Por Ludmila Duarte, Helô Sampaio, Renato Simões e George Modesto a
homenagem ao jornalista
Não conheci o
protagonista deste episódio da série #MemóriasJornalismoEmiliano, mesmo porque
quando ele faleceu, em 1976, aos 39 anos de idade, eu ainda nem estava na
faculdade de jornalismo. Mas tive um primeiro contato com o nome Sóstrates Gentil quando cobria a
Assembleia Legislativa para a Tribuna da Bahia. Vice-presidente do Comitê de
Imprensa (a presidente era Malu Fontes), despertei o interesse em saber quem
era o jornalista que dava nome à nossa sala. Foi quando conheci um tantinho,
bem resumido, do perfil de Sóstrates. Destaque para seu senso de justiça e
defesa dos direitos humanos. E foi quando fiquei sabendo que era pai de uma
colega querida, ainda novinha na profissão, Ludmila Duarte.
Mas nada comparado
a essa aula que o mestre Emiliano José
nos dá aqui sobre esse personagem fantástico de uma fase, infelizmente muito
curta, do jornalismo baiano. E para contar essas memórias o autor se valeu de
depoimentos emocionantes, não só da filha Ladmila, que tinha apenas 4 anos
quando ele se foi em um trágico acidente de carro, mas também da jornalista/professora
Helô Sampaio, que formou gerações (inclusive a mim) mas na época era “foca”
engatinhando nas redações, e dos amigos-irmãos Renato Simões, hoje desembargador, e o advogado George Fragoso Modesto Júnior.
Renato, que por
coincidência conheci bem jovem, por ser cunhado de um amigo querido, Toninho
Lélis, nos proporcionou momentos de emoção ao decidir escrever uma carta ao
amigo distante. Contou notícias nem um pouco agradáveis do mundo de cá, como
o Brasil mergulhado num retrocesso político inimaginável, correndo até mesmo o
risco de retorno à ditadura por um desgoverno fascista. Certamente Sóstrates
gostou mais das lembranças dos tempos de aventuras em busca de apoio para as peças de teatro que escrevia. Mais feliz ainda ao saber, pela própria
filha Ludmila, que ela deu vida a seus personagens na escola secundarista.
Em nome do pai!
Em nome do pai!
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Emiliano José
12
de abril 2020
Sóstrates Gentil I
Eu
vinha chegando.
Era
início de minha jornada jornalística.
Mal
arriava as malas nas redações, um ano e pouco, e ele partiu.
Morria
num acidente em 23 de janeiro de 1976, aos 39 anos, durante viagem de férias
com a família pela região Norte do Brasil.
Única
vítima fatal do acidente.
Mal
o conheci.
A
vida tem dessas coisas: pessoas passam e a gente só vai descobrir o significado
delas após a partida.
Este,
o caso.
Para
mim, uma referência, olhada à distância.
Rapidamente,
relembro.
Duas
ou três linhas de homenagem a um bravo jornalista, não mais.
Outros
completarão.
Escassos,
os elementos à mão.
Nasceu
dez anos antes de mim, 1936.
Em
Laranjeiras, Sergipe.
Sóstrates
Gentil Alves de Souza, filho do telegrafista Gentil Martins de Souza,
experimentava mudanças constantes.
Até
desembarcar em Salvador no ano de 1947, ele e toda família.
Chegou
a começar Direito, por insistência do pai.
Adiantou,
não.
Direito
não era sua praia.
Em
1968, gradua-se em Filosofia pela UFBA.
No
ano de 1970, casa-se com Maria de Pompeia Duarte Santana, hoje professora
aposentada da UCSal.
Do
casamento, duas filhas: a jornalista Ludmilla e a economista Bartira.
Escadinha:
Ludmilla nasce em 1971, Bartira, 1972.
Desde
cedo, foi atraído pelo jornalismo.
Começou
no "Jornal da Bahia",1961.
Passou
pelo "Diário de Notícias" e jornal "A Tarde".
Sempre
como repórter de Política, paixão.
Na
"Tribuna da Bahia", seu último porto, chegou a subeditor de Política,
encarregado da coluna "Raio Laser".
Na
"Tribuna", assinava, ainda, coluna de crítica teatral.
O
teatro, outra de suas paixões.
Em
1976, pouco antes de morrer, recebeu o prêmio "Quintino de Carvalho",
atribuído pela Assembleia Legislativa ao jornalista com a melhor cobertura do
ano.
Não
era um indiferente, não se queria distante das coisas do mundo.
Comunista.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Nossa Emiliano
José, que coisa boa. Sempre quis conhecer a história de Sóstrates, tratado como
uma lenda do jornalismo baiano. Não sabia que tinha desaparecido tão cedo. Bela
homenagem, né Ludmilla Duarte? Separe fotos para me mandar, amiga, como os
demais capítulos da série #MemóriasJornalismoEmiliano este tb será editado para
o Pilha Pura
Emiliano José: Mônica Bichara
Nesse caso, tenho pouca coisa. Dois ou três capítulos. Sério. Mas não quis
deixá-lo de lado.
Emiliano José: Ludmilla me deu
o que pôde. Era muito criança quando ele morreu. Tomara surjam contribuições.
Beijo
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara,
não tenho fotos aqui comigo, vou ver o que consigo te passar daqui. 😘
Ludmilla Duarte: Emiliano José ,
Helô Sampaio tem ótimas histórias dele, inclusive a do dia que ele caiu de
carro no Dique do Tororó, que é ótima...!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
sou repórter antigo. Corro logo atrás. Já ouvi. Ontem.
Ludmilla Duarte: Emiliano José Eu
te contei a dia dia que Ivan foi buscar ele na sede da PF, onde levaram ele pra
"explicar" um artigo? Se nao, te mando por email.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Não contou. É preciosidade. Vá se abrindo, vá.
Emiliano José: Puxe mais pela memória.
Você é novinha. Esqueceu nada. Ainda.
Emiliano José: Mande logo.
Emiliano José: Por aqui mesmo.
Emiliano José: Beijo
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte
Valeu Lud, mande para ilustrar a postagem. O máximo q vc conseguir
Ludmilla Duarte: Chorei aqui. 😥
Ludmilla Duarte: Obrigada,
professor. 💕💕
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13
de abril 2020
Sóstrates Gentil
II
Tudo
é mistério.
Foca
olha de soslaio.
Querendo
saber de tudo, como se não quisesse.
Foca
era sempre gente jovem.
Meu
caso, não.
Ditadura
me deu quatroentena.
Entrei
1970.
Saí
1974.
Cana
dura na "Lemos Brito".
Tinha
então 28 anos quando comecei na "Tribuna da Bahia".
Moçada
foca estava na casa dos 20, 20 e pouco.
Ficava
olhando.
Editoria
de Política.
Meu
não tão obscuro objeto de desejo.
Sabia
ser cedo.
Estava
saindo das fraldas no jornalismo.
Teria
de esperar.
Via
Ivan Carvalho, o editor.
De
poucas palavras.
Educado.
Gentil.
Não
propriamente simpático.
Chegou
a me dizer uma vez de suas preferências políticas.
Era
de direita.
Mérito
declarar-se como tal num meio marcadamente de esquerda ou liberal-progressista,
ou barato legal.
Direita
ficava na encolha, sem dar palavra.
Ele,
não.
Discretamente,
sem qualquer arrogância, se revelava.
Passei
a respeitá-lo.
Não
obstante, talvez isso também tenha contribuído para me manter sempre a uma
prudente distância dele.
Prudente
para a época.
Você
sai de prisão ressabiado.
De
direita?
Quero
muita conversa, não.
Claro,
uma besteira.
Com
o olhar de hoje.
Ivan
era bom sujeito.
Excelente
profissional.
Texto
impecável - testemunho de outro grande jornalista, Renato Pinheiro.
Gostava,
por ser de direita, de ter ao seu lado, alguém de esquerda.
Considerava
pudesse equilibrar a cobertura.
Sábio.
Sóstrates
Gentil tornou-se seu companheiro de Editoria de Política.
Era
conhecido militante do PCB - o velho Partidão.
Quando
cheguei à "Tribuna da Bahia", a dupla já trabalhava junto.
E em
harmonia, não se assustem...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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14
de abril 2020
Sóstrates Gentil
III
Fico
pensando no destino das pessoas.
Nem
sei se destino.
Nas
escolhas.
Nas
esquinas da vida, Ivan Carvalho e Sóstrates Gentil se encontraram.
Já
disse, um declaradamente de direita.
Outro,
manifestamente de esquerda.
Vamos
contextualizar um pouco.
O
jornalismo não é muito dado a isso.
Eu,
no entanto, não abro mão.
Ivan
Carvalho tinha tudo para ser comunista.
Primo
por parte de mãe de Quintino de Carvalho, cuja história na juventude esteve
ligada ao PCB.
No
livro "Quintino de Carvalho: A mente contemporânea do jornalismo
baiano", de Márcio Luiz Conceição Bacelar, é fonte essencial a revelar a
atuação do primo nos tempos duros do governo Dutra.
E de
Otávio Mangabeira na Bahia.
Quintino,
redator-chefe de "O Momento" na segunda metade da década de 1940, viu
o jornal ser empastelado por brutamontes do DOPS da Bahia.
O
jornal era ligado ao PCB.
Ele,
preso.
Família
de comunistas.
Parecia
estar na veia.
Tio
por parte da mãe de Quintino, José Mutti de Carvalho foi fundador do Sindicato
dos Bancários da Bahia, sob influência do PCB.
João
Mutti de Carvalho, político influente em Itiúba, terra natal de Quintino, outro
tio, foi responsável pela instalação de um comitê do PCB no município.
José
Mutti foi perseguído, preso e torturado.
Quintino
não ficou muito tempo preso.
Não
gostou da experiência.
Afasta-se
do PCB e passa a se dedicar integralmente ao jornalismo.
A
morte o alcançou aos 43 anos, dia 20 de dezembro de 1971, quando dirigia a
"Tribuna da Bahia", seu projeto mais querido e ousado.
Ivan
Carvalho, com toda essa herança familiar, na "Tribuna" desde o
início, não foi seduzido pelo pensamento de esquerda.
Assumiu
a visão de mundo da direita.
Mas,
já se disse, queria sempre alguém de esquerda ao lado.
A
escolha recaiu sobre Sóstrates Gentil naquele ano da graça de 1973.
Gentil,
no ano anterior, estava no jornal "A Tarde".
Quem
conta isso...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Aurelio Miguel: Ivan Carvalho
foi um jornalista competente e ético. A retidão de caráter é uma característica
dessa família. Cesar Lemos de Carvalho, irmão de Ivan, é um magistrado
sensível, íntegro e competente.
Emiliano José: Aurelio Miguel
Obrigado, Aurélio. Estou certo, então. Abraço
Aurelio Miguel: Emiliano José,
foi só um registro. Quero destacar, nesses dias de estupidez e intolerância,
que Ivan respeitava pensamentos divergentes e, também, se fazia respeitar.
Emiliano José: Aurelio Miguel
Absolutamente verdadeiro.
Cidelia Argolo: Para mim que sou
de esquerda declarada tento sempre observar o caráter, Ivan, mesmo da direita
sempre se mostrou um profissional sério e respeitoso com os colegas, Quintino
pra mim era um déspota dentro do jornal, aliás foi o único emprego em que fui
demitida sem dó e nem piedade. E pasmem o motivo: ele queria que eu trabalhasse
de calça comprida. Fui demitida pois na época minhas belas pernas
incomodavam... Portanto, o histórico de ser ou ter sido esquerda não significa
muito. O importante: atitudes coerentes no passado e presente.
Emiliano José: Cidelia Argolo
Nem sei se Quintino era propriamente de esquerda no período. Estupidez, mesmo.
Aurelio Miguel: Cidelia Argolo
,adorei a modesta alusão " às belas pernas". Uau ! Desafortunamente ,
sai da Tribuna antes da primeira edição , privando meus olhos .....
Ludmilla Duarte: Eu e meu pai
acabamos por nos encontrar numa redação de jornal. Enfim. No Bahia Hoje, jovem
repórter, recém-saída do batismo como foca no Jornal da Bahia, fui pra editoria
de Política a convite da então editora, Nice Melo. Ivan era o colunista de
Política, toda a equipe da editoria sentava junta no canto direito da Redação,
ao fundo. Ivan era caladão e quase nunca participava dos boxixos de fim de
tarde, mas um dia comecei a perceber que as fofocas de bastidor da Assembleia
Legislativa, que eu contava aos colegas na volta das minhas coberturas diárias,
iam saindo em notas apimentadas na coluna dele. Malandro. Só descobri porque um
dia perguntei-lhe como ele tinha tomado conhecimento de uma das histórias (o
deputado envolvido me abordou furioso) e ele se desmontou em gargalhadas. 🤣
Em vez de me aborrecer com Ivan, gargalhei junto, e a partir daí sentar com ele
no final do dia e passar os fuxicos de corredores do Legislativo Estadual, eu
mesma, todos os dias, virou rotina. Foi assim que nos aproximamos. E é uma das
minhas melhores lembranças da "arara do Rio Vermelho" (isso e a greve
🤭) . Aprendi muito sobre cobertura política nesses papos com Ivan. E
ouvi dele muitas histórias saborosas sobre meu pai.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
E por que não conta todas? Estou aguardando..
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Hahahahaha! Vou tentar lembrar!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Nem esforço precisa
Mônica Bichara: Conta Ludmilla
Duarte, vamos enriquecer essas memórias do jornalismo baiano
Albérico Campos: Só os bons por
aqui, a gente se sente numa grande biblioteca onde os livros conversam entre
si.❤️👏👏👏👏
Ludmilla Duarte: Bem, então tá,
senta que lá vem história. Claro, foi Ivan quem me contou. Um dos generais da
ditadura, alta cúpula, núcleo duro, havia estado em Salvador participando de
alguma solenidade. Meu pai foi o repórter da cobertura. Escreveu o artigo
(provavelmente crítico hahahahaha), mas o pior foi o diabo da charge. Ao lado
da matéria assinada por meu pai em cima do evento com o general, foi publicada
a charge do dia, e tinha uma latrina na charge. Não deu outra, na mesma manhã a
PF entrou na Redação e levou meu pai. Pra explicar que raio era aquilo, se por
acaso a ideia era dar descarga na fala do general. Ivan nem contou conversa,
pegou o paletó e seguiu o carro da PF, foi parar na própria sede, entrou, se
apresentou (circulava muito bem entre a galera), ficou sentado na antessala do
delegado-chefe esperando meu pai sair pra escoltar ele de volta pra Tribuna. Eu
perguntei, "você resolveu ir por quê, Ivan?" (bem fingida, eu. Podia
imaginar, mas queria que ele me dissesse de própria voz). Ao que ele me
responde, naquela serenidade dele: "Você sabe, Ludmilla, naquela época era
costume as pessoas irem e não voltarem". Não sabia se ria da graça e
simplicidade da resposta dele, ou se chorava de uma gratidão tardia. Foi isso.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Tá vendo como sai fácil. Amanhã, você já entra no quarto. Capítulo. Espere.
Ludmilla Duarte: ESperando
ansiosamente...!
Mônica Bichara: Quanta história
interessante guardada, precisava mesmo essa série de Emiliano José pra
desencavar essas memórias. Lembra mais causos, Ludmilla Duarte
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara
Hahahahahahaha! Já vai...! Tô cavoucando...!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Cavouca, Cavouca. Acaba saindo. 😘 carinhoso
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15
de abril 2020
Sóstrates Gentil
IV
Foi
minha professora.
Pense
numa pessoa bem-humorada.
Pensou?
Difícil
como ela.
Bom
astral raro.
Para
não confundir as pessoas, para não envelhecer a mestra, advirto: entrei na
Escola de Biblioteconomia e Comunicação (EBC), depois Facom, com 30 anos, em
1976.
Cadeia
me tirou de circulação por quatro anos.
Leitores
já sabem.
Ensinava
a gente a diagramar.
Nunca
quis aprender.
Mais
tarde, ela "fechou" não sei quantos jornais comigo.
Ia
sempre à procura dela para o fechamento das publicações.
Como
o do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
Ou o
do Conselho de Medicina da Bahia.
Sei
lá qual mais.
Jornalista
se vira nos trinta para ganhar a vida.
Tivesse
sido bom aluno, não a procuraria e ela não livraria alguns trocados
Em
1982, já formado, fui candidato a deputado estadual pelo PMDB.
Quem
me leva para Ibicaraí à cata de uns votinhos?
Heloísa
Sampaio - o nome artístico dela é Helô.
Helô
Sampaio, sim senhor.
Não
deixa por menos.
Ibicaraí
é terra natal dela.
O
irmão, tenho a impressão, era candidato a prefeito.
Sei,
certeza, ter aportado em Ibicaraí pela primeira vez pelas mãos dela, amizade
desde lá.
Tive
o privilégio de me hospedar na casa da família dela.
Se
não fui bom aluno, amigo continuei.
Menina,
menina conhece Sóstrates Gentil, redator respeitado e frequentemente pauteiro.
Começou
a estagiar no jornal "A Tarde" no ano de 1972, julho, quase 48 anos
passados.
Tempo
tempo tempo.
Ela
aí vivinha, cheia de energia para contar.
É
notável contadora de histórias.
Ainda
cursava a EBC quando chega à redação de "A Tarde".
Levada
pelo professor Fernando Rocha.
Havia
se destacado: aluna aplicada, interessada, participativa.
Não
achava trabalho ou estágio em horário compatível com o curso.
Não
queria mais pedir dinheiro ao pai, cuja prioridade devia ser o cuidado com os
outros irmãos.
Já
adulta, podia e devia cuidar de si.
Desobrigar
o pai.
A
indicação de Fernando Rocha, mão na roda...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Conta mais
causos aí, Helo Sampaio. Aí tem história pra um livro
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16
de abril 2020
Sóstrates Gentil V
Tudo
isso, essa passagem por Helô Sampaio, não é ainda a história dela.
Ainda
vou contá-la.
Tenho
promessa de ajuda.
Dela
mesmo.
Aí
vocês verão a mulher da pá virada.
Só
aguardar.
Esses
prolegômenos constituem suporte para o encontro dela com Sóstrates Gentil.
Já
era veterano perto da menina.
Comunista
de carteirinha - já disse.
Esses
dias conversava com Othon Jambeiro, também meu ex-professor na EBC, e pergunto
sobre Sóstrates.
Conviveu
pouco com ele na redação - revelou.
Mais,
nas atividades do PCB.
Helô
começara a vida cedo.
Depois
do ginasial e pedagógico em Ilhéus,. professora de canudo nas mãos, volta para
Ibicaraí e se torna secretária-geral do ginásio da cidade.
Dois
anos na função, e faz vestibular para Jornalismo.
Tinha
muita esperança, não.
Moçada
da capital, cheia de cursinhos, tinha muito mais chance.
Quase
desmaia quando vê o nome entre os aprovados.
Foi
assim seu primeiro passo.
Quando
chega à redação de "A Tarde", era uma curiosidade só.
Não
conseguia disfarçar a ansiedade.
Mas,
contudo, confiante.
Sentada
para fazer o primeiro texto, e vê a redação entrar em burburinho.
Todo
mundo corre para as janelas.
Todo
mundo olhando para a Praça Castro Alves.
O
majestoso edifício de "A Tarde" era na Praça Castro Alves,
resistente, abrigando hoje hotel de bacana, inaugurado em 1930, primeira sede
própria do jornal.
Ela
só ouvia dizer:
- É
a volta da Cabocla.
Não,
não sabia nada da tal cabocla, mas não ia passar recibo, dar assim de bandeja
um atestado de ignorância.
Melhor
correr também para a janela, dar de entendida.
Foi
abrindo espaço entre os veteranos: Silva Filho, Octacílio Fonseca e ele,
Sóstrates Gentil.
Olharam
espantados para a foquinha abusada, mas sem reprovação.
A
volta da Cabocla e do Caboclo é o caminho inverso dos dois, dia 5 de Julho,
voltando ao panteão onde permanecem durante o ano, para sair de novo, da
Lapinha ao Campo Grande, no Dois de Julho, Independência da Bahia.
Foi
com a cabocla o início de sua relação com Sóstrates.
E
com a redação de "A Tarde".
O
redator-chefe, doutor Jorge Calmon, era o deus todo-poderoso.
Em
mais de uma ocasião falei sobre ele nessa série.
Fernando
Rocha, chefe de redação, padrinho dela.
E
Sóstrates Gentil, na casa dos 35 anos de idade, era redator reconhecido,
respeitado.
Às
vezes, deslocado para exercer a função de pauteiro.
Corria
o ano de 1972...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
17
de abril 2020
Sóstrates Gentil
VI
O
pauteiro de cara percebeu: a foca, primeiro, dominava a língua portuguesa.
Condição
essencial para quem tem pretensão de ser jornalista.
Além
disso, Sóstrates Gentil percebeu seu espírito livre.
Não
tinha amarras políticas.
Nem
qualquer relação com empresas.
Um
belo caminho pela frente, se houvesse dedicação.
Testou-a,
foi sentindo o caminhar dela.
Aparecia
uma pauta explosiva, dessas chamadas quentes, alguma denúncia qualquer, e a
chamava.
Prevenia.
Orientava.
E
mandava-a para a zona do agrião.
Helô,
saía toda cheia de vontade, disposta, feliz feito pinto no lixo.
Isso
fazia um bem danado.
Foca
entra em depressão quando lhe entregam pautas secundárias.
Imagina
estar sendo jogada pra escanteio, e nem sempre isso é verdadeiro.
Pauteiro
tem de se virar nos trinta, muita pauta pra distribuir e as mais quentes são
poucas.
O
fato é que Sóstrates Gentil engraçou-se com ela.
Dava-lhe
excelentes pautas.
Meio
caminho andado para a afirmação profissional.
Cedo,
cedo Helô enturmou-se.
Jornal
fechado, e seguia junto com os veteranos para comer água no Cacique, comentar
as pautas, as dificuldades do dia, os casos engraçados - talvez tenha sido
nessas noitadas seu maior aprendizado de excelente contadora de casos.
Nessa
fase inicial, pautada por Sóstrates, viveu de um tudo: quase um cachorro
arranca um naco de sua perna durante reportagem num colégio, quase fez bobagem
ao cobrir um incêndio e escapar de um pedaço da casa vindo ao chão pela força
do fogo, ainda bem tudo quase.
Não
foi pautada, ninguém foi, para cobrir mergulho de um carro no Dique do Tororó.
Soube-se:
motorista bobeou, derrapou, ele e carro foram parar nas águas do fique.
"Fui
tomar um banho no Dique".
Assim
comentava o motorista, bem-humorado.
Não
se soube muitos detalhes desse mergulho.
Como
ele escapou, quem deu socorro, nada.
Sóstrates
Gentil não contou.
O
carro era dele.
O
motorista, ele.
Alegre,
decente, íntegro, amigo.
Helô
o define assim.
Com
saudades.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Helo Sampaio e
Antônio Dias na minha formatura, professores inesquecíveis. A foca foi longe e
formou gerações
Mônica Bichara: Nem precisa
dizer q já estou juntando fotos pro Pilha, né? Vai catando aí Helo Sampaio
Emiliano José: Mônica Bichara
Marcelo Cordeiro? Antônio Jorge? Além de Helô?
Mônica Bichara: Marcelo Cordeiro
sim, o outro acho que é Renato Ferreira
Adilson Borges: Helô, preciosa
pessoa!
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18
de abril 2020
Sóstrates Gentil
VII
Em
nome do Pai.
Ludmilla
mergulha.
Lembranças.
Pai
nunca é pouca coisa na vida.
Fosse
ao senso comum, e diríamos ter o acaso capturado-a.
Para
o jornalismo.
Acaso?
É a
primogênita.
Antes
das lembranças, falar um pouco da filha de Sóstrates Gentil.
Jornalista
aplicada.
Talentosa.
Atualmente,
faz Mestrado na Adler University, em Vancoucer, no Canadá.
É um
MPPA : Master in Public Policy and Administration - Social Change Leadership.
Podemos
traduzir para o Português: Mestrado em Política Pública e Administração.
Área
de concentração: Liderança para Transformação Social.
A
universidade é muito progressista.
Todos
os professores dela conhecem, leram e admiram Paulo Freire.
O
educador brasileiro é citado em vários dos textos obrigatórios do curso.
Não
esconde a alegria por isso.
E
algum orgulho.
O
Brasil lembrado pela obra de um dos maiores educadores do mundo.
Espécie
de vingança diante do pensamento obscurantista do atual presidente brasileiro e
seu entorno.
Concluiu
a fase das aulas presenciais do Mestrado.
Agora,
completar 300 horas de prática.
Na
sequência, dissertação.
A
prática está sendo feita em uma organização voltada à assistência da população
de sem-tetos e usuários de drogas de Vancouver: Lookout Society.
Opera
abrigos, habitações subsidiadas e centros de assistência.
Estes
centros distribuem refeições, são locais onde a população assistida pode tomar
banho, lavar roupa em máquinas, buscar roupas ou cobertores.
Adotam,
ainda, uma política de redução de danos.
Oferecem
"injeção assistida", iniciativa da província de British Columbia:
usuários têm acesso a uma quantidade limitada de droga "segura",
injetada sob vigilância de um profissional para eventualidade de socorro
imediato em caso de overdose.
Uma
baita experiência.
Amor
pelos deserdados.
Quem
sai aos seus não degenera.
Pai
comunista, só podia dar nisso.
Em
nome do Pai.
Espera
um dia aplicar o conhecimento adquirido no Brasil, ajudar seu País.
Filha
apresentada, vamos a uma lembrança do pai...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Que capítulo
lindo, Ludmilla Duarte sempre foi um orgulho para os colegas. Né Adilson
Borges? Tomara mesmo que um dia volte para aplicar os conhecimentos adquiridos
em favor dos desassistidos daqui
Mônica Bichara: Emiliano José
aprendeu a marcar, né? Tá espertinho
Emiliano José: Mônica Bichara
testei. Menino quando está aprendendo...
Mônica Bichara: Emiliano
JoséEmiliano José aplicado
Ludmilla Duarte: A pessoa tá
enfurnada em casa na Primavera do Hemisfério Norte, escrevendo aquela tese de
mestrado que clama furiosamente por distribuição de terra em seu país, aí vem o
professor mais memorável do seu curso de graduação e lhe joga uma dessa nos
peitos. Aí para tudo, fica a pessoa igual uma abestada chorando cântaros na
frente do computador.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Chore. Mas sorria também. Razões não lhe faltam. Foi uma honra ser seu
professor. Beijo
Jorginho Ramos: A beleza da
narrativa faz justiça à figura de Ludmilla Duarte, uma profissional
comprometida com os ideais do bom e sadio Jornalismo.
Ludmilla Duarte: Jorginho Ramos Ô
lindão!!! Elogio de amigo conta?????
Jorginho Ramos: Ludmilla
Duarte... Claro !
Maria Da Penha Albuquerque Silva: É pra chorar de
emoção, um chororô gostoso ❤
Adilson Borges: Oh, maravilha.
Poucas pessoas conhecem tanto eu e Marilia quanto esta figura, que admiro
profundamente até quando dela discordo. Inteligente, sensível, profissional
aplicadíssima.. Mas não provoquem, hem? Estamos juntos, no sentido espiritual,
há cerca de 25 anos. Mais que amigos, acho que somos irmãos! Beijo Lud!
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19
de abril 2020
Sóstrates Gentil
VIII
Ludmilla,
antes de seguir para Vancouver, esteve comigo conversando sobre seu projeto de
Mestrado.
A
pretensão original era mergulhar na vida da nação Tupinambá, no sul da Bahia,
liderada pelo cacique Babau.
Babau
Tupinambá, nome de batismo Rosivaldo Ferreira da Silva, é uma liderança
determinada. Preso várias vezes, nunca recuou.
É líder
incontestável dos Tupinambás de Olivença.
Estava
então na Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça,
Direitos Humanos e Assistência Social.
Estava
disposto a ajudá-la.
Sob
minha direção, uma Coordenação Indígena me possibilitava contatos frequentes
com o Cacique Babau.
Chegando
a Vancouver, o projeto mudou de rumo.
Não
precisará vir ao Brasil para concluir o trabalho.
Chegará
de volta pronta para servir ao nosso povo.
Estivesse
vivo, e o pai, Sóstrates Gentil, estaria muito orgulhoso das escolhas feitas
pela filha.
O
pai, referência.
Menina,
menina o perdeu.
Não
havia completado cinco anos quando o acidente o levou.
Ela
sempre o procura.
Lembranças.
E o
encontra sempre.
O
território da memória é do tamanho do universo.
Nova
nas redações, ia mapeando pistas.
Outra
vez, surge a figura de Ivan Carvalho.
Era
o colunista da Editoria de Política do "Bahia Hoje".
A
editora Nice Melo a convidara.
Ludmilla
sabia da relação de amizade dos dois.
Compreendeu
ser a amizade o maior dos sentimentos, capaz de unir dois pensamentos políticos
tão diversos.
Ivan,
de direita.
Sóstrates,
comunista de carteirinha.
Gostavam-se.
Ponto.
Respeitavam-se.
Lição
para os tempos atuais, tão cheios de ódios, de muros erguidos, intolerância
estimulada, desde inclusive a presidência da República.
Em
nome do Pai.
Queria
saber de histórias daquela convivência.
Ivan
nunca foi efusivo.
Ao
contrário.
Ficava
na dele, reflexivo, assuntando.
Ludmilla,
ultrapassada a fase foquista - deixada a condição de foca -, começa se enturmar,
e se aproxima de Ivan.
Vai
cercando, cercando, terna como ela só, e ele se abrindo.
Naquele
tempo...
Ivan
começou assim a história do general em visita à Bahia...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Emiliano José: Isabel Santos,
Jaciara Santos, Mônica Bichara, Adilson Borges Jeanne Borges Nice Melo Oldack
Miranda Carmela Talento Alberto Freitas José Carlos Teixeira
Mônica Bichara: Emiliano José
muito bem, mas o de Isabel Santos não marcou kkkkk tô adorando essas aulas
Emiliano José: Mônica Bichara não
sei por que não marca Isabel Santos
Emiliano José: Mônica Bichara
As dadas por você, né? Estou aprendendo? Já marquei alguns...
Mônica Bichara: Emiliano José tá
ficando craque
Emiliano José: Jose Jesus
Barreto
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Carmela Talento: Uma viagem
incrível nesse verdadeiro túnel do tempo do jornalismo. Conhecendo histórias
incríveis, relembrando de outras, está valendo muito, viu Emiliano
Mônica Bichara: "Em nome do
pai". Emiliano José já me deu até o título pro Pilha, né Ludmilla Duarte?
Ludmilla Duarte: Emiliano José me
quer toda boba e emotiva, duas coisas que eu escondo ao máximo pra não estragar
minha fama de durona... Mas já que me derreteu, lá vai mais uma história. Esta
é mais recente, mas é da série "Encontros", e está mais na página
artística que jornalística de meu pai. Foi em 2014 salvo engano. Eu chefiava a
Ascom da Codevasf em Brasília e fiquei encarregada de formatar um evento de
celebração de 40 anos da Companhia para os funcionários. O baiano Elmo Vaz era
o presidente. Pensei, sem muita esperança, que seria extraordinário levar Ariano Suassuna, gênio da raça 🥰,
para uma de suas palestras-espetáculo no auditório. Suassuna tem tudo a ver com
Codevasf, uma companhia criada para dar suporte àquele povo sertanejo nordestino
que enfrenta secas frequentes e vive da agricultura nas margens dos rios Sao
Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Mearim. Viramos, mexemos, localizamos o
contato da assessoria dele e... deu certo. Eu mal podia acreditar, comecei a
ler Suassuna ainda criança pegando os livros dele na biblioteca deixada por meu
pai. Foi uma sorte monumental, por acaso Suassuna ia participar de um evento do
STJ em Brasília na mesma semana e topou incluir a Codevasf na agenda. Bom,
chegou o grande dia, eu nervosíssima levando três dos meus livros pra ele
autografar. Suassuna chegou uns 30 minutos mais cedo, acompanhado da mulher e
do genro, eu fui recebê-lo, não sabia se podia abraçar e beijar, mas abracei e
beijei assim mesmo, estava numa emoção da zorra, não é todo dia que a gente
conhece um gênio assim em carne e osso, e ainda toca e fala com ele. Sentamos
na primeira fileira do auditório, trocamos umas palavras, eu com os livros na
mão, ele se adiantou e pegou pra autografar, adorou meu nome russo, perguntou
de onde eu era, eu disse que era de Salvador e que meu pai era teatrólogo, que
foi assim que me aproximei da obra dele ainda criança, ao que ele me pergunta:
quem é seu pai? Ah, você não pode ter conhecido, ele morreu ainda jovem em
1976. "Sim, mas diga o nome dele, quem sabe..." Sóstrates Gentil.
"Claro que conheci. Ele era muito amigo de Joca (João Carlos Teixeira
Gomes), que também era meu amigo, e Joca nos apresentou. Conheci seu pai,
sim". Pronto, acabou o mundo. Foi isso.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Cavouca, tem mais...
Emiliano José: Em nome do
Pai...
Ludmilla Duarte: FOTO
Ludmilla Duarte: FOTO
Emiliano José: Ludmilla Duarte
att Mônica Bichara
Mônica Bichara: Emiliano José
tudo salvo, não podia perder essa. Que história maravilhosa, Ludmilla Duarte
Emiliano José: Vamos
caminhando. Amanhã tem mais.
Emiliano José: Mônica Bichara
deixe: trabalho à frente.
Mônica Bichara: Realmente, tem
pessoas que vivem tanto e não deixam rastro....já outras. Sóstrates um exemplo
disso
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20
de abril 2020
Sóstrates Gentil
IX
Naquele
tempo...
Assim
começou Ivan Carvalho a conversa com Ludmilla sobre Sóstrates Gentil, pai dela.
História
do general em visita à Bahia.
Era
um tempo estranho.
O
pai chegara à "Tribuna da Bahia" em 1973.
Duas
ou três palavras sobre esse tempo.
Não
custa relembrar: era País dirigido por um assassino frio e cruel.
O
general Emílio Garrastazu Médici dirigiu o Brasil matando.
Prendendo,
torturando e matando.
Era
tempo em que filho chorava e a mãe não via.
Minha
mãe só me verá seis meses depois de preso.
Sangue
correu.
Muita
gente desapareceu.
Ditadura.
Imprensa,
amordaçada.
Pela
censura e auto--censura.
Ser
jornalista era fácil não.
Inda
mais se comunista.
Inda
mais se de carteirinha.
Como
Sóstrates.
Talvez,
muito provável, ele tenha ido pra "Tribuna" pra respirar novos ares.
A
experiência do jornal "A Tarde" fora rica.
Era
de longe a mais importante publicação do Estado.
Longeva
e conservadora experiência.
A
"Tribuna" o atraiu certamente pelo lado inovador, uma iniciativa
jornalística ousada.
Ali,
quem sabe, talvez pudesse desenvolver mais o tanto aprendido, e soltar um pouco
mais o discurso, não obstante soubesse das limitações impostas pela conjuntura.
O
PCB, com sua longa história, lhe dera régua e compasso.
Depois
de Médici, virá o general Ernesto Geisel, o da abertura lenta e gradual.
Insistirá:
"é preciso continuar a matar".
Ditadura.
Pois
é, naquele tempo um general visitou a Bahia.
Um
general de alto coturno.
Participa
de uma solenidade e segue de volta para Brasília.
Ivan
Carvalho designou Sóstrates para a cobertura.
Experiente,
escreveu a matéria sem quaisquer arroubos esquerdistas.
Sabia
o terreno onde pisava.
Dia
seguinte, olha o jornal.
Deve
ter pensado: fodeu.
Um
friozinho na espinha.
Uma
charge ilustrava a matéria.
Provavelmente
de Lage, genial chargista levado para a "Tribuna" por Antônio Matos
logo no início do jornal.
Genial
e ousado.
Genial
e corajoso.
A
charge...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Emiliano José: Mônica Bichara
Jaciara Santos Isabel Santos, Adilson Borges Jeanne Borges Nice Melo Oldack
Miranda Jorginho Ramos Carmela Talento Alberto Freitas Ana Vieira José de Jose
Jesus Barreto Cesio Oliveira
Ana Vieira: Emiliano José
Jamais deletei a definição de Evanice Maria dos Santos( Lady Eva): "
"a Tribuna é jornal para jornalista".Essa avaliação me despertou uma
certa frustração por não ter passado por lá.
Emiliano José: Ana Vieira Isso
não a impediu de ser excelente jornalista.
Ana Vieira: Emiliano José
obrigada, mestre e amigo
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Ludmilla Duarte: Emiliano José Ri
alto imaginando a cara de Ivan as 7h da manhã enfiada no jornal e pensando
"fodeu".
Ludmilla Duarte: Aí me
transportei para os anos 70 e ri de novo, de nervoso.
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte essa
foi foda mesmo, impossível ler sem imaginar a cena
Mônica Bichara: Curiosa pra ver
a charge, já imaginando aqui o q o genial Lage aprontou. Vc tem, né? Se não
tiver vamos ter que catar, pelamordedeus
Emiliano José: Mônica Bichara
Tenho não. Só com Ludmilla. Ou nos arquivos. Mas aí precisa data.
Mônica Bichara: Emiliano José
gente, vamos pensar aí quem pode ter
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21
de abril 2020
Sóstrates Gentil X
O
general visitara a Bahia.
Há
poemas, há músicas inscritas em nossa alma.
Há
"Explico algunas cosas", de Neruda, o notável poeta e comunista.
Falo
dessa poesia, desse canto de amor e dor, reverência de Neruda a outros poetas,
indignação dele diante da mortandade promovida por Franco, ode a Federico Garcia
Lorca fuzilado por ser, como teria dito um.juiz, mais perigoso com a caneta do
que outros com o revólver.
Instado
pela memória a falar.
Falo
porque esse poema me acompanhava durante meus quatro anos de prisão.
"...E
numa manhã tudo estava ardendo..."
"...Frente
a vocês vi o sangue de Espanha levantar-se para afogá-los em uma só onda de
orgulho e de punhais!..."
Mas
a me acompanhar dia a dia, repetidas sempre, baixinho baixinho, eram essas
palavras:
"...
Generais traidores:
olhem
minha casa morta,
olhem
a Espanha
dilacerada..."
Os
generais da ditadura brasileira não eram diferentes.
Dilaceraram
o Brasil.
Por
isso, a evocação, a memória retendo o grito do poeta no calabouço.
Perdoem
a digressão, as lembranças me assaltam, não as controlo.
O
diabo do inconsciente.
Sim,
falava da charge a acompanhar a matéria sobre a visita do general à Bahia,
escrita por Sóstrates Gentil.
Uma
latrina.
Uma
privada.
Uma
sentina.
Era
essa a charge simplória ao lado do texto enxuto de Sóstrates.
Merda
- deu merda.
Matéria
publicada, charge ao lado, mesmo dia a Polícia Federal entra na redação da
"Tribuna da Bahia" abruptamente, bem ao estilo.
Naquele
tempo era assim.
Queria
o redator da matéria.
O
responsável.
Leva
Sóstrates Gentil para a Superintendência da Polícia Federal, na Cidade Baixa.
Ao
lado do Mercado Modelo.
Estive
ali duas vezes.
A
primeira, quando de minha prisão em 23 de novembro de 1970.
Cheguei
sangrando muito, sem camisa, recebido pelo coronel Luiz Arthur de Carvalho, o
superintendente, mandado por ele para a tortura no Quartel do Barbalho...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Carmela Talento: Oportuno
relembrar esses fatos nesse momento em que insanos pedem fechamento de
Congresso e do STF.
Mônica Bichara: Carmela Talento
bem colocado, vivemos dias tenebrosos. Como se não bastasse um inimigo
invisível, um verme nós ameaçando a todo momento com o fantasma da ditadura
Fred Matos: "Os
generais da ditadura brasileira não eram diferentes." E os atuais
continuam escrotos como os da ditadura, como os da Espanha de Franco.
Acompanhando sempre as suas memórias, Emiliano. Abraços.
Emiliano José: Fred Matos Toda
razão, companheiro.
Mônica Bichara: Jogou duro,
Neruda na caixa dos peitos.....Mas o clima pede, os generais atuais a lembrar
os de ontem, ditadura, comunismo, fascismo.....Grande texto, Emiliano José,
parabéns mais uma vez
Emiliano José: Mônica Bichara
Nada. Bom é ter uma editora como você...
Mônica Bichara: Emiliano José
hahaha fui promovida
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Emiliano José
22
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XI
A
segunda vez, na Superintendência da Polícia Federal, ali, ao lado do Mercado
Modelo, foi no dia 8 de dezembro de 1970.
Já
passados intermináveis dezesseis dias de prisão.
Ultrapassada
a fase da tortura.
Fazia
sol.
À
tarde.
Uma
calça jeans sustentada por um barbante.
Sem
camisa.
Fedendo.
O
agente-escrivão, no interrogatório, reclamou do fedor.
Tinha
culpa?
Queria
estar fedendo?
Até
ali, não me fora permitido um único banho no Quartel do Barbalho, onde estava
preso.
Nesse
dia, festa da Conceição da Praia, minha prisão era oficializada: abriram o
Inquérito, tomaram minhas palavras a termo.
Ainda
olhei pela janela e vi o burburinho festivo lá fora, povo comendo água.
Deixei
de ser um preso clandestino.
Isso
era importantíssimo naquele tempo.
Mais
difícil para eles sumirem com o preso depois de aberto o Inquérito.
Estranho
dizer: foi um dia feliz.
Reafirmei
minhas convicções frente à ditadura, está lá por escrito, e era agora um preso
posto a termo.
Sóstrates
Gentil sabia para onde o estavam levando.
Sabia,
em termos.
Quando
você era preso, naquele tempo, a rigor, não sabia o destino.
Podia
ser embarcado num rabo de foguete, e nunca mais voltar.
Tantos
foram embarcados.
No
trajeto, pensava.
Nem
era trajeto longo: Djalma Dutra, dobrava à esquerda no Largo das Sete Portas,
pouco depois, à direita, túnel de ligação com Cidade Baixa, e coisa de um
quilômetro depois, passado o porto, a então temível sede da Polícia Federal na
Bahia.
Pensava.
Que
será que será?
Iam
perguntar pela matéria certamente.
Era
o de menos.
Nada
a esconder.
Fizera
texto objetivo, como da boa técnica, era também artimanha para escapar de
armadilhas.
Sabia
até onde podia ir.
E a
charge?
Na
hora, examinaria como explicar.
Difícil,
mas não impossível.
O
duro era saber da conjuntura: o PCB estava sempre na mira da ditadura.
Mais
ainda depois de terem sido destroçadas as organizações da esquerda armada.
O
PCB virou alvo principal.
Esse,
o maior problema.
Podia
ficar preso.
Menos
pelo jornalismo.
Mais
pela militância no PCB, provavelmente do conhecimento da repressão.
No
caminho, nenhuma conversa.
Ele,
só pensar.
O
pensamento parece uma coisa à toa mas como é que a gente voa quando começa a
pensar...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ludmilla Duarte: Valha-me Nossa
Senhora, mesmo conhecendo o final dessa história eu tô aqui num suspense do
cão!!!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
O autor tem direito a criar. A partir da realidade e da imaginação. Não é?
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Todo artista tem um tanto de bruxo... capaz de vc tá escrevendo mesmo o que
aconteceu de verdade...
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Tem. Narrador é bruxo. Pode não ser artista. Não sou. Mas invadir a mente do
personagem, isso faço. Licença poética. Ou de bruxo. Bruxo também pede
passagem.
Mônica Bichara: Eita suspense,
curiosidade mata um
Emiliano José: Mônica Bichara
Narrador pensa que dirige. Nada. O personagem é quem dirige...
Joaquim Lisboa Neto: Sempre com Lupi
na mente...
Abraços
do modesto amigo, leitor e admirador
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Emiliano José
23
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XII
Só
pensar.
Tão
curto e tão longo o trajeto da "Tribuna" para a sede da
Superintendência da Polícia Federal.
O
PCB costumava discutir como enfrentar a tortura, prática comum nos cárceres da
ditadura.
Seus
militantes eram exemplares diante dos torturadores.
Sóstrates
Gentil lembrou de Marighella, de Mário Alves.
O
primeiro, símbolo de resistência no Estado Novo e nos primeiros dias da
ditadura de 1964, quando, inconformado com a tentativa de prisão, reagiu, e
levou um tiro encostado ao coração.
Assassinado
pela ditadura em 1969.
Mário
Alves, torturado até a morte, morreu empalado no início de 1970.
Os
dois, baianos.
Os
dois, maior parte de suas vidas no PCB.
Sabia
do pau-de-arara, do choque elétrico, do afogamento.
Chegariam
a isso com ele?
Quem
ia preso, naquele tempo, sempre admitia essa possibilidade.
Regra
geral do Partidão: não entregar ninguém, resistir.
Era
essa a disposição de Sóstrates, viesse o que viesse.
E
era impossível saber: essa a angústia de quem caía.
Você
não sabia seu destino, não sabia a pretensão dos torcionários, não dominava até
onde conheciam sua militância.
Era
a escuridão.
Diante
dela, da escuridão, melhor ir tateando, tentando conhecer o terreno, descobrir
quais informações o inimigo têm, e diante disso saber o que falar.
E
nunca entregar ninguém, nunca revelar o essencial.
Tomara
meu Deus tomara fiquem apenas em torno da matéria do general - comunista às
vezes admite evocar Deus, licença poética.
Aí,
se for apenas o jornalismo, tiro de letra, não obstante o diabo da charge.
Ia
pensando nisso tudo, e a viatura parou.
Chegou
ao destino.
Na
redação da "Tribuna", todos preocupados, tensos.
Ivan
Carvalho não vacilou: tomou de seu paletó, desceu ligeiro, ligou o Fusca e caiu
no encalço da viatura da Polícia Federal.
Chegou
quase junto com os policiais.
Era
repórter dele.
Não
o deixaria sozinho.
Comunista
fosse, e Sóstrates nunca negou essa condição, era seu amigo, além de colega de
profissão.
Amigo
é para os momentos difíceis...
Sóstrates
desceu, os policiais acompanhando-o.
Não
teve tempo de perceber a chegada de Ivan.
Um
ambiente lúgubre - ao menos foi essa a sensação quando entrou...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Trabalhei com
Ivan Carvalho na Tribuna e realmente era uma figuraça, nunca fez distinção
entre os de esquerda e direita. Certeza que não deixaria seu repórter sozinho
naquela situação, ainda mais com a identificação de comunista. Grande Ivan
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Emiliano José
24
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XIII
Ivan
Carvalho apresentou-se.
Era
o chefe de Sóstrates Gentil.
Dizendo
chefe, entendiam melhor.
Dizer
editor, era complicar.
Foi
encaminhado à antessala do delegado-chefe, mais conhecido como superintendente.
Aconselhado
a esperar.
Esperaria
o quanto fosse.
Pretendia
levá-lo de volta ao jornal.
Isso,
na melhor hipótese.
Estava
apreensivo - não podia negar.
Sóstrates
já tinha sumido nas entranhas da Superintendência da Polícia Federal.
Ali
era tudo muito apertado.
Salas
pequenas.
Começaram
o interrogatório.
Conduzido
pelo delegado-chefe.
Ao
menos, sentiu: não havia indícios de tortura.
Parecia
seria tudo na conversa.
Jogo
de esgrima das palavras.
Disso
entendia: a política lhe dera régua e compasso.
Como
acréscimo, o teatro, pelo qual era também apaixonado.
Perguntavam
meio a esmo.
Falavam
da matéria e da charge, tudo junto e misturado.
Às
vezes, deixavam trair alguma irritação.
Ele,
sereno.
Sereno
e altivo.
Sem
arrogância, falou um pouco do jornalismo, disse-lhes da objetividade da
matéria.
Uma
simples cobertura sobre a visita de um general à Bahia.
Não,
não entendiam muito daquilo.
Sentia
neles alguma frustração pela ignorância diante do assunto, não sabiam muito bem
de que acusá-lo, quais as evidências de crime a serem juntadas para um eventual
Inquérito.
Sóstrates
mantendo a história, fácil porque verdadeira.
Sua
matéria havia sido cuidadosa.
Sorte
não insistirem na privada.
Quando
tocaram no assunto, desconversou.
Insistissem,
podia dar merda.
Depois
de algum tempo, não sabe quanto, insatisfeitos, os agentes o dispensam.
Surpreende-se
com Ivan Carvalho, pacientemente à sua espera.
Nunca
esqueceu desse gesto.
Voltou
escoltado à "Tribuna".
Por
Ivan.
No
Fusca dele.
Anos
mais tarde, Ludmilla, primogênita de Sóstrates, já jornalista, trabalhando no
"Bahia Hoje", fingindo inocência, pergunta a Ivan Carvalho porque
resolvera ir à Polícia Federal atrás de seu pai.
Sereno,
didático, já passada a metade dos anos 1990, Ivan responde:
-
Você sabe, Ludmilla, naquele tempo era costume as pessoas irem e não
voltarem...
Ludmilla
não sabia se ria da graça e simplicidade da resposta ou se chorava, gratidão
tardia.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Albany Camelo Sampaio Jr.: Emiliano José
Estou acompanhando. Excelente para quem gosta de história.
Emiliano José: Albany Camelo
Sampaio Jr. Honrado, meu velho
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Emiliano José
25
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XIV
Cláudio
Abramo deu uma curiosa definição sobre a ética jornalística.
A
ética do marceneiro.
Qual
o enigma?
Quais
as pretensões do Mestre ao dizer isso?
Simples:
a ética do jornalista é a ética do cidadão.
Tem
responsabilidades com o povo.
Com
a Cidade.
Com
a Nação.
Não
é uma ética especial.
Claro,
há os aspectos específicos da profissão.
Mas,
tudo subordinado à ética cidadã.
ACM,
noutro extremo, costumava dizer, me perdoem se não citá-lo com precisão, haver
dois tipos de jornalista: os amantes da notícia e os apaixonados por dinheiro.
Aconselhável
não confundir os dois: não ofereça dinheiro a quem quer notícia, nem notícia a
quem ambiciona ouro, incenso e mirra.
Há
os dois tipos.
O
jornalista-cidadão.
O
jornalista à venda.
Sóstrates
Gentil era um apaixonado jornalista-cidadão.
Íntegro
Defensor
da verdade.
E
isso numa conjuntura adversa, ditadura à frente dos destinos do País
Foi
protagonista de um episódio a revelar isso, a demonstrar sua preocupação com
recém-chegados à profissão.
Corria
o distante ano de 1975.
Renato
Pinheiro iniciara sua vida profissional um pouco antes.
Na
"Tribuna", Milton Cayres de Brito redator-chefe, Othon Jambeiro,
subeditor Geral.
Foi
seu ritual de iniciação no final de 1971, primeiro ano na Escola de
Biblioteconomia e Comunicação, futura Facom.
Aínda,
em outros momentos, trabalhará na "Tribuna" sob a direção de Sérgio
Gomes e de João Ubaldo Ribeiro.
A
iniciação dele no jornalismo político aconteceu em 1975, aos 22 anos de idade.
Estava
sob a rotina da Reportagem Geral, agora em "A Tarde", tranquilo,
quando é chamado por Jorge Calmon, redator-chefe do jornal:
- A
partir de hoje, você fará a cobertura diária da Assembleia Legislativa.
Desembarca
num ambiente desconhecido.
Hostil,
assim lhe parecia.
Cabelos
ao vento, nos ombros
Mais
parecia um hippie.
Inda
mais no meio de toda aquela gente envolta em paletós e gravatas.
Estranho
no ninho...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Leandro Fortes: Eu sou discípulo
dos mestres Perseu e Emiliano, com muito orgulho.
Emiliano José: Leandro Fortes
Mestre é Perseu. Continuo aluno.
Jorginho Ramos: Leandro Fortes
..Exato. São duas referências !
Carlos Pereira Neto Siuffo: Querido
Emiliano, essa definição da ética do jornalista é de Claudio Abramo em seu
livro de memória " A Regra do Jogo", abs.
Emiliano José: Carlos Pereira
Neto Siuffo Errei no autor. Vou modificar. Muito obrigado. Um e outro, mestres.
Ato falho.
Emiliano José: Tenho o livro.
Não é bom usar só memória. Melhor conferir. Bom contar com leitores atentos. E
amigos como você. Muito grato.
Emiliano José: Jorginho Ramos
Othon Jambeiro me informou: Perseu foi professor em Filosofia UFBA, São Lázaro,
final dos anos 60. Era sobrinho de Cláudio Abramo, também o imaginava irmão.
Casado com a querida Zilah, com quem convivi muito nos últimos anos, na
Fundação que leva o nome dele. Pra seus arquivos.
Carlos Pereira Neto Siuffo: Filho de Athos
Abramo (jornalista), irmão de Claudio. Perseu era pai da linda Laís Abramo.
Emiliano José: Carlos Pereira
Neto Siuffo Obrigado, Carlinhos.
Jorginho Ramos: Beleza.
Informações valiosas.
Zeca Peixoto: Que aula!
Mônica Bichara: Verdade, uma
aula
Ludmilla Duarte: O advogado
Renato Simões, hoje desembargador, foi um amigo-irmão de meu pai. Ele me enviou
um depoimento lindo que já está com Emiliano José. Renato também compartilhou o
depoimento dele e os escritos de Emiliano aqui no FB com outro advogado e amigo
comum dele e de meu pai, George Fragoso Modesto Júnior. George retornou o
contato de Renato com outro depoimento lindo, que Renato dividiu comigo e eu,
não resisto, vou postar aqui:
“1.
Pois é: quando em 1969 Samuel Beckett ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, já
no ano seguinte , 1970 portanto, Gentil e Pompéia buscavam um exemplar da peça
“Fim de Partida”, porque não havia ainda quem tivesse publicado sua tradução e,
certo dia, lembro-me que fomos, eu e Gentil na Biblioteca dos Barris, por pouco
tempo inaugurada, à cata desse material; frustrados retornamos a pé, rumo à
Piedade, quando resolvi passar na Pensão de D. Lúcia, mãe do Glauber. Fomos
recebidos por ela mesmo, que logo foi me dizendo: seu amigo está aí; sai de lá
de dentro, em nossa direção o próprio, que ao me avistar, aos berros:
Maluquinho é vc! e seguidamente viu Gentil e em tom brincalhão o chama:
só...trastes, rimos muito, aos protestos de D Lucia, mulher admirável,
advertindo-lhe de que os nomes não eram esses. A partir daí Gentil passou a me
chamar de “Maluquinho”; lembra?
2.
Quando vcs se propuseram a encenar “O Homem do Princípio Ao Fim” , eu fui ao RJ
curtir a dor de ter perdido o vestibular, foi então que Gentil me pediu que
agilizasse a liberação da peça pelo próprio Millor Fernandes; deu-me o
endereço, telefones dele e tudo mais; fato é que não havia meio de me avistar
ou ao menos uma reposta do rabujento Millor; num desses dias estava eu em
Copacabana, sento-me numa daquelas mesas ao ar livre e peço um chope (apesar de
não ser seu grande apreciador) e antes que fosse servido, batem-me às costas,
era Glauber: porra Maluquinho o que faz aqui? Aproveitando a abordagem
contei-lhe da minha chateação, de até aquela altura não ter me avistado com
Millor; conversamos muito, eu bebendo o indigitado e Glauber suco de laranja
integral, como fazia questão de frisar ao garçom, a cada vez que o pedia. Ao
nos despedirmos disse-me Glauber: diga a Gentil que a peça vai ser liberada, se
não for hoje, amanhã; ele nem me deu chance de dizer-lhe algo, foi-se embora.
No dia seguinte comprei o Pasquim e lá estavam Glauber e Millor falando dos
seus feitos: Glauber do seu último filme, à época - O Santo Guerreiro contra o
Dragão da Maldade(1969) e Millor sobre sua peça, O Homem do Princípio ao Fim.
Quando me dei conta Gentil já me dizia daqui de Salvador, que o SBAT havia lhe
liberado a encenação. Tenho como frase pronta, dizer que existem pessoas que
não deveriam morrer nunca, Sóstrastes Gentil e Glauber Rocha são duas dessas,
porque preencheram a minha mocidade, hoje prestes a me juntar a eles.”
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Minha flor, mandou pro meu e-mail? Preciso. Beijo. Tudo isso será para o
Sóstrates-teatro. Ainda não cheguei lá.
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Hahahaha. Então tá! Vou mandar!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Gracias. Beijo
Mônica Bichara: Gente, q
maravilha.....Pelo visto esse personagem não termina tão cedo uhuuuuuu Renato
Mário conta mais
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara
Vc é uma fofa, Moniquinha!
------------------------------------
Emiliano José
26
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XV
Renato
Pinheiro, um desconforto só, foi tentando.
Sempre
de bom trato, conversava com um, com outro, mostrava-se simpático.
Nem
precisava forçar.
Sempre
fora.
Trabalhei
com ele no "Jornal da Bahia".
Dou
testemunho.
Mas,
claro, aquela parecença hippie, não ajudava.
Cumpria
a tarefa.
Cobrir
a Assembleia exige atenção.
Aos
discursos e, sobretudo, aos bastidores.
Aprendia.
Um
dia, passado já algum tempo, já mais à vontade, mais enturmado, é abordado por
Silva Góes, veterano repórter, àquele momento no "Diário de
Notícias".
Nem
arrodeou muito.
Direto
ao ponto: vinha como intermediário do deputado federal Ney Ferreira, dirigente
do MDB.
O
parlamentar era o chefe do adesismo na Bahia.
No
MDB, colocava-se inteiramente a serviço de ACM e da ditadura.
Genro
de Antônio Balbino.
Silva
Góes trazia uma proposta de Ney Ferreira: pagaria a Renato Pinheiro uma
complementação salarial.
Nem
precisava completar qual a contrapartida.
Mas
completou.
Sabia-o
em "A Tarde".
Uma
notinha aqui, outra acolá, uma referência positiva no meio de alguma matéria, e
estava tudo bem.
Nem
muito esforço requeria.
Renato
Pinheiro demorou pra cair em si.
Perplexo.
Assustado.
Depois,
indignado.
No
entanto, apesar do espanto diante da ousadia, respondeu serenamente, mas de
modo firme:
- O
jornal "A Tarde" me paga muito bem. Diga ao deputado que declino da
generosidade dele.
Sem
chão, feito cachorro caído da mudança, cego no meio de tiroteio.
Ali,
quase se encerrava a carreira de repórter político, tal a decepção.
Doido
pra desabafar com alguém.
Olhava
pra um lado, pra outro.
Não
tinha intimidade com quase ninguém.
Desabafo
é desabafo.
Requer
confiança.
O
olhar fixou-se em Sóstrates Gentil, o experiente repórter político da
"Tribuna da Bahia".
O
jeito dele inspirava confiança.
Abriu-se
com ele, foi acolhido.
Sóstrates
mostrou-se indignado.
Comentou
com Newton Sobral, também sério e experiente, do "Jornal da Bahia",
àquele momento cobrindo a Assembleia Legislativa:
-
Olhe a proposta indecente que o filho da puta do Ney Ferreira fez ao garoto. O
menino é bom.
Vou
adotar.
E
investiu-se da condição de orientador de Renato Pinheiro na reportagem
política.
Era
1975.
Rapidamente,
tornaram-se amigos.
Amizade
subitamente interrompida com a morte de Sóstrates no acidente de 1976.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
27
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XVI
Renato
Pinheiro seguiu em frente.
Substitui
Sóstrates Gentil depois da morte dele.
Na
"Tribuna da Bahia", tem ampla liberdade de trabalho conferida por
Ivan Carvalho.
Um
dos melhores textos conhecidos por ele.
E um
sujeito rigorosamente decente.
Já
se disse, mas não custa reforçar com o depoimento de Pinheiro:
-
Era de direita assumido. E por isso gostava sempre de ter ao seu lado alguém de
esquerda para equilibrar a Editoria - primeiro Sóstrates Gentil, depois eu.
Quando
Ivan Carvalho aceitou convite de outro jornal, Renato Pinheiro o substituiu
como editor de Política na "Tribuna da Bahia".
Do
episódio da Assembleia, quando Sóstrates Gentil o fez uma espécie de afilhado,
passando a orientá-lo naquele ninho de cobras, jamais se esquecerá.
Eterna
gratidão.
Uma
breve e necessária digressão.
Amigo
e leitor, Carlos Pereira Neto Siuffo, apontou erro cometido por mim, em texto
recente dessa série.
Eu
indicava como sendo de Perseu Abramo a defesa da ética do marceneiro a ser
defendida pelos jornalistas.
Minha
longa convivência na Fundação Perseu Abramo, a convivência com a notável Zilah
Abramo, viúva de Perseu, tudo isso pode explicar meu ato falho, erro, o que
seja.
Sem
justificá-lo.
Cláudio
Abramo, como Perseu, um dos mais notáveis jornalistas brasileiros, é o
formulador da ideia.
Compensa
recuperá-la.
Está
à página 109 de "A regra do jogo : o jornalismo e a ética do
marceneiro", Edição de 1988, da Companhia das Letras, o depoimento de
Cláudio Abramo:
-
Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis,
cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista -
não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a
mesma do cidadão. (...). O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A
ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim
para o jornalista.
Imperdível
lição.
Voltemos
a Sóstrates Gentil, cuja vida foi sempre pautada na ética do marceneiro,
irrepreensível jornalista-cidadão...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Joaquim Lisboa Neto: Delícia de
leitura, plagiando título de ensaio seu sobre o nosso Osório Alves de Castro
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Emiliano José
28
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XVII
Ludmilla
é hoje jornalista experimentada.
Talentosa.
Está
em terras distantes, Vancouver, no Canadá.
Disso
já falamos, apenas retomo fio da meada.
Tem
pelo pai admiração incontida.
Merecida.
Fala
de um reencontro com ele ali pelos meados dos anos 1990.
Recuperar
a imagem do pai se você o perdeu quando estava com quase cinco anos apenas não
é empreitada fácil.
Há
quem prefira guardá-la a um canto, ficar com o pouco retido, a imagem envolta
em névoas, e seguir a vida.
Ludmilla
prefere ir atrás.
Mergulhar.
O
quanto puder.
Em
nome do Pai.
Jornalista,
deve ter consciência do porquê do abraço a tal profissão, quer reencontrá-lo
sempre.
Passo
a passo, a cada reencontro, vai descobrindo-o.
E o
amor, revivido a cada descoberta.
Lado
a lado com a admiração.
Destino
houvesse, e poderia dizer ter lhe pregado uma peça.
O
Pai não devia ter partido tão cedo.
Podia
ter crescido com ele em vida.
Desfrutado
de suas tantas lições.
As
do homem da cultura, das letras, do teatro.
E as
tantas advindas de sua personalidade de homem reto, íntegro, de irretocáveis
princípios.
O
destino não quis.
Ingrato.
Perverso.
O
reencontro com o Pai em meados dos anos 1990 foi no jornal "Bahia
Hoje".
Falar
em reencontro não é uma espécie de licença literária: ela o chama assim.
Era
jovem repórter recém-saída do batismo como foca no "Jornal da Bahia".
Convidada
pela editora de Política, Nice Melo, depara com Ivan Carvalho.
Era
ele a ponte para o reencontro.
Soube
muito por ele da personalidade do Pai, de suas qualidades como jornalista e ser
humano.
Reencontrou-o
em muitas conversas.
É
sempre bom acompanhar as pegadas do Pai fora dos muros familiares.
Ivan
Carvalho era muito amigo dele.
As diferentes
posições políticas não foram obstáculos para uma sólida amizade.
Ia
puxando conversa.
Ivan,
falando.
Deixando
trair amizade e admiração.
Colunista
de Política, silenciosamente, quem sabe como homenagem à amizade perdida,
tentava passar antigas lições à jovem repórter...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ludmila Duarte: Emiliano José
Mônica Bichara
Mônica Bichara: Guenta coração,
né amiga Ludmila Duarte? Pura emoção
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Emiliano José
29
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XVIII
Redação
é ambiente de trabalho e de convivência.
Você
vai fazendo amizades.
Com
uns, se aproxima mais.
Com
outros, menos.
Como
em qualquer lugar.
Os
novos, vão tateando, sentindo, e se aproximando daqueles com os quais têm mais
afinidades.
Assim,
com Ludmilla, filha de Sóstrates Gentil, no "Bahia Hoje" naqueles
meados dos 1990.
A
equipe da editoria de Política cultivava o costume de sentar-se no canto
direito da redação, ao fundo.
Final
de tarde.
Era
o momento de trocar ideias, falar da política e dos políticos.
Dos
bastidores, mananciais inesgotáveis do noticiário político, fontes essenciais
das editorias de política.
Ludmilla,
já à vontade, cobrindo Assembleia Legislativa, nesses encontros, ouvia muito.
E
falava também.
Contava
os muitos casos pescados entre uma conversa e outra dos parlamentares, ou fruto
de algum off de um ou outro deputado.
Ali
rolava muita fofoca.
Ludmilla
observava Ivan Carvalho, o colunista da editoria, o amigo do Pai.
Caladão,
não entrava nas conversas.
Só
assuntava.
Ouvidos
atentos.
Fazia
de conta não estar tão interessado.
Não
era com ele.
Um
dia, Ludmilla lê uma nota apimentada na coluna dele.
Nada
demais não fosse parecida com história contada por ela nos encontros de final
de tarde.
Disse
nada.
Podia
ser impressão, talvez ele próprio tivesse levantado a informação e
incrementado-a.
Dias
depois, outra nota.
E
passados alguns dias, mesma coisa.
Todas,
tinha certeza, fruto de suas informações.
Tinha
convicção: caladão, a um canto, malandramente, Ivan ia guardando as fofocas,
depurando-as, depois apimentando-as e, crau, publicava-as.
Ludmilla
só confirmou isso de modo a não restar dúvidas porque um deputado, puto dentro
das calças, abordou-a.
A
conversa em off saltara para a coluna de Ivan Carvalho.
Só
podia ser ela a fonte.
Calou-se.
Dizer
o quê?
Perguntou
a Ivan.
Uma
sonora gargalhada - a resposta.
Ludmilla
compreendeu.
Ao
invés de se irritar, riu junto.
Mestre
é mestre: todo dia, a partir desse fato, passava pra ele as informações de
bastidores da Assembleia.
Era
como um reencontro com o Pai.
Malandro
é malandro, mané é mané.
Ela
deixou de ser mané.
Lição
pra não esquecer.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Adelyne Lacerda: Kkkkk
sensacional!!!
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30
de abril 2020
Sóstrates Gentil
XIX
Ludmilla
não esquece: o Pai foi homem da cultura.
O
jornalismo era uma faceta de Sóstrates Gentil.
Uma.
Sua
militância tinha um horizonte largo, próprio dos intelectuais do Partidão.
Arrisco
dizer, na esteira de Gramsci: era o típico intelectual orgânico.
Colocava-se,
na sua intensa atividade intelectual, a serviço do projeto de mudança da
sociedade.
Naquele
momento, concentrar forças na luta contra a ditadura.
Olhos
postos na conquista da democracia, sem perder de vista a perspectiva
socialista.
Lia,
lia muito.
Estudava,
estudava muito.
Apaixonado
por teatro.
Cultivava
amizades no campo das artes.
Juarez
Paraíso, o grande Juarez Paraíso, notável artista plástico, foi amigo querido e
padrinho de casamento dele.
Mário
Gusmão, insuperável ator.
Nilda
Spencer.
Amigo
também do grande João Carlos Teixeira Gomes, jornalista e escritor.
De
Renato Simões, advogado, hoje desembargador da Justiça do Trabalho pelo 5º
Constitucional.
Do
genial Glauber Rocha.
Só
para citar alguns.
Inebriado
pelas crianças.
Queria
conversar com elas.
Escreveu,
montou e dirigiu 'Zipilin contra os Águias do Tempo".
"A
Torre dos Bonecos Encantados".
"Tio
Fusca e seus Sobrinhos Astronautas"
Com
essas peças, dialogava com a meninada.
Talvez
uma de suas maiores alegrias.
Não,
não perguntem como ele equilibrava o tempo.
Receber
pauta.
Cumprir.
Escrever.
Fazer
coluna de teatro.
