho dúvida que se ainda estivesse aqui seria um orgulho, uma referência de bom jornalismo (ou melhor, continuaria sendo)
Emiliano José: Mônica Bichara Renato é uma extraordinária figura, um lutador
Mônica Bichara: Concordo
Ludmilla Duarte: Renato e Isa são pessoas especiais na minha vida. Estão em algumas das melhores e mais alegres lembranças de infância. Assim como os meninos, meus primos do coração. Uma família musical, iluminada. Não houve uma apresentação de Yacoce (diretor musical de Armandinho Macedo e filho mais velho deles) no Clube do Choro, em Brasília, que eu não tivesse ido assistir nos nove anos em que moramos lá. Meu pai se foi, mas as famílias nunca se perderam uma da outra.
Mônica Bichara: É uma família musical mesmo, a começar por Renato e O Povo Pediu
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Emiliano José
3 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXII

Pois é, meu querido amigo Sóstrates Gentil: a política e o teatro, demonizados.
Renato Simões segue dialogando com o companheiro de criação e farras da juventude.
Tanto a política quanto o teatro, a cultura, essenciais à evolução da espécie, e ninguém precisa ser gênio para entender isso.
É, companheiro e amigo, mas hoje precisa.
"Coisas tão simples, na compreensão primária da vida no planeta, demandam esforço hercúleo, paciência de Jó e revolta científica."
Uma regressão à idade da pedra - parece isso, constata Simões, e não exagera.
Avançamos tanto, e de repente...
Fala de assunto da intimidade do amigo.
A grande imprensa, cuja contribuição foi enorme para a chegada a esse poço tão fundo, está agora sendo obrigada, parcialmente, a fazer um mea culpa diante da pandemia, onde, nesse caso, e só nele, constata o equívoco feito.
É curioso observar, caro amigo, ela se debatendo, atacando exatamente a quem tanto enalteceu.
Disso você conhece, e talvez, de longe, sussurre aos ouvidos dos novos jornalistas: esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...
É, a grande imprensa, a "Rede Globo", "Estadão", "O Globo", "Folha de S. Paulo", seus velhos conhecidos, tentam mostrar a gravidade, a tragédia do coronavírus.
Mereceu até elogios do nosso presidente Lula, veja só
Quanto à pandemia.
No resto, a mesma...
A mesma merda.
Nunca vai fundo quanto às causas mais profundas do sofrimento do povo brasileiro, cuja tragédia agravou-se desde o golpe de Temer e eleição de Bolsonaro.
Chegamos à barbárie absoluta com o coronavírus e a política genocida do presidente.
Não está sendo fácil, caro amigo.
Me perdoe incomodá-lo com tanta notícia ruim.
Tanta saudade, e eu, nessa carta, até agora só falando de coisa do demo.
Por falar nisso, a fé hoje é instrumento fundamental da dominação política.
Muitos dos autoproclamados cristãos são alicerces fundamentais dessa regressão medieval.
Sei, sei bem: estivesse por aqui, estaria na linha de frente do combate a toda essa barbárie, com sua pena afiada.
Colocaria todo seu conhecimento a serviço da defesa da vida e da luta pela reconquista de direitos de nossa gente.
Pena, caro amigo, esteja tão longe.
Tentamos ser fiéis ao seu legado.
Tentamos...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Que emoção essa carta de Renato Mário Simões, só notícia triste pro amigo distante...Tá vendo o q vc provocou, Emiliano José? Essa série vai longe
Emiliano José: Mônica Bichara pensei nuns cinco capítulos. Passa um pouquinho de 20...
Helio Shaalon Santos: Er temos pensar positivo que essas coisas vamos vencer assim como o povo brasileiro heroicamente vamos e temos de passar pois esse desmando deste desgoverno filhote da ditadura.
Parabens Emiliano José por tudo companheiro em saber pessoas como vc esta do nosso lado da democracia sempre. 
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(Desembargador Renato Simões)

Emiliano José
4 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXIII

Na carta escrita para o amigo Sóstrates Gentil, Renato Simões revela ter sido Ludmilla a provocá-lo.
- Visite o site de Emiliano. Conte histórias de meu pai.
Em nome do Pai.
Ludmilla foi minha aluna.
Bem menina, a primogênita, então.
E ele resolveu então revolver sonhos de juventude.
Se soltasse, e daria um livro.
Foram tantos os sonhos, tantas histórias, ousadias de que só a juventude é capaz.
Volta no tempo, se vê jovem, ele e Sóstrates, a vida começando, família se constituindo, filhos nascendo, responsabilidades se multiplicando.
É momento do risco de ser fisgado pelos compromissos, amarras naturais, responsabilidades.
Momento de nos tornarmos iguais aos nossos pais.
Nada, a alegria da vida, embalados os dois por sonhos enlouquecidos, iam rompendo os grilhões, metendo a cara.
A velha Bahia pulsando no sangue, vontade, pressa de fazer tudo, encontrar tempo para não deixar a rotina trabalho-casa paralisá-los.
Não queriam ficar à frente de uma tevê comendo pipoca esperando a morte chegar.
Porra nenhuma.
Nada, meu caro amigo.
Metemos a cara.
Eu o esperava sair do jornal, e a noite era menina.
Era do teatro.
Duas amantes o perturbavam: jornalismo e teatro.
Sou testemunha de seu esforço: tentava atender as duas.
Paixão não é coisa de Deus, não.
Arrasta você, domina-o.
Loucura, então, quando duas.
Psicanalistas diriam: paixão é só uma de cada vez.
Ele contrariava o dogma.
E aí, o bicho pega.
Saído do jornal, a gente mergulhava nas noites, ensaio das peças até altas horas.
Fundamos o Tema.
Assim denominamos o Teatro de Máscaras da Bahia.
Você, nosso líder.
Foram tantas as montagens com você na direção.
Em "A bicicleta dos condenados", de Arrabal, será que você se lembra?, me recordo de George Fragoso Modesto Júnior, de Edvaldo e Antônia atuando.
Nos juntamos "Esperando Godot".
Nesta, eu atuava, quem diria, ator, culpa sua.
Eu, Antônia, De Sordi, Roberval.
Júlio Vilan na expressão corporal.
Éramos corajosos.
Fomos "Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, no Teatro Vila Velha, aqui na nossa Salvador, e em Aracaju.
Na capital sergipana, um sufoco, lembra?
A apresentação seria em dia de jogo da seleção brasileira de futebol...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Apaixonada por essas cartas de Renato Mário Simões
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara Ele está acompanhando as postagens aqui e lendo os comentários de vocês. Falou comigo, com muito carinho e admiração, sobre você e Carmela Talento, Moniquinha.
Emiliano José: Ludmilla Duarte Não estou sendo tão literal com a carta. Quem escreve, se atreve. Se houver equívocos ou exageros, ele pode atribuir tudo a mim.
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte eu imaginava isso, mas fica na moita.....Renato é um querido q aprendi a gosta através do meu amigo Toninho Lelis, cunhado dele, irmão de Isa, depois o reencontrei pelas mãos do meu cunhado Hélio Barná (faleceu há 2 anos), amicíssimo dele e com quem fui à solenidade de posse como desembargador. Escreve mais Renato, vai escrevendo que seu caro amigo certamente está adorando
Mônica Bichara: Tem alguma foto com ele ou dele, Renato Mário?
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Emiliano José
6 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXV

Mesa de bar é laboratório de criação.
Boêmia é coisa de artista.
E de jornalista.
Pode parecer senso comum, e é.
E por ser do senso comum, tem muita verdade nisso.
Na carta de Renato Simões a Sóstrates Gentil, a prova.
Muita coisa surgia no cardápio boêmio dos dois.
Encontravam-se depois da última reportagem de Sóstrates.
Às vezes, tarde da noite.
E caíam na buraqueira.
O pau comia
O mocotó de Paula, no final da Ladeira da Fonte Nova, subindo pra Nazaré, que delícia, não é, meu velho?
E a feijoada do Edésio, no Mercado das Sete Portas?
A gente lambia os beiços.
O feijão do Biu, no Cabeça?
Caíamos matando.
O caminhão da Castro Alves?
Uma lambança.
Tinha era noite, imensidão.
A noite, sempre menina.
Tinha era farra, e muita conversa.
Celebração.
Sim, tudo aquilo era celebração da amizade, eterna.
Ah, o Bar do Moreira, não podia esquecer.
E o memorável Raso da Catarina.
Deu até livro, tanta a fama, tanta história.
Entra em beco, sai em beco, e íamos redescobrindo a velha, amada Bahia.
Dois Quincas Berro D'água a perambular pela querida Salvador de antanho.
Bons tempos, querido amigo.
Não me saem da memória.
Vão nos chamar de saudosistas.
Que seja.
Lembro: você comprou um Fusca.
E lembro também: barbeiro igual, poucos.
Sabia nada de volante.
Foi parar dentro do Dique do Tororó.
Me explicou: o carro não afundou por causa do ar dos pneus.
Rimos muito.
Ainda ouço, ainda vejo aquela sua risada, envolvente, contagiante, menino rindo de travessura.
Mas, querido amigo, eu me preocupava muito.
Só de pensar em você ao volante, me dava arrepios, me deixava em sobressalto...
#MemóriasJornalismoEmiliano 
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(Renato Simões e Isa)

Emiliano José
7 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXVI

É, meu querido amigo, lembro de nossas conversas.
Tantas.
Às vezes, a gente filosofava.
Você, mais.
Houve um dia...
Renato Simões prossegue com sua carta, o diálogo com seu companheiro tão querido, Sóstrates Gentil.
Houve um dia de conversa sobre a vida.
Não me recordo se em mesa de bar.
Talvez.
Eu o observava muito
Amigo de verdade é assim.
Testemunhava sua ansiedade pela vida, pressa de viver.
Intrepidez de atitudes.
Arrojo.
Era decididamente um sujeito disposto a afrontar obstáculos.
Tinha sempre urgência em tirá-los da frente.
Gostava da vida.
Sabia: viver é arriscoso.
O jornalismo, com seu incessante vai e vem, a novidade diária, foi escolha de acordo com sua personalidade.
O teatro, um modo de exteriorizar suas angústias e sua capacidade criativa, maneira de se eternizar.
Demorou a ter um carro.
Creio: o primeiro foi o Fusca, quando já chegara aos 38 anos.
Talvez naquela mesa de bar você me disse tanta luta essa vida tanta luta minha vida que arrenego morte me pegar e me levar dormindo nada quero não só irei brigando com ela terá de me levar aos pedaços.
Nada de morrer dormindo.
Sorrimos, terminamos a cerveja, agora lembro, foi conversa de bar mesmo.
Fiz uma viagem com Isa para Belém do Pará, voltei extasiado, e lhe falei: todos deviam conhecer o Norte do País, a exuberância de nossas origens, florestas, rios, a influência indígena na culinária, nos costumes, nas artes, na cultura.
Seus olhos brilharam:
- Vou tirar umas férias e vou lá!
E foi.
Você, Pompéia, Ludmilla e Bartira.
O acidente o levou naquele janeiro de 1976.
Para sempre.
Nos sentimos responsáveis pelo seu legado.
Tentamos ser dignos dele.
Um abraço pra você, onde você estiver.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Forte pra caramba tudo isso, lendo emocionada
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Emiliano José
8 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXVII

Pela estrada, Sóstrates Gentil foi deixando amigos.
Curta tenha sido a vida, tão intensa, fez uma renca de amizades.
George Fragoso Modesto Júnior, uma delas.
Jornalista precoce, depois advogado, os três dividiam estrepolias - Renato Simões, Sóstrates Gentil e ele.
Recorda: quando em 1969 Samuel Beckett ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, ano seguinte Sóstrates Gentil e Pompeia, sua mulher, buscavam um exemplar de "Fim de Partida".
Não havia ainda tradução da peça, não era simples encontrá-la.
Dispôs-se a ajudá-los.
Vasculharam a Biblioteca dos Barris, recém-inaugurada, ele e Sóstrates.
Nada.
Retornam a pé, de mãos vazias, rumo à Piedade.
George Fragoso propõe: vamos passar na pensão de dona Lúcia.
A mãe de Glauber Rocha os recebe, e de pronto diz:
- Seu amigo está aí.
E irrompe Glauber, gritando:
- Maluquinho!
Nada da peça.
Desde esse dia, Sóstrates só o chamava Maluquinho, herança glauberiana.
O texto foi encontrado e a peça, montada, sob a direção de Sóstrates, já se disse.
Quando George Fragoso soube da disposição de Sóstrates e Renato Simões encenarem "O Homem do Princípio ao Fim", recebe o pedido de tentar a liberação da peça junto ao autor, Millôr Fernandes.
Iria ao Rio de Janeiro curtir a dor de ter perdido o vestibular.
Não custa, né? disse Sóstrates, dando-lhe endereço, telefone, tudo do rabugento Millôr.
Nada, nem rastro.
O homem não dava sinal.
Parecia um clandestino.
Numa dessas curtições de fossa em Copacabana, George Fragoso senta-se numa daquelas mesas ao ar livre, e pede um chope.
Antes de ser servido, um tapa nas costas:
- Porra, Maluquinho, o que faz por aqui?
Glauber durante a conversa pediu mais de um suco de laranja integral, e sempre repetia: integral.
Contou de sua missão não cumprida.
Glauber, sendo Glauber:
- Diga a Gentil que a peça vai ser liberada. Se não for hoje, amanhã.
E virou as costas.
Nem deu tempo para George dizer alguma coisa.
Dia seguinte, compra o "Pasquim", e lá estavam...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Muito bom!
Joaquim Lisboa Neto: Noites outonais melhorais com suas crônicas camarada
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(Advogado George Fragoso Modesto Júnior, amigo-irmão de Sóstrates Gentil)

