#MemóriasJornalismoEmiliano – Quintino de Carvalho, o mestre da Escolinha da Tribuna

(Foto do arquivo de Albino Castro, postada no grupo Velha Tribuna da Bahia, no Facebook)

Exatamente há um ano, a ABI promovia sessão em comemoração aos 50 anos da Tribuna da Bahia. E um personagem roubava a cena em todos os pronunciamentos, todas as memórias: Quintino de Carvalho.

Fundador do jornal ao lado de Elmano Castro, em 1969, Quintino foi o mestre da famosa “Escolinha da Tribuna”, que de junho de 1968 a janeiro de 1969 formou, literalmente, jovens aspirantes a jornalistas. Ele não queria saber dos chamados “putas véias” do jornalismo, com “vícios” de redações anteriores. Afinal, a Tribuna nascia com a meta de ser diferente, de fugir ao padrão carrancudo e conservador dos concorrentes.

Entre os oradores do evento, idealizado pelo diretor de Patrimônio Luís Guilherme Pontes Tavares, estavam o presidente da ABI e da Tribuna, Walter Pinheiro, o autor dessas memórias, Emiliano José, mais Sérgio Gomes, Roberto Pessoa, Antonio Mattos, Tasso Franco, Aécio Pamponet, Raimundo Paes, Luiz Brito e Joaci Goes.

(Foto: Romildo de Jesus, Tribuna da Bahia) 

Na sessão nostalgia alguns dos chamados “meninos de Quintino”, ou “Quintinos Boys”, como relembrou Sérgio Gomes, um dos alunos da Escolinha da TB. E resumiu o nascimento do jornal: “Destaco a mudança de linguagem redacional e editorial e o tratamento das notícias. Além dessas mudanças, devo destacar, também, a nova linguagem gráfica avançada na forma de diagramar (ou desenhar) as páginas do jornal. Hoje, ao folhear as publicações, atualmente nas bancas, constato que a Tribuna da Bahia já fazia isso há 50 anos, embora ainda leia matérias chamando vereador de ‘edil’”. 

Assessora da Câmara Municipal, sei bem do que Sérgio estava falando, odeio essa redescoberta do “edil”. Acho que Quintino está fazendo falta.

Foi ainda na sessão da ABI pelos 50 anos da TB que Sérgio Matos revelou, conforme matéria publicada na própria Tribuna, assinada pelo querido Lício Ferreira: “A redação, sobre a direção de Quintino, fazia um jornal de linguagem muito nova e corajosa, que não era bem compreendida pela direção, que pretendia um perfil mais conservador para a publicação. Quis o destino que Elmano Castro resolvesse demitir Quintino de Carvalho exatamente no dia em que ele dava entrada no Hospital Português, atingido por um avançado câncer, aos 42 anos, que lhe tiraria a vida, precocemente. Por sortilégios do destino, quando faleceu, Elmano foi enterrado na mesma quadra da sepultura de Quintino, no Campo Santo. Poucos metros de distância os separam”, destacou.

Outro que falou sobre o papel desempenhado por Quintino de Carvalho na renovação do jornalismo baiano foi Tasso Franco, meu primeiro chefe de reportagem, no Jornal da Bahia. 

“Ele trouxe uma nova concepção de se fazer jornal. Mais puro. Mais bem apurado. Tecnicamente mais perfeito. E, isso, é uma das coisas que mantenho até os dias atuais. Ele ensinava a maneira de se comportar como jornalista; a ética do jornalismo; a responsabilidade de se tratar a notícia; e de ouvir os dois lados das questões. Ensinou a ter responsabilidade com o que se expõe ao público. Isso, a gente adquire ao longo dos anos, fruto dessa formação inicial da escola de Quintino. Foi uma escola que modificou os conceitos que existiam no jornalismo local, que ainda era boêmio”, testemunhou Tasso. 

(Tasso Franco na sessão da ABI pelo 50 anos da TB - Fotos Romildo de Jesus)

Faziam parte da Escolinha, além de Sérgio e outros sortudos que ele escolheu na universidade, Antonio Mattos, Aécio Pamponet, Luiz Manfredini, Pancho Gomes, Osvaldo Gomes, Eliezer Varjão e Aurélio Miguel (ele revela isso aqui nos comentários).

Antônio Mattos, editor de esportes da TB nos primeiros anos do jornal, tratado carinhosamente por Quintino como Nininho, escreveu um artigo para o site da ABI, “Um gênio chamado Quintino”, onde conta que ele era capaz de saques memoráveis, como dar a manchete “A arte vence o entusiasmo” para matéria do jogo Bahia x Cruzeiro, em que o time local perdeu por 2 x 0. Traduzia, com genialidade, a narrativa do jogo. 

É Antônio Matos ainda quem conta, desta vez em artigo publicado no Blog do Brow, do querido José Bomfim, intitulado AO MESTRE, COM CARINHO, pela passagem dos 40 anos da TB: “Tudo que sei no jornalismo, devo a Quintino de Carvalho, um mago na arte de escrever, um profissional incontestável, dotado de uma percepção e de uma sensibilidade extraordinárias, próprias de um repórter”. Matos defende que, além de nome de rua no Jardim Apipema, Quintino merecia outras homenagens em Salvador. 

Emiliano José não chegou a conhecer Quintino, que morreu cedo, em 1971, aos 42 anos. Mas sabe de ouvir contar. E muito. Aqui nessas memórias ele conta como nosso personagem foi do comunismo ao lacerdismo; como implantou um código de ética no jornalismo baiano, defendendo que jornalista não devia ter vínculos capazes de perturbar sua independência; e como criou um jornal moderno, sério e otimista, voltado aos grandes problemas da comunidade, isento, corajoso, sereno, atual e atuante.

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(Reprodução Lúcia Correia Lima: uma das primeiras capas da Tribuna da Bahia)

Emiliano José

20 de julho de 2019 

Quintino, comunismo e lacerdismo 

Pela Tribuna da Bahia passou gente que só o diabo.

Ainda passa.

Ela está viva.

Mas, é começar a falar dela e um nome é lembrado: Quintino de Carvalho.

Foi o inspirador, guru, mestre.

Nas lembranças, está acima de todos, sempre.

Eu não o conheci.

Tudo isso é de leitura e de ouvir dizer.

Quando começou a Escolinha da TB, 1968, estava no fervor da militância estudantil, já militando em Ação Popular.

Assim, quando ela veio à luz, em 1969.

Quando ele morreu, no final de 1971, já estava preso havia um ano.

Não foi meu mestre, lamentavelmente.

Tive outros, e tenho falado neles, vou falar mais.

Curiosa e rica a história desse baiano nascido em Itiúba em 1928.

Seu aprendizado, sua escola, foi comunista.

Pouco se ouve sobre esse momento de sua vida.

Fez Colégio Central e ali encantou-se com o PCB.

Quem sai aos seus não degenera: seguramente, inspirava-se em José Mutti de Carvalho, responsável pela implantação do PCB em Itiúba em 1944, fundador do Sindicato dos Bancários da Bahia, tio dele por parte de mãe.

De cara, fez campanha para João Falcão, dirigente do partido, candidato à Constituinte, em 1945.

Depois, seduziu-se pelo jornalismo.

O jornalismo de "O Momento", publicação do PCB.

Nascido em março de 1946, em meio ao breve período de legalidade vivido pelos comunistas.

Cresceu dentro do jornal, talento logo revelado.

Quintino não tinha noção da complexa conjuntura que vivia.

Os comunistas seriam caçados como cães danados por Dutra, empedernido seguidor da Guerra Fria, aliado servil e incondicional dos EUA.

O PCB deixaria de ter existência legal, os parlamentares do partido perderiam seus mandatos, adeus legalidade, todo mundo teve que cair na clandestinidade.

As publicações do PCB foram duramente reprimidas.

"O Momento", empastelado: repressão, ordenada por Otávio Mangabeira, quebra a porra toda, não sobra máquina nenhuma.

Vários de seus jornalistas, presos.

Quintino, entre eles.

Passa dois meses na prisão.

Foi uma porrada dura.

Abandona o PCB e "O Momento".

Nunca esquecerá o aprendizado: era um jornalista.

Nos primeiros anos da década de 1950, desembarca no Rio de Janeiro à procura de novos ventos, novas saídas para a existência.

Entre 1956 e 1959, é copidesque, chefe de reportagem e chefe de redação do "Jornal do Brasil".

Passa pela "Revista Semana", pela "Manchete", pela "Tribuna da Imprensa", onde será editorialista, secretário e redator-chefe.

Pouca coisa não.

Até que Carlos Lacerda, que fora da Juventude Comunista e se tornara o mais destacado político da direita, anticomunista raivoso, o chama para chefiar a Assessoria do Governo, e depois o leva para sua assessoria pessoal, homem da mais irrestrita confiança dele.

Do comunismo a Lacerda - a vida de jornalista tem dessas coisas...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Roberto Casais: Carlos Lacerda: da direita, baixou a cabeça diante de JK...

Lucia Correia Lima: Tenho uma história linda com repórter que acreditava na alma de Quintino pelo arquivo. No plantão de domingo

Paulo Paranhos: Emiliano na década de 40 papai comunista ferrenho engenheiro agrônomo em Uruçuca escrevia artigos que tenho alguns guardados foi preso e teve de pedir demissão do Instituto do cacau teve de correr para São Paulo com minha mãe e dois irmãos já nasci lá e adolescente proibido de falar de política pela minha mãe mas lia as publicações russas que papai recebia lá li uma que não esqueço a ida da cadela Laika e de Yuri gagarin ao espaço morreu comunista convicto antes de Gorbatchov dividir a Russia

Joaquim Lisboa Neto: Carlos Frederico. Os nomes de Marx e Engels em vão.

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(Reprodução de capa do primeiro ano da TB)

Emiliano José

21 de julho de 2019 

Escolinha TB

 

Joaquim Quintino de Carvalho Filho.

Assim seus pais o batizaram.

Crescendo, crescendo, e cada vez gostava menos do primeiro nome.

Adulto, virava no estopô do cabrunco se o chamassem Joaquim.

-Que porra de Joaquim! Eu me chamo Quintino.

E ficou: Quintino de Carvalho.

Chegado à TB, definiu uma filosofia: queria um jornal moderno, sério e otimista.

Voltado aos grandes problemas da comunidade.

Isento, corajoso, sereno, atual e atuante.

De forma leve.

Conteúdo rico.

Código de ética: jornalista não devia ter vínculos capazes de perturbar sua independência.

Centro de interesse devia ser a notícia verídica, a informação fiel, o fato sem o artifício da meia verdade.

Uma visão liberal do jornalismo, que podia carregar carregar algumas ilusões.

Não obstante, uma tentativa sincera de se aproximar da realidade.

Que faz falta ao jornalismo praticado no Brasil atual, excessivamente partidarizado.

Sempre vai à rua com pauta direcionada, pouco aberto à diversidade do mundo.

Queria jornalistas de mente aberta.

Sem vícios.

Cavalo velho não pega marcha.

Jornalista antigo não muda.

Assim, na Escolinha, só jovens.

Por isso, para levar adiante esse objetivo, montou a Escolinha Tribuna.

Duas salas no antigo prédio do Banpolar, nas proximidades da Associação Comercial, na Cidade Baixa, fizeram as vezes de uma redação.

As matérias eram produzidas como se fossem para o jornal do dia seguinte.

Jornal não existia ainda.

Junho de 1968 a janeiro de 1969: esse o tempo de existência da Escolinha.

Repórteres iam pra rua com as pautas nas mãos, escreviam as matérias, entregues depois à equipe de copidesques.

Dali para a secretaria, que orientava a diagramação na edição.

O jornal-escola parava aí.

As máquinas ainda não haviam chegado de Nova Iorque, onde haviam sido compradas.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Ana Vieira: Seu post me lembrou uma definição de (.Lady Eva)." A Tribuna ė jornal para jornalista". Por isso, talvez, carrego um pouco de frustração por não ter trabalhado na Tribuna

Emiliano José: Ana Vieira Nem por isso deixou de ser talentosa jornalista.