Escrever
peças.
Montar.
Dirigir.
Paixões
impulsionam a vida.
Delas,
surge o tempo.
Assim,
com ele.
Movido
a paixões.
Várias.
#MemóriasJornalismoEmiliano
Sérgio Buarque de Gusmão: O livro
cresce...
Emiliano José: Sérgio Buarque
de Gusmão Caminhando. A ver.
Fred Matos: Conheci Sóstrates
em 1975. Ele iria dirigir uma peça de meu pai, Ariovaldo Matos, "O
Rigue" e fui escalado pelo velho para ser o produtor. Não aconteceu porque
a peça não foi liberada pela Censura. Foram poucos os contatos que tivemos em
reuniões na casa de Ari, mas tive e mantenho um excelente conceito sobre ele. O
que era uma intuição se confirma lendo esse seu depoimento.
Emiliano José: Fred Matos
Obrigado, Fred. Muito obrigado.
Emiliano José: Fred Matos Deve
ser O Ringue, não?
Emiliano José: 0u é isso mesmo?
Fred Matos: Emiliano José
Isso mesmo, O Ringue
Emiliano José: Fred Matos
Obrigado. Você podia me ligar?
Fred Matos: Emiliano José
Liguei, mas caiu na caixa-postal. Você verá uma ligação do DDD 031, é que estou
morando em Minas Gerais.
Ludmilla Duarte: No Marista
integrei um grupo de teatro chamado Caricaturetas. Resgatei as peças dele no
baú de minha mãe, apresentei ao grupo e acabamos montando "A Torre dos
Bonecos Encantados". Foi um sucesso estrondoso entre a criançada do Ensino
fundamental. O combinado com a escola era a gente ficar em cartaz apenas
durante a semana da criança, como fazíamos todos os anos, mas notamos que a
meninada voltava para rever a peça e o auditório ia ficando cada vez mais
lotado. Traziam os primos, os amigos, os vizinhos. Acabamos ficando mais três
finais de semana em cartaz, todos com auditório lotado. Eu já estava no último
ano do Ensino médio, assim como a maioria do pessoal do Grupo. Foi a última
montagem infantil da história do Caricaturetas, grupo que deve ter durado uns
10 anos e era admirado por toda a escola.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Sim, mas do baú só foi montada essa?
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Infelizmente, pelo Cari sim. Porque a anta aqui só foi ter essa ideia já no
final do Ensino médio. E montar uma peça leva tempo. Fizemos um trabalho lindo,
o Grupo era grande, cheio de gente talentosa. O cenário de Maurício Marçal foi
um escândalo de lindo, o figurino de Pati estava um absurdo, maravilhoso,
Carlutti dirigiu, o elenco entrou em cena afiado. A peça tinha muitos
personagens, a mãe, o filho, a filha desaparecida e trancada na Torre, os 3 bonecos
Encantados que despertavam pra ajudar o menino, o bruxo e seus ajudantes
malvados (três corvos), a fada. A peça é uma lindeza, e a gente, modéstia à
parte, fez um trabalho à altura do autor.
Ludmilla Duarte: Não foi à toa
que a meninada ficou doida.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
quem é Pati? Quem é Carlutti? Se puder, nomes inteiros. Atento. Tudo muito bom.
Sou repórter antigo.
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Pode deixar, estamos quase todos dessa época do Cari num grupo de WhatsApp. Vou
pegar as credenciais do povo e te passo. Bem, até já pedi pra eles virem aqui
comentar. Vamo ver.
JoãoDude Costa: Companheiro
Emiliano José, sou Dude, o mesmo que teve o prazer de te conhecer há pouco
tempo na Leiaute. Fiz parte desse grupo com Ludy e estava nessa montagem. Ela
tem a memória melhor do que a minha e disse que fui resgatar a trilha original.
Da música, me lembro e canto até hoje, mas dessa história, infelizmente, não
mais :( Que bom saber que estamos mais próximos por outros laços. Abração
JoãoDude Costa: Ludy, tô
cavucando o baú do cérebro aqui até agora. Talvez se você lembrar o nome do
professor da Escola de Música...
Ludmilla Duarte: JoãoDude Costa
Dude... tô fazendo um esforço da zorra... era Dilton...? Algo assim...? Conta a
historia de como vc localizou ele (o nome tava nas páginas do texto), resgatou
a trilha sonora original da peça (linda, por sinal), vcs regravaram tudo na
casa de Aragão...! Ele tocava um instrumento de sopro... clarineta? E vc foi um
dos bonecos, Dude! Vc estava muito engraçadinho...! Sua peruca era azul?
Laranja? A de Jô era rosa. O outro boneco era Deco Gedeon?
Ludmilla Duarte: Vc foi catar ele
na escola de música ou de Belas Artes. Mas ainda acho que era música.
Emiliano José: Feliz que se
reencontrem. Só vocês, tão jovens, para recuperar tudo. Abração, Dude.
JoãoDude Costa: Uriel 💙
Emiliano José: Vá puxando pela
memória. Você é novinha. Memória fresca...
Ludmilla Duarte: FOTO 1
Ludmilla Duarte: FOTO 2
Emiliano José: Difícil ler.
Faça síntese das duas matérias,. por favor. Em nome do Pai.
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Emiliano José
1 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XX
"O
Santo Inquérito", do baiano Dias Gomes, genial dramaturgo, o encantou.
Sóstrates
Gentil se envolveu com a história de Branca Dias, senhora de engenho perseguída
pela Inquisição no século XVI, levada ao palco por Gomes.
O
teatro, com sua magia, poesia, consegue contornar às vezes as proibições das
ditaduras.
E
dizer o impublicável.
Não
precisa ser panfletário.
Lembrar
o acusador de Branca Dias, padre Bernardo, dizendo:
"Os
que invocam os direitos do homem acabam por negar os direitos da fé e os
direitos de Deus, esquecendo-se de que aqueles que trazem em si a verdade têm o
dever sagrado de estendê-la a todos, eliminando os que querem subvertê-la, pois
quem tem o direito de mandar tem também o direito de punir."
Linguagem
da ditadura atravessando os séculos.
Pelos
caminhos da arte, a luta seguia, não frontal.
Embora
ele mergulhasse no teatro sobretudo pela paixão.
Isso
o deixava feliz.
Juntava
as coisas.
Era
um brechtiano.
Montou
e dirigiu "O Santo Inquérito".
Também
"O Homem do Princípio ao Fim", de Millôr Fernandes, "A Farsa do
Advogado Pathelin", texto de autor desconhecido, adaptado por Luiz
Hasselmann, "Valentino ou O Canivete de Prata", de Florisvaldo Matos.
Foi
atrás do veneziano do século XVIII, Carlos Goldoni, e montou e dirigiu também
"Mirandolina", nome da protagonista, peça também conhecida como
"La Locandiera" ou "A Estalajadeira".
"Esperando
Godot", de Samuel Beckett, também mereceu seu carinho, montagem e direção.
Recebeu
prêmio do jornal "A Tarde", em 1971, ano do nascimento de Ludmilla,
pela peça "A bicicleta do condenado", de Fernando Arrabal.
Não
soubéssemos da história de Sóstrates Gentil e sua rica passagem pelo
jornalismo, e o diríamos um teatrólogo, tal a profusão de peças dirigidas.
Era
também um teatrólogo.
Nunca
homem de uma nota só.
Homem
de sete instrumentos.
Admirável
criador.
Onde
estivesse.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
2 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXI
Foram
amigos de fé.
Irmãos
camaradas.
Mesmos
sonhos.
Mesmo
ideais.
Renato
Simões e Sóstrates Gentil.
Simões
é hoje desembargador da Justiça do Trabalho.
Vendo
essa série, emocionou-se.
Tomou
da pena e escreveu carta ao amigo.
Incrédulos
acharão besteira.
Ele,
nem aí.
A fé
não costuma faiá.
A
carta não vai chegar...
Roga
praga, não, incréu.
Cê
não sabe nada do reino dos encantados.
Começou
como antigamente:
"Sóstrates
Gentil, meu amigo querido!".
E
desanda a escrever, fala até de mim.
"Não
sabe com que alegria vi as publicações de Emiliano na internet a seu respeito.
Principalmente num momento como este que atravessamos. Seria tão bom se ainda
estivesse aqui conosco. Estou certo que sua caneta séria se juntaria a milhares
de jornalistas dessa nossa terra para impedir que a política fosse depreciada,
atividade essencial do ser humano."
Ele
tenta definir o amigo. Fala dos compromissos dele com o jornalismo, da defesa
da política.
"Enfrentou
nessa trincheira, como bandeira de vida, o mau-caratismo, fez esse combate,
tanto o de dentro, como o de fora da atividade."
Mostra
a capacidade dele de viver na diversidade - "nunca desrespeitou quem não
pensasse como você".
Tolerância
respeitosa.
Firmeza
de princípios.
Suspira
fundo:
"Ah,
como você está fazendo falta a esse jornalismo, meu amigo!"
No
jornalismo de hoje, perderam-se os conceitos e a verdade dos fatos foi
deteriorada, prevalecem as versões a serviço do poder - desabafo de Simões na
carta.
Revela
ter sido testemunha da angústia do amigo, da luta para tentar atravessar o
período ditatorial, fazer do Brasil uma democracia.
Não
chegou até lá.
A
democracia só foi conquistada em 1988, com a Constituição-Cidadã.
Tão
desmerecida nos tempos atuais.
E
hoje "as suas duas paixões, a política e o teatro, estão reféns daquilo que
você sempre combateu."
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Carmela Talento: Grande Renato
Simões, trabalhamos juntos na prefeitura na gestão de Lídice da Mata, foi um
gigante naquela luta sem tréguas nos quatro anos de governo. Quantos pedidos de
direito de respostas nas emissoras de TV, processos contra difamação e calúnia
sem falar na competente atuação para suspender o sequestro de verbas pelas
empreiteiras. Quanta luta !
Mônica Bichara: Que maravilha
esse depoimento, Renato Mário Simões é realmente um grande defensor da
democracia. Lembro bem, Carmela Talento, dos embates que Lídice da Mata teve
que enfrentar naquela época e ele foi um guerreiro contra toda malvadeza. Pelo
pouco que já conheço de Sóstrates, por Emiliano José e Ludmilla Duarte, não
tenho dúvida que se ainda estivesse aqui seria um orgulho, uma referência de
bom jornalismo (ou melhor, continuaria sendo)
Emiliano José: Mônica Bichara
Renato é uma extraordinária figura, um lutador
Mônica Bichara: Concordo
Ludmilla Duarte: Renato e Isa são
pessoas especiais na minha vida. Estão em algumas das melhores e mais alegres
lembranças de infância. Assim como os meninos, meus primos do coração. Uma
família musical, iluminada. Não houve uma apresentação de Yacoce (diretor
musical de Armandinho Macedo e filho mais velho deles) no Clube do Choro, em
Brasília, que eu não tivesse ido assistir nos nove anos em que moramos lá. Meu
pai se foi, mas as famílias nunca se perderam uma da outra.
Mônica Bichara: É uma família
musical mesmo, a começar por Renato e O Povo Pediu
----------------------------------------
Emiliano José
3 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXII
Pois
é, meu querido amigo Sóstrates Gentil: a política e o teatro, demonizados.
Renato
Simões segue dialogando com o companheiro de criação e farras da juventude.
Tanto
a política quanto o teatro, a cultura, essenciais à evolução da espécie, e
ninguém precisa ser gênio para entender isso.
É,
companheiro e amigo, mas hoje precisa.
"Coisas
tão simples, na compreensão primária da vida no planeta, demandam esforço
hercúleo, paciência de Jó e revolta científica."
Uma
regressão à idade da pedra - parece isso, constata Simões, e não exagera.
Avançamos
tanto, e de repente...
Fala
de assunto da intimidade do amigo.
A
grande imprensa, cuja contribuição foi enorme para a chegada a esse poço tão
fundo, está agora sendo obrigada, parcialmente, a fazer um mea culpa diante da
pandemia, onde, nesse caso, e só nele, constata o equívoco feito.
É
curioso observar, caro amigo, ela se debatendo, atacando exatamente a quem
tanto enalteceu.
Disso
você conhece, e talvez, de longe, sussurre aos ouvidos dos novos jornalistas:
esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...
É, a
grande imprensa, a "Rede Globo", "Estadão", "O
Globo", "Folha de S. Paulo", seus velhos conhecidos, tentam
mostrar a gravidade, a tragédia do coronavírus.
Mereceu
até elogios do nosso presidente Lula, veja só
Quanto
à pandemia.
No
resto, a mesma...
A
mesma merda.
Nunca
vai fundo quanto às causas mais profundas do sofrimento do povo brasileiro,
cuja tragédia agravou-se desde o golpe de Temer e eleição de Bolsonaro.
Chegamos
à barbárie absoluta com o coronavírus e a política genocida do presidente.
Não
está sendo fácil, caro amigo.
Me
perdoe incomodá-lo com tanta notícia ruim.
Tanta
saudade, e eu, nessa carta, até agora só falando de coisa do demo.
Por
falar nisso, a fé hoje é instrumento fundamental da dominação política.
Muitos
dos autoproclamados cristãos são alicerces fundamentais dessa regressão
medieval.
Sei,
sei bem: estivesse por aqui, estaria na linha de frente do combate a toda essa
barbárie, com sua pena afiada.
Colocaria
todo seu conhecimento a serviço da defesa da vida e da luta pela reconquista de
direitos de nossa gente.
Pena,
caro amigo, esteja tão longe.
Tentamos
ser fiéis ao seu legado.
Tentamos...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Que emoção essa
carta de Renato Mário Simões, só notícia triste pro amigo distante...Tá vendo o
q vc provocou, Emiliano José? Essa série vai longe
Emiliano José: Mônica Bichara pensei
nuns cinco capítulos. Passa um pouquinho de 20...
Helio Shaalon Santos: Er temos pensar
positivo que essas coisas vamos vencer assim como o povo brasileiro
heroicamente vamos e temos de passar pois esse desmando deste desgoverno
filhote da ditadura.
Parabens
Emiliano José por tudo companheiro em saber pessoas como vc esta do nosso lado
da democracia sempre.
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4 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXIII
Na
carta escrita para o amigo Sóstrates Gentil, Renato Simões revela ter sido
Ludmilla a provocá-lo.
-
Visite o site de Emiliano. Conte histórias de meu pai.
Em
nome do Pai.
Ludmilla
foi minha aluna.
Bem
menina, a primogênita, então.
E
ele resolveu então revolver sonhos de juventude.
Se
soltasse, e daria um livro.
Foram
tantos os sonhos, tantas histórias, ousadias de que só a juventude é capaz.
Volta
no tempo, se vê jovem, ele e Sóstrates, a vida começando, família se
constituindo, filhos nascendo, responsabilidades se multiplicando.
É
momento do risco de ser fisgado pelos compromissos, amarras naturais,
responsabilidades.
Momento
de nos tornarmos iguais aos nossos pais.
Nada,
a alegria da vida, embalados os dois por sonhos enlouquecidos, iam rompendo os
grilhões, metendo a cara.
A
velha Bahia pulsando no sangue, vontade, pressa de fazer tudo, encontrar tempo
para não deixar a rotina trabalho-casa paralisá-los.
Não
queriam ficar à frente de uma tevê comendo pipoca esperando a morte chegar.
Porra
nenhuma.
Nada,
meu caro amigo.
Metemos
a cara.
Eu o
esperava sair do jornal, e a noite era menina.
Era
do teatro.
Duas
amantes o perturbavam: jornalismo e teatro.
Sou
testemunha de seu esforço: tentava atender as duas.
Paixão
não é coisa de Deus, não.
Arrasta
você, domina-o.
Loucura,
então, quando duas.
Psicanalistas
diriam: paixão é só uma de cada vez.
Ele
contrariava o dogma.
E
aí, o bicho pega.
Saído
do jornal, a gente mergulhava nas noites, ensaio das peças até altas horas.
Fundamos
o Tema.
Assim
denominamos o Teatro de Máscaras da Bahia.
Você,
nosso líder.
Foram
tantas as montagens com você na direção.
Em
"A bicicleta dos condenados", de Arrabal, será que você se lembra?,
me recordo de George Fragoso Modesto Júnior, de Edvaldo e Antônia atuando.
Nos
juntamos "Esperando Godot".
Nesta,
eu atuava, quem diria, ator, culpa sua.
Eu,
Antônia, De Sordi, Roberval.
Júlio
Vilan na expressão corporal.
Éramos
corajosos.
Fomos
"Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, no Teatro Vila Velha,
aqui na nossa Salvador, e em Aracaju.
Na
capital sergipana, um sufoco, lembra?
A
apresentação seria em dia de jogo da seleção brasileira de futebol...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Apaixonada por
essas cartas de Renato Mário Simões
Ludmilla Duarte: Mônica Bichara
Ele está acompanhando as postagens aqui e lendo os comentários de vocês. Falou
comigo, com muito carinho e admiração, sobre você e Carmela Talento,
Moniquinha.
Emiliano José: Ludmilla Duarte
Não estou sendo tão literal com a carta. Quem escreve, se atreve. Se houver
equívocos ou exageros, ele pode atribuir tudo a mim.
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte
eu imaginava isso, mas fica na moita.....Renato é um querido q aprendi a gosta
através do meu amigo Toninho Lelis, cunhado dele, irmão de Isa, depois o
reencontrei pelas mãos do meu cunhado Hélio Barná (faleceu há 2 anos),
amicíssimo dele e com quem fui à solenidade de posse como desembargador.
Escreve mais Renato, vai escrevendo que seu caro amigo certamente está adorando
Mônica Bichara: Tem alguma foto
com ele ou dele, Renato Mário?
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6 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXV
Mesa
de bar é laboratório de criação.
Boêmia
é coisa de artista.
E de
jornalista.
Pode
parecer senso comum, e é.
E
por ser do senso comum, tem muita verdade nisso.
Na
carta de Renato Simões a Sóstrates Gentil, a prova.
Muita
coisa surgia no cardápio boêmio dos dois.
Encontravam-se
depois da última reportagem de Sóstrates.
Às
vezes, tarde da noite.
E
caíam na buraqueira.
O
pau comia
O
mocotó de Paula, no final da Ladeira da Fonte Nova, subindo pra Nazaré, que
delícia, não é, meu velho?
E a
feijoada do Edésio, no Mercado das Sete Portas?
A
gente lambia os beiços.
O
feijão do Biu, no Cabeça?
Caíamos
matando.
O
caminhão da Castro Alves?
Uma
lambança.
Tinha
era noite, imensidão.
A noite,
sempre menina.
Tinha
era farra, e muita conversa.
Celebração.
Sim,
tudo aquilo era celebração da amizade, eterna.
Ah,
o Bar do Moreira, não podia esquecer.
E o
memorável Raso da Catarina.
Deu
até livro, tanta a fama, tanta história.
Entra
em beco, sai em beco, e íamos redescobrindo a velha, amada Bahia.
Dois
Quincas Berro D'água a perambular pela querida Salvador de antanho.
Bons
tempos, querido amigo.
Não
me saem da memória.
Vão
nos chamar de saudosistas.
Que
seja.
Lembro:
você comprou um Fusca.
E lembro
também: barbeiro igual, poucos.
Sabia
nada de volante.
Foi
parar dentro do Dique do Tororó.
Me
explicou: o carro não afundou por causa do ar dos pneus.
Rimos
muito.
Ainda
ouço, ainda vejo aquela sua risada, envolvente, contagiante, menino rindo de
travessura.
Mas,
querido amigo, eu me preocupava muito.
Só
de pensar em você ao volante, me dava arrepios, me deixava em sobressalto...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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7 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXVI
É,
meu querido amigo, lembro de nossas conversas.
Tantas.
Às
vezes, a gente filosofava.
Você,
mais.
Houve
um dia...
Renato
Simões prossegue com sua carta, o diálogo com seu companheiro tão querido,
Sóstrates Gentil.
Houve
um dia de conversa sobre a vida.
Não
me recordo se em mesa de bar.
Talvez.
Eu o
observava muito
Amigo
de verdade é assim.
Testemunhava
sua ansiedade pela vida, pressa de viver.
Intrepidez
de atitudes.
Arrojo.
Era
decididamente um sujeito disposto a afrontar obstáculos.
Tinha
sempre urgência em tirá-los da frente.
Gostava
da vida.
Sabia:
viver é arriscoso.
O
jornalismo, com seu incessante vai e vem, a novidade diária, foi escolha de
acordo com sua personalidade.
O
teatro, um modo de exteriorizar suas angústias e sua capacidade criativa,
maneira de se eternizar.
Demorou
a ter um carro.
Creio:
o primeiro foi o Fusca, quando já chegara aos 38 anos.
Talvez
naquela mesa de bar você me disse tanta luta essa vida tanta luta minha vida
que arrenego morte me pegar e me levar dormindo nada quero não só irei brigando
com ela terá de me levar aos pedaços.
Nada
de morrer dormindo.
Sorrimos,
terminamos a cerveja, agora lembro, foi conversa de bar mesmo.
Fiz
uma viagem com Isa para Belém do Pará, voltei extasiado, e lhe falei: todos
deviam conhecer o Norte do País, a exuberância de nossas origens, florestas,
rios, a influência indígena na culinária, nos costumes, nas artes, na cultura.
Seus
olhos brilharam:
-
Vou tirar umas férias e vou lá!
E
foi.
Você,
Pompéia, Ludmilla e Bartira.
O
acidente o levou naquele janeiro de 1976.
Para
sempre.
Nos
sentimos responsáveis pelo seu legado.
Tentamos
ser dignos dele.
Um
abraço pra você, onde você estiver.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Forte pra
caramba tudo isso, lendo emocionada
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Emiliano José
8 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXVII
Pela
estrada, Sóstrates Gentil foi deixando amigos.
Curta
tenha sido a vida, tão intensa, fez uma renca de amizades.
George
Fragoso Modesto Júnior, uma delas.
Jornalista
precoce, depois advogado, os três dividiam estrepolias - Renato Simões,
Sóstrates Gentil e ele.
Recorda:
quando em 1969 Samuel Beckett ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, ano seguinte
Sóstrates Gentil e Pompeia, sua mulher, buscavam um exemplar de "Fim de
Partida".
Não
havia ainda tradução da peça, não era simples encontrá-la.
Dispôs-se
a ajudá-los.
Vasculharam
a Biblioteca dos Barris, recém-inaugurada, ele e Sóstrates.
Nada.
Retornam
a pé, de mãos vazias, rumo à Piedade.
George
Fragoso propõe: vamos passar na pensão de dona Lúcia.
A
mãe de Glauber Rocha os recebe, e de pronto diz:
-
Seu amigo está aí.
E
irrompe Glauber, gritando:
-
Maluquinho!
Nada
da peça.
Desde
esse dia, Sóstrates só o chamava Maluquinho, herança glauberiana.
O
texto foi encontrado e a peça, montada, sob a direção de Sóstrates, já se
disse.
Quando
George Fragoso soube da disposição de Sóstrates e Renato Simões encenarem
"O Homem do Princípio ao Fim", recebe o pedido de tentar a liberação
da peça junto ao autor, Millôr Fernandes.
Iria
ao Rio de Janeiro curtir a dor de ter perdido o vestibular.
Não
custa, né? disse Sóstrates, dando-lhe endereço, telefone, tudo do rabugento
Millôr.
Nada,
nem rastro.
O
homem não dava sinal.
Parecia
um clandestino.
Numa
dessas curtições de fossa em Copacabana, George Fragoso senta-se numa daquelas
mesas ao ar livre, e pede um chope.
Antes
de ser servido, um tapa nas costas:
-
Porra, Maluquinho, o que faz por aqui?
Glauber
durante a conversa pediu mais de um suco de laranja integral, e sempre repetia:
integral.
Contou
de sua missão não cumprida.
Glauber,
sendo Glauber:
-
Diga a Gentil que a peça vai ser liberada. Se não for hoje, amanhã.
E
virou as costas.
Nem
deu tempo para George dizer alguma coisa.
Dia
seguinte, compra o "Pasquim", e lá estavam...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Carmela Talento: Muito bom!
Joaquim Lisboa Neto: Noites outonais
melhorais com suas crônicas camarada
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9 de
maio 2020
Sóstrates Gentil
XXVIII
Dia
seguinte à saída sem despedida de Glauber Rocha, George Fragoso toma seu café
sossegadamente, passa na banca de jornais, toma do "Pasquim", leitura
obrigatória da esquerda então.
Dá
de cara com Glauber e Millôr falando dos últimos feitos deles.
Glauber,
do "Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade", filme mais recente
dele, considerado um dos 100 melhores filmes brasileiros pela Associação
Brasileira de Críticos de Cinema.
Millôr,
da peça "O Homem do Princípio ao Fim".
Logo
depois, recebe telefonema de Sóstrates Gentil.
Peça
liberada.
Glauber
convenceu o rabugento.
Amizade
faz de tudo.
Os
três mosqueteiros - e aqui eram três mesmo, não quatro, como os de Dumas -
tinham um forte ponto em comum: o teatro.
A
atividade teatral cimentou a amizade.
George
Fragoso e Renato Simões estudaram no Colégio Severino Vieira, amizade antiga.
Claro,
e conto, os dois também passaram pelo jornalismo.
Pero,
apenas Sóstrates Gentil fez da atividade o ganha-pão.
Os
outros fizeram do Direito caminho de sobrevivência.
Fragoso
carrega a marca da precocidade.
Aos
13 anos, em 1962, estimulado por Glauber, estagia no Diário de Notícias.
Ele
se aproximava dos mais velhos, das estrelas da época.
Não
só de Glauber.
Também
de Paulo Gil Soares, de Jheová de Carvalho, Djalma Correia, tantos outros.
Sempre
com a máquina de filmar 8mm, presente da avó, relíquia preservada até hoje.
Com
15 anos incompletos, em 1963, já está apresentando o programa Rádio Repórter
N26, da Rádio Emissora de Alagoinhas.
O
pai, promotor, havia sido designado para o município.
Apresentava
o programa ao lado de Carlos Navarro Filho, meu chefe mais tarde no
"Estadão".
Aí
fica até 1966.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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((Ludmila adolescente e os colegas do grupo "Caricaturetas", do Colégio Maristas, encenando a peça infantil "A Torre dos Bonecos Encantados", de Sóstrates Gentil)
Emiliano José
Emiliano José
10
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXIX
Do
jornalismo, pulou para o teatro.
George
Fragoso não foi às cegas.
Talento,
tinha.
Precisava
de alguma formação.
Fez
o Curso Livre de Teatro e Cinema, oferecido pela UFBA, Guido Araújo e Nilda
Spencer à frente.
Desgraçou
a produzir: roteiros, filmes.
"Recôncavo",
parceria com Cícero Bathomarco, alcançou 11 premiações em diferentes festivais.
Ator
em "Nem tudo que reluz é ouro", de Ailton Sampaio.
E na
peça "A bicicleta do Condenado", de Fernando Arrabal, dirigida pelo
amigo Sóstrates Gentil.
Tanta
coisa até o Direito tomá-lo por inteiro.
Renato
Simões, história parecida.
Passa
pela militância do movimento estudantil, junto com George Fragoso no Severino
Vieira e mais tarde na Faculdade de Direito da UFBA.
No
colégio, atua em "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo
Neto, peça montada por Roberto Bonfim.
No
jornalismo, começa como rádio-escuta na Rádio Sociedade da Bahia.
Captava
e redigia notícias para serem lidas por Manoel Canário, Gesil Sampaio, Zé
Renato ou Reinaldo Moura, locutores.
Não
era fácil.
Ouvir
as notícias de meia em meia hora, datilografar, e ir passando adiante.
Fez
amizade com Manoel Canário, a persistir até os dias atuais.
Dalva
de Oliveira cruzou o seu caminho: morreu.
31
de agosto de 1972.
A
"Rádio Globo" deu a notícia.
Ele
não ouviu, não registrou.
Tinha
ido ao sanitário.
Imagine:
não dar a notícia sobre a morte da Rainha do Rádio?
Demitido.
Pega
o caminho do Direito.
Manoel
Canário, mais ou menos nessa época, o apresenta a Sóstrates Gentil.
Amizade
se consolidou.
Sua
vocação pelo teatro vem de casa.
A
mãe, Alleluia Borges Simões, atriz, formação no Conservatório Nacional de
Teatro do Rio de Janeiro, prima-dona de inúmeras operetas montadas na Bahia,
integrante do Teatro dos Novos-Vila Velha, lhe deu régua e compasso.
Canta
nos "Pequenos Cantores da Guanabara" quando morando no Rio.
Integra
o elenco das operetas na Bahia.
Sóstrates
Gentil o encontra ator pronto, e Renato Simões participa de tantos projetos com
ele.
Os
três mosqueteiros não se largavam.
Até
a partida de Sóstrates em janeiro de 1976.
Na
lembrança dos dois, ele permanece presente.
Daquelas
pessoas destinadas, pudessem os dois assim seria, destinadas a serem eternas.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: A cada dia mais
interessantes essas histórias de tantos personagens em volta de um. E pensar q
esse capítulo seria curto.... já caminhamos para o XXX
Emiliano José: Mônica Bichara
Pensei nuns três capítulos. Cresceu um pouco.
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(Ludmila adolescente e os colegas do grupo "Caricaturetas", do Colégio Maristas, encenando a peça infantil "A Torre dos Bonecos Encantados", de Sóstrates Gentil)
Emiliano José
Emiliano José
11
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXX
Norinha
é uma menina linda.
Feliz.
Brincalhona.
Um
dia, sem quê nem pra quê, surge um bruxo.
Sorrindo
seu sorriso de bruxo, carrega Norinha.
Toda
assustada, coitadinha, Norinha é enclausurada numa torre.
Seu
irmão ficou só, triste.
Angustiado.
Quer
libertá-la.
Não
sabe como.
Num
sonho, uma fada aponta o caminho:
-
Faça quatro bonecos.
Fez.
A
fada os desencantou e os intrépidos bonecos o ajudaram a salvar a irmã do bruxo
malvado.
"A
Torre dos Bonecos Encantados" é peça infantil de Sóstrates Gentil.
Ludmilla,
a filha primogênita, com 16 anos, primeiro ano colegial, foi uma das atrizes da
peça, exibida pelo grupo "Caricaturetas", dirigido e integrado por
alunas e alunos do "Colégio Maristas".
A
estreia foi no dia 17 de novembro de 1987, e era a quinta montagem do grupo.
Ficou
em cartaz até 22 de novembro.
Em
nome do Pai.
Quanta
emoção, não, Ludmilla?
Trabalhar
numa criação do Pai.
Torná-lo
presente.
Eternizá-lo.
Se
uma coisa o animava na criação teatral, era falar com as crianças, invadir seus
sonhos, transportá-los para o palco.
Na
história do bruxo e dos bonecos encantados, trabalharam Bráulio Filho, Daniel
Aragão, Fernanda Camacho, João Felipe, Josane Noronha, Eneida Dutra, Mérica e
Erica Martins, Simone Assis, Patrícia Salume Merigueti, André Gedeon, Carlos
Eduardo Baleeiro e Susan Camacho.
Figurinos,
a cargo de Patrícia Moura, também contra-regra.
Música,
Dilson Peixoto e Raimundo Aragão.
Diretor,
Carlutti, 18 anos - Carlos Maurício Batista, ex-aluno do Maristas, fazendo
Engenharia Elétrica.
O
grupo já havia apresentado "O sonho não sonhado de Prequeté", de
Orígenes Lessa, "As desgraças de uma criança", de Martins Pena,
"A via sacra de Jesus da Silva", adaptação do grupo, e "Toda
donzela tem um pai que é uma fera", de Gláucio Gil, até ali o maior
sucesso do "Caricaturetas".
Ludmilla
não quis continuar atriz.
Preferiu
Jornalismo.
Em
nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ludmilla Duarte: Era um bruxo.
Vivido no palco por Daniel Aragao. As crianças tremiam de medo dele. 😂
Patricia Salume Merigueti: Patrícia não é
Selma é SALUME.
Ludmilla Duarte: Patricia Salume
Merigueti hahahahahaha! Ele tirou de um dos artigos publicados em jornais da
época. Quem escreveu errou na digitação do seu sobrenome.
Ludmilla Duarte: Peia Souza,
Carlos Mauricio Batista, Josane Noronha, Braulio Baptista, Deco Gedeon, Pat
Camacho.
Deco Gedeon: adorei lembrar
desse nosso momento.
Braulio Baptista: Ludmilla Duarte
obrigado por compartilhar esse lindo tributo. O Caricaturetas é pra mim a mais
linda memória dos tempos do Marista. Vocês todos foram figuras marcantes na
minha vida. Nunca esquecerei de vocês e a vocês serei eternamente grato.
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista
somos todos, sentimos igual
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista
vamos fazer uma live no sábado dia 16 20hs horário de Brasília. Se quiser
participar eu mando o link. Vale pra vc André
Braulio Baptista: Carlos Mauricio
Batista quero muito!
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista
bacana!!
Braulio Baptista: Tem que chamar
também Maurício Esteves Marçal
Deco Gedeon: eba
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista
ja chamei. Ele está refletindo sobre o assunto
Carlos Mauricio Batista: Braulio Baptista
vamos usar o zoom
Carlos Mauricio Batista: Mas temos um
grupo no Whatsapp se quiserem participar me mandem seus telefones pelo
Messenger André e Bráulio. Saudades de vcs.
Emiliano José: Jornalistas, nem
sempre são precisos nos nomes. Chefe de reportagem, insistia muito: nunca erre
nome. Mas, sempre havia erro. Fui copiar, deu nisso. Ainda erraram o sexo da
bruxaria.
JoãoDude Costa: Que bela
lembrança, Emiliano. Meu nome artístico na época era João Felipe, nem eu mesmo
sei mais o motivo. Foi uma bela montagem. Uma curiosidade que me ocorre agora é
que o crânio que eu usava pra estudar anatomia, já na UFBA, virou um dos
elementos mais assustadores do castelo, cujo cenário ficou espetacular!
Emiliano José: JoãoDude Costa E
você continua bruxo...
Ludmilla Duarte: Emiliano José
Mas ele era um dos bonecos encantados.
Ludmilla Duarte: Só faltou
incluir a iluminação de André Reis, outro que arrasou nos bastidores da peça.
André Reis: Lud, sejamos
justos. Não fui eu, o iluminador. Afastei-me do grupo, quando entrei na
faculdade.
Ludmilla Duarte: André Reis Vc
não fez a iluminacão na Torre? Quem fez então? Eu jurava que foi vc.
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Emiliano José
12
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXI
Ludmilla
Duarte estava lá posta em sossego, em sua modorria na assessoria de Comunicação
da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.
Não,
corretor, não é mordomia.
Modorria
- vem de modorra.
Era
chefe.
Foi
sacudida para organizar celebração dos 40 anos da Codevasf, completados naquele
2014.
Elmo
Vaz, presidente.
Pensou
no Pai.
E
pensou porque à mente lhe veio Ariano Suassuna, gênio a acompanhar o pai, a
inspirá-lo, tantos livros dele em sua biblioteca.
Sóstrates
Gentil era um admirador incondicional de Suassuna.
Recostou-se
na cadeira.
Sonhou:
auditório lotado, a voz com o inconfundível sotaque caipira-intelectual-nordestino,
a contar histórias do Brasil sertão sertão Nordeste, a desancar o Império,
esculhambar os USA, chamar o Brasil de Brasil, excomungar o Brazil.
E
falar do sertanejo, Brasil profundo, arranhando a pele curtida caatinga
adentro.
Ah,
como seria bom uma celebração assim.
Seu
Pai, tinha certeza, adoraria.
Suassuna,
tudo a ver com a Codevasf, nascida para dar suporte ao sertanejo, antes de tudo
um forte, o homem de Euclides da Cunha, capaz de afrontar todas as secas e
tempestades, se entrega Corisco eu não me entrego não não sou passarinho pra
viver lá na prisão não me entrego a tenente não me entrego a capitão só me
entrego na morte de parabelo na mão, Codevasf das águas, das margens, do São
Francisco, do Parnaíba, do Itapecuru, do Mearim.
Acordou.
Levantou-se
da cadeira.
Não
para desistir.
Danou-se
atrás do sonho.
Deu
ordens a torto e a direito.
Revirou
céus e terra.
Infernizou
a assessoria dele.
Suplicou.
Deu
certo: Suassuna ia participar de um ato do STJ em Brasília.
Topou
incluir a Codevasf na agenda.
No
grande dia, leva três livros dele, herdados do Pai, para serem autografados.
Suassuna
surpreende todo mundo.
Chega
30 minutos mais cedo.
Ele
e a mulher.
Ludmilla,
quase paralisada diante do gênio, pasma ao encará-lo em carne e osso.
Não
sabia...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Sérgio Buarque de Gusmão: O livro
cresce...
Emiliano José: Sérgio Buarque
de Gusmão A ver
Sérgio Buarque de Gusmão: Emiliano José
Era o que Samuel Wainer dizia antes de lançar o "best-seller"...
Mônica Bichara: Essa eu já sei,
mas mesmo assim curiosa para ver a contação do mestre Emiliano José
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Fer Nandinha: Ludmilla Duarte
morta! Você foi a melhor chefe que a Codevasf já teve. Deixou marcas na
assessoria de imprensa dessa honrosa empresa. Deu brilho ao trabalho
jornalístico. Respeitou como ninguém os beneficiários da empresa, dando voz aos
nordestinos por meio dos programas de rádio e por meio das lindas reportagens
pautadas e, muitas vezes produzidas, por você.
#Memoriasqueamolembrar
Emiliano
José parabéns e obrigada pela lembrança.
Ludmilla Duarte: Dessa
"modorria" aí eu lembro não! Kkkkkkkkkkkk! Quem me dera!!!!
Emiliano José: Ludmilla Duarte
narrador é para lembrar o que a gente esquece...
Ludmilla Duarte: Elmo Vaz
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Emiliano José
13
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXII
Ludmilla,
na boca, no gargarejo, diante do gênio...
Mas,
vou pedir licença, paciência, e deixar Ariano pra logo mais.
Nada
de se irritar.
Ele
volta.
É
cabra retado.
Não
falha.
Falar
um pouco dessa menina, né?
Filha
de Sóstrates Gentil merece ser tratada com zelo.
Ainda
mais seguindo a mesma estrada.
Em
nome do Pai.
Estreia
dela, novinha, novinha, verde verde, exalando juventude de 22 anos, foca, dá de
cara com Vander Prata no "Jornal da Bahia", veterano, disposto a
sacudir a garota, matar a fome dela por jornalismo, agora de verdade.
Treino
é treino, jogo é jogo.
Já
ouviram isso, né?
Agora,
jogo.
De
Vander, sei do talento.
Eu o
tive como colega no mesmo "Jornal da Bahia", anos antes.
Pouca
gente sabe.
Nós
vínhamos de amizade desde 1967/68, eu militante totalmente dedicado, ele
próximo, turma do Cedom.
Depois,
cada um foi pro seu canto.
Saído
da prisão, nos reencontramos na Bahia, jornalistas.
Ele,
Jamir, Huguinho arribaram pra Salvador.
Se
ele me ajudar, conto melhor isso mais tarde.
Chefe
às vezes arrisca no limite com a juventude.
Estica
a corda.
Acontecia
em Salvador a III Cumbre Ibero-americana em Salvador, presença de Fidel Castro
e a porra toda, idos de 1993.
Lídice
da Mata, prefeita.
Dá
um estalo na cabeça de Vander.
Mandar
Ludmilla e a fotógrafa Angela Decânio procurar os mendigos presumivelmente
afastados dos olhares dos visitantes pelo governo do Estado.
Puta
pauta.
As
duas, intrépidas, seguem para debaixo do viaduto do Politeama, atrás de
maltrapilhos, sem-teto, mendigos.
Puta
encrenca: viram-se subitamente cercadas pelos mendigos, com cara de poucos
amigos, alguns com soqueiras nas mãos, não estavam a fim de conversa, nada de
ser fonte, papo de branca, Ludmilla, sabe nada inocente, explicando, tentando
dominar o terror, Angela abraçada à câmera querendo protegê-la, Ludmilla
suavemente insistia, eles, nada, evasivos, só queriam as duas fora dali, nada
de notícia no jornal, esparro, branco é cheio de armadilha, manda as mina e
atrás depois das notícias vem os meganha...
Tá
tudo bem, tá tudo certo, foi dizendo Ludmilla tentando acalmá-los enquanto se
afastava sentindo furor nos olhos deles quase a dizerem que porra querem aqui
essas meninas...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Vander Prata: Meu broder
Emiliano José, paulista, nos conhecemos desde 1966, secundaristas parceiros de
arte&política, zona norte da paulicéia, tempo de sonhos e porrada de
milicos. Emi arribou pras bandas de cá antes de mim. Cheguei em 74. Nos
reencontramos jornalistas em 78, no Jornal da Bahia na Barroquinha. Mas isto é
pra outro papo. Me emocionei lendo esta lembrança da querida Ludmila. Prossiga,
mano véi, esta moça tem é história.😘
Mônica Bichara: Foca passa por
cada uma....Já contei aqui que passei por sufoco parecido, só que em vez de
mendigos eram motoristas de táxi em greve, em assembleia num terreno vazio,
putos por causa de um artigo de Arnaldo Oliveira no Jornal da Bahia contra o
movimento. Até o fotógrafo era foca e acho que depois dessa nunca mais quis
saber de reportagem, porque sumiu. A proposta da assembleia era se eu deia ou
não COMER o jornal com o bendito editorial. Fui salva por um grupo que me deu
proteção pra sair, enquanto os outros chutavam o carro de Azambuja
Mônica Bichara: Ludmilla Duarte
TB fiquei assim na hora kkkkkk
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Emiliano José
14
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXIII
Ludmilla
Duarte foi se saindo assim de fininho, devagar devagarinho, Ângela Decânio
também, não tirava os olhos daqueles homens de olhos furiosos, medo, muito
medo, andando de costas, até sair do Politeama, e cair no mundo.
Que
porra de pauta.
Só
agora se dava conta do risco.
Medo
- o medo é um sentimento terrível.
Aprendeu
ali.
Aprendeu
até a controlar o medo.
Um
pouco, mas controlou.
Passado
o terror, a caminho do "Jornal da Bahia" lembrou de uma aula de
história.
Rio
de Janeiro.
O
senador Pinheiro Machado, 1915, vinha chegando em sua carruagem ao Palácio do
Conde dos Arcos, sede do Senado então.
Surpreendeu-se
com a multidão aglomerada em frente ao palácio, furiosa porque ele havia
imposto o nome de Hermes da Fonseca como senador pelo Rio Grande do Sul. Abriu
a cortina, e avisou o cocheiro:
-
Preste atenção: nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça
medo.
Foi
mais ou menos como agiu.
Instintivamente.
Saíram
inteiras.
E
Ângela, com sua máquina, incólume.
O
couro vai engrossando com essas experiências.
Traumas
são parte da vida.
Mas,
no calor da hora, nada é simples.
Chegou
trêmula à redação.
Chorava
muito.
Rita
Borges, editora de Cidade, amparou-a em silêncio, companheirismo a toda prova,
ouviu tudo, e entrou furiosa na sala de Vander Prata.
Dava
pra ver de fora do aquário, a indignação de Rita.
A
pauta fora dada por ele, não por ela.
Passado
o trauma, enxugadas as lágrimas, dominada a tremedeira, Ludmilla agradece hoje
tanto a Rita pelo carinho e instinto de proteção com a repórter novata, quanto
a Vander pelo batismo de fogo.
O
que não mata fortalece.
Se
quis jornalismo, aguente o tranco.
Parecia
ouvir a voz de Sóstrates Gentil.
Seguia
em frente.
Em
nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Carmela Talento: Emiliano José o
coro vai engrossado com essas experiências
Ludmilla Duarte: Carmela Talento
Acho que ele quis dizer couro mesmo, Carmelita. De couraça. Casca. Foi o caso. 😂
Carmela Talento: Ludmilla Duarte
eu também quis dizer couro, faltou o u kkkk.
Mônica Bichara: O que não mata
fortalece é de lascar 🤣😅😅 mas é bem assim
mesmo. E segue Em nome do pai
Emiliano José: Mônica Bichara
Meu pai dizia o que não mata, engorda. Quanto à comida.
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15
de maio 2020
Sóstrates Gentil XXXIV
Cá
pra nós: nem ela acreditava.
Como
se precisasse se beliscar.
Como
se sonho.
E
era.
Realizado..
Ariano
Suassuna estava ali.
Em
carne e osso.
Dramaturgo,
romancista, ensaísta.
Poeta.
Amante
da cultura nordestina.
Idealizador
do Movimento Armorial.
Ludmilla
Duarte tentava se equilibrar.
Tomar
tenência de si.
Era
ele: o autor do "Auto da Compadecida", "O Romance da Pedra do
Reino", "O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta".
Enquanto
tentava se equilibrar, pensava no Pai.
Sóstrates
Gentil era admirador incondicional de Ariano.
Tinham
muita coisa em comum.
Suassuna
fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco, nos anos 1940.
Era
do teatro, também.
Ludmilla,
caindo em si, perguntava-se antes da entrada dele em cena: devo ou não
abracá-lo, beijá-lo?
Veio
o rompante: abraçou e beijou.
Com
gosto.
Você
sabe o que é tiete?
Emoção
à flor da pele.
-
Não é todo dia que a gente conhece um gênio assim em carne e osso.
- E
ainda toca e fala com ele.
Na
primeira fileira do auditório da Codevasf, em Brasília, trocou algumas palavras
com ele.
Nas
mãos, livros de autoria dele, herdados da biblioteca do Pai.
Ele,
aquela gentileza desabrida, nordestina, tomou-os das mãos dela, olhou, folheou
páginas tão conhecidas, acariciou-os, quase agradece por tê-los trazido, e se
pôs a autografá-los.
Só
aí perguntou meu nome.
Adorou:
nome russo.
- De
onde você é?
- De
Salvador - respondeu Ludmilla.
Filha
tiete, anuncia logo:
-
Meu pai era teatrólogo.
Foi
assim a aproximação com a obra dele, os livros à mão desde cedo - apressou-se
em explicar, feliz com a conversa.
Ele
assuntando, atencioso, curtindo os dois dedos de prosa.
-
Quem é seu pai?...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jose Jesus Barreto: Emiliano,
querido: traído pelo corretor burrinho, saiu Auto da Comparecida (rrsrs) ao
invés de Compadecida. Corrija, please, pra não macular o bom texto. bjs.
Emiliano José: Jose Jesus
Barreto esse corretor é a porra... Ainda bem que você existe...
Emiliano José: Jose Jesus
Barreto Ainda bem que você compareceu...
Jose Jesus Barreto: Emiliano José
compadecido rsrsrs
Jorginho Ramos :Jose Jesus
Barreto é o corretor dos corretores !
Emiliano José: Jorginho Ramos
Ainda bem existe... O uso do cachimbo faz a boca torta... Ele continua chefe de
todos. Por merecimento.
Jose Jesus Barreto: Emiliano José “
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se
pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada na
minha garganta”.
·
“Eu
adormeço às margens de uma mulher. Eu adormeço às margens de um abismo”.
(fraseados
do escritor Eduardo Galeano, do livro "Mulheres")
Emiliano José: Jose Jesus
Barreto Belo sonho, alentadora.
Péricles Bomfim de Carvalho: Fui à noite de
autógrafo do livro Lamarca, acompanhado de meu sobrinho chamado Lamarca. Você
estranhou quando revelei a quem dedicar aquele autógrafo, e comentou com
Oldack, sobre a coragem do pai, ter registrado o filho com aquele nome.
Emiliano José: Péricles Bomfim
de Carvalho Qual lançamento? O de 1980? Ou o de 2015?
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Emiliano José
16
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXV
Ludmilla
Duarte havia se aproximado de Ariano Suassuna desde muito nova, bisbilhotando a
biblioteca do pai.
Diz
isso a ele durante a conversa.
Pai
jornalista e teatrólogo.
Ele,
então, atento, educado, civilizado, pergunta:
-
Quem é seu pai?
-
Ah, você não deve tê-lo conhecido. Ele morreu ainda jovem, em 1976.
Ele
não desiste:
-
Menina, está certo. Mas diga o nome dele. Quem sabe...
-
Sóstrates Gentil.
Ariano
Suassuna abriu um largo sorriso:
-
Claro que conheci.
Susto:
Ludmilla leva um susto:
-
Claro que conheci. Ele era muito amigo de Joca, de quem eu era muito amigo
também.
Joca
apresentou Sóstrates Gentil a Ariano Suassuna.
-
Conheci, sim, reafirmou.
Acabou
o mundo.
O
gênio conhecia o Pai.
Não
cabia em si.
Uma
palavrinha: falamos Joca.
O
leitor não tem obrigação de saber quem era ele.
João
Carlos Teixeira Gomes é um dos mais notáveis jornalistas brasileiros.
Foi
figura destacada do "Jornal da Bahia", seu redator-chefe durante
muitos anos.
Tornou-se
ainda mais famoso quando da luta do jornal contra ACM.
A
fúria do déspota desabou sobre Joca e o jornal.
Foi
enquadrado na Lei de Segurança Nacional, enfrentou o processo, encarou os
juízes militares na Auditoria Militar, e foi absolvido.
ACM
era mais real que o rei.
Seu
autoritarismo suplantava o da própria ditadura - esse mérito ninguém lhe
tirará.
E
Joca é um dos maiores conhecedores de Glauber Rocha, sobre quem escreveu
"Glauber Rocha, esse vulcão".
Tudo
isso solidificou a amizade entre Sóstrates Gentil e ele.
Volto:
Ludmilla viveu um dia glorioso, inesquecível.
Uma
das maiores façanhas de sua trajetória como jornalista.
Em
nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Fer Nandinha: Amei. Não
consigo parar de ler. Excelente narrativa 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼🤬
Mônica Bichara: E Joca, por onde
anda Emiliano José? Taí outro que pode levar essas memórias de Sóstrates
adiante
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17
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXVI
Dez
meses no "Jornal da Bahia".
Foca
é experiência única.
Ludmilla
Duarte saíra da Universidade.
E
como disse antes: treino é treino, jogo é jogo.
Agora,
jogo.
Foca
treina pouco.
Logo
é chamada pro jogo.
Vai
receber bola redonda e bola quadrada.
E
nada de reclamar.
Entrou
em campo é pra jogar.
Já
contei: Barretinho, chefe de reportagem, olhando minha primeira matéria, 45
anos atrás, "jogador a gente conhece no arriar das malas", eu feliz
feito pinto no lixo.
Futebol
é metáfora de mil e uma utilidades.
Aqueles
dez meses valeram uma Universidade.
Claro:
sabe o valor do estudo acadêmico.
Está
até hoje nas lonjuras de Vancouver dando duro pra terminar o Mestrado.
Mas,
nada substitui a experiência.
Viriam
outras, mas aquela lhe deu régua e compasso.
E
aparece Nice Melo e a leva para o "Bahia Hoje".
Meados
dos anos 1990.
Editoria
de Política, a lhe recordar com intensidade Sóstrates Gentil, quanto mais
porque trabalhando ao lado de Ivan Carvalho, tão amigo de seu Pai.
Guarda
enormes lembranças daquela redação.
Na
cobertura da Assembleia Legislativa, ganhou jogo de cintura a fazer inveja a
Carla Peres.
E
estreou greve: 33 dias, talvez a mais longa do jornalismo baiano.
Conheceu
ali os melhores amigos de sua vida: Adilson Borges e Paulo D'antão. Marília
Pessoa veio de brinde.
Uma
renca de demissões.
Se
vira: assessora, em momentos diferentes, Arnando Lessa, Maria Del Carmen e
Edson Duarte, deputados estaduais.
Foi
outro rico aprendizado: Maria presidia a Comissão de Defesa da Mulher, Duarte
lidava com meio ambiente.
Uma
riqueza de novas ideias.
Perdeu
os pudores de ser assessora de imprensa, se tinha algum...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jose Jesus Barreto: Lá no Bahia
Hoje, onde comandei nos primeiros tempos a reportagem, foi que a conheci. Anos
90
Emiliano José: Jose Jesus
Barreto Esta, e tantas outras equipes.
Mônica Bichara: Barretinho, vc
está me devendo fotos para as suas memórias. Cesio Oliveira tb, enrolados
Mônica Bichara: A melhor parte:
"...jogo de cintura a fazer inveja a Carla Peres...." kkkkkk Essa
confesso que foi inesperada, esse contador tá saindo melhor do q a encomenda.
Na greve do Bahia Hoje também foi quando conheci melhor Ludmilla Duarte. Eu
estava na diretoria do Sinjorba e todos os dias qdo saía do trabalho ia pra lá,
eram assembleias diárias na porta do jornal
Jose Jesus Barreto: Mônica Bichara
na greve eu já estava fora.
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18
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXVII
Raimundo
Lima, redator-chefe da "Tribuna da Bahia" convidou-a.
Passa
a dividir-se entre a Assembleia Legislativa e o jornal.
Ludmilla
Duarte voltava à antiga casa do Pai.
A
última casa de Sóstrates Gentil.
Pauteira,
a competente e serena Mara Campos.
Encontrei-a
copidesque quando cheguei ao "Jornal da Bahia", em 1975.
Foi
uma fase rica, um enorme aprendizado.
A
"Tribuna" não alisava o governo.
Ludmilla
tomando injeções de jornalismo investigativo na veia.
Depois
de meia dúzia de reportagens investigativas, uma juíza ameaçando-a de processo,
é convidada para integrar a assessoria de Comunicação do governo do Estado.
Vacila
um pouco, mas aceita.
Passa
seis anos na Agecom.
Teve
o privilégio de conviver e aprender muito com Fernando Vita, o chefe.
Era
também copy quando cheguei ao "Jornal da Bahia".
Na
Agecom, conhece sua comadre, amiga-irmã, Adelyne Lacerda.
Onde
estejam, Salvador ou Vancouver, estão sempre juntas, irmãs, amigas,
companheiras.
Esse
trabalho, outra escola:
-
Nenhuma leitura sobre desigualdade e injustiça social substituiria o tête a
tête que tive com o Brasil profundo, mergulhada por dias a fio em confins do
meu Estado, populações inteiras sem água e sem energia elétrica em pleno século
XX.
Viveu
vidas secas, rememorou Graciliano Ramos, a cadela Baleia, Fabiano, Sinhá
Vitória, a seca castigando o sertão e suas gentes, pensou no Conselheiro e sua
guerra do fim do mundo - o fim do mundo era aqui.
Camisa
do trabalho durante o dia.
Sofrimento,
indignação no fim do expediente.
Conheceu
de perto a vida do povo baiano.
Nesses
dias, no contato com as trabalhadoras, os trabalhadores, os meninos, as meninas,
lembrava-se intensamente do Pai e seu ideal comunista.
Dividir
a terra, repartir o pão.
Distribuir
a renda.
Mudar
o mundo.
Socialismo.
Estivesse
longe, era sonho pra ser sonhado - o Pai sempre lutou por tudo isso.
Morreu
sem abrir mão desses ideais.
Tentava,
tenta ser digna deles.
Em
nome do Pai.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ana Vieira: Emocionante
relato!
Ludmilla Duarte: Fernando Vita
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Ludmilla Duarte: Mara Campos
Mônica Bichara: Em nome do pai,
uma grade história. Caminhando para 40 capítulos de pura emoção
Adelyne Lacerda: ❤️
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Emiliano
José
19
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXVIII
Pois
é, ela andou.
Mais
que notícia ruim.
Ludmilla
Duarte chefiou uma assessoria atrás da outra.
Jaques
Wagner, Sudic, Seplan.
Em
2006, casa-se pela segunda vez.
Arribou.
Ganhou
o mundo no mesmo ano com o marido.
Queria
manter-se ativa na Comunicação.
Consegue
vaga não-remunerada na Organização dos Estados Americanos.
Escrevia
artigos do website em Português.
Chegou
a mandar do Chile algumas contribuições para a "Tribuna da Bahia".
Estava
em Santiago quando Pinochet morreu.
10
de dezembro de 2006.
Acompanhou
tudo ao vivo e a cores
Um
tirano partia.
Um
assassino cruel.
Marionete
dos EUA.
Em
2008, Brasília, de volta.
O
jornal "A Tarde" a contrata como correspondente.
Quatro
anos na cobertura do Congresso, ministérios, o que rolasse.
O
deputado Afonso Florence, do PT da Bahia, assume o Ministério do
Desenvolvimento Agrário e a convida para assumir a chefia da Assessoria de
Comunicação.
Tremeu.
- É
barril. Não dou conta - pensou.
Mas
aceitou.
Surpreendeu-se
com seu desempenho: estava pronta, a caminhada anterior lhe dera traquejo para
qualquer tarefa na área.
Dali,
para a Codevasf.
Em
seguida, Ministério da Saúde.
Volta
à Codevasf.
Agora,
Vancouver.
Marido
é embaixador...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Fer Nandinha: Ludmilla Duarte
saudades ❤️
Ludmilla Duarte: Fer Nandinha
Ludmilla Duarte: Adilson Borges
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Emiliano José
20
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XXXIX
Vancouver
é momento de estudar.
Aprimorar
o arsenal teórico.
Ludmilla
Duarte faz Mestrado em Política Pública e Administração com foco em Liderança
para Transformação Social.
Não
sossega.
Gostou
da ideia de novinha ainda rememorar a existência.
Quando
puxa pela memória, o filme da vida, parece tudo ter sentido: a mãe, a
biblioteca em casa, Suassuna nas prateleiras, Suassuna na Codevasf, a caminhada
profissional, redações, governos, gente, a gente brasileira, que saudade, esse
grito aqui dentro de querer fazer a diferença, às vezes escrevia e queria
chorar, chorava, parava, a lembrança do Pai...
O
Pai morto naquele longínquo e tão perto janeiro de 1976, no acidente,
capotamento...
Pai,
pai querido, houve momento de afasta de mim esse cálice cale-se, é, eu senti
raiva.
Senti
raiva por muito tempo.
Às
vezes, ainda sinto.
Foram
cinco minutos somente.
Ou
dois.
Ou
menos de um, sei lá.
Mas
esse indecifrável tempo fez uma diferença danada, Pai.
A
diferença de uma vida inteira.
A
minha vida inteira.
Pela
primeira vez lhe digo isso.
O
carro capotando aquela sensação esquisita de não saber se a gente está ali
mesmo ou se está sonhando.
Vertigem.
Eu,
Pai, quatro anos de idade somente, levantei na beira daquele despenhadeiro, no
meio do nada, de uma estrada sem fim, olhei:
Minha
mãe no chão, eu desnorteada...
Aqueles
dois caras, anjos?, correndo em nossa direção, jogam todos no carro deles.
Nem
sei como lhe resgataram, meu Pai.
Como
o tiraram lá de baixo, da ribanceira.
Nem
como socorreram minha irmã.
Já
espremi a memória, e não consigo lembrar.
Lembro,
isso lembro:
Olho
para trás e vejo o carro de portas abertas, os limpadores de parabrisa
funcionando, trabalhando, pra lá pra cá, indiferentes a tudo.
Tenho,
isso guardo, Pai: os flashes do hospital para onde os anjos levaram a gente.
Na
maca - retive a imagem de você sendo levado.
Me
enrolaram num cobertor, toalha, sei lá.
Gritava
enquanto davam pontos na batata de minha perna.
Só
isso, meu Deus?...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Adilson Borges: Foi no ano que
entrei na escola de comunicação, em 1976. Me lembro vivamente da matéria sobre
o acidente na Tribuna da Bahia...
Mônica Bichara: Nossa! Como não
se emocionar.....E pensar, Adilson Borges, que anos depois vc viria a ser um
grande amigo daquela menininha...
Adilson Borges: Pois é, pensei
nisso!
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Emiliano José
21
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XL
Só
isso, meu Deus?
Esta
a pergunta de Ludmilla Duarte na inocência dos seus quatro anos diante do
cenário à sua frente.
Diz
isso na carta a Sóstrates Gentil, o Pai.
A
última imagem foi ele sumindo sumindo sumiu levado na maca para não mais
voltar.
Só
isso, meu Deus?
Meu
pai, morto.
Minha
mãe, quebrada.
Minha
irmã, em coma.
E
eu?
Fadada
a uma cicatriz boba abaixo do joelho?
Os
flashes assomam intrusos e confusos à memória.
Aparece
seu irmão, meu Pai, aparece tio Luís.
Me
coloca num avião pra Salvador.
Adoro
tio Luís.
Ele
tinha uma cachorrinha pequinês chamada Tula.
Não,
meu Pai, não lembro o tempo passado com eles, se dias se semanas.
Tia
Conceição, tão amorosa.
O
cozido dela era delicioso, até hoje me recordo.
E
eu, meu Pai, às vezes, dava trabalho: um dia fiz birra porque queria ir pra
casa de tio Lelo ficar com Isabela e Acácia, minhas primas.
A
gente calibra de idade e já brincávamos juntas todo final de semana desde que
nascemos.
Minha
mãe, você sabe, Pai, sempre foi muito agarrada com os irmãos.
Recordo:
tia Myrian foi me ver um dia.
Me
abracei forte com ela, desejo de não mais soltar
Chorei,
chorei muito, chorei alto, abraçada com ela.
Eu
vi, ninguém sabe, eu vi: ela chorava enquanto alguém fechava o portãozinho pra
eu não correr feito maluca pela rua atrás dela.
Vocês
dois, ela própria me contou, disputavam goiabada na cozinha.
Feito
crianças.
Queria,
isso queria, ter visto os dois fazendo graça ao longo da vida - ela é tão
engraçada.
Por
muito tempo, meu Pai, achei nunca mais...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Emiliano José,
Em nome do Pai (Ludmilla Duarte), Em nome do Amigo (Renato Mário), Em nome do
Mestre (Helô Sampaio)... tornando-se uma verdadeira terapia, tantos
reencontros...e nosso protagonista segue recebendo notícias do mundo de cá...
Emiliano José: Adelyne Lacerda
José Ricardo Matos: Belo texto,
mesmo que triste.
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22
de maio 2020
Sóstrates Gentil
XLI (final de pequena pauta de uma linda
história)
Ludmilla
Duarte passou anos com a certeza de nunca mais voltar ao Pará.
É,
meu Pai, não queria nem pensar em pisar ali de novo.
Era
muito duro.
Não,
nem pensar.
Mas
um dia, o marido, tenho certeza você gostaria dele, veio com jeito, me
convenceu.
Por
que não?
Encanto
de lugar.
Belém.
Deslumbrada
com o Mercado Ver-o-Peso.
Aqueles
caboclos fortes.
Riso
aberto.
Vendendo
não sei quantos trocentos tipos de farinha.
Didaticamente,
pacientes mestres, explicavam pra gente a natureza de cada uma.
Eu,
deslumbrada: tanto conhecimento acumulado.
O
Brasil não conhece o Brasil.
Gostei,
meu Pai.
Compreendi
sua viagem.
Gostei
dos caboclos.
Gosto
de gente brasileira com cara e jeito de povo resistente, resiliente - esta,
palavra da moda.
Tostados
do sol.
Vitaminados
por aquele peixe frito com açaí no café da manhã.
Atravessamos
o rio Tapajós de lancha e demos em Alter-do-Chão.
Quase
fico grata por ter sido o Norte o último lugar que você conheceu antes de ir
embora, você que havia dado o nome de Bartira à sua segunda filha.
Flashes,
meu Pai, menina, muito menina, só flashes.
Nada
de lembranças arrumadinhas.
A
casa cheia de amigos, você barulhento e alegre.
Por
que de diabos partir tão cedo?
Lembro
você dormindo com os braços abertos, roncando alto, eu vinha te acordar
sentando sobre sua barriga.
De
assistir uma, uma somente, de suas peças infantis.
No
cenário, um baú, e em algum momento Pinho entrava no baú - vá entender, mas
lembro de Pinho, que coisa.
Chega,
meu Pai.
Meu
rosto está inchado.
Professor
Emiliano esticou demais essa corda.
Quem
sabe escreva outras cartas depois.
Agora,
não consigo mais.
Sua
filha,
Ludmilla.
#MemóriasJornalismoEmiliano
Emiliano José: Agliberto Lima
Manu Dias
Mônica Bichara: Como não ficar
de rosto inchado num diálogo desse, Lud? Só emoção, em nome do pai. Ainda mais
com o mestre Emiliano José esticando essa corda com tanta habilidade....Nossa,
sem fôlego. Me mande fotos suas tb pra edição do pilha
(www.moncabichara@gmail.com). Quantas vc tiver com ele
(Com a filha Luma)
( Legenda de Ludmila: No canto direito meu avô Gentil, pai de meu pai. À esquerda minha avó segurando a mão de minha prima Suzana, hoje doutora em História pela USP e professora da UNEB. Ao lado de minha avó, meu tio Luis, irmão de meu pai. O outro é um professor de tio Luis. Foi na formatura dele em Engenharia Civil na UFBA. Eu provavelmente não tinha nascido, minha prima é 6 ou 7 anos mais velha que eu).
(Legenda de Ludmila: Nessa foto, dois amores da minha vida. Minha vó Didi e minha filha Luma, bisnetinha)
(Com a amiga jornalista Suely Temporal)
Maravilhosa essa série! Essa abertura sua comadre é um convite irresistível para quem não acompanhou na página FB de Emiliano. Ou mesmo para quem viu, mas não com a atenção merecida, a percepção dos detalhes. Obrigada , Emiliano, por nos proporcionar essa oportunidade de conhecer um pouco sobre Sóstrates Gentil e ainda esse reencontro com colegas admiráveis, como Ludmila e outros tantos que interagem nas suas publicações ou também viraram suas personagens.
ResponderExcluirSobre Ivan Carvalho, que também foi nosso editor (né Mônica?), senti muita saudade dele lendo essas memórias. Era sério sim, honestos com as suas convicções, mas muito engraçado também. Eu ria muito com Ivan, extremamente desligado, encafifado com seus pensamentos , conjecturas e coisas e tais.. por essa característica também colecionou "causos" hilários, como o dia que levou para casa as laudas com as notas da Coluna Raio Laser, da Tribuna da Bahia, depois de diagramadas. Lá para tantas tarde da noite, a coluna não tinha descido para iniciar o processo que acabaria na impressão. Precisaram ligar para casa dele para saber do sumiço das notas e só então nosso editor se deu conta da distração ( KKKKKKK)
ResponderExcluirVerdade Jô, Ivan era uma figura. Sempre respeitou nosso trabalho, vivia pedindo notas pro Raio Laser, me chamava de comunista kkkkk Só achei essa foto dele, se alguém tiver mais é só mandar que incluo
ExcluirIvan era engraçado mesmo! Vcs sabiam que ele acreditava (de verdade) na existência de fadas e duendes? E que tinha planos (esses não sei se tão firmes) de se mudar pra Chapada Diamantina, pois dizia que seria um dos poucos lugares a não ser atingido pelo apocalipse, que ele acreditava estar próximo?
ExcluirO comentário acima, sobre Ivan, é de Ludmila Duarte. Ivan dava um excelente personagem, de direita assumido e vivia rodeado de comunistas ou, pelo menos, esquerdistas kkkkkk Figuraça
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirComentário acima de Isabel Santos
ResponderExcluirVou repetir no Pilha, o comentário que fiz no face.
ResponderExcluirEstou maravilhada com a história de Sóstrates Gentil. Muito emocionante, rica, bela...esse resgate, que envolve tantos colegas, tantas pessoas. Emiliano José se supera a cada capítulo da sua série. Nos leva a muitos bons sentimentos, aprendizado, lembranças, saudade... Levei mais de uma hora lendo toda a edição, como sempre impecável, amiga Mônica Bichara (acho que Emiliano não consegue marcar meu nome por eu não estar como amiga dele na página onde ele posta a série). Parabéns Ludmilla Duarte por seu pai, por você, essa profissional ímpar, que superou, encarou, revolucionou... e se mantém íntegra na profissão, buscando ampliar os conhecimentos para oferecer muito mais ao cidadão brasileiro. Pai e filha honram o nosso Jornalismo. A cada dia, tiro o meu chapéu pra você, querido Emiliano José. Ganhei meu sábado. Avante!
Que bom, Bebel, que você ganhou o dia lendo o Pilha. Pois é, Emiliano aprontando muita emoção
Excluir