Emiliano José
9 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXVIII

Dia seguinte à saída sem despedida de Glauber Rocha, George Fragoso toma seu café sossegadamente, passa na banca de jornais, toma do "Pasquim", leitura obrigatória da esquerda então.
Dá de cara com Glauber e Millôr falando dos últimos feitos deles.
Glauber, do "Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade", filme mais recente dele, considerado um dos 100 melhores filmes brasileiros pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema.
Millôr, da peça "O Homem do Princípio ao Fim".
Logo depois, recebe telefonema de Sóstrates Gentil.
Peça liberada.
Glauber convenceu o rabugento.
Amizade faz de tudo.
Os três mosqueteiros - e aqui eram três mesmo, não quatro, como os de Dumas - tinham um forte ponto em comum: o teatro.
A atividade teatral cimentou a amizade.
George Fragoso e Renato Simões estudaram no Colégio Severino Vieira, amizade antiga.
Claro, e conto, os dois também passaram pelo jornalismo.
Pero, apenas Sóstrates Gentil fez da atividade o ganha-pão.
Os outros fizeram do Direito caminho de sobrevivência.
Fragoso carrega a marca da precocidade.
Aos 13 anos, em 1962, estimulado por Glauber, estagia no Diário de Notícias.
Ele se aproximava dos mais velhos, das estrelas da época.
Não só de Glauber.
Também de Paulo Gil Soares, de Jheová de Carvalho, Djalma Correia, tantos outros.
Sempre com a máquina de filmar 8mm, presente da avó, relíquia preservada até hoje.
Com 15 anos incompletos, em 1963, já está apresentando o programa Rádio Repórter N26, da Rádio Emissora de Alagoinhas.
O pai, promotor, havia sido designado para o município.
Apresentava o programa ao lado de Carlos Navarro Filho, meu chefe mais tarde no "Estadão".
Aí fica até 1966.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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((Ludmila adolescente e os colegas do grupo "Caricaturetas", do Colégio Maristas, encenando a peça infantil "A Torre dos Bonecos Encantados", de Sóstrates Gentil)

Emiliano José
10 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXIX

Do jornalismo, pulou para o teatro.
George Fragoso não foi às cegas.
Talento, tinha.
Precisava de alguma formação.
Fez o Curso Livre de Teatro e Cinema, oferecido pela UFBA, Guido Araújo e Nilda Spencer à frente.
Desgraçou a produzir: roteiros, filmes.
"Recôncavo", parceria com Cícero Bathomarco, alcançou 11 premiações em diferentes festivais.
Ator em "Nem tudo que reluz é ouro", de Ailton Sampaio.
E na peça "A bicicleta do Condenado", de Fernando Arrabal, dirigida pelo amigo Sóstrates Gentil.
Tanta coisa até o Direito tomá-lo por inteiro.
Renato Simões, história parecida.
Passa pela militância do movimento estudantil, junto com George Fragoso no Severino Vieira e mais tarde na Faculdade de Direito da UFBA.
No colégio, atua em "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, peça montada por Roberto Bonfim.
No jornalismo, começa como rádio-escuta na Rádio Sociedade da Bahia.
Captava e redigia notícias para serem lidas por Manoel Canário, Gesil Sampaio, Zé Renato ou Reinaldo Moura, locutores.
Não era fácil.
Ouvir as notícias de meia em meia hora, datilografar, e ir passando adiante.
Fez amizade com Manoel Canário, a persistir até os dias atuais.
Dalva de Oliveira cruzou o seu caminho: morreu.
31 de agosto de 1972.
A "Rádio Globo" deu a notícia.
Ele não ouviu, não registrou.
Tinha ido ao sanitário.
Imagine: não dar a notícia sobre a morte da Rainha do Rádio?
Demitido.
Pega o caminho do Direito.
Manoel Canário, mais ou menos nessa época, o apresenta a Sóstrates Gentil.
Amizade se consolidou.
Sua vocação pelo teatro vem de casa.
A mãe, Alleluia Borges Simões, atriz, formação no Conservatório Nacional de Teatro do Rio de Janeiro, prima-dona de inúmeras operetas montadas na Bahia, integrante do Teatro dos Novos-Vila Velha, lhe deu régua e compasso.
Canta nos "Pequenos Cantores da Guanabara" quando morando no Rio.
Integra o elenco das operetas na Bahia.
Sóstrates Gentil o encontra ator pronto, e Renato Simões participa de tantos projetos com ele.
Os três mosqueteiros não se largavam.
Até a partida de Sóstrates em janeiro de 1976.
Na lembrança dos dois, ele permanece presente.
Daquelas pessoas destinadas, pudessem os dois assim seria, destinadas a serem eternas.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: A cada dia mais interessantes essas histórias de tantos personagens em volta de um. E pensar q esse capítulo seria curto.... já caminhamos para o XXX
Emiliano José: Mônica Bichara Pensei nuns três capítulos. Cresceu um pouco.
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(Ludmila adolescente e os colegas do grupo "Caricaturetas", do Colégio Maristas, encenando a peça infantil "A Torre dos Bonecos Encantados", de Sóstrates Gentil)

Emiliano José
11 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXX

Norinha é uma menina linda.
Feliz.
Brincalhona.
Um dia, sem quê nem pra quê, surge um bruxo.
Sorrindo seu sorriso de bruxo, carrega Norinha.
Toda assustada, coitadinha, Norinha é enclausurada numa torre.
Seu irmão ficou só, triste.
Angustiado.
Quer libertá-la.
Não sabe como.
Num sonho, uma fada aponta o caminho:
- Faça quatro bonecos.
Fez.
A fada os desencantou e os intrépidos bonecos o ajudaram a salvar a irmã do bruxo malvado.
"A Torre dos Bonecos Encantados" é peça infantil de Sóstrates Gentil.
Ludmilla, a filha primogênita, com 16 anos, primeiro ano colegial, foi uma das atrizes da peça, exibida pelo grupo "Caricaturetas", dirigido e integrado por alunas e alunos do "Colégio Maristas".
A estreia foi no dia 17 de novembro de 1987, e era a quinta montagem do grupo.
Ficou em cartaz até 22 de novembro.
Em nome do Pai.
Quanta emoção, não, Ludmilla?
Trabalhar numa criação do Pai.
Torná-lo presente.
Eternizá-lo.
Se uma coisa o animava na criação teatral, era falar com as crianças, invadir seus sonhos, transportá-los para o palco.
Na história do bruxo e dos bonecos encantados, trabalharam Bráulio Filho, Daniel Aragão, Fernanda Camacho, João Felipe, Josane Noronha, Eneida Dutra, Mérica e Erica Martins, Simone Assis, Patrícia Salume Merigueti, André Gedeon, Carlos Eduardo Baleeiro e Susan Camacho.
Figurinos, a cargo de Patrícia Moura, também contra-regra.
Música, Dilson Peixoto e Raimundo Aragão.
Diretor, Carlutti, 18 anos - Carlos Maurício Batista, ex-aluno do Maristas, fazendo Engenharia Elétrica.
O grupo já havia apresentado "O sonho não sonhado de Prequeté", de Orígenes Lessa, "As desgraças de uma criança", de Martins Pena, "A via sacra de Jesus da Silva", adaptação do grupo, e "Toda donzela tem um pai que é uma fera", de Gláucio Gil, até ali o maior sucesso do "Caricaturetas".
Ludmilla não quis continuar atriz.
Preferiu Jornalismo.
Em nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ludmilla Duarte: Era um bruxo. Vivido no palco por Daniel Aragao. As crianças tremiam de medo dele. 😂
Patricia Salume Merigueti: Patrícia não é Selma é SALUME.
Ludmilla Duarte: Patricia Salume Merigueti hahahahahaha! Ele tirou de um dos artigos publicados em jornais da época. Quem escreveu errou na digitação do seu sobrenome.
Ludmilla Duarte: Peia Souza, Carlos Mauricio Batista, Josane Noronha, Braulio Baptista, Deco Gedeon, Pat Camacho.
Deco Gedeon: adorei lembrar desse nosso momento.
Braulio Baptista: Ludmilla Duarte obrigado por compartilhar esse lindo tributo. O Caricaturetas é pra mim a mais linda memória dos tempos do Marista. Vocês todos foram figuras marcantes na minha vida. Nunca esquecerei de vocês e a vocês serei eternamente grato.
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista somos todos, sentimos igual
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista vamos fazer uma live no sábado dia 16 20hs horário de Brasília. Se quiser participar eu mando o link. Vale pra vc André
Braulio Baptista: Carlos Mauricio Batista quero muito!
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista bacana!!
Braulio Baptista: Tem que chamar também Maurício Esteves Marçal
Deco Gedeon: eba
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista ja chamei. Ele está refletindo sobre o assunto
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista vamos usar o zoom
Carlos Mauricio Batista: Mas temos um grupo no Whatsapp se quiserem participar me mandem seus telefones pelo Messenger André e Bráulio. Saudades de vcs.
Emiliano José: Jornalistas, nem sempre são precisos nos nomes. Chefe de reportagem, insistia muito: nunca erre nome. Mas, sempre havia erro. Fui copiar, deu nisso. Ainda erraram o sexo da bruxaria.
JoãoDude Costa: Que bela lembrança, Emiliano. Meu nome artístico na época era João Felipe, nem eu mesmo sei mais o motivo. Foi uma bela montagem. Uma curiosidade que me ocorre agora é que o crânio que eu usava pra estudar anatomia, já na UFBA, virou um dos elementos mais assustadores do castelo, cujo cenário ficou espetacular!
Emiliano José: JoãoDude Costa E você continua bruxo...
Ludmilla Duarte: Emiliano José Mas ele era um dos bonecos encantados.
Ludmilla Duarte: Só faltou incluir a iluminação de André Reis, outro que arrasou nos bastidores da peça.
André Reis: Lud, sejamos justos. Não fui eu, o iluminador. Afastei-me do grupo, quando entrei na faculdade.
Ludmilla Duarte: André Reis Vc não fez a iluminacão na Torre? Quem fez então? Eu jurava que foi vc. 
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Emiliano José
12 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXI

Ludmilla Duarte estava lá posta em sossego, em sua modorria na assessoria de Comunicação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.
Não, corretor, não é mordomia.
Modorria - vem de modorra.
Era chefe.
Foi sacudida para organizar celebração dos 40 anos da Codevasf, completados naquele 2014.
Elmo Vaz, presidente.
Pensou no Pai.
E pensou porque à mente lhe veio Ariano Suassuna, gênio a acompanhar o pai, a inspirá-lo, tantos livros dele em sua biblioteca.
Sóstrates Gentil era um admirador incondicional de Suassuna.
Recostou-se na cadeira.
Sonhou: auditório lotado, a voz com o inconfundível sotaque caipira-intelectual-nordestino, a contar histórias do Brasil sertão sertão Nordeste, a desancar o Império, esculhambar os USA, chamar o Brasil de Brasil, excomungar o Brazil.
E falar do sertanejo, Brasil profundo, arranhando a pele curtida caatinga adentro.
Ah, como seria bom uma celebração assim.
Seu Pai, tinha certeza, adoraria.
Suassuna, tudo a ver com a Codevasf, nascida para dar suporte ao sertanejo, antes de tudo um forte, o homem de Euclides da Cunha, capaz de afrontar todas as secas e tempestades, se entrega Corisco eu não me entrego não não sou passarinho pra viver lá na prisão não me entrego a tenente não me entrego a capitão só me entrego na morte de parabelo na mão, Codevasf das águas, das margens, do São Francisco, do Parnaíba, do Itapecuru, do Mearim.
Acordou.
Levantou-se da cadeira.
Não para desistir.
Danou-se atrás do sonho.
Deu ordens a torto e a direito.
Revirou céus e terra.
Infernizou a assessoria dele.
Suplicou.
Deu certo: Suassuna ia participar de um ato do STJ em Brasília.
Topou incluir a Codevasf na agenda.
No grande dia, leva três livros dele, herdados do Pai, para serem autografados.
Suassuna surpreende todo mundo.
Chega 30 minutos mais cedo.
Ele e a mulher.
Ludmilla, quase paralisada diante do gênio, pasma ao encará-lo em carne e osso.
Não sabia...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Sérgio Buarque de Gusmão: O livro cresce...
Emiliano José: Sérgio Buarque de Gusmão A ver
Sérgio Buarque de Gusmão: Emiliano José Era o que Samuel Wainer dizia antes de lançar o "best-seller"...
Mônica Bichara: Essa eu já sei, mas mesmo assim curiosa para ver a contação do mestre Emiliano José
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Fer Nandinha: Ludmilla Duarte morta! Você foi a melhor chefe que a Codevasf já teve. Deixou marcas na assessoria de imprensa dessa honrosa empresa. Deu brilho ao trabalho jornalístico. Respeitou como ninguém os beneficiários da empresa, dando voz aos nordestinos por meio dos programas de rádio e por meio das lindas reportagens pautadas e, muitas vezes produzidas, por você.
#Memoriasqueamolembrar
Emiliano José parabéns e obrigada pela lembrança.
Ludmilla Duarte: Dessa "modorria" aí eu lembro não! Kkkkkkkkkkkk! Quem me dera!!!!
Emiliano José: Ludmilla Duarte narrador é para lembrar o que a gente esquece...
Ludmilla Duarte: Elmo Vaz
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Emiliano José
13 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXII

Ludmilla, na boca, no gargarejo, diante do gênio...
Mas, vou pedir licença, paciência, e deixar Ariano pra logo mais.
Nada de se irritar.
Ele volta.
É cabra retado.
Não falha.
Falar um pouco dessa menina, né?
Filha de Sóstrates Gentil merece ser tratada com zelo.
Ainda mais seguindo a mesma estrada.
Em nome do Pai.
Estreia dela, novinha, novinha, verde verde, exalando juventude de 22 anos, foca, dá de cara com Vander Prata no "Jornal da Bahia", veterano, disposto a sacudir a garota, matar a fome dela por jornalismo, agora de verdade.
Treino é treino, jogo é jogo.
Já ouviram isso, né?
Agora, jogo.
De Vander, sei do talento.
Eu o tive como colega no mesmo "Jornal da Bahia", anos antes.
Pouca gente sabe.
Nós vínhamos de amizade desde 1967/68, eu militante totalmente dedicado, ele próximo, turma do Cedom.
Depois, cada um foi pro seu canto.
Saído da prisão, nos reencontramos na Bahia, jornalistas.
Ele, Jamir, Huguinho arribaram pra Salvador.
Se ele me ajudar, conto melhor isso mais tarde.
Chefe às vezes arrisca no limite com a juventude.
Estica a corda.
Acontecia em Salvador a III Cumbre Ibero-americana em Salvador, presença de Fidel Castro e a porra toda, idos de 1993.
Lídice da Mata, prefeita.
Dá um estalo na cabeça de Vander.
Mandar Ludmilla e a fotógrafa Angela Decânio procurar os mendigos presumivelmente afastados dos olhares dos visitantes pelo governo do Estado.
Puta pauta.
As duas, intrépidas, seguem para debaixo do viaduto do Politeama, atrás de maltrapilhos, sem-teto, mendigos.
Puta encrenca: viram-se subitamente cercadas pelos mendigos, com cara de poucos amigos, alguns com soqueiras nas mãos, não estavam a fim de conversa, nada de ser fonte, papo de branca, Ludmilla, sabe nada inocente, explicando, tentando dominar o terror, Angela abraçada à câmera querendo protegê-la, Ludmilla suavemente insistia, eles, nada, evasivos, só queriam as duas fora dali, nada de notícia no jornal, esparro, branco é cheio de armadilha, manda as mina e atrás depois das notícias vem os meganha...
Tá tudo bem, tá tudo certo, foi dizendo Ludmilla tentando acalmá-los enquanto se afastava sentindo furor nos olhos deles quase a dizerem que porra querem aqui essas meninas...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Vander Prata: Meu broder Emiliano José, paulista, nos conhecemos desde 1966, secundaristas parceiros de arte&política, zona norte da paulicéia, tempo de sonhos e porrada de milicos. Emi arribou pras bandas de cá antes de mim. Cheguei em 74. Nos reencontramos jornalistas em 78, no Jornal da Bahia na Barroquinha. Mas isto é pra outro papo. Me emocionei lendo esta lembrança da querida Ludmila. Prossiga, mano véi, esta moça tem é história.😘
Mônica Bichara: Foca passa por cada uma....Já contei aqui que passei por sufoco parecido, só que em vez de mendigos eram motoristas de táxi em greve, em assembleia num terreno vazio, putos por causa de um artigo de Arnaldo Oliveira no Jornal da Bahia contra o movimento. Até o fotógrafo era foca e acho que depois dessa nunca mais quis saber de reportagem, porque sumiu. A proposta da assembleia era se eu deia ou não COMER o jornal com o bendito editorial. Fui salva por um grupo que me deu proteção pra sair, enquanto os outros chutavam o carro de Azambuja
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte TB fiquei assim na hora kkkkkk
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Emiliano José
14 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXIII

Ludmilla Duarte foi se saindo assim de fininho, devagar devagarinho, Ângela Decânio também, não tirava os olhos daqueles homens de olhos furiosos, medo, muito medo, andando de costas, até sair do Politeama, e cair no mundo.
Que porra de pauta.
Só agora se dava conta do risco.
Medo - o medo é um sentimento terrível.
Aprendeu ali.
Aprendeu até a controlar o medo.
Um pouco, mas controlou.
Passado o terror, a caminho do "Jornal da Bahia" lembrou de uma aula de história.
Rio de Janeiro.
O senador Pinheiro Machado, 1915, vinha chegando em sua carruagem ao Palácio do Conde dos Arcos, sede do Senado então.
Surpreendeu-se com a multidão aglomerada em frente ao palácio, furiosa porque ele havia imposto o nome de Hermes da Fonseca como senador pelo Rio Grande do Sul. Abriu a cortina, e avisou o cocheiro:
- Preste atenção: nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo.
Foi mais ou menos como agiu.
Instintivamente.
Saíram inteiras.
E Ângela, com sua máquina, incólume.
O couro vai engrossando com essas experiências.
Traumas são parte da vida.
Mas, no calor da hora, nada é simples.
Chegou trêmula à redação.
Chorava muito.
Rita Borges, editora de Cidade, amparou-a em silêncio, companheirismo a toda prova, ouviu tudo, e entrou furiosa na sala de Vander Prata.
Dava pra ver de fora do aquário, a indignação de Rita.
A pauta fora dada por ele, não por ela.
Passado o trauma, enxugadas as lágrimas, dominada a tremedeira, Ludmilla agradece hoje tanto a Rita pelo carinho e instinto de proteção com a repórter novata, quanto a Vander pelo batismo de fogo.
O que não mata fortalece.
Se quis jornalismo, aguente o tranco.
Parecia ouvir a voz de Sóstrates Gentil.
Seguia em frente.
Em nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Carmela Talento: Emiliano José o coro vai engrossado com essas experiências
Ludmilla Duarte: Carmela Talento Acho que ele quis dizer couro mesmo, Carmelita. De couraça. Casca. Foi o caso. 😂
Carmela Talento: Ludmilla Duarte eu também quis dizer couro, faltou o u kkkk.
Mônica Bichara: O que não mata fortalece é de lascar 🤣😅😅 mas é bem assim mesmo. E segue Em nome do pai
Emiliano José: Mônica Bichara Meu pai dizia o que não mata, engorda. Quanto à comida.
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(Ludmila realizando o sonho de ter o autógrafo de Ariano Suassuna)

Emiliano José
15 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXIV

Cá pra nós: nem ela acreditava.
Como se precisasse se beliscar.
Como se sonho.
E era.
Realizado..
Ariano Suassuna estava ali.
Em carne e osso.
Dramaturgo, romancista, ensaísta.
Poeta.
Amante da cultura nordestina.
Idealizador do Movimento Armorial.
Ludmilla Duarte tentava se equilibrar.
Tomar tenência de si.
Era ele: o autor do "Auto da Compadecida", "O Romance da Pedra do Reino", "O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta".
Enquanto tentava se equilibrar, pensava no Pai.
Sóstrates Gentil era admirador incondicional de Ariano.
Tinham muita coisa em comum.
Suassuna fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco, nos anos 1940.
Era do teatro, também.
Ludmilla, caindo em si, perguntava-se antes da entrada dele em cena: devo ou não abracá-lo, beijá-lo?
Veio o rompante: abraçou e beijou.
Com gosto.
Você sabe o que é tiete?
Emoção à flor da pele.
- Não é todo dia que a gente conhece um gênio assim em carne e osso.
- E ainda toca e fala com ele.
Na primeira fileira do auditório da Codevasf, em Brasília, trocou algumas palavras com ele.
Nas mãos, livros de autoria dele, herdados da biblioteca do Pai.
Ele, aquela gentileza desabrida, nordestina, tomou-os das mãos dela, olhou, folheou páginas tão conhecidas, acariciou-os, quase agradece por tê-los trazido, e se pôs a autografá-los.
Só aí perguntou meu nome.
Adorou: nome russo.
- De onde você é?
- De Salvador - respondeu Ludmilla.
Filha tiete, anuncia logo:
- Meu pai era teatrólogo.
Foi assim a aproximação com a obra dele, os livros à mão desde cedo - apressou-se em explicar, feliz com a conversa.
Ele assuntando, atencioso, curtindo os dois dedos de prosa.
- Quem é seu pai?...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jose Jesus Barreto: Emiliano, querido: traído pelo corretor burrinho, saiu Auto da Comparecida (rrsrs) ao invés de Compadecida. Corrija, please, pra não macular o bom texto. bjs.
Emiliano José: Jose Jesus Barreto esse corretor é a porra... Ainda bem que você existe...
Emiliano José: Jose Jesus Barreto Ainda bem que você compareceu...
Jose Jesus Barreto: Emiliano José compadecido rsrsrs
Jorginho Ramos :Jose Jesus Barreto é o corretor dos corretores !
Emiliano José: Jorginho Ramos Ainda bem existe... O uso do cachimbo faz a boca torta... Ele continua chefe de todos. Por merecimento.
Jose Jesus Barreto: Emiliano José “ Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada na minha garganta”.
·        “Eu adormeço às margens de uma mulher. Eu adormeço às margens de um abismo”.
(fraseados do escritor Eduardo Galeano, do livro "Mulheres")
Emiliano José: Jose Jesus Barreto Belo sonho, alentadora.
Péricles Bomfim de Carvalho: Fui à noite de autógrafo do livro Lamarca, acompanhado de meu sobrinho chamado Lamarca. Você estranhou quando revelei a quem dedicar aquele autógrafo, e comentou com Oldack, sobre a coragem do pai, ter registrado o filho com aquele nome.
Emiliano José: Péricles Bomfim de Carvalho Qual lançamento? O de 1980? Ou o de 2015?   
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Emiliano José
16 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXV

Ludmilla Duarte havia se aproximado de Ariano Suassuna desde muito nova, bisbilhotando a biblioteca do pai.
Diz isso a ele durante a conversa.
Pai jornalista e teatrólogo.
Ele, então, atento, educado, civilizado, pergunta:
- Quem é seu pai?
- Ah, você não deve tê-lo conhecido. Ele morreu ainda jovem, em 1976.
Ele não desiste:
- Menina, está certo. Mas diga o nome dele. Quem sabe...
- Sóstrates Gentil.
Ariano Suassuna abriu um largo sorriso:
- Claro que conheci.
Susto: Ludmilla leva um susto:
- Claro que conheci. Ele era muito amigo de Joca, de quem eu era muito amigo também.
Joca apresentou Sóstrates Gentil a Ariano Suassuna.
- Conheci, sim, reafirmou.
Acabou o mundo.
O gênio conhecia o Pai.
Não cabia em si.
Uma palavrinha: falamos Joca.
O leitor não tem obrigação de saber quem era ele.
João Carlos Teixeira Gomes é um dos mais notáveis jornalistas brasileiros.
Foi figura destacada do "Jornal da Bahia", seu redator-chefe durante muitos anos.
Tornou-se ainda mais famoso quando da luta do jornal contra ACM.
A fúria do déspota desabou sobre Joca e o jornal.
Foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, enfrentou o processo, encarou os juízes militares na Auditoria Militar, e foi absolvido.
ACM era mais real que o rei.
Seu autoritarismo suplantava o da própria ditadura - esse mérito ninguém lhe tirará.
E Joca é um dos maiores conhecedores de Glauber Rocha, sobre quem escreveu "Glauber Rocha, esse vulcão".
Tudo isso solidificou a amizade entre Sóstrates Gentil e ele.
Volto: Ludmilla viveu um dia glorioso, inesquecível.
Uma das maiores façanhas de sua trajetória como jornalista.
Em nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Fer Nandinha: Amei. Não consigo parar de ler. Excelente narrativa 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼🤬
Mônica Bichara: E Joca, por onde anda Emiliano José? Taí outro que pode levar essas memórias de Sóstrates adiante
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(Ludmila com o amigo jornalista Adilson Borges e Ben, filhinho dele)

Emiliano José
17 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXVI

Dez meses no "Jornal da Bahia".
Foca é experiência única.
Ludmilla Duarte saíra da Universidade.
E como disse antes: treino é treino, jogo é jogo.
Agora, jogo.
Foca treina pouco.
Logo é chamada pro jogo.
Vai receber bola redonda e bola quadrada.
E nada de reclamar.
Entrou em campo é pra jogar.
Já contei: Barretinho, chefe de reportagem, olhando minha primeira matéria, 45 anos atrás, "jogador a gente conhece no arriar das malas", eu feliz feito pinto no lixo.
Futebol é metáfora de mil e uma utilidades.
Aqueles dez meses valeram uma Universidade.
Claro: sabe o valor do estudo acadêmico.
Está até hoje nas lonjuras de Vancouver dando duro pra terminar o Mestrado.
Mas, nada substitui a experiência.
Viriam outras, mas aquela lhe deu régua e compasso.
E aparece Nice Melo e a leva para o "Bahia Hoje".
Meados dos anos 1990.
Editoria de Política, a lhe recordar com intensidade Sóstrates Gentil, quanto mais porque trabalhando ao lado de Ivan Carvalho, tão amigo de seu Pai.
Guarda enormes lembranças daquela redação.
Na cobertura da Assembleia Legislativa, ganhou jogo de cintura a fazer inveja a Carla Peres.
E estreou greve: 33 dias, talvez a mais longa do jornalismo baiano.
Conheceu ali os melhores amigos de sua vida: Adilson Borges e Paulo D'antão. Marília Pessoa veio de brinde.
Uma renca de demissões.
Se vira: assessora, em momentos diferentes, Arnando Lessa, Maria Del Carmen e Edson Duarte, deputados estaduais.
Foi outro rico aprendizado: Maria presidia a Comissão de Defesa da Mulher, Duarte lidava com meio ambiente.
Uma riqueza de novas ideias.
Perdeu os pudores de ser assessora de imprensa, se tinha algum...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jose Jesus Barreto: Lá no Bahia Hoje, onde comandei nos primeiros tempos a reportagem, foi que a conheci. Anos 90
Emiliano José: Jose Jesus Barreto Esta, e tantas outras equipes.
Mônica Bichara: Barretinho, vc está me devendo fotos para as suas memórias. Cesio Oliveira tb, enrolados
Mônica Bichara: A melhor parte: "...jogo de cintura a fazer inveja a Carla Peres...." kkkkkk Essa confesso que foi inesperada, esse contador tá saindo melhor do q a encomenda. Na greve do Bahia Hoje também foi quando conheci melhor Ludmilla Duarte. Eu estava na diretoria do Sinjorba e todos os dias qdo saía do trabalho ia pra lá, eram assembleias diárias na porta do jornal
Jose Jesus Barreto: Mônica Bichara na greve eu já estava fora.
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(Ludmila e a jornalista amiga-irmã-comadre Adelyne Lacerda)

