Isabel Santos: Violência contra a mulher - Uma barbárie que vem de longe e cresce nesta pandemia


Texto: Isabel Santos (jornalista)

Fotos e ilustração: Site Brasil de Fato


Elas trabalhavam 14 horas por dia, em semanas de jornada de 60 a 72 horas, costurando vestuário por modestos salários entre 6 e os 10 dólares semanais. Em 1909, essas costureiras realizaram uma greve para tentar negociar um acordo coletivo. Nessa fábrica, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde vivenciavam a exploração, ocorreu um incêndio, em 25 de março de 1911, e aproximadamente 130 delas morreram queimadas por não conseguirem sair do local ou por queda ou tentarem pular pelas janelas. O fato, por muito tempo, ficou sendo conhecido como motivo que levou à instituição do Dia Internacional da Mulher. Atualmente, há contravérsias.

Porém, o que nos interessa é que, mais de 100 anos depois desse episódio, infelizmente, apesar de todo o progresso, a sociedade contemporânea nos presenteia com a violência crescente contra a mulher, hoje tão desrespeitada no seu direito ao salário digno e condições de trabalho. O incêndio, mito ou não, serve de simbolismo para a causa das mulheres que em todo mundo, especialmente no Brasil, lutam em busca de respeito.

Vivenciamos o machismo, o sexismo, a misoginia e todas as formas de opressão. Somos assediadas moral e sexualmente; nos impõem a desigualdade salarial, nos impossibilitam assumir cargos de chefia. Somos vítimas, de acordo com a Lei Maria da Penha, da violência moral e patrimonial que, somadas às violências física, sexual e psicológica, totalizam cinco formas de violência doméstica e familiar. Uma triste  realidade que se agrava nesta pandemais da Covid-19. 

FEMINICÍDIO 

 A cada sete segundos, uma mulher sofre agressão física no Brasil, ou seja, 10 mil por dia. O feminicídio, considerado um crime hediondo, cresce assustadoramente - mais de duas mil mulheres foram assassinadas no Brasil em 2019,  ano em que cresceu em 20% o número de pedidos de medidas protetivas. Em São Paulo, diariamente, a polícia especializada passa na casa de uma mulher vítima de violência (sabemos que esse número deve ser muito maior porque muitas não fazem denúncia, com receio de sofrer represália maior ou serem mortas).

 As operárias sacrificadas há mais de um século e meio por certo precisam ser lembradas muito mais pelas lutas voltadas à conscientização da afirmação das mulheres do que pelo Dia Internacional instituído no dia 8 março. Não negamos, trata-se de uma data importante para que não fiquemos desmobilizadas, omissas, mas sim, para mostrarmos o nosso poder como cidadã, que exige respeito ao tempo em que respeita a todas as formas de viver da sociedade, sem ódio e discriminação, e como o belo feminino que é, com toda sua beleza, leveza e força que brota das suas entranhas.

Nesta pandemia, as manchetes dos jornais, sites, blogs em todo o País, além de muitos vídeos, nos entristeceram, não só pela divulgação dos estragos causados pelo coronavírus, vitimando milhares de irmãos em humanidade, mas pela estatística da violência contra a mulher, na calada do isolamento social. O machismo em todas as suas formas se manteve insensível a essa grande dor coletiva. 

Vejamos algumas manchetes de jornais, em 2020 e 2021 (por ordem cronológica), que, por si só, nos dão a dimensão do que está mencionado acima, aproveitando para prestar a minha solidariedade e o meu sentimento de Compaixão a todas essas vítimas.

- Violência contra a mulher aumenta em meio à pandemia (Estadão 1/6/20)

- No lockdown, violência contra a mulher dispara no Maranhão (Site Amazônia Real - 18/6/20). Diante da situação a OAB do estado lançou campanha de conscientização e apoiou as vítimas. Neste mesmo dia, a Agência EcoNE divulgou que o Maranhão liderava o aumento de feminicídio no Nordeste. 

-  Violência contra a mulher e Covid-19: a dupla pandemia. A matéria da Ecodebate (21/08/20) enfatiza o aumento em 44,9% dessa violência nesse período de pandemia.

- Maranhão registra média de 300 casos de violência contra a mulher (O Globo, em 11/9/20)

-Feminicídios e violência contra a mulher cresceram na pandemia.  (O Globo 19/10/20). De acordo com o jornal, dados da 14ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mostram que houve alta de 1,9% nos feminicídios e de 3,8% nos chamados para atendimento de violência doméstica feitos ao 190, no primeiro semestre de 2020. 

- Bahia ultrapassa marca de 100 feminicídios em 2020  (Jornal A Tarde 2/12/20). Ainda sobre a Bahia, o site Avante.org.br  diz que o estado é o segundo com mais feminicídios no Brasil, que é o 5º país em morte violenta de mulher no mundo. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos informa que o Brasil só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Aqui se mata 48 vezes mais mulher que o Reino Unido; 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que Japão e Escócia. São 4,8 homicídios por 100 mil mulheres. 

No feriado de Natal de 2020, ao menos seis mulheres foram mortas por ex-companheiros. Em um ano, os feminicídios no Brasil cresceram quase 2% no primeiro semestre de 2020, totalizando 648 casos, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Nos meses mais críticos da pandemia, entre março e abