#MemóriasJornalismoEmiliano – Fred Matos: Carreira meteórica no jornalismo, ao contrário do pai Ariovaldo Matos

 


Não conheci pessoalmente Ariovaldo Matos. Nem o filho Fred, sobre quem Emiliano José fala nesses capítulos da série #MemóriasJornalismoEmiliano. Mas é como se já conhecesse. Aliás, essa é uma vantagem do texto coloquial do mestre Emiliano, nos transporta para o enredo e nos envolve de uma forma definitiva. A gente termina a leitura de um dia contando as horas para a sequência, como em todo bom livro. E nossos personagens aqui deram munição. 

Como a maioria dos protagonistas anteriores, Ariovaldo Matos foi mais um “comunista” que encontrou no jornalismo régua e compasso para se expressar. Em plena ditadura militar.

Tão comunista que botou no filho o nome de Carlos Frederico Malaquias Matos, em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Como diz Emiliano, “comunista não deixa barato”. 

Se vivo fosse, Ariovaldo teria completado este ano 94 anos. Em homenagem, Fred republicou em sua página no Face um texto postado há 11 anos em um antigo blog. Segue o link porque vale à pena visitar: 

https://eumeuoutro.blogspot.com/2009/08/ariovaldo-matos.html?fbclid=IwAR1YAjL1qGjVAnak6pcNyoTh0OBSHWacXkvaodNTnr7O38aSi0tQ3hngg2M 

Nos comentários desta série de Emiliano, mais relíquias sobre Ariovaldo desencavadas pelo filho José Ricardo Matos. Cartas do cárcere enviadas à amada Dalvinha e aos filhos. É sobre História do Brasil que estamos falando, de tempos tenebrosos que, custo a acreditar, há quem tenha saudade. Mas, ao contrário, acho que devem ser relembrados justamente para que não se repitam. 

Voltando à carreira meteórica de Fred no jornalismo, ela ganhou uns meses de fôlego na tentativa de realizar o sonho de comprar um sofá. Não deu, o bendito sofá teve que esperar mais um pouco. Na revista ViverBahia, da Bahiatursa, ele quase foi demitido por contrariar os interesses da empresa. Assinou matéria no extinto IC, em 78, com o título "Não vá ao São João de Cachoeira", criticando a descaracterização das tradições juninas. Logo a menina dos olhos da Bahiatursa, que tinha investido uma grana na festa. Essa foi por pouco. 

 Aposentado, filhos (Amon, Isis e Fred) criados, Fred Matos cuida de frutas e pássaros na pirambeira escolhida em

São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito (MG). Como define Emiliano José, optou por uma vida contemplativa, ao lado da companheira Dila. 

Agora é se deliciar com os capítulos de Emiliano José, publicados no Facebook dele de 21 de agosto a 12 de setembro deste ano, incluindo os comentários que enriqueceram a narrativa, e fotos. 

Boa leitura!

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(Ariovaldo Matos na redação de O Momento)

Emiliano José

21 de agosto 2020

Fred Matos: que falta faz o meu inglês.

 

Tem hora do cansaço de mim.

Não, não é velhice chegando, eu chegando ao fim, a antiga música, interpretada por tantas cantoras, cantores.

Nessa série dou pausas, e falo um pouco de minha trajetória, mas quero logo voltar aos demais personagens, mais interessantes.

Hoje, embarco nessa rebeldia, e desembarco de mim.

Um dia retorno.

Não tenho me dedicado apenas a casos de sucesso, nem a histórias longas.

Incursões ligeiras pelo jornalismo me interessam.

Fred Matos é desses, rápida passagem pela profissão.

Talvez, quem sabe, animado, instigado pelo pai.

Um dos grandes, notáveis do jornalismo brasileiro, comunista de carteirinha, romancista, contista Ariovaldo Matos.

Como não ser jornalista com um pai desses?

Puro atrevimento meu, especulação.

Fred há de me desculpar pela ousadia.

Só ele sabe de si.

De como chegou ao jornalismo.

De saber, sei, bem sabido, contado por ele: Bisa Junqueira Aires, na primavera de 1971, o leva para a "Tribuna da Bahia".

Longe aquele setembro, e ele não sabe muito bem se era Cesio Oliveira o chefe de reportagem - creio fosse de fato.

Não sabe também se Pedro Formigli era o pauteiro - aí não tenho informações, e Pedrinho está por aí, não vai nos deixar no erro, se erro houver.

Quintino de Carvalho era o editor.

Estava hospitalizado, Fred chegou a acompanhar Césio numa visita a ele, e soube de sua morte pouco depois.

Meteórica, sua passagem pelo jornal.

Viu-se em algumas enrascadas.

Lembra bem de uma entrevista na secretaria de Indústria e Comércio.

Ouvir um americano especializado em juta.

Da planta, nunca ouvira falar.

Mas, isso se resolvia fácil.

Quando a conversa começou, o susto.

O cidadão não falava nem bom dia em português.

E ele não entendia nada de inglês.

Um inglês macarrônico sofrível podia ajudar.

Pensando hoje, um inglês de Joel Santana já resolvia.

Nada, ele não sabia nada.

E a secretaria não disponibilizou tradutor.

Metido em camisa de sete varas.

O americano falava, e ele desesperava-se.

Não entendia uma única palavra, olha prum lado, pra outro...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Sinto-me envaidecido, Emiliano José. Embora a vaidade seja um defeito, não uma virtude. Mas curto os meus defeitos, alguns até mais do que as minhas (poucas) virtudes. Entre as virtudes não posso incluir o bom ofício da notícia. Muito obrigado.

Fred Matos: Isis Luna Matos, Fred Luna.

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Emiliano José

22 de agosto 2020

Bastava o fotógrafo...

 

Mexer no passado é o diabo.

Procurei Fred Matos pra saber um pouco do velho Ariovaldo Matos, e aí vieram histórias.

Uma delas: baba juntos.

Ali em campinho ao lado da Ladeira da Cruz da Redenção, em Brotas, onde eu morava no século passado, entre 1975 e 1979.

Dizia de mim ser um sujeito pouco civilizado no jogo da bola.

Ela, a redonda, podia até passar.

Jogador, nem pensar.

Não me via assim.

Talvez ligeiramente rude.

Mas, quem enxerga a gente é o outro.

Por isso, a razão é dele.

Agora, pra ser sincero, não me recordava.

Hoje, não existe mais o campinho.

O local está entulhado de prédios.

O capital imobiliário desenha a cidade.

Contava ontem da camisa de sete varas de Fred Matos.

Fora à secretaria de Indústria e Comércio ouvir um americano especialista em juta o sujeito não falava uma palavra em português Fred não sabia nada de inglês e o caos se instalou um estranho diálogo inexistente diálogo a secretaria não havia pensado em tradutor.

Desespero.

Teve certeza em meio à tormenta: ser repórter era barca furada.

Não era pra ele.

Mas, aparece um anjo salvador.

O assessor de imprensa apareceu com um release com todas as informações sobre o diabo da juta.

Pensou: que porra, bastava ter mandado o fotógrafo.

Não, não era do ramo.

Chegou à redação, penteou o release, vida que segue.

Ainda não desistiu.

Tentaria.

Quem sabe...

Foi cobrir uma assembleia de trabalhadores no Sindicato dos Motoristas.

A discussão girava em torno da deflagração de uma greve por aumento de salários, se fariam, se não.

Ele ouvindo, anotando tudo.

Fred, é muito provável, ainda não estava antenado com as técnicas jornalísticas.

Ninguém certamente chegou a discutir com ele o tratamento dos fatos, o lead, o sublead, a notícia.

Saiu da assembleia, ocupou a primeira máquina de escrever disponível, e tocou o pau...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Isso vai acabar em enredo de novela da Globo. Se já não sou levado a sério, a cabo dessa série, é que não me levam mais. Mas da verdade não se pode fugir e leio sorrindo (e saudoso) as lembranças de um período distante, turbulento e formador. Mais uma vez o meu muito obrigado, Emiliano.

Emiliano José: Fred Matos Alegria pra mim, Fred.

Fred Matos: Lidice Matos, Isis Luna Matos, Fred Luna

David Go Leal: Esse Emiliano José...

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(Na sala do coro do TCA durante ensaios de Electra, de Sofocles, dirigida por Luciano Diniz)

Emiliano José

23 de agosto 2020

Repórter no aquário:

matéria é matéria,

editorial é editorial.

 

Nosso intrépido repórter ouvira com muita atenção toda a balbúrdia da assembleia dos motoristas.

Fred Matos saiu do encontro com o texto na cabeça.

Sentou-se à primeira máquina de escrever disponível - é, naquele século a gente lidava com máquina de escrever, hoje à disposição nos melhores museus - e mandou ver.

Entregou a matéria, não se lembra pra que chefe.

Observou o olhar enviesado.

Errei no quê? - perguntou-se.

Esperou um pouco mais.

Logo iria embora pra casa.

Subitamente, é chamado pro aquário.

Era como a gente chamava o local onde ficava o redator-chefe.

Na memória de Fred, João Ubaldo Ribeiro.

Creio tenha se confundido.

João Ubaldo será redator-chefe entre 24 de julho de 1975 e maio de 1980.

Antes dele, logo depois de Quintino de Carvalho, virão Milton Cayres de Brito, Sérgio Gomes e Cid Teixeira.

A conversa do aquário provavelmente foi com Milton Cayres, cuja permanência como redator-chefe findou em 19 de abril de 1974, quando Fred não estava mais na "Tribuna da Bahia".

Bem, sigamos.

Ser chamado pro aquário dificilmente era coisa boa.

Podia ser demissão, podia ser um reparo duro a alguma matéria, alguma besteira grossa.

O redator-chefe, e acabei de ligar para Fred, e ele realmente se confundiu, Milton Cayres de Brito, do alto de sua experiência, explicou: matéria é matéria, editorial é editorial.

Fred havia feito um belo editorial sobre a luta dos motoristas.

O velho Milton Cayres explicou: o editorialista do jornal era ele.

Repórter era pra ser repórter.

Fred nem sabe se a "Tribuna" noticiou a assembleia dos motoristas.

Arrasado.

A dúvida sempre presente: vida de repórter é comigo?

Deixa a vida me levar...

Em novembro de 1971, dois meses após ter chegado à "Tribuna da Bahia", vai cobrir os ensaios de "Nosso céu tem mais estrelas", peça de Deolindo Checcucci.

Pra sorte dele, ou azar, sabe-se lá, só ele pode dizer, conhece uma garota da equipe e se apaixona perdidamente.

Dia seguinte, recebe cinco ou seis pautas.

Tem disso em jornal: um dia, o chefe de reportagem lhe escolhe pra Cristo.

Não quer nem saber.

Você se vire nos trinta.

Entrega a renca de pautas e nem lhe olha.

Não é com ele...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Eu não sei porque ficou na minha memória que o redator chefe que me passou o esporro foi o querido e saudoso João Ubaldo. Mas se Quintino foi sucedido pelo Milton Cayres, Milton Cayres foi.

Emiliano José: Fred Matos Seguramente.

Fred Matos: Voltei pra dizer, Emiliano, que essa série me trouxe à lembrança o "Poema em linha reta" de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos): "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". A lembrança é por saber que o poeta estaria mentindo se me tivesse conhecido. E estou rindo muito, além de orgulhoso por fazer o contraponto dos sucessos dos verdadeiros jornalistas sobre os quais você tem brilhantemente relatado. .

Emiliano José: Fred Matos A vida não é linha reta prá ninguém, querido. Felizes os que se olham com humor. Estes sabem o próprio valor. Grande abraço.

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(Nos ensaios de As divinas comédias de Qorpo Santo, direção de Alvinho Guimarães)

Emiliano José

24 de agosto 2020

Fred Matos e as lições do pai

 

Ia seguir com a história das cinco pautas recebidas por Fred Matos.

Mas, impõe-se uma pausa.

Contar ritos de iniciação.

Hoje, exatamente hoje, Ariovaldo Matos, vivo fosse, faria 94 anos.

Fred lembrou isso hoje, numa homenagem, juntando textos primorosos, poemas, muita coisa em torno dele - de Florivaldo Mattos, de Jorge Amado, de Othon Jambeiro, de José Gorender, de Kátia Drummond, Glauber Rocha, tantos outros.

Coisa antiga, tirada do fundo do baú.

Tudo publicado havia bom tempo.

Do merecimento do grande Ariovaldo.

Há um dele próprio, Fred.

Onde se revela o pai, sua grandeza e sabedoria.

Rememora três casos.

Fred, ali pelos 11, 12 anos, tivesse alguma precisão e ia às escondidas à carteira do pai, e surrupiava alguns trocados.

Ariovaldo não se dava conta, nunca.

Não era de contar o dinheiro levado na carteira.

Um dia, no entanto, flagrante.

Pego com a mão na massa.

Nem jeito havia de disfarçar.

O pai não deu uma palavra.

A partir daí, toda noite chegava em casa, e entregava a carteira para Fred guardar.

Nunca mais tirou um tostão.

Entra no ginásio e leva o primeiro boletim escolar para o pai assinar.

Ariovaldo olha, olha...

Recusa-se a assinar como "responsável".

Fred, atônito.

Dia seguinte, acompanha-o ao colégio.

Sala do diretor.

Informa-o:

- Meu filho é o responsável por ele próprio. Está autorizado a assinar o boletim.

O destino entregue na mão.

Entre anos 1968 e 1970, Fred não é capaz de precisar, o pai e José Gorender, perseguidos pela ditadura, vão a julgamento, acusados de subversão, militância no PCB.

Fred, presente.

Ouviu a leitura da sentença: o pai condenado a nove meses de prisão.

Antes de seguir para a Casa de Detenção, no Forte de Santo Antônio Além do Carmo, teve a chance de rápida conversa com o pai.

Ariovaldo alertou os dias não serão fáceis você sabe disso tenho amigos eles socorrerão a família em caso de extrema necessidade.

- Só que agora você é o homem da casa, terá de assumir essa responsabilidade.

Numa espécie de sagração, tirou do pulso o relógio, e o colocou no pulso do filho.

Uma glória...

#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Bahiatursa - Foto de Mário Cravo Neto)

Emiliano José

25 de agosto 2020

Fred Matos: súbito, o adolescente se torna adulto

 

Fred Matos vivera um dia de muita emoção.

O pai condenado à prisão, ele adolescente, assistindo a tudo aquilo.

Um clima de tensão e tristeza.

Mas, sentia um certo orgulho.

A altivez do pai o impressionava.

Enfrentava tudo aquilo serenamente.

Cabeça erguida, sempre.

Espinha ereta, coração tranquilo.

Mais tarde compreenderá melhor ainda: era um comunista.

E ser comunista não era qualquer coisa.

Do ângulo da ditadura, um sujeito muito perigoso.

Do ângulo de quem era, apenas um ser comum, mas de convicções profundas, como Gramsci costumava se definir.

O pai era isso.

Agora, o momento mais solene, quando logo após a condenação, lhe foi permitida uma breve conversa com ele, foi o da entrega do relógio.

Um rito, uma sagração.

O adolescente transmutava-se em adulto.

Já contei, mas não custa repetir.

O pai lhe explica as dificuldades da família, elas não serão pequenas, está tudo muito bem, tenho amigos leais, companheiros valorosos, muitos, eles ajudarão no caso de extrema necessidade, mas você vai assumir as responsabilidades de chefe da casa a partir de agora.

E lhe deu o relógio.

O relógio sempre presente no pulso do pai, observado sempre pelo filho, com olhar admirado.

Sagração.

Rito de iniciação.

Ele próprio o colocou no pulso de Fred.

Quanta emoção.

Era como se a tristeza do momento se dissipasse.

No lugar da tristeza, o orgulho por assumir o encargo, e orgulho também pelo cetro, pelo símbolo entregue pelo pai, nomeado sucessor temporário dele.

Olhava terna, carinhosamente para o pai.

O velho, pronto para despedir-se e daqui a pouco seguir para a masmorra do Forte do Santo Antônio Além do Carmo, funcionando como Casa de Detenção.

De repente, Jaime Guimarães sem quê nem pra quê avança no pulso de Fred, toma o relógio, e devolve-o ao pai.

Era o defensor de Ariovaldo Matos, um dos grandes defensores de prisioneiros políticos - a Jaime Guimarães nos anos seguintes se juntarão José Borba Pedreira Lapa, Inácio Gomes e Ronilda Noblat na tarefa corajosa de defender os presos políticos.

Fred não entendeu nada...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Um acréscimo para fazer justiça. Ari e Gorender foram defendidos pela dupla Jaime Guimarães e José Borba Pedreira Lapa. Lembro-me que curioso eu quis saber porquê 2 advogados. Não me recordo quem me disse: Pedreira Lapa tem a Lei toda na cabeça e Jaime Guimarães a oratória.

Emiliano José: Fred Matos Lapa era também extraordinário. Meu advogado.

Luiz Brasileiro Brasileiro: Já li muita coisa sobre Ariovaldo Matos, o autor de CORTA BRAÇO, ele merece uma biografia. O cara tinha envergadura.

Emiliano José: Luiz Brasileiro Brasileiro Merece. Inegavelmente.

Mônica Bichara: Uma aula de história a cada dia

Emiliano José: Mônica Bichara deu mais de três capítulos...

Mônica Bichara: Emiliano José pois é, uma história dessa tem que render

Emiliano José: Mônica Bichara A ver.

Isabel Santos: Mônica Bichara Sim, uma bela aula de história sobre uma figura linda, que envolve tantas outras, que muito marcaram a luta no período de trevas no nosso País, como Jaime Guimarães, José Borba Pedreira Lapa, Inácio Gomes e Ronilda Noblat, os quais tive a honra de entrevistar. Doces pessoas.

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(Apresentação do Quinteto Violado no ginásio de esportes de Aracaju)

Emiliano José

26 de agosto 2020

Fred Matos: advogados, um relógio, um cetro

 

Eu dizia ontem: a Jaime Guimarães mais tarde se juntarão Inácio Gomes, José Borba Pedreira Lapa e Ronilda Noblat na defesa dos prisioneiros políticos.

Fred Matos me corrige a tempo: Lapa já estava lado a lado com Jaime Guimarães à época.

Os dois defenderam Ariovaldo Matos e José Gorender naquele julgamento.

Tanto Inácio Gomes quanto Lapa tiveram importância na minha vida.

Inácio foi o primeiro a me encontrar no Barbalho, ainda em pandarecos, ainda sem camisa, ainda com uma calça amparada por um barbante, não muitos dias depois da tortura.

Uma visita providencial, jamais esquecida.

Devia ser novembro de 1970, logo depois de minha prisão.

Ou início de dezembro.

E Lapa depois foi constituído meu advogado.

Nunca cobrou um único vintém.

Cobrasse, não teria como pagar.

Homens e mulheres de coragem, abnegados, o Direito ao lado da Justiça, jamais esquecidos.

Ao menos por nós, os sobreviventes.

E por nossos familiares.

Ronilda Noblat era a caçula, protegida de Jaime Guimarães.

Foi a advogada de Theodomiro Romeiro dos Santos, o primeiro condenado à morte pela ditadura, março de 1971.

Essa odisseia dos advogados, a dedicação deles, conto no meu "O cão morde a noite", cuja edição ganha as ruas nos próximos dias.

O leitor há de compreender a ligeira digressão.

Se puder, releve, desculpe.

Falava ontem de Fred Matos recebendo o relógio do pai.

E de Jaime Guimarães tomando-o subitamente.

Devolvendo-o a Ariovaldo.

Nem o próprio Ariovaldo sentiu-se com autoridade para contrariá-lo.

Jaime era desses homens cuja autoridade se impunha naturalmente, pela grandeza, estatura moral, dignidade.

Fred, atônito, estupefato, primeiro.

Triste, em seguida.

O experiente advogado, conhecedor das manhas de cadeia, seus hábitos centenários, explicou:

-Seu pai vai para uma prisão. Ninguém sabe se o colocam numa cela precária. Pode precisar de alguma coisa de valor para conseguir ir para lugar melhor.

Ficou sem o relógio.

Naquele momento.

Depois, um dia, ao visitar o pai na prisão, recebeu o cetro.

Não foi necessário o pequeno suborno.

Desfilou com o relógio, símbolo de chefe de família, até a libertação do pai...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Emiliano, um acréscimo cujo lugar correto é a postagem anterior na qual é citado trecho de um e-mail que enviei a Guido Guerra com o depoimento sobre Ari, utilizado por ele quando editou "A Ostra Azul", coletânea de contos publicada após a morte de Ari. No texto eu não fui preciso em relação à data da condenação de Ari e de Iúca, situando-a entre 1968 e 1970. O ano da condenação foi 1970.

Emiliano José: Fred Matos Obrigado

Emiliano José: Pode ter certeza que amanhã acrescento. Você é capaz de recuperar o dia ou ao menos o mês?

Fred Matos: Eu recuperei o ano na cronologia publicada no livro "A Ostra Azul". Lá não consta a data exata e nem o mês. Eu não consigo me recordar. Talvez o Sérgio Gorender nos possa ajudar, já que o pai dele foi condenado no mesmo julgamento.

Sérgio Gorender: Oi Fred Matos ! Lembro de quando ficaram presos juntos mas não lembro de informações da condenação! Vou ver se acho algum documento com estes dados.

Emiliano José: Sérgio Gorender Aguardando

Fred Matos: Muito obrigado, Serginho

Fred Matos: José Ricardo Matos, Jorge Luis Matos, Vanja Nolasco Algum de vocês tem a data exata da condenação de Ari e Gorender em 1970?

Vanja Nolasco: Fred Matos não lembro sei que foi em 1970 e que ele escreveu um livro na prisão, talvez olhando as datas dos livros vc encontre.

Jorge Luis Matos: Fred Matos não tenho. Foi em 1970, mas a data precisa não sei.

Fred Matos: Vanja Nolasco O livro é "Os dias do medo" que só foi publicado em 79. No livro não há referência alguma a quando foi escrito.

José Ricardo Matos: Segundo Guido Guerra, Fred, "Em 1970 –... É condenado pela Justiça Militar e recolhido à Casa de Detenção, onde reescreve "As Aventuras de Tônio Petrucci, com título definitivo: "Os Dias do Medo."

Vanja Nolasco: Fred Matos pergunta a Zé pq ele tem vários documentos de meu pai.

Fred Matos: Eu marquei ele

Mônica Bichara: Fred Matos o que vc tiver de fotos da época de jornal, sua e de seu pai, manda pra mim para a edição da série de Emiliano no blog Pilha Pura . E quem mais tiver fotos dessa época também

Fred Matos: Vou ver se encontro algo, Mônica, mas desde já não dou muita esperança. Morei em muitos lugares, fiz muitas mudanças, muita coisa se perdeu e eu não fiquei com os arquivos de Ari. Quanto a fotos dele (Ari) talvez o José Ricardo Matos possa ajudar. Fotos minha da época eu me lembro de ter uma, mas eu estava de sunga sentado no chão da sala do Coro do Teatro Castro Alves. Foi no período entre a minha saída da Tribuna da Bahia e a época em que fui para a Bahiatursa onde participei da revista ViverBahia. É uma foto do meu tempo de ator (péssimo ator) no ensaio de Electra, se Sofocles. Se servir eu posso digitalizar e enviar pra você

José Ricardo Matos: Fred Matos achei outra carta, incompleta e sem data.

José Ricardo Matos: Segue: Querida Dalva,

Queridos Filhos.

Imagino-os a todos. A cada momento — e são longos, sofridos momentos — posso vê-los e ouvi-los, porque estas paredes que me encerram são incapazes de conter minha imaginação. Estou sempre com vocês. Sobretudo à noite. Vejo e sinto cada sorriso de Fred, Jorge, Vanja, José Ricardo, Antonio Guilherme. O que me magoa é não ter a convicção de que elas possam, tão crianças ainda, retribuir o adeuses que lhes dou. Mas sei, com certeza absoluta, que você, Dalvinha, há de sentir, cada noite, cada dia, essa presença de quem está tão longe e ao mesmo tempo, tão perto. Somente depois desta convicção, quando ela me imprime na consciência e no coração, é que, afinal, consigo dormir — e é um sono longo, tranqüilo, repousante, um sono de prazer realizado. Eis porque, pela manhã, quando desperto, ao ver, em torno, faces que estão tristes, e, por vezes, faces em que identifico, sem dificuldades, marcas de um desespero contido, consigo sorrir, insisto em sorrir, e de tal forma, e com tal força que ao cabo de alguns minutos, todos sorriem também, reencontrando-se.

São longos os momentos, já lhes disse. Não os perco. Aproveito-os, minuto a minuto, promovendo, com circunstância metódica, uma análise, um exame, ao passado que me foi possível construir. Busco os erros, as insuficiências — e encontro-os, não poucas insuficiências, não poucos erros. Não me perdôo, por exemplo, o desconhecimento de línguas essenciais para meu estudo e meu trabalho. Não saber inglês, por exemplo. Nada entender de alemão. Conhecer francês pela rama. Saber tão pouco de matemática. Nada disso me perdôo. Lamento, ainda, não ter estudado, com método, ciências tão essenciais como Sociologia e História. Não creiam, contudo, que essa convicção de insuficiência cultural possa produzir apenas tristeza. Dela retiro estranha e poderosa força: a de recuperar o atraso. Rapidamente. Estou entregue, agora, ao estudo intensivo do inglês. As dificuldades, para um ignorante, como sou, são consideráveis. Na pronuncia, principalmente, sou uma negação. Dias e dias e ainda não consegui pronunciar , corretamente, como a pronuncia meu professor, o Frei Valesiano, a palavra also. Flexiono mal. A língua não se disciplina. Erro e repito. Afora isso, porém, vou andando e Frei Valesiano é estimulante. Prometi-lhe, por isso mesmo, logo que me veja em liberdade, uma feijoada das nossas, a rigor. Quero dizer: uma feijoada que se inicie com aperitivos e tira-gosto, seguindo-se o arroz solto, a salada variada, o molho picante, a carne de porco bem tostada, e ele sua majestade, o feijão, de véspera, bem condimentado. Para auxiliá-lo, com a referencia devida, um vinho tinto, aos 18 graus, encorpado, de memória permanente. Escrevo isto e o frei se baba de gozo. Eu também!

Perdoem a pilhéria, que pilhéria não é. É, em verdade, evocação, mais do que isso, é desejo, imenso e poderoso, de vê-los, senti-los e abraça-los, um a um, e todos, ao mesmo tempo. Abraça-los não só a vocês, mas a todos, aos que, inclusive, não conheço, nunca vi.

Minha condição de jornalista, de escritor em projeto, leva-me a estes transbordamentos. Creio que me negaria se tentasse aprisioná-los. Disse-lhe uma vez, Dalva, repito-o agora, que sou todo coração, e, por isso, como poeta, “onde se vê louca anatomia”.

Falava-lhe da convicção de que sei pouco e sei desordenadamente o que foi possível aprender. Quero, a viva força, recuperar o tempo perdido. Vou faze-lo. Comecei a faze-lo. Continuarei. Por mim, por vocês, por todos. Quero contribuir com algo sério para meu país, minha Pátria, meu Povo, e ninguém senão a morte, me impedirá. Se não conseguir, terei a alegria do esforço desenvolvido nessa direção.

Mas, certamente, naquele passado consternado nem tudo foi erro, nem tudo foi insuficiência. No meu passado estão vocês — e sinto orgulho, contentamento, tranqüilo orgulho, sem ostentação, de tê-los ao meu lado.

Estão, no meu passado, amigos que fiz em circunstâncias de sucessos, de êxitos, e, também, aqueles que ao meu lado estiveram, e estão, nos momentos de adversidades. Que não foram poucos, e, necessariamente, se repetirão no futuro.

No meu passado está tudo quanto escrevi. Também disso me orgulho. Convenço-me, agora mais do que antes, que nunca dobrei a espinha aos poderosos, nem a dobrarei. Como jornalista e como projeto de escritor jamais construí inverdades, sabendo-as inverdades. Nunca me aproveitei da condição, honrosa para poucos, aviltada por numerosos, para pisar ninguém, prejudicar quem quer que fosse, trair os interesses do nosso Povo, a troco de vantagens, mínima ou máxima que pudesse ter sido. Disso a ninguém peço testemunho, senão a vocês. É quanto me basta. Graças a isto meu sono é tranqüilo, meu riso é fácil, posso olhar-me no espelho sem surpreender-me desesperado ou vencido.

Desejaria, agora, poder abraçá-la e dar-lhe, Dalva, o que lhe devo, em afeto e em carinho. Terei a oportunidade para isto. Em breve. Porque, é certo, em breve nos reuniremos todos, na mesma mesa, sob o mesmo teto.

Julguei poder vê-la, hoje. É-me impossível. Você imaginará os motivos dessa impossibilidade e o que para mim, ela significa.

Beijo-a com ternura. Aos garotos também, um por um. A todos peço que estudem. Brinquem um tempo, estudem outro. O máximo que possam. Especialmente Fred e Jó que devem ajudar em casa.

Até breve,

Ari.

 

Fred Matos: José Ricardo Matos Você tem a grande responsabilidade de conservar essa memória, mano. Sei que é capaz e que o fará. Aqui distante, me comovo, Talvez existam mais cartas, talvez outras anotações e textos que possam no futuro ser usadas para uma memória de Ari. Ele merece. Beijo.

Fred Matos: Outra carta de Ari que eu não conhecia, Emiliano

Jose Jesus Barreto: José Ricardo Matos que carta linda, comovente documento. Humanismo.

José Ricardo Matos: Vou reler o livro que escrevi em homenagem a meu pai, Ariovaldo, faz alguns anos que tentei escrever, contudo não tenho a competência de um escritor, mas nele inseri algumas cartas ou retalhos de cartas que achei entre anotações de contos datilografados de Ari. Quase todos ou todos os textos foram entregues ao saudoso Guido Guerra que ficou de compilar em livros os textos. Daí saiu "A ostra Azul", e, depois, a editoração de o romance "Anjos Caiados". Caso não me falhe a memória tem outra carta para Dalvinha, mas de quando ela fora internada com embolia pulmonar. Vou reler o livro.

Emiliano José: José Ricardo Matos Não fosse abuso, gostaria de ter um exemplar de seu livro

Emiliano José: Fred Matos Comovente

Emiliano José: Uma carta dessas, memórias do cárcere, não pode se perder. Gozado, tenho a sensação de uma fala universal, como se ele invadisse o coração e a alma de cada um de nós, mundo afora, habitantes daquele universo.

José Ricardo Matos: Emiliano José, tá muito mal redigido (meu livro), foi só uma aventura de juventude, mas tudo bem. Lhe mando por e-mail. Me passe o seu e-mail pelo msn que eu lhe envio.

Emiliano José: José Ricardo Matos emiljose@uol.com.br

José Ricardo Matos: Fredinho, achei uma carta de Ari para Dalvinha, que reproduzi num livro que escrevi há algum tempo, estava jogado na memória de meu notbook. Vou reproduzi-la:

"Dalva, beijos.

Aqui vai o primeiro relatório para que você se mantenha informada do que acontece:

1. Fomos condenados (9 meses para mim, 7 para Gorender) não na base das acusações, perfeitamente ineptas, oferecidas pelo promotor Andrade, mas a partir do entendimento de que eu e Gorender teríamos violentado o que diz o artigo 39 da Lei de Segurança vigente, a última. Parece-me que dito artigo diz respeito a ofensas às Forças Armadas. Que ofensas? Não sei. Parece que tudo resulta de um despacho publicado por “Folha da Bahia”, em princípios de março de 1964. Temos, portanto, esta coisa espantosa: faz-se uma Lei para enquadrar fato já ocorrido. O raciocínio para mim fica claro : se, até a pouco, a ninguém era dado desconhecer o texto da Lei, ou das Leis, doravante teremos de imaginar o que uma lei futura irá capitular. Do contrário, cana.

2. O tratamento aqui, na Casa de Detenção, na medida do possível, está sendo o melhor. Na verdade, muito melhor do que poderíamos esperar. Podemos receber comida de fora. Estamos em quarto especial, sem grades, as portas abertas — e é possível ver o mar e ainda o jardinzinho que fica aqui defronte. É simpática, a coisa. Tem acácias e flaboyants, banquinhos para os namorados, e o demais. Inclusive, agora, meninos que jogam bola na grama.

3. Podemos ouvir rádio e ver televisão. Virá a do Gorender.

4. Podemos, sobretudo, escrever. Isto significa que o “tutu” está garantido. Aliás, deixe-me logo dizer, a solidariedade dos amigos é comovente. Maurício poderá lhe contar algo a esse respeito. O Contreiras, por exemplo, ficou até três horas da manhã providenciando cama, travesseiros, colchas, roupas, etc.

5. Disse-me Fred que você esta de ótima moral. É uma notícia que reputo excelente. Veja se pode providenciar o seguinte :

a) um esparadrapo pequeno

b) um tubo de Farmicetina p 7 (ou 7 p), algo assim.

c) duas canetas bic, uma azul e outra vermelha.

d) uma tesourinha de unha.

e) um espelho pequeno, desses baratos.

f) os exemplares de : “La colonie penale”, de Kafka, os dois dicionários de francês que eu tenho aí, todos os exemplares de “La Nouvelle Critique” e o exemplar do “Le Observateur” que tem na capa uma reportagem intitulada “Les soldats pertdus” ou algo parecido. Peça a Wilter (telefone para o “Jornal da Bahia” : 3-2471) que me remeta os três últimos números do “Observateur” que ele tenha em casa.

g) Mande-me, ainda, o exemplar da “Divina Comédia” e os volumes 1 e 2 da “Comédia Humana”.

Por enquanto é só. Garanto a você uma coisa: com tempo e tranqüilidade vou ganhar aquele prêmio de teatro de que lhe falei, 1.000 dólares e a viagem à Europa. Talvez em fins de junho estejamos lá.

Agora, beije, por mim, Fred, Jorge, Vanja e Guiga. Dê parabéns ao Fred: ele se portou como homem, corajoso, realista e eficiente. A Fred só faltam um pouco mais de senso de responsabilidade e vontade férrea para o estudo e a leitura organizados. Tenho toda a confiança nele. Não nos faltará.

Mais beijos para você.

Ari

Consiga-me ainda: papel pautado e “batalha naval”.

Tranqüilize o pessoal lá de casa, especialmente a Voninha que ainda se mostra incapaz de compreender quanto é essencial, numa hora dessas, manter-se tranqüila e confiante.

Atenção: em algum lugar aí de casa existem dois sacos contendo um pó branco. É um corretivo de solo. Use-o na proporção aproximada de 50 gramas por m2 para ver se ajuda as plantas do jardim. Especialmente as roseiras. Não é possível que as flores não surjam. Sapeque o corretivo nelas, pondo-o sob a terra. Faça a experiência e me diga depois”.

— Acaba aqui a carta. Abração, Fred. Vanjinha, saudades... Seu bolo de Aveia com banana está me fazendo falta...

 

Fred Matos: Eu nunca soube dessa carta. Fiquei comovido. Muito obrigado, Mano

Fred Matos: Mas não tem data?

José Ricardo Matos: Fred Matos Não tem data. Foi depois da Copa do Mundo em 70. Vou ver se tem outras cartas digitadas.

Fred Matos: Emiliano José pode ser que o conteúdo dessa carta seja do seu interesse.

Mônica Bichara: Gente, isso é história na veia.....quanta emoção. Imagino para vc, Fred Matos, só ter acesso a esse material agora. Tudo copiado, muito lindo. Quero as fotos que conseguirem, inclusive dessas cartas

Fred Matos: Sim. Fiquei mesmo muito emocionado.

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(Ariovaldo com Glauber e Orlando Senna)

Emiliano José

27 de agosto 2020

Fred Matos: uma carta, advertência e confiança

 

O escriba, qualquer escriba, alimenta ilusões.

Vai escrevendo, escrevendo, e se crê, crê mesmo, senhor de seu texto.

Sabe nada, inocente - é dito da moçada de hoje.

Mais do que próprio.

Estava eu sossegado escrevendo sobre a trajetória de Fred Matos.

Ele havia me advertido ser muito rápida sua passagem pelo jornalismo.

De fato foi.

Mas, eu começava a rascunhar a caminhada dele, e um personagem surge, assim de repente.

O pai, o grande Ariovaldo Matos.

Recentemente, deparei-me com ele, ao falar de Othon Jambeiro.

Consegui agora seu livro sobre a invasão do Corta-Braço, um romance.

Com o texto de Othon sobre ele, eu o conheci um pouco mais.

Quase nada.

E eis ele novamente, trazido pelas mãos dos filhos.

Parece encontro marcado, ele vai surgindo à minha frente.

Nos comentários, há duas cartas dele, enviadas da prisão.

Comoventes, e reveladoras daquele tempo das catacumbas.

Acrescento só, antes de seguir adiante com o Fred Matos jornalista: a condenação foi no ano de 1970, deve ter sido no início, imagino.

E em 1970, os quatro advogados, Jaime Guimarães, José Borba Pedreira Lapa, Inácio Gomes e Ronilda Noblat, os três mosqueteiros como costumo chamar, já estavam atuando juntos - os três mosqueteiros eram Porthos, Athos. Aramis e D'Artagnan, não?

Quatro, lembrados sempre como três.

Nunca atinei por que.

E importante lembrar: José Gorender também foi condenado.

A sete meses de prisão.

A história vai rompendo caminho, e se revelando.

Prometi voltar a Fred, mas peço licença pra duas ou três palavras.

Numa das cartas reveladas nos comentários por José Ricardo Matos, o pai fala de Fred, do último encontro deles, um pouco antes dele seguir para a prisão.

Antes, para o leitor não se perder, revelo o nomes dos cinco irmãos: Fred, Jorge, Vanja, José Ricardo e Antonio Guilherme.

A mãe, Dalva.

Ariovado, por Dalva, manda na carta um recado para Fred:

"Dê parabéns ao Fred, ele se portou como homem corajoso, realista e eficiente".

Pai, pra não perder a viagem, sempre dá um puxão de orelhas:

"A Fred só faltam um pouco mais de senso de responsabilidade e vontade férrea para o estudo e a leitura organizada".

Mas, pra novamente não perder a viagem, faz uma confissão:

"Tenho toda a confiança nele".

Fred, ao tomar conhecimento da carta, ficou todo cheio de si, apesar da advertência, a ressoar até hoje.

Bem, o escriba havia prometido voltar à trajetória jornalística dele, mas não deu.

Desculpem, não é enrolação.

É o diabo intrometendo-se, provocando digressões.

Hoje, ainda não.

Escriba pensa ser dono do texto...

Sabe nada, inocente...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: De fato eu não tinha e nunca tive vontade férrea para estudar, mas a "leitura organizada" é porque eu tinha outras prioridades de leitura e "senso de responsabilidade" eu tenho até demais.Mas eu o perdoo por isso.

Emiliano José: Fred Matos Em nome do Pai...

Mônica Bichara: Lembra alguma coisa, Ludmilla Duarte?

Ricardo Matos: Só os três -- Porthos, Athos. Aramis -- eram "mosqueteiros", D'Artagnan, até o final do livro, era só um aspirante a...

Emiliano José: José Ricardo Matos Nada como um conhecedor... Sabia não. Desde menino, trato os quatro como tais, mosqueteiros. E D'Artagnan, que eu saiba, o melhor deles... Será?...

Ricardo Matos: Na história de Alexandre Dumas, o sonho de D'Artagnan era se tornar mosqueteiro como fora seu pai, assassinado. Creio eu que dai o título ser "os três mosqueteiro" mesmo sendo D'Artagnan, o quarto, um dos principais personagens...

Emiliano José: José Ricardo Matos Vou conhecendo mais... Obrigado

Ricardo Matos: Emiliano José - Me mande seu e-mail pelo msn ou por aqui mesmo que eu envio o livro. Tá sem revisão... Mas lá se encontram alguns contos de Ari e as cartas.

Emiliano José: José Ricardo Matos Obrigado, meu velho. Vou olhar. 

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(Ariovaldo Matos)

Emiliano José

28 de agosto 2020

Fred Matos: o comunista e as rosas

 

Tá legal.

Eu aceito o argumento.

Prometi ontem voltar à trajetória jornalística de Fred Matos.

Devo, não nego.

Pago logo a seguir.

É coisa da escrita, vocês me compreendem.

É o diabo atentando.

Ainda lembro de um trecho de uma das cartas de Ariovaldo para a mulher, Dalva.

Cartas do cárcere.

O trecho pode evocar muita coisa.

A mim, evocou primeiro o notável romance de Ferreira de Castro, A Curva da Estrada.

O leitor, querendo saber do porquê, só lendo-o.

Minha edição é de 1960, da Difusão Europeia do Livro.

O livro é uma preciosidade.

Depois, me fez lembrar de Manoel de Barros, o poeta das coisas simples - ele diz das coisas imprestáveis, prefiro dizer simples.

E por último, de como a prisão pode suscitar sentimentos surpreendentes, ou simplesmente revelar tais sentimentos.

Como o amor pelas plantas, pelas rosas.

Ele recomenda a Dalva, a mulher, a mãe dos filhos:

"Atenção: em algum lugar da casa existem dois sacos contendo um pó branco. É um corretivo de solo. Use-o na proporção aproximada de 50 gramas por metro quadrado para ver se ajuda as plantas do jardim. Especialmente as roseiras. Não é possível que as flores não surjam. Sapeque o corretivo nelas, pondo-o sob a terra. Faça a experiência e me diga depois".

Está na prisão.

E se lembra de seu jardim.

De suas rosas roseiras.

Cuida delas desde lá.

O comunista e suas rosas.

Não as quer abandonadas.

Sai do cárcere para o jardim.

Junto com sua mulher, com Dalva sempre amada.

Os comunistas, ao menos alguns deles, são cheios de ternura, de amor.

Ariovaldo era assim.

No final de "A curva da estrada", o avô está ditando para a neta escrever.

Escreva aí, ele diz, "nós devemos amar os homens, porque..."

- Já escrevi isso - preveniu a neta.

- Não faz mal.

Repete:

- Nós devemos amar os homens.

 

Então, posso voltar a Fred Matos e o jornalismo...

Amanhã.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Hoje, mais que memória, você escreveu poesia, Emiliano

Emiliano José: Fred Matos Honrado, feliz, obrigado.

Jorginho Ramos: Encantador...!

Mônica Bichara: Sem perder a ternura, jamais

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(Fred com o ator, poeta e mamulengueiro Valdeck de Garanhuns)

Emiliano José

29 de agosto 2020

Fred Matos: paixão, um rio

de lágrimas, cerimônia do adeus.

 

Trato é trato.

Volto à trajetória jornalística de Fred Matos.

Os leitores já devem estar impacientes.

Estávamos ainda no início em capítulos anteriores.

Chegara à "Tribuna da Bahia" em setembro de 1971.

Já contei um pouco.

Da entrevista sobre a juta.

Do editorial sobre a greve dos motoristas.

E começara a falar de novembro daquele 1971, quando ele fora cobrir os ensaios da peça "Nosso céu tem mais estrelas", de Deolindo Checcucci.

Nesses ensaios, deparou com uma garota da equipe, botou os olhos, e se apaixonou.

Perdidamente.

Não, ele só conta o milagre.

O santo, não.

Não revela o nome.

Paixões, algumas delas, melhor deixá-las guardadas no baú.

Netas, talvez um dia, ao remexer nele, vão descobri-las, e se deliciar.

Ou não.

Depois do primeiro dia da cobertura da peça, chega ao jornal e recebe cinco ou seis pautas, nem lembra com exatidão.

Quem é do ramo, sabe: isso pode acontecer.

O pauteiro ou chefe de reportagem um dia lhe dá duas, outro, três, quatro, e um dia de mau humor, cinco ou seis.

De mau humor ou de aperto.

Às vezes, o número de pautas supera o número de repórteres.

Pegou a renca de pautas, foi caminhando em direção ao Dique do Tororó, perto da "Tribuna".

Caminhando e pensando.

Queria espairecer.

No dique, sentou na grama.

Que fazer com tanta pauta?

Chorou um balde.

Deixou as lágrimas escorrerem até mais não poder.

Rasgou as pautas.

Uma a uma, metodicamente.

Cerimônia do adeus à "Tribuna".

Vida que segue.

Enturma-se com o pessoal do teatro.

Não conta se impulsionado pela garota, paixão.

Faz amizade com Deolindo Checcucci, Carlos Ribas e Armindo Bião.

Em junho de 1973...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Jorginho Ramos: Carlos Ribas

Fred Matos: Carlos Ribas foi um dos bons amigos que eu conheci quando convivi com o pessoal do teatro.

Carlos Ribas: outro dia estava escrevendo seu nome no meu livro que deve sair até o final do ano que vem. saudades daqueles bons tempos de eletrasquitais!

Carlos Ribas: obrigado Jorge pelo em caminho.

Fred Matos: Carlos Ribas Saudades também, querido amigo. Grande abraço.

Fred Matos: Não é o dinheiro, é a paixão que move o mundo. Qualquer paixão. A paixão de um homem por uma mulher ("Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure".) e mais ainda a paixão pela humanidade, que faz alguns abandonarem a família, a própria vida, para lutar pelo bem comum, pelo interesse público.

Emiliano José: Fred Matos A vida é paixão. Senão, não é vida.

Mônica Bichara: Texto novo da série postado no Pilha, desta vez Gustavo Falcón

Mônica Bichara: Na moral, eu também rasgaria. 5 ou 6 pautas de uma vez é de doer, o pauteiro tem q estar de TPM hehehehe

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Emiliano José

30 de agosto 2020

Fred Matos: Bahiatursa, hotéis, e o copidesque sumiu

 

Teatro.

A nova vida de Fred Matos.

Amizades fortes.

Já relatei, sou homem da repetição: Deolindo Checcucci, Luciano Diniz, Armindo Bião, Carlos Ribas.

Não foi vida longa.

Um ano e meio andando com o teatro.

Provavelmente, impulsionado pela paixão pela garota surgida no seu caminho por artes do teatro.

Vocês sabem: paixão faz é coisa.

Arrasta pra cá, pra lá, vendaval.

Junho de 1973, e a amizade rende bom fruto: além de todos os outros, um emprego.

Armindo Bião o convida para trabalhar na Bahiatursa, órgão encarregado do fomento ao turismo do Estado.

Havia se constituído uma agência de comunicação no interior da própria empresa - acostumou-se a denominar house agency esse tipo de iniciativa.

Era comandada pelo chileno Alex Ivan Peirano Chacon - talentosíssimo, na opinião de Fred.

O chileno de cara deu-lhe a tarefa de levantar toda a infraestrutura turística de Salvador.

Quase um teste.

Coisa pra pé de boi.

Botou o pé na estrada.

Formulários à mão, e tome-lhe hotéis, restaurantes, boates, o diabo a quatro.

Senhora investigação.

Ganhava quase nada, merreca.

Amargou ainda a desdita de ver todo seu trabalho publicado pela Editora Abril, no Guia Quatro Rodas de Salvador.

Puto, puto, e ainda mais porque os putos não tiveram nem o cuidado de fazer uma revisão mínima.

Os erros dele estavam lá, oferecendo-se a um bom copidesque.

A Rua do Paço aparecia como Rua do Passo - é, ele havia se passado - e assim continuou.

E ainda havia tascado um artezanato com z - leve descuido, facilmente corrigível com um cultor da língua, e os antigos copidesques o eram.

Fred se tornará mais tarde esmerado manipulador do português, mas, como todo mundo sabe, isso leva tempo, e às vezes a a vida passa, e a gente não consegue.

Nunca soube se a Bahiatursa vendeu ou cedeu o trabalho dele.

Tem um consolo: o levantamento feito por ele foi o embrião da revista "Viver Bahia"...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Já passei por alguns vexames por causa dos meus erros gramaticais. Aqui uma pausa para dar razão a Ari quando disse que eu não tinha vontade férrea para os estudos. Ne férrea, nem de outra tempera qualquer. Por conta dessa falta de vontade e maior apreço pela gandaia, abandonei os estudos formais quando cursava o 2º ou 3º ano do secundário, coisa que atualmente equivale à 8ª série do 1º grau. E por isso os erros que, como dizia no começo deste comentário, já me fizeram passar vexames. Um destes foi em um texto na Revista ViverBahia onde em lugar de escrever inserto (inserido) eu tasquei um incerto. Dizia no texto que as informações incertas eram por conta do Departamento de Pesquisa da Empresa. Era a primeira fase da revista e não havia revisão de texto. A chefe do departamento ficou furiosíssima e se queixou à diretoria. Felizmente fui perdoado e daí em diante passei a ter mais cuidado com os meus textos.

Lucia Correia Lima: Fred Matos não se preocupe. António Riserio só tem na verdade o segundo grau

Fred Matos: Isso nunca me preocupou, Lucia. Eu não recomendo a ninguém que fique sem estudar porque eu sei a dificuldade para conseguir emprego para quem não tem diploma. Eu consegui, mas porque as pessoas que trabalhavam comigo sabiam das minhas habilidades e me indicavam ou convidavam, de sorte que nunca passei necessidade. Acredito que hoje seja muito mais difícil do que no meu tempo. Prefere-se a ignorância diplomada à eficácia comprovada. Grato pelo comentário.

Lucia Correia Lima: Fred Matos verdade. Mas contudo temos visto diplomados semi analfabetos

Jorginho Ramos: Imagino Fred Matos escarafunchando as cidades do Recôncavo (e de outras regiões mais...) à cata de informações. Deve ter sido bacana ver e conhecer tanta gente e coisa bonitas, comer comida gostosa, beber licores deliciosos... bem antes que essas cidades se tornassem atrações turísticas reconhecidas...

Fred Matos: Jorginho Ramos, Esse levantamento do equipamento turístico ficou circunscrito a Salvador. Lamentavelmente não me permitiu comer comidas gostosas ou beber deliciosos licores. Percorri a pé, diariamente, meses a fio, as ruas de Salvador, com uma bolsa onde levava os formulários que eu criei para inventariar cada bar, restaurante, boate, hotel, qualquer coisa que pudesse servir aos visitantes da cidade. Muitas vezes fui recebido com (compreensível) desconfiança, já que eu não tinha credencial e ostentava uma cabeleira de Jesus Cristo despenteado. Gastei muita sola de sapato, suei um oceano, mas ganhei um bronze digno de surfista e músculos rijos nas pernas. Agradeço-lhe o comentário, sobretudo por me ter desejado um prazer que não gozei. Grande abraço, querido.

Fred Matos: Posteriormente, já então para fazer matérias para a ViverBahia, sim, visitei muitas cidades do Recôncavo e a quase todas do nosso extenso litoral.

Ricardo Matos: Fred Matos Emiliano José Sérgio Gorender- Busquei no HD e achei pouca coisa, na maioria contos publicados. De novidade achei um texto de José Gorender em depoimento sobre Ari que saiu na seleção de contos A ostra Azul. Segue um episódio. ----

Um episódio

José Gorender*

Em meados de 1963, junho ou agosto, talvez setembro, não lembro exatamente, realizou-se em Brasília um Congresso Nacional de Jornalistas. E lá estávamos nós, eu e Ariovaldo Matos, integrando a delegação baiana. Apesar de eventuais discordâncias e mesmo entreveros esporádicos, politicamente, e também profissionalmente, caminhávamos juntos, então jornalistas ambos do Jornal da Bahia, do semanário I.C.**, que fundáramos no ano anterior, e ainda de um outro semanário, este eminentemente político, a Folha da Bahia.

O clima em Brasília mostrava-se tenso, já prenunciando a crise e o golpe de 1964, com debates acirrados na Câmara e no Senado, greves, manifestações sindicais e populares. Uma noite, já encerrado os trabalhos do dia, fomos procurados por uma comitiva de dirigentes sindicais e lideranças populares, vinham expor os propósitos de seu movimento, de protesto contra a alta violenta das passagens de ônibus. Seguindo a comitiva de lideranças, vinha uma multidão de manifestantes. E atrás, um destacamento do Exército, dispondo-se os soldados, ameaçadoramente, lado a lado, empunhando suas armas e cercando o local. E nunca soube se integravam o já falado dispositivo militar do Almirante Assis Brasil ou se viram se incorporar ao movimento golpista. Os dirigentes do Congresso, assim como da Federação Nacional de Jornalistas, já se tinham retirado, os poucos que ainda permanecíamos no local consideramos não estar autorizados a falar em seu nome. Mas Ariovaldo discordou, trabalhadores e povo de Brasília buscavam a solidariedade dos jornalistas brasileiros, que não lhes devia falar. E enquanto ainda discutíamos a respeito, seguindo-se a um dos oradores locais ouvimos o próprio Ariovaldo, ele que não era orador, habituado a escrever, não a falar em público, afirmando o apoio dos jornalistas brasileiros.

O episódio expressa, em certa medida, o que foi Ariovaldo Matos, corajoso, às vezes chegando às raias da temeridade, frequentemente avesso à disciplina, mas preservando dignidade e esbanjando talento, qualidades que evidenciava como homem, jornalista e ativista político. E que, obviamente, estão presentes e inspiram toda a sua obra literária, pois também presentes em sua atividade de escritor.

*Jornalista e crítico de arte.

** I.C. Shopping News da Bahia.

Mabel Mota.

Ricardo Matos: Outra pessoa que pode ter documentos sobre Ari é @Mabel Mota que pesquisou bastante enquanto fazia sua pós graduação. Vou procurar o e-mail dela.

Emiliano José: José Ricardo Matos Obrigado, meu velho

Ricardo Matos: Já reenviei o e-mail dela.

Emiliano José: José Ricardo Matos mais uma vez, obrigado

Mônica Bichara: Emiliano José edite aí que a # saiu incompleta, só aparece #Memória

Mônica Bichara: Facilita depois para localizar, pode ter sido algum engano desse tipo que alguns capítulos não apareceram na busca. achei um com #MemóriasJornalismoSalvador kkkkkkk

Emiliano José: Mônica Bichara Ainda bem que salvou...

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(Coluna de Turismo no jornal IC)

Emiliano José

31 de agosto 2020

Fred Matos: "Viver Bahia" e a sobrevivência em meio à revolução

 

É, aquele levantamento sobre a infraestrutura turística de Salvador acabou rendendo um belo fruto: a revista Viver Bahia.

Disso, Fred Matos se orgulha.

A publicação, lançada em novembro de 1971, foi experiência pioneira.

Proposta inovadora, pretendia estabelecer um vínculo entre as produções culturais e a atividade turística.

Fred se recorda: Eduardo Safira era o chefe do Departamento Editorial.

Editor, Armindo Bião.

Acentua as credenciais de Bião.

Entre tantas, a de ter sido um dos mentores de "O Verbo Encantado", jornal alternativo de vida curta, outubro de 1971 a março de 1972, mas com 22 números.

Com um time da pesada: Antonio Risério, Carlos Ribas, Álvaro Guimarães, Waly Salomão, só para lembrar alguns nomes.

Fred lamenta não ter participado dessa experiência.

A primeira fase da "Viver Bahia" teve 21 edições, nas contas do nosso protagonista.

Formato pequeno, próximo de um livro, capa a cores, miolo de cor única, e linguagem marcadamente poética.

A segunda fase se inicia em julho ou agosto de 1975, ele não é capaz de precisar.

Sob o comando de novo editor: Navarrinho.

Chamo-o assim pela proximidade.

Ele só me chama Zapata.

Ou Zapatilha.

Foi meu chefe no Estadão.

Dos melhores mestres.

Ah, o nome: Carlos Navarro Filho.

Navarrinho fez uma revolução.

Montou equipe completamente nova, formada por jornalistas profissionais.

Do que a memória retém, Fred Matos recorda ter sido o único remanescente da primeira equipe a ser aproveitado na revolução navarriana.

Não sabe por que...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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Emiliano José

1º de setembro 2020

Fred Matos: "Viver Bahia", cores, cores, nova fase

 

Carlos Navarro, editor, foi um terremoto.

Mudou tudo na "Viver Bahia".

Formato maior, cores, cores.

Tiragem passa de 10 para 30 mil exemplares.

Na linguagem, também mudança profunda.

O jornalismo tomava o poder.

Não mais o lirismo da primeira fase.

Linguagem ancorada nas técnicas jornalísticas, mantendo, não obstante o tom coloquial.

Era o estilo Navarro em ação.

Nunca deixou de imprimi-lo onde chegasse.

Ficou na direção até outubro de 1976.

Não sei como se deu, mas Cesio Oliveira o sucedeu.

Desconfio, só desconfio: Navarrinho deve ter feito sucessor.

Ele e Césio sempre foram muito amigos, e o novo editor trabalhou um bom tempo sob a direção dele no "Estadão.

Convivemos nessa época, no edifício Martins Catharino, na Rua Chile, onde ficava a sucursal do centenário jornal paulista.

Foi momento de grande aprendizado.

Por Navarrinho.

E por tantos colegas de qualidade.

Césio dirige a revista até o último número - na memória de Fred, final de 1979 ou início de 1980.

Anotem: foram os anos mais ricos e felizes da vida de Fred.

Nas duas fases, teve o privilégio de conhecer e conviver com pessoas extraordinárias.

Prefere não citar nomes, mas é particularmente agradecido a Otto Freitas, notável copidesque, editor de texto da revista.

Sofria um bocado para corrigir "os muitos erros" dele - aspeio para esclarecer ser do próprio Fred a informação.

Ainda não se usava computador.

Não existia corretor ortográfico...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Jose Jesus Barreto: Otto Freitas, uma referência. Ótimo profissional, caráter. Um jornalista. Decente.

Emiliano José: Jose Jesus Barreto Dos melhores. Chegado na TB, ele era um dos copidesques, 1974. E dos bem humorados. Nem todos eram.

Jose Jesus Barreto: Emiliano José Grande parceiro. Um irmão.

Fred Matos: Otto Freitas conseguia fazer o milagre de tornar os meus textos legíveis, Eu sou muito grato a ele, a Carlos Navarro, Cesio Oliveira, tanta gente.

Mônica Bichara: Otto Freitas é um querido

Carlos Navarro: Realmente mudamos a revista, que era feita antes por artistas brilhantes. Formamos uma bela equipe. Além do Gordo (que você citou), um dos bons textos que conheço e hoje poeta rico, homenageio os fotógrafos Rino Marconi e Oldemar Victor. E ainda tínhamos João Ubaldo Ribeiro, a quem também homenageio.

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Emiliano José

2 de setembro 2020

Fred Matos: o verbo se encanta debaixo do AI-5

 

Pensava em seguir adiante, perseguindo os passos de Fred Matos, depois da lembrança de Otto Freitas, nosso querido amigo, e grande copidesque - melhor dizer, mais próprio, editor de texto.

Mas, o diabo atenta.

Provocado lá atrás pelo próprio Fred, faço breve digressão - quem sabe, interesse ao leitor.

Relação com leitor é coisa complicada.

A gente tenta adivinhar seus desejos, e nem sempre acerta.

Quem sabe, erre mais do que acerta.

Mas, viver é arriscoso.

Toque o barco pra Lapinha.

Lembram?

Fred falou em Armindo Bião, um dos mentores do "Verbo Encantado".

Situou o jornal entre outubro de 1971 e março de 1972.

Fui atrás, pela importância.

Por que não brindar os leitores com essa história.

Prometo ser rápido.

Minha fonte é Gustavo Falcón, e seu "Os baianos que rugem - A imprensa alternativa na Bahia".

Fred está certo quanto ao início do jornal: outubro de 1971.

Nem vi, porque estava preso.

Errado quanto ao fim: encerrou sua rica trajetória em julho de 1972.

Não vi também: continuava preso.

Eram tempos duros, duríssimos.

Ditadura corria à toda.

AI-5 vigente.

Filho chorava e mãe não via.

O "Verbo" se saía pelas matérias de natureza cultural, linguagem coloquial perpassada por gírias e expressões ligadas à contracultura.

Ou cultura underground, como se queira.

Um jornalismo feito em estados d'alma, e não em cima de fatos econômicos, políticos, sociais.

Os outros se encarregariam desse mundo chamado real.

É como Álvaro Guimarães, redator-chefe, explicaria mais tarde o caráter do jornal - esse rugido está no livro organizado por Falcón.

Ditadura, vocês sabem, encontra várias frentes de combate pela frente.

"Verbo Encantado" pretendia concentrar sua preocupação em torno da contracultura, cujas manifestações estavam muito dispersas.

Notícias internacionais ligada ao rock, cinema, personalidades correspondiam à aproximadamente 20% do total de matérias.

Só perdia para as locais, cujo tratamento no texto procurava acentuar o jeito baiano, a musicalidade da prosa.

O diabo me atenta de novo, e me diz:

- Vá, vá, arrisque e mostre como eles trataram a igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. O desrespeito. Vá, se tiver coragem.

Enfrento o desafio.

Aceito a provocação.

O título da matéria: "Qvecolosso"...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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Emiliano José

3 de setembro 2020

Fred Matos: no princípio, era o verbo. E no fim?

 

Qvecolosso.

Era o título da matéria de "O Verbo Encantado" sobre a igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia.

Qué vê?

Bonita e estranha que só o diabo, a matéria.

Com texto instigante.

Provocativo.

Qué vê?

Trechinho:

"Conceição, uma mulher, uma igreja, uma santa, uma padroeira, uma ladeira, uma rainha, um orixá, uma mãe, uma baiana, uma portuguesa vinda de além-mar, uma menina, uma princesa qui anda por cima das ondas, ela chegou nas caravelas navegantes por maris nunca dantes navegados, por caravelas, navegantes ousados, colonisadoris, aqui na terra de vera, de prima, de primeira vez na primavera, a santa, a cruz, o cruzeiro na cidade capital, marinheiros capitães fidalgos degredados banidos bandidos aportaram nas terras de além-maris brazis brasil Brasil, baía, Bahia única com H..."

Bonito, não?

E desconcertante.

Matéria escrita por Nego Nízio, março de 1972, número 19 da publicação, emoldurada por 16 fotos da igreja da Conceição da Praia e adjacências.

Jornalismo revolucionário.

Jornal sem linha definida.

"Quem tem linha é costureira, e linha Corrente. Nós apenas deixamos livres a cuca e a pena".

Resposta do jornal a um leitor sobre a proposta editorial do jornal.

Linguagem gráfica, o avesso do avesso - tudo diferente dos métodos convencionais.

Usava e abusava das fotos, um exagero para os padrões dominantes.

Páginas inteiras cobertas por fotos.

Delícia dos fotógrafos.

Nos 22 números do jornal, 750 fotografias, média de 34 fotos por edição de 40 páginas.

A partir do número 14, passa a circular nos estados da Bahia e Sergipe como encarte da "Tribuna da Bahia".

O encantamento, deslumbramento do "Verbo" se fez nuvem em meados de 1972.

Os prejuízos enormes só foram ressarcidos em três anos pelos idealizadores.

Ausentava-se a voz alegre, divertida e profunda ao mesmo tempo, dos iconoclastas.

Jovens desafiadores da ditadura, a seu modo.

Desapareceu?

Modo de dizer.

Até hoje, entre nós.

O verbo é sempre o verbo.

Está na origem e no fim.

Fim?

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Jose Jesus Barreto: Como éramos ou fomos libertários e criativos !!!

Jose Jesus Barreto: sem cabrestos

Mônica Bichara: Que maravilha

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Emiliano José

4 de setembro 2020

Fred Matos: repórter, marqueteiro, administrador

de empresas, as voltas que o mundo dá

 

Os leitores e Fred Matos já me desculparam pela digressão em torno do verbo encantado, nosso maravilhoso jornal da cultura underground.

Voltamos a Fred.

Não havia mais revista.

Não mais viver Bahia.

Foi bom enquanto durou, o jornalismo.

A vida deu um giro de cento e oitenta graus.

Primeiro, aproveitando um pouco do aprendizado na revista, mergulhou no ramo do marketing.

Trabalhar com dinheiro.

Marketing do sistema financeiro.

Até aí, tudo bem.

Mas, súbito, outra reviravolta.

Administrador de empresas no ramo do transporte urbano de passageiros.

Sempre digo: a gente pensa no destino mandar, e manda nada, inocente.

A correnteza da vida nos puxa, e nos leva pra lá, pra cá.

Assim seguia nosso Fred.

Explica essas reviravoltas.

Quando pôde, deixou a paixão arrastá-lo.

Permitia-se a paixão quando a decisão afetava apenas a si próprio.

Era aquela torrente, puro prazer.

Quando as decisões afetavam outras pessoas, optava pela extrema responsabilidade.

Thanatos venceu Eros - filosofa Fred, lembrando Freud.

Não inteiramente porque Eros continua a se intrometer quando a criação literária se expressa, sobretudo a poesia, prazer, imenso prazer.

E Fred é poeta.

Mas, voltemos um pouquinho ao jornalismo.

Ainda quando na "Viver Bahia", ele viveu meteórica passagem como repórter especial do "Diário de Notícias".

Tudo por causa de um sofá.

É.

Precisava comprar um sofá, e contava, contava, e não sobrava dinheiro no final do mês para o maldito sofá, tão necessário naquela sala nua.

Então, iria enfrentar dupla jornada.

Não comprou o sofá.

Mas, cometeu um crime, já prescrito, só agora revelado...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Mônica Bichara: Fred Matos separa fotos pra mim, pode mandar pelo face mesmo

Fred Matos: Feito

Mônica Bichara: José Carlos Menezes tb, não consigo marcar ele aqui. Quem puder, fala pra ele dar uma olhada na mensagem que mandei há um tempão

Margareth Cunha Lemos: Jose Carlos Menezes vejaí, Mena!

Mônica Bichara: valeu, Marga

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Emiliano José

5 de setembro 2020

Fred Matos: um sofá, sonho de uma noite de verão

 

Ontem iniciávamos o conto do sofá.

Conto, modo de dizer.

Dura verdade.

Volto a ele, já já.

Vou descobrindo coisas.

E acreditando: a vida não é feita de acasos.

De encontros, sim.

Ou reencontros.

Já soubera, e nunca me recordaria não fosse lembrado por ele: jogamos baba juntos, eu e Fred Matos.

Ali, do lado esquerdo de quem sobe, havia um campinho improvisado.

Hoje, nem sonho mais de campinho.