Emiliano José
18 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXVII

Raimundo Lima, redator-chefe da "Tribuna da Bahia" convidou-a.
Passa a dividir-se entre a Assembleia Legislativa e o jornal.
Ludmilla Duarte voltava à antiga casa do Pai.
A última casa de Sóstrates Gentil.
Pauteira, a competente e serena Mara Campos.
Encontrei-a copidesque quando cheguei ao "Jornal da Bahia", em 1975.
Foi uma fase rica, um enorme aprendizado.
A "Tribuna" não alisava o governo.
Ludmilla tomando injeções de jornalismo investigativo na veia.
Depois de meia dúzia de reportagens investigativas, uma juíza ameaçando-a de processo, é convidada para integrar a assessoria de Comunicação do governo do Estado.
Vacila um pouco, mas aceita.
Passa seis anos na Agecom.
Teve o privilégio de conviver e aprender muito com Fernando Vita, o chefe.
Era também copy quando cheguei ao "Jornal da Bahia".
Na Agecom, conhece sua comadre, amiga-irmã, Adelyne Lacerda.
Onde estejam, Salvador ou Vancouver, estão sempre juntas, irmãs, amigas, companheiras.
Esse trabalho, outra escola:
- Nenhuma leitura sobre desigualdade e injustiça social substituiria o tête a tête que tive com o Brasil profundo, mergulhada por dias a fio em confins do meu Estado, populações inteiras sem água e sem energia elétrica em pleno século XX.
Viveu vidas secas, rememorou Graciliano Ramos, a cadela Baleia, Fabiano, Sinhá Vitória, a seca castigando o sertão e suas gentes, pensou no Conselheiro e sua guerra do fim do mundo - o fim do mundo era aqui.
Camisa do trabalho durante o dia.
Sofrimento, indignação no fim do expediente.
Conheceu de perto a vida do povo baiano.
Nesses dias, no contato com as trabalhadoras, os trabalhadores, os meninos, as meninas, lembrava-se intensamente do Pai e seu ideal comunista.
Dividir a terra, repartir o pão.
Distribuir a renda.
Mudar o mundo.
Socialismo.
Estivesse longe, era sonho pra ser sonhado - o Pai sempre lutou por tudo isso.
Morreu sem abrir mão desses ideais.
Tentava, tenta ser digna deles.
Em nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ana Vieira: Emocionante relato!
Ludmilla Duarte: Fernando Vita
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Ludmilla Duarte: Mara Campos
Mônica Bichara: Em nome do pai, uma grade história. Caminhando para 40 capítulos de pura emoção
Adelyne Lacerda:  
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Emiliano José
19 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXVIII

Pois é, ela andou.
Mais que notícia ruim.
Ludmilla Duarte chefiou uma assessoria atrás da outra.
Jaques Wagner, Sudic, Seplan.
Em 2006, casa-se pela segunda vez.
Arribou.
Ganhou o mundo no mesmo ano com o marido.
Queria manter-se ativa na Comunicação.
Consegue vaga não-remunerada na Organização dos Estados Americanos.
Escrevia artigos do website em Português.
Chegou a mandar do Chile algumas contribuições para a "Tribuna da Bahia".
Estava em Santiago quando Pinochet morreu.
10 de dezembro de 2006.
Acompanhou tudo ao vivo e a cores
Um tirano partia.
Um assassino cruel.
Marionete dos EUA.
Em 2008, Brasília, de volta.
O jornal "A Tarde" a contrata como correspondente.
Quatro anos na cobertura do Congresso, ministérios, o que rolasse.
O deputado Afonso Florence, do PT da Bahia, assume o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a convida para assumir a chefia da Assessoria de Comunicação.
Tremeu.
- É barril. Não dou conta - pensou.
Mas aceitou.
Surpreendeu-se com seu desempenho: estava pronta, a caminhada anterior lhe dera traquejo para qualquer tarefa na área.
Dali, para a Codevasf.
Em seguida, Ministério da Saúde.
Volta à Codevasf.
Agora, Vancouver.
Marido é embaixador...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Fer Nandinha: Ludmilla Duarte saudades
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Ludmilla Duarte: Adilson Borges
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Emiliano José
20 de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXIX

Vancouver é momento de estudar.
Aprimorar o arsenal teórico.
Ludmilla Duarte faz Mestrado em Política Pública e Administração com foco em Liderança para Transformação Social.
Não sossega.
Gostou da ideia de novinha ainda rememorar a existência.
Quando puxa pela memória, o filme da vida, parece tudo ter sentido: a mãe, a biblioteca em casa, Suassuna nas prateleiras, Suassuna na Codevasf, a caminhada profissional, redações, governos, gente, a gente brasileira, que saudade, esse grito aqui dentro de querer fazer a diferença, às vezes escrevia e queria chorar, chorava, parava, a lembrança do Pai...
O Pai morto naquele longínquo e tão perto janeiro de 1976, no acidente, capotamento...
Pai, pai querido, houve momento de afasta de mim esse cálice cale-se, é, eu senti raiva.
Senti raiva por muito tempo.
Às vezes, ainda sinto.
Foram cinco minutos somente.
Ou dois.
Ou menos de um, sei lá.
Mas esse indecifrável tempo fez uma diferença danada, Pai.
A diferença de uma vida inteira.
A minha vida inteira.
Pela primeira vez lhe digo isso.
O carro capotando aquela sensação esquisita de não saber se a gente está ali mesmo ou se está sonhando.
Vertigem.
Eu, Pai, quatro anos de idade somente, levantei na beira daquele despenhadeiro, no meio do nada, de uma estrada sem fim, olhei:
Minha mãe no chão, eu desnorteada...
Aqueles dois caras, anjos?, correndo em nossa direção, jogam todos no carro deles.
Nem sei como lhe resgataram, meu Pai.
Como o tiraram lá de baixo, da ribanceira.
Nem como socorreram minha irmã.
Já espremi a memória, e não consigo lembrar.
Lembro, isso lembro:
Olho para trás e vejo o carro de portas abertas, os limpadores de parabrisa funcionando, trabalhando, pra lá pra cá, indiferentes a tudo.
Tenho, isso guardo, Pai: os flashes do hospital para onde os anjos levaram a gente.
Na maca - retive a imagem de você sendo levado.
Me enrolaram num cobertor, toalha, sei lá.
Gritava enquanto davam pontos na batata de minha perna.
Só isso, meu Deus?...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Adilson Borges: Foi no ano que entrei na escola de comunicação, em 1976. Me lembro vivamente da matéria sobre o acidente na Tribuna da Bahia...
Mônica Bichara: Nossa! Como não se emocionar.....E pensar, Adilson Borges, que anos depois vc viria a ser um grande amigo daquela menininha...
Adilson Borges: Pois é, pensei nisso!
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Emiliano José
21 de maio 2020
Sóstrates Gentil XL

Só isso, meu Deus?
Esta a pergunta de Ludmilla Duarte na inocência dos seus quatro anos diante do cenário à sua frente.
Diz isso na carta a Sóstrates Gentil, o Pai.
A última imagem foi ele sumindo sumindo sumiu levado na maca para não mais voltar.
Só isso, meu Deus?
Meu pai, morto.
Minha mãe, quebrada.
Minha irmã, em coma.
E eu?
Fadada a uma cicatriz boba abaixo do joelho?
Os flashes assomam intrusos e confusos à memória.
Aparece seu irmão, meu Pai, aparece tio Luís.
Me coloca num avião pra Salvador.
Adoro tio Luís.
Ele tinha uma cachorrinha pequinês chamada Tula.
Não, meu Pai, não lembro o tempo passado com eles, se dias se semanas.
Tia Conceição, tão amorosa.
O cozido dela era delicioso, até hoje me recordo.
E eu, meu Pai, às vezes, dava trabalho: um dia fiz birra porque queria ir pra casa de tio Lelo ficar com Isabela e Acácia, minhas primas.
A gente calibra de idade e já brincávamos juntas todo final de semana desde que nascemos.
Minha mãe, você sabe, Pai, sempre foi muito agarrada com os irmãos.
Recordo: tia Myrian foi me ver um dia.
Me abracei forte com ela, desejo de não mais soltar
Chorei, chorei muito, chorei alto, abraçada com ela.
Eu vi, ninguém sabe, eu vi: ela chorava enquanto alguém fechava o portãozinho pra eu não correr feito maluca pela rua atrás dela.
Vocês dois, ela própria me contou, disputavam goiabada na cozinha.
Feito crianças.
Queria, isso queria, ter visto os dois fazendo graça ao longo da vida - ela é tão engraçada.
Por muito tempo, meu Pai, achei nunca mais...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Emiliano José, Em nome do Pai (Ludmilla Duarte), Em nome do Amigo (Renato Mário), Em nome do Mestre (Helô Sampaio)... tornando-se uma verdadeira terapia, tantos reencontros...e nosso protagonista segue recebendo notícias do mundo de cá...
Emiliano José: Adelyne Lacerda
José Ricardo Matos: Belo texto, mesmo que triste.
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Emiliano José
22 de maio 2020
Sóstrates Gentil XLI (final de pequena pauta de uma linda história)

Ludmilla Duarte passou anos com a certeza de nunca mais voltar ao Pará.
É, meu Pai, não queria nem pensar em pisar ali de novo.
Era muito duro.
Não, nem pensar.
Mas um dia, o marido, tenho certeza você gostaria dele, veio com jeito, me convenceu.
Por que não?
Encanto de lugar.
Belém.
Deslumbrada com o Mercado Ver-o-Peso.
Aqueles caboclos fortes.
Riso aberto.
Vendendo não sei quantos trocentos tipos de farinha.
Didaticamente, pacientes mestres, explicavam pra gente a natureza de cada uma.
Eu, deslumbrada: tanto conhecimento acumulado.
O Brasil não conhece o Brasil.
Gostei, meu Pai.
Compreendi sua viagem.
Gostei dos caboclos.
Gosto de gente brasileira com cara e jeito de povo resistente, resiliente - esta, palavra da moda.
Tostados do sol.
Vitaminados por aquele peixe frito com açaí no café da manhã.
Atravessamos o rio Tapajós de lancha e demos em Alter-do-Chão.
Quase fico grata por ter sido o Norte o último lugar que você conheceu antes de ir embora, você que havia dado o nome de Bartira à sua segunda filha.
Flashes, meu Pai, menina, muito menina, só flashes.
Nada de lembranças arrumadinhas.
A casa cheia de amigos, você barulhento e alegre.
Por que de diabos partir tão cedo?
Lembro você dormindo com os braços abertos, roncando alto, eu vinha te acordar sentando sobre sua barriga.
De assistir uma, uma somente, de suas peças infantis.
No cenário, um baú, e em algum momento Pinho entrava no baú - vá entender, mas lembro de Pinho, que coisa.
Chega, meu Pai.
Meu rosto está inchado.
Professor Emiliano esticou demais essa corda.
Quem sabe escreva outras cartas depois.
Agora, não consigo mais.
Sua filha,
Ludmilla.
#MemóriasJornalismoEmiliano

Emiliano José: Agliberto Lima Manu Dias
Mônica Bichara: Como não ficar de rosto inchado num diálogo desse, Lud? Só emoção, em nome do pai. Ainda mais com o mestre Emiliano José esticando essa corda com tanta habilidade....Nossa, sem fôlego. Me mande fotos suas tb pra edição do pilha (www.moncabichara@gmail.com). Quantas vc tiver com ele
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(Com a filha Luma)


( Legenda de Ludmila: No canto direito meu avô Gentil, pai de meu pai. À esquerda minha avó segurando a mão de minha prima Suzana, hoje doutora em História pela USP e professora da UNEB. Ao lado de minha avó, meu tio Luis, irmão de meu pai. O outro é um professor de tio Luis. Foi na formatura dele em Engenharia Civil na UFBA. Eu provavelmente não tinha nascido, minha prima é 6 ou 7 anos mais velha que eu).

(Legenda de Ludmila: Nessa foto, dois amores da minha vida. Minha vó Didi e minha filha Luma, bisnetinha)

(Com a amiga jornalista Suely Temporal)

Comentários

  1. Maravilhosa essa série! Essa abertura sua comadre é um convite irresistível para quem não acompanhou na página FB de Emiliano. Ou mesmo para quem viu, mas não com a atenção merecida, a percepção dos detalhes. Obrigada , Emiliano, por nos proporcionar essa oportunidade de conhecer um pouco sobre Sóstrates Gentil e ainda esse reencontro com colegas admiráveis, como Ludmila e outros tantos que interagem nas suas publicações ou também viraram suas personagens.

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  2. Sobre Ivan Carvalho, que também foi nosso editor (né Mônica?), senti muita saudade dele lendo essas memórias. Era sério sim, honestos com as suas convicções, mas muito engraçado também. Eu ria muito com Ivan, extremamente desligado, encafifado com seus pensamentos , conjecturas e coisas e tais.. por essa característica também colecionou "causos" hilários, como o dia que levou para casa as laudas com as notas da Coluna Raio Laser, da Tribuna da Bahia, depois de diagramadas. Lá para tantas tarde da noite, a coluna não tinha descido para iniciar o processo que acabaria na impressão. Precisaram ligar para casa dele para saber do sumiço das notas e só então nosso editor se deu conta da distração ( KKKKKKK)

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    1. Verdade Jô, Ivan era uma figura. Sempre respeitou nosso trabalho, vivia pedindo notas pro Raio Laser, me chamava de comunista kkkkk Só achei essa foto dele, se alguém tiver mais é só mandar que incluo

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    2. Ivan era engraçado mesmo! Vcs sabiam que ele acreditava (de verdade) na existência de fadas e duendes? E que tinha planos (esses não sei se tão firmes) de se mudar pra Chapada Diamantina, pois dizia que seria um dos poucos lugares a não ser atingido pelo apocalipse, que ele acreditava estar próximo?

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    3. O comentário acima, sobre Ivan, é de Ludmila Duarte. Ivan dava um excelente personagem, de direita assumido e vivia rodeado de comunistas ou, pelo menos, esquerdistas kkkkkk Figuraça

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Comentário acima de Isabel Santos

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  5. Vou repetir no Pilha, o comentário que fiz no face.
    Estou maravilhada com a história de Sóstrates Gentil. Muito emocionante, rica, bela...esse resgate, que envolve tantos colegas, tantas pessoas. Emiliano José se supera a cada capítulo da sua série. Nos leva a muitos bons sentimentos, aprendizado, lembranças, saudade... Levei mais de uma hora lendo toda a edição, como sempre impecável, amiga Mônica Bichara (acho que Emiliano não consegue marcar meu nome por eu não estar como amiga dele na página onde ele posta a série). Parabéns Ludmilla Duarte por seu pai, por você, essa profissional ímpar, que superou, encarou, revolucionou... e se mantém íntegra na profissão, buscando ampliar os conhecimentos para oferecer muito mais ao cidadão brasileiro. Pai e filha honram o nosso Jornalismo. A cada dia, tiro o meu chapéu pra você, querido Emiliano José. Ganhei meu sábado. Avante!

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    1. Que bom, Bebel, que você ganhou o dia lendo o Pilha. Pois é, Emiliano aprontando muita emoção

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