Exatamente há um ano, a ABI promovia sessão em comemoração aos 50 anos da Tribuna da Bahia. E um personagem roubava a cena em todos os pronunciamentos, todas as memórias: Quintino de Carvalho.
Fundador do jornal ao lado de Elmano Castro, em 1969, Quintino foi o mestre da famosa “Escolinha da Tribuna”, que de junho de 1968 a janeiro de 1969 formou, literalmente, jovens aspirantes a jornalistas. Ele não queria saber dos chamados “putas véias” do jornalismo, com “vícios” de redações anteriores. Afinal, a Tribuna nascia com a meta de ser diferente, de fugir ao padrão carrancudo e conservador dos concorrentes.
Entre os
oradores do evento, idealizado pelo diretor de Patrimônio Luís Guilherme Pontes Tavares, estavam o
presidente da ABI e da Tribuna, Walter Pinheiro, o autor dessas memórias,
Emiliano José, mais Sérgio Gomes, Roberto Pessoa, Antonio Mattos, Tasso Franco,
Aécio Pamponet, Raimundo Paes, Luiz Brito e Joaci Goes.
Na
sessão nostalgia alguns dos chamados “meninos de Quintino”, ou “Quintinos Boys”,
como relembrou Sérgio Gomes, um dos alunos da Escolinha da TB. E resumiu o
nascimento do jornal: “Destaco a mudança de linguagem redacional e editorial e
o tratamento das notícias. Além dessas mudanças, devo destacar, também, a nova
linguagem gráfica avançada na forma de diagramar (ou desenhar) as páginas do
jornal. Hoje, ao folhear as publicações, atualmente nas bancas, constato que a
Tribuna da Bahia já fazia isso há 50 anos, embora ainda leia matérias chamando
vereador de ‘edil’”.
Assessora
da Câmara Municipal, sei bem do que Sérgio estava falando, odeio essa
redescoberta do “edil”. Acho que Quintino está fazendo falta.
Foi ainda na sessão da ABI pelos 50 anos da TB que Sérgio Matos revelou, conforme matéria publicada na própria Tribuna, assinada pelo querido Lício Ferreira: “A redação, sobre a direção de Quintino, fazia um jornal de linguagem muito nova e corajosa, que não era bem compreendida pela direção, que pretendia um perfil mais conservador para a publicação. Quis o destino que Elmano Castro resolvesse demitir Quintino de Carvalho exatamente no dia em que ele dava entrada no Hospital Português, atingido por um avançado câncer, aos 42 anos, que lhe tiraria a vida, precocemente. Por sortilégios do destino, quando faleceu, Elmano foi enterrado na mesma quadra da sepultura de Quintino, no Campo Santo. Poucos metros de distância os separam”, destacou.
Outro
que falou sobre o papel desempenhado por Quintino de Carvalho na renovação do
jornalismo baiano foi Tasso Franco, meu primeiro chefe de reportagem, no Jornal
da Bahia.
“Ele
trouxe uma nova concepção de se fazer jornal. Mais puro. Mais bem apurado.
Tecnicamente mais perfeito. E, isso, é uma das coisas que mantenho até os dias
atuais. Ele ensinava a maneira de se comportar como jornalista; a ética do jornalismo;
a responsabilidade de se tratar a notícia; e de ouvir os dois lados das questões.
Ensinou a ter responsabilidade com o que se expõe ao público. Isso, a gente
adquire ao longo dos anos, fruto dessa formação inicial da escola de Quintino.
Foi uma escola que modificou os conceitos que existiam no jornalismo local, que
ainda era boêmio”, testemunhou Tasso.
(Tasso Franco na sessão da ABI pelo 50 anos da TB - Fotos Romildo de Jesus)
Faziam parte da Escolinha, além de Sérgio e outros sortudos que ele escolheu na universidade, Antonio Mattos, Aécio Pamponet, Luiz Manfredini, Pancho Gomes, Osvaldo Gomes, Eliezer Varjão e Aurélio Miguel (ele revela isso aqui nos comentários).
Antônio Mattos,
editor de esportes da TB nos primeiros anos do jornal, tratado carinhosamente
por Quintino como Nininho, escreveu um artigo para o site da ABI, “Um gênio
chamado Quintino”, onde conta que ele era capaz de saques memoráveis, como dar a
manchete “A arte vence o entusiasmo” para matéria do jogo Bahia x Cruzeiro, em
que o time local perdeu por 2 x 0. Traduzia, com genialidade, a narrativa do
jogo.
É
Antônio Matos ainda quem conta, desta vez em artigo publicado no Blog do Brow,
do querido José Bomfim, intitulado AO MESTRE, COM CARINHO, pela passagem dos 40 anos da TB: “Tudo que sei no
jornalismo, devo a Quintino de Carvalho, um mago na arte de escrever, um
profissional incontestável, dotado de uma percepção e de uma sensibilidade
extraordinárias, próprias de um repórter”. Matos defende que,
além de nome de rua no Jardim Apipema, Quintino merecia outras homenagens em
Salvador.
Emiliano José não chegou a conhecer Quintino, que morreu cedo, em 1971, aos 42 anos. Mas sabe de ouvir contar. E muito. Aqui nessas memórias ele conta como nosso personagem foi do comunismo ao lacerdismo; como implantou um código de ética no jornalismo baiano, defendendo que jornalista não devia ter vínculos capazes de perturbar sua independência; e como criou um jornal moderno, sério e otimista, voltado aos grandes problemas da comunidade, isento, corajoso, sereno, atual e atuante.
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(Reprodução Lúcia Correia Lima: uma das primeiras capas da Tribuna da Bahia)
Emiliano José
20 de julho de
2019
Quintino, comunismo e lacerdismo
Pela Tribuna da
Bahia passou gente que só o diabo.
Ainda passa.
Ela está viva.
Mas, é começar a
falar dela e um nome é lembrado: Quintino de Carvalho.
Foi o inspirador,
guru, mestre.
Nas lembranças,
está acima de todos, sempre.
Eu não o conheci.
Tudo isso é de
leitura e de ouvir dizer.
Quando começou a
Escolinha da TB, 1968, estava no fervor da militância estudantil, já militando
em Ação Popular.
Assim, quando ela
veio à luz, em 1969.
Quando ele morreu,
no final de 1971, já estava preso havia um ano.
Não foi meu
mestre, lamentavelmente.
Tive outros, e
tenho falado neles, vou falar mais.
Curiosa e rica a
história desse baiano nascido em Itiúba em 1928.
Seu aprendizado,
sua escola, foi comunista.
Pouco se ouve
sobre esse momento de sua vida.
Fez Colégio
Central e ali encantou-se com o PCB.
Quem sai aos seus
não degenera: seguramente, inspirava-se em José Mutti de Carvalho, responsável
pela implantação do PCB em Itiúba em 1944, fundador do Sindicato dos Bancários
da Bahia, tio dele por parte de mãe.
De cara, fez
campanha para João Falcão, dirigente do partido, candidato à Constituinte, em
1945.
Depois, seduziu-se
pelo jornalismo.
O jornalismo de
"O Momento", publicação do PCB.
Nascido em março
de 1946, em meio ao breve período de legalidade vivido pelos comunistas.
Cresceu dentro do
jornal, talento logo revelado.
Quintino não tinha
noção da complexa conjuntura que vivia.
Os comunistas
seriam caçados como cães danados por Dutra, empedernido seguidor da Guerra
Fria, aliado servil e incondicional dos EUA.
O PCB deixaria de
ter existência legal, os parlamentares do partido perderiam seus mandatos,
adeus legalidade, todo mundo teve que cair na clandestinidade.
As publicações do PCB foram duramente reprimidas.
"O
Momento", empastelado: repressão, ordenada por Otávio Mangabeira, quebra a
porra toda, não sobra máquina nenhuma.
Vários de seus
jornalistas, presos.
Quintino, entre
eles.
Passa dois meses
na prisão.
Foi uma porrada
dura.
Abandona o PCB e
"O Momento".
Nunca esquecerá o
aprendizado: era um jornalista.