Ana Vieira: Obrigada, meu grande chefe, brilhante jornalista, político e escritor. Estou lembrando na Redação do JBa. Eu começando. Você dizia: Você sabe apurar, mas vamos botar sal na matéria. Eu reescrevia. Importante aprendizado!!

Emiliano José: Ana Vieira Dialogávamos. E você foi crescendo. Para ser hoje a grande jornalista que é. Beijo

Emiliano José: Hora que puder, me ligue. Quero lhe dar uma palavrinha. Beijo 

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Emiliano José

22 de julho de 2019 

Nosocômio, um cacete!

Quintino ensinava os meninos sobre todos os passos, todas as manhas de um jornal.

Rezava toda a cartilha.

Os jovens chegados àquela heterodoxa redação, por enquanto só treino, mas fazendo de conta ser real, aqueles jovens ficaram conhecidos como "os meninos de Quintino".

Às vezes, "os garotos de Quintino".

Tratados assim de modo carinhoso.

Ou, de modo pejorativo.

Ele nunca se chateou por isso.

Quem sabe, até se orgulhasse.

Os meninos nunca se incomodaram.

Ensinava tudo.

Agora, tinha uma fixação: o texto.

A palavra não podia ser maltratada.

Elegância no texto - exigia.

Leveza.

Suprimir excessos.

Fugir do lugar comum.

E ao mesmo tempo, clareza.

Combatia energicamente os jargões empolados.

Antônio Matos, um de seus meninos, no primeiro dia de trabalho na Escolinha da Tribuna, recebe a tarefa de cobrir Galícia x CSA, na Fonte Nova.

Dos últimos a apresentar a matéria para correções e observações de Quintino, pôde ouvi-lo: não queria saber de porfia, peleja, redonda, pelota quando se tratasse de futebol.

Nem véu da noiva ou apagar das luzes - palavrões na opinião dele.

Matos sacou.

Saiu quietinho, pé ante pé, voltou à máquina, e mudou o seu texto quase por inteiro.

Chamava o estádio da Fonte Nova de "o maior do Norte-Nordeste do País".

Trocava Galícia por "Granadeiros da Cruz de Santiago".

E ainda insistia em substituir Alagoas por "Terra dos Marechais".

Entregasse, e não passaria da primeira matéria.

Matos recolheu algumas das máximas e advertências de Quintino.

Não, ninguém escrevesse "via de regra".

Numa de suas preleções, deu um esporro:

-Porra de via de regra. Pelo que sei, meu filho, via de regra é vagina.

Implicava com "nosocômio":

-Nosocômio, um cacete. Se minha mãe adoecer, eu não vou querer interná-la em nenhum nosocômio.

Deu outra determinação:

-Estou percebendo: ninguém sabe, com precisão, quando se usa vírgula e quando se usa ponto e vírgula. Portanto, a partir de hoje, nossos textos não terão mais ponto e vírgula.

Um repórter da Geral entregou-lhe matéria sobre velhos:

-Vou ficar muito aborrecido se você me chamar de ancião, quando eu envelhecer. Bote na cabeça que, num texto jornalístico, velho é velho ou, no máximo, velhinho, jamais idoso ou ancião.

À frente da redação, na Escolinha e depois no jornal, a Tribuna da Bahia tinha um mestre.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Aurelio Miguel: "Naquele logradouro " era outra expressão detestada por Quintino

Aurelio Miguel: Um dia, Emiliano, uma menina escreveu " teobroma " ao invés de Cacau . Quintino se retou.

Emiliano José: Aurelio Miguel Você também foi da TB?

Aurelio Miguel: Emiliano José, fui sim. Da Escolinha. Depois de 13 de dezembro tive que cair no mundo. Foi uma experiência incrível.

Emiliano José: Aurelio Miguel Podendo, faça um copião sobre essa experiência. E me mande. Copião mesmo, não precisa muito cuidado.

Aurelio Miguel: Emiliano José, farei. Boa noite. 

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