Só prédios.

Tempo tempo tempo.

Agora, com mais precisão, soube: ele também morava ali na Ladeira da Cruz da Redenção.

Morei ali, penso, até 1979.

Creio poder chamá-lo cortiço, sem pesar a mão: corredor comum, apartamento quarto e sala embaixo, outro em cima, tudo conjugado, vários, o meu era o último, térreo, em cima moravam Isabel Hirata e Seiko - ela, minha dentista desde saído da prisão no final de 1974, cuidadosa ao extremo, sem nada cobrar, e depois de muitos companheiros da PLB, Theodomiro entre eles.

Lembro de 1978, a barulheira, não vi Copa do Mundo, não tinha tevê, e nem me arrependi: a Argentina, não é isso?, fora campeã.

Não por Argentina, mas por ditadura.

O diabo me atenta: não está se desviando muito?

Quer saber a história do sofá.

Calma -respondo.

Tem a ver.

Tudo junto e misturado.

Sofá - vamos a ele.

Em 1975, nasce o primeiro filho de Fred.

Chamou-o Amon.

Por quê?

Perguntei, não.

Deus egípcio, não é isso?

Que saiba, o mais importante deles.

Coisa de poeta, talvez.

O apartamento de dois quartos.

Tinha tevê - um luxo.

Sim, mas assisti-la, como?

Deitado ou sentado desajeitadamente sobre o colchão travestido de sofá, puído, puído.

Ele olhando aquilo, pensando.

Como era gostoso o meu sofá -  pensou em outros ambientes, outras casas.

Dinheiro da "Viver Bahia" dava apenas pro sustento.

Sofá, luxo.

Com olhos no sofá, seu sonho de consumo naquele momento, aceita ser repórter especial do "Diário de Notícias".

Entrou no dia Primeiro de Abril de 1977.

Com olhos no sofá.

Compreendo a situação: eu não tinha sofá, nem cama.

Colchão no chão, com a maior naturalidade.

Teo, já nascido, também em 1975, como Amon.

Cama, bem mais tarde, quando mudo para o Alto do Saldanha, ali pertinho.

Começou.

Faria apenas matérias especiais.

Dava para compatibilizar com a "Viver Bahia"...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Mônica Bichara: No ar a edição de Marcos Palacios no Pilha

Joana D'arck: Mônica Bichara imperdível!   

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Emiliano José

6 de setembro 2020

Fred Matos e sua maior façanha

jornalística, a maior entrevista

 

Fred Matos chegava em casa, olhava para a sala, e não se conformava.

A sala sem a porra de um sofá.

E dinheiro não sobrava.

A tevê ali, solitária.

Nada de um sofá.

Aceitou, já se disse, trabalhar no "Diário de Notícias".

Repórter especial.

Gente grande.

Havia crescido na profissão.

Faria apenas matérias especiais.

Horário flexível.

Confortável.

Dava para compatibilizar com a "Viver Bahia".

E comprar o diabo do sofá.

Mas, logo logo começou a sentir a decadência do jornal.

Nada de salários em dia.

Ou nem salário.

Entrou no dia primeiro de abril de 1977.

Em 31 de maio, já pedia o boné.

Sem tostão furado no bolso.

O sonho do sofá, apenas um sonho.

Ficaria para o futuro.

Mas, no meio do caminho, um crime.

Prescrito, revelado agora porque prescrito.

Fred teve uma ideia sobre uma matéria interessante.

Encontrava-se em Salvador o cantor Johnny Halliday, um dos principais astros do rock francês, e ator ainda por cima.

Um pop star.

Uma entrevista com ele cairia bem.

Era bem para o perfil de um repórter especial.

Ele estava hospedado no Meridien, no Rio Vermelho.

Chega no hotel, encontra Luiz Luzi, experiente repórter de "A Tarde".

Consultou o colega, recebeu um sorriso de volta, quase irônico: o homem não dá entrevista, não atende a imprensa.

Aí tem coisa, desconfiou Fred.

Luzi está de treita comigo, querendo exclusividade, tentando me tirar do jogo - pensou.

Foi atrás.

Nada, Luzi estava certo.

O homem não queria conversa.

Olhou o "Estadão" ainda ali no hotel, folheou.

O astro havia sido entrevistado pelo jornal quando da passagem dele por São Paulo.

Uma luz.

Um estalo.

Viu a chance: chegou à redação, pegou o Estadão com a entrevista, montou uma nova, não tão nova, entrevista.

Que importa?

Entrevista.

Aproveitou algumas perguntas e respostas, fez uma mudança aqui, outra acolá, tascou mais um monte de perguntas vindas da imaginação, tentou dar alguma originalidade, tentar apagar vestígios do crime, sabe como é que é, né?

Pronta a entrevista, e quem haveria de negar?, não resiste e liga pra Luzi:

- Leia o "Diário de Notícias" amanhã.

Pirracinha.

Matéria de página inteira.

Furo.

Sucesso.

Seu maior sucesso jornalístico.

Foi só correr pro abraço.

Ficção?

Ora, não há uma enxurrada de ficção no jornalismo de hoje?

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: E me arrependo de não ter guardado um exemplar do jornal. Ontem vasculhei um velho arquivo de aço para procurar fotos que a Monica me pediu. Encontrei matérias sobre turismo que escrevi para o IC entre dezembro de 77 e janeiro de 78. Não era o IC de Ari. . Restou um exemplar inteiro datado de 22 a 29 de janeiro de 78, graças a isso posso ver que era Diretor-Presidente José Vieira Nascimento, Diretor: José Moraes e Editor Stefane Brito Lins. Eu não me lembrava dessa outra curta aventura jornalística, mas os recortes me lembraram que eu quase fui demitido da Bahiatursa porque escrevi uma matéria cujo título foi: "Não vá ao São João de Cachoeira". Vê se pode: A Bahiatursa investia uma grana preta pra promover aquela festa e o seu funcionário escreve uma matéria que condenava a descaracterização do folguedo popular. Ah! eu era mesmo um (vocês completem a frase). Muito obrigado, Emiliano.

Emiliano José: Fred Matos Então, falta alguma coisa de sua passagem como jornalista do IC. Mande,. período e tudo. Se puder, hoje ainda.

Jorginho Ramos: No Instituto Geográfico e Histórico da Bahia tem a coleção de jornais. Se tiver referencia de data (mês e ano pelo menos) dá para achar...

Fred Matos: Abril ou Maio de 77, Jorginho.

Jorginho Ramos: Fred Matos ....quando eu voltar a frequentar o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia vou procurar... 

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Emiliano José

7 de setembro 2020

Fred Matos: o vapor de Cachoeira não navega

mais no mar. "Não vá ao São João de Cachoeira".

 

Quase quase caminhando pro final desse encontro com Fred Matos.

Estava assim, posto em sossego, reta final.

Mas, sempre há um mas no meio do caminho.

Armazeno manias antigas de repórter, difíceis de descartar.

Faço umas perguntinhas antes de chegar ao grand finale.

E gosto de meu protagonista: tem uma enorme capacidade de rir de si próprio.

Não gosta de fazer pose.

E as perguntinhas adiam os finais.

Não sabia: revelou-me agora - trabalhava também no IC Shopping News.

Jornalista se vira nos trinta.

Fazia uma coluna semanal de turismo.

Não tinha vínculo empregatício - freelancer.

Vamos ao nosso causo.

Devia ser meados de 1978 - não encontrou o recorte, e por isso não há data exata.

Os editores pediram matéria sobre o São João de Cachoeira.

Sopa no mel.

Matéria agradável.

Não pensou muito na publicação onde trabalhava.

Olhou pra lá, pra cá, investigou, e não gostou do São João programado.

Tascou o título:

"Não vá ao São João de Cachoeira".

Faltou completar: o vapor de Cachoeira não navega mais no mar.

Deu um rebucetê dos diabos.

Prejudicava os interesses do jornal.

Matéria era para promover o São João de Cachoeira.

Foi um puxa-estica danado até que desistissem da demissão.

Demissão de freelancer, mas demissão.

Fez um bocado de matérias como colunista de turismo: constatou a morte dos saveiros, mergulhou na Festa da Boa Viagem, tanta coisa dessa Salvador da cultura e de tantos milhares de turistas, entre 1977 e 1978.

Prestes a deixar o jornalismo.

Dinheiro curto, filhos pra criar, dava não.

Paixão às vezes é derrotada pelo senso da responsabilidade.

Thanatos vence Eros.

E apesar de tudo, vida segue...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Um reparo, Emiliano. A ameaça de demissão era da Bahiatursa, empresa da qual eu era funcionário com carteira assinada, trabalhando na Revista ViverBahia. A Bahiatursa estava investindo uma grana preta na promoção do São João de Cachoeira com o objetivo de criar mais um polo de atração turística no estado, além de Salvador e de Porto Seguro. Mas eu não concordava com a descaracterização da festa tradicional.

Emiliano José: Fred Matos Ah. Não estava claro. Bahiatursa se incomodou com sua matéria em jornal sobre o qual não tinha domínio. O comentário já evidencia o erro. Amanhã, reforço. Obrigado.

Fred Matos: Exatamente, Emiliano.

Carlos Roriz Silva: Contista! Legal.

Carmela Talento: Todo esse material tem que ir para um livro, viu Emiliano José.

Emiliano José: Carmela Talento Minha editora, Mônica Bichara, está autorizada a cuidar disso. Mais de um...

Carmela Talento: Emiliano José então está em boas mãos

Mônica Bichara: Ebaaaaaaa, hoje eu não durmo hehehehehe Honra e responsabilidade, não sei o q é maior

Cely Barbosa: Esperando o livro ... vai ser muito bom recordar 

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Emiliano José

8 de setembro 2020

Fred Matos: salvo pelo gongo, viajante

 

Nosso protagonista, nos comentários, já explicou.

Mas, não custa insistir.

Houve ruído na comunicação entre mim e ele.

A quase demissão foi da Bahiatursa.

Empresa de turismo da Bahia, responsável pela "Viver Bahia", onde Fred trabalhava, de onde tirava o seu ganha-pão, ficou puta.

Puta da vida com a matéria sobre o São João de Cachoeira.

Como é que um jornalista da revista promotora do turismo no Estado aconselhava a população a não ir para o São João da Cidade Heróica?

Está bom, a matéria não saíra nas páginas da revista.

Mas, fora escrita por um de seus repórteres.

Quis demiti-lo.

Não sei como foi possível barrar a demissão.

Desconfio, e só desconfio, ter sido Cesio Oliveira, redator-chefe, com seu espírito conciliador, generoso, o sujeito a botar panos quentes, a dizer não é bem assim veja bem deixa isso pra lá que é que tem...

Como a matéria saíra no IC Shopping News, a empresa resolveu mantê-lo em seus quadros.

De cara feira, mas manteve.

Levado a sair do jornalismo, pressionado pelas condições materiais de existência, Fred, filhos nascendo, tornou-se, como ele próprio diz, indivíduo de duas direções: de casa para o trabalho, do trabalho para casa.

Farras, não mais.

Carnavais, ah, amados carnavais, nem pensar.

Diversões?

Restritas às praias dos finais de semana e festas familiares.

Não, não esperem dele, um lamento.

Não o queiram alegando sacrifício.