Nos primeiros anos
da década de 1950, desembarca no Rio de Janeiro à procura de novos ventos,
novas saídas para a existência.
Entre 1956 e 1959,
é copidesque, chefe de reportagem e chefe de redação do "Jornal do
Brasil".
Passa pela
"Revista Semana", pela "Manchete", pela "Tribuna da
Imprensa", onde será editorialista, secretário e redator-chefe.
Pouca coisa não.
Até que Carlos
Lacerda, que fora da Juventude Comunista e se tornara o mais destacado político
da direita, anticomunista raivoso, o chama para chefiar a Assessoria do
Governo, e depois o leva para sua assessoria pessoal, homem da mais irrestrita
confiança dele.
Do comunismo a
Lacerda - a vida de jornalista tem dessas coisas...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Roberto Casais: Carlos Lacerda: da direita, baixou a
cabeça diante de JK...
Lucia Correia Lima: Tenho uma história linda com
repórter que acreditava na alma de Quintino pelo arquivo. No plantão de domingo
Paulo Paranhos: Emiliano na década de 40 papai comunista
ferrenho engenheiro agrônomo em Uruçuca escrevia artigos que tenho alguns
guardados foi preso e teve de pedir demissão do Instituto do cacau teve de
correr para São Paulo com minha mãe e dois irmãos já nasci lá e adolescente
proibido de falar de política pela minha mãe mas lia as publicações russas que
papai recebia lá li uma que não esqueço a ida da cadela Laika e de Yuri gagarin
ao espaço morreu comunista convicto antes de Gorbatchov dividir a Russia
Joaquim Lisboa Neto: Carlos Frederico. Os nomes de
Marx e Engels em vão.
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Emiliano José
21 de julho de
2019
Escolinha TB
Joaquim Quintino
de Carvalho Filho.
Assim seus pais o
batizaram.
Crescendo,
crescendo, e cada vez gostava menos do primeiro nome.
Adulto, virava no
estopô do cabrunco se o chamassem Joaquim.
-Que porra de
Joaquim! Eu me chamo Quintino.
E ficou: Quintino
de Carvalho.
Chegado à TB,
definiu uma filosofia: queria um jornal moderno, sério e
otimista.
Voltado aos grandes problemas da comunidade.
Isento, corajoso, sereno, atual e atuante.
De forma leve.
Conteúdo rico.
Código de ética: jornalista não devia ter vínculos
capazes de perturbar sua independência.
Centro de
interesse devia ser a notícia verídica, a informação fiel, o fato sem o
artifício da meia verdade.
Uma visão liberal
do jornalismo, que podia carregar carregar algumas ilusões.
Não obstante, uma
tentativa sincera de se aproximar da realidade.
Que faz falta ao
jornalismo praticado no Brasil atual, excessivamente partidarizado.
Sempre vai à rua
com pauta direcionada, pouco aberto à diversidade do mundo.
Queria jornalistas
de mente aberta.
Sem vícios.
Cavalo velho não
pega marcha.
Jornalista antigo
não muda.
Assim, na Escolinha,
só jovens.
Por isso, para
levar adiante esse objetivo, montou a Escolinha Tribuna.
Duas salas no
antigo prédio do Banpolar, nas proximidades da Associação Comercial, na Cidade
Baixa, fizeram as vezes de uma redação.
As matérias eram produzidas
como se fossem para o jornal do dia seguinte.
Jornal não existia
ainda.
Junho de 1968 a
janeiro de 1969: esse o tempo de existência da Escolinha.
Repórteres iam pra
rua com as pautas nas mãos, escreviam as matérias, entregues depois à equipe de
copidesques.
Dali para a
secretaria, que orientava a diagramação na edição.
O jornal-escola
parava aí.
As máquinas ainda
não haviam chegado de Nova Iorque, onde haviam sido compradas.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Ana Vieira: Seu post me lembrou uma definição de
(.Lady Eva)." A Tribuna ė jornal para jornalista". Por isso, talvez,
carrego um pouco de frustração por não ter trabalhado na Tribuna
Emiliano José: Ana Vieira Nem por isso deixou de ser
talentosa jornalista.
Ana Vieira: Obrigada, meu grande chefe, brilhante
jornalista, político e escritor. Estou lembrando na Redação do JBa. Eu
começando. Você dizia: Você sabe apurar, mas vamos botar sal na matéria. Eu
reescrevia. Importante aprendizado!!
Emiliano José: Ana Vieira Dialogávamos. E você foi
crescendo. Para ser hoje a grande jornalista que é. Beijo
Emiliano José: Hora que puder, me ligue. Quero lhe dar
uma palavrinha. Beijo
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Emiliano José
22 de julho de
2019
Nosocômio, um cacete!
Quintino ensinava
os meninos sobre todos os passos, todas as manhas de um jornal.
Rezava toda a
cartilha.
Os jovens chegados
àquela heterodoxa redação, por enquanto só treino, mas fazendo de conta ser
real, aqueles jovens ficaram conhecidos como "os meninos de Quintino".
Às vezes, "os
garotos de Quintino".
Tratados assim de
modo carinhoso.
Ou, de modo
pejorativo.
Ele nunca se
chateou por isso.
Quem sabe, até se
orgulhasse.
Os meninos nunca
se incomodaram.
Ensinava tudo.
Agora, tinha uma
fixação: o texto.
A palavra não
podia ser maltratada.
Elegância no texto
- exigia.
Leveza.
Suprimir excessos.
Fugir do lugar
comum.
E ao mesmo tempo,
clareza.
Combatia
energicamente os jargões empolados.
Antônio Matos, um
de seus meninos, no primeiro dia de trabalho na Escolinha da Tribuna, recebe a
tarefa de cobrir Galícia x CSA, na Fonte Nova.
Dos últimos a
apresentar a matéria para correções e observações de Quintino, pôde ouvi-lo:
não queria saber de porfia, peleja, redonda, pelota quando se tratasse de
futebol.
Nem véu da noiva
ou apagar das luzes - palavrões na opinião dele.
Matos sacou.
Saiu quietinho, pé
ante pé, voltou à máquina, e mudou o seu texto quase por inteiro.
Chamava o estádio
da Fonte Nova de "o maior do Norte-Nordeste do País".
Trocava Galícia
por "Granadeiros da Cruz de Santiago".
E ainda insistia
em substituir Alagoas por "Terra dos Marechais".
Entregasse, e não
passaria da primeira matéria.
Matos recolheu
algumas das máximas e advertências de Quintino.
Não, ninguém
escrevesse "via de regra".
Numa de suas preleções,
deu um esporro:
-Porra de via de
regra. Pelo que sei, meu filho, via de regra é vagina.
Implicava com
"nosocômio":
-Nosocômio, um
cacete. Se minha mãe adoecer, eu não vou querer interná-la em nenhum nosocômio.
Deu outra
determinação:
-Estou percebendo:
ninguém sabe, com precisão, quando se usa vírgula e quando se usa ponto e
vírgula. Portanto, a partir de hoje, nossos textos não terão mais ponto e
vírgula.
Um repórter da
Geral entregou-lhe matéria sobre velhos:
-Vou ficar muito
aborrecido se você me chamar de ancião, quando eu envelhecer. Bote na cabeça
que, num texto jornalístico, velho é velho ou, no máximo, velhinho, jamais
idoso ou ancião.
À frente da
redação, na Escolinha e depois no jornal, a Tribuna da Bahia tinha um mestre.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Aurelio Miguel: "Naquele logradouro " era
outra expressão detestada por Quintino
Aurelio Miguel: Um dia, Emiliano, uma menina escreveu
" teobroma " ao invés de Cacau . Quintino se retou.
Emiliano José: Aurelio Miguel Você também foi da TB?
Aurelio Miguel: Emiliano José, fui sim. Da Escolinha.
Depois de 13 de dezembro tive que cair no mundo. Foi uma experiência incrível.
Emiliano José: Aurelio Miguel Podendo, faça um copião
sobre essa experiência. E me mande. Copião mesmo, não precisa muito cuidado.
Aurelio Miguel: Emiliano José, farei. Boa noite.
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