- Eu gosto de estar em casa, gosto de ler, de escrever, ouvir música. Foi uma grande transformação, mas sem dor.

Depois, filhos criados, e com remuneração um pouco melhor, pode viajar, e muito.

Andou por esse Brasil afora e conheceu muitos outros países.

Ah, é apaixonado pela fotografia.

A "Tribuna da Bahia" e a "Viver Bahia" lhe deram a chance de conhecer fotógrafos extraordinários.

Cita, deixando tantos de fora, Vicente Sampaio, Aristides Alves e Mário Cravo Neto.

Conta.

A Bahiatursa contratou Mário Cravo Neto para produzir um audiovisual a ser exibido na Feira da Bahia, no Anhembi, em São Paulo.

Fred morava perto e toda noite ia à casa dele ajudar na seleção dos slides a serem exibidos.

- Você tem um bom olho para fotografia - dizia o fotógrafo, enchendo-o de orgulho.

Quase acredita, mas só pôde abraçar a nova paixão...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

Fred Matos: Vicente Sampaio. Onde você é citado eu o convoco. Trata-se de um dos capítulos da minha "saga" jornalística. Já perdi a conta de quantos capítulos o Emiliano conseguiu escrever. Se tiver interesse de ler os outros, estão todos no meu perfil. O que eu não costumo me acostumar é ler de baixo pra cima pra não perder o fio da meada. Apesar de que jornais eu sempre li de trás pra frente.

Marilia Miranda: Feira da Bahia no Anhembi: quantas histórias.

Fred Matos: Inesquecível. Foi lá a minha lua de mel. Não consigo me esquecer também que uma noite fomos assistir "Tempos Modernos", eu saí do cinema molhado de urina de tanto rir. Depois, ao acaso, fomos a um restaurante chamado "Um, dois, feijão com arroz", cujo cardápio só tinha isso mesmo, feijão e arroz, mas de todo jeito que se possa imaginar. E me lembro que quando acabaram as peças de cerâmica que foram levadas para vender os paulistas compravam até as peças quebradas. São muitas e boas lembranças dos melhores anos da minha vida. 

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(Com a companheira Dila)

Emiliano José

9 de setembro 2020

Fred Matos: refúgio nas Minas Gerais

 

Itabirito é município ladeado por Ouro Preto, Moeda, Santa Bárbara e Nova Lima.

Já tem quase um século de existência.

A padroeira é Nossa Senhora da Boa Viagem.

Tem hoje coisa de 50 e poucos mil habitantes.

Já foi terra de ouro.

Ainda é de minério.

Suas glórias.

E seus infernos.

A economia gira em torno da mineração e da siderurgia.

E do comércio.

De longe veio a poética forte de Carlos Drummond de Andrade, de 1965.

Fala do Pico de Itabirito.

Praga da mineração.

"...E vem de cima um despacho

Autorizando: derruba!

Role tudo, de alto a baixo,

Como, ao vento, uma embaúba!

E o pico de Itabirito

Será moído, exportado

Só quedará no infinito

Seu fantasma desolado".

Fred Matos foi buscar descanso, paz, e encontrar-se com a poesia nas terras das Minas Gerais, naquele canto, Itabirito.

A vida, com suas trapaças, o empurrou para lá, e por essas trapaças ele agradece.

Carece contar, né?

Caminhando seja para o fim dessa história.

Nascido em 1952, Fred, e vamos revelar, ganhou de batismo o nome de Carlos Frederico Malaquias Matos.

Artes do velho pai, Ariovaldo Matos.

Não pensem em acaso.

Comunista não deixa barato.

Carlos, homenagem a Marx.

Frederico, a Engels.

E a vida acabou nominando-o Fred.

Teve três filhos: Amon, Ísis e Fred - aqui é nome, não apelido.

A certa altura, morando em Maceió, viu todos os filhos morando em outros estados...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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(Anon, o primogênito, com o filho Miguel)

Emiliano José

10 de setembro 2020

Fred Matos: uma vida retirada, em São Gonçalo do Bação

 

Morando em Maceió, percebeu-se só.

Os filhos, morando longe.

Todos.

Amon passou por Tocantis, Sergipe.

Está hoje no Espírito Santo, biólogo, trabalha no Ibama.

Fred foi dar com os costados na Alemanha, onde mora e trabalha.

E a filha, Isis, depois de terminar Engenharia Civil, continuou em Minas Gerais.

Ela conheceu, nas Minas Gerais, um pequeno povoado, São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito, fez amizades, apaixonou-se pelo lugar.

Vida afora, o sonho de Fred Matos era curtir o outono da aposentadoria numa pequena cidade.

Distâncias menores, sem grande apelo ao consumo, melhor qualidade de vida.

Uma cidade pequena à beira mar.

O mar, sempre foi uma paixão.

Menino na Pituba, exímio nadador.

Mas, evem a filha, meu pai, veja bem, por que não comprar um sitiozinho, você tem um dinheirinho guardado, e apontou lugar e tudo, e Fred vamos nessa.

Não idealizem: é, nas palavras dele, uma pirambeira em uma montanha constantemente assediada pelas mineradoras.

Drummond avisara tem tempo, quase meio século atrás.

As mineradoras parecem se destinar sobretudo a destruir a natureza, poluir os rios, soterrar as nascentes e entupir de dinheiro os acionistas, quase sempre estrangeiros, despreocupados quanto aos métodos arcaicos utilizados para a extração de minérios no Brasil, em desuso nos países chamados desenvolvidos.

Importa sejam tais métodos rentáveis para as empresas.

Desabafo de Fred Matos.

A conta dos estragos ambientais é da comunidade e do Estado.

Mas, está lá, agora.

São Gonçalo do Bação.

Naquela pirambeira, naquele sítio.

Vivendo placidamente.

Vida retirada.

Não sei se digo contemplativa...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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(A filha Isis)

Emiliano José  

11 de setembro 2020

Fred Matos: no alto da serra, a ouvir passarinhos

 

Aproximando-se dos setenta, Fred Matos encontrou um refúgio, o conforto, o lugar do poeta.

O jornalismo, passado.

A luta diária pela sobrevivência, também.

Queria ouvir as ondas do mar nessa fase da vida.

Sobrou-lhe o canto dos passarinhos na montanha.

Não é pouco.

Bálsamo.

Consegue distinguir os muitos cantos em meio ao ruído e movimentação das mineradoras do entorno.

E renasce, ressurge, apresenta-se o poeta.

"A minha pátria é a terra inteira

terra, rios, oceanos, cordilheiras

norte, sul, leste, oeste, meio do mundo,

de cada grotão o mistério profundo

quero impregnar-me amar e entender

tal qual a terra que me viu nascer."

Antes da pandemia, descia a serra uma vez por semana.

Compras no supermercado de Itabirito.

Depois, reclusão.

Saiu ainda em abril ou maio para tomar a vacina da gripe.

Não tem lido como gostaria.

O vício o tomou quase por inteiro.

Um jogo.

Jogo com fotografias.

Envolve-se com ele o dia todo - Fred, como sabem, é apaixonado por fotografias.

Gosta de uma cachacinha.

Não nega.

Especialmente da fabricada na região.

Mineiro sabe fazer a marvada.

Pré-diabético, não exagera.

Quer evitar remédios.

Basta os destinados a controlar a hipertensão, habituais...

#MemóriasJornalismoEmiliano

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(O caçula Fred)

Emiliano José

12 de setembro 2020

Fred Matos: semeando frutas na pirambeira

 

Chegou no sítio e botou mãos à obra.

Uma plantação de frutíferas.

Tempo, tempo, terá de esperar algum para usufruir dos frutos.

Chegou com uma disposição dos diabos.

Tinha, tinha mesmo, o plano de fazer longas caminhadas.

Aconselhável - diziam-lhe.

Começou.

Mas, o corpo mandou recado: dores paralisantes na bacia depois das caminhadas longas.

Danou-se a fazer exames para descobrir a causa.

E poder então voltar a caminhar.

Médicos escarafuncharam as muitas radiografias, e nada.

Tudo em ordem.

Bacia e o resto.

Um dos médicos, brincalhão, recorrendo a Freud, diagnosticou:

- A dor é uma manifestação psicossomática de sua preguiça.

Bingo.

Diagnóstico perfeito.

Fred se consola: não conhece nenhum atleta centenário.

E a Academia Brasileira de Letras está repleta de anciãos, cujo únicos esforços são virar a página de livros e erguer xícaras de chá.

Reuniu sólidos argumentos para deixar de lado as caminhadas.

Dessa série, se despede humildemente.

- De mim pode se dizer que sou um homem que amou demais e que algumas vezes foi correspondido.

Exagera: afirma nunca ter sido protagonista de nada, exceto da própria vida.

Alguns orgulhos:

- Tive a felicidade de conviver com pessoas incríveis, conseguido manter a família e criar os filhos sem precisar pisar em ninguém, sem trair a minha consciência e os princípios que herdei de meus pais.

Na pirambeira, Salvador, terna lembrança.

Recorrente.

Lá na serra, relê o poema:

"meus sapatos sempre traçam

um noturno itinerário

por caminhos pelourinhos

mas não te quero paisagem

como se fosses cena fria.

és, em mim, mais que cidade

onde meus silêncios calam

desavidas fantasias.

és a dialética síntese

dos íntimos mecanismos

da minha psicopatia.

Até já, grande Fred Matos.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Fred Matos: Muitíssimo obrigado, Emiliano. Diz-se que de um limão se faz uma limonada, mas você fez o milagre de um limão fazer muitas limonadas. Não contei ainda quantos dias e capítulos você me dedicou. Foram bem mais do que eu podia imaginar. Agradeço por me fazer pensar que tive alguma importância além da evidente importância que tenho para quem me ama. E no abraço que deixo pra você, deixo também para todos os queridos amigos, citados e não citados, que colaboraram para fazer de mim este que eu sou e que olha para o passado com saudades, com ternura, mas, sobretudo, com a certeza de jamais ter cometido um ato do qual possa me arrepender.

Emiliano José: Fred Matos foi um prazer, meu velho. Nos conhecemos melhor, pude vasculhar sua trajetória, e escrever sobre ela. Ainda alimento expectativa em relação ao seu pai, não biografia, mas uma espécie de homenagem em meu próximo Galeria F VI. Abração

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(Sebastião, o segundo neto)

(Dila) 




Comentários

  1. Nossa! Emiliano nos presenteia com esses textos e a oportunidade de conhecer um pouco sobre os colegas. Também não conhecia Fred Matos e adorei esses relatos. Prossiga Emiliano!

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  2. Vamos lá.
    Dalvinha escolhia o primeiro nome dos filhos baseada em nome de santos, Ari escolhia o segundo nome em homenagem a reis.
    Assim ficou Carlos Frederico, Jorge Luiz, José Ricardo e Antônio Guilherme. Já a filha Vanja não tenho ideia de como surgiu.
    Dificilmente Ari tenha sido condenado em 1970, ele assistiu a Copa do Mundo em casa.

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    Respostas
    1. Obrigada pela colaboração, Guiga, vou passar para Emiliano

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  3. que bacana emiliano. saudades do fred. falei com ele recente pelo face.consegui kkk jorginho ramos fez a ponte. foi encantado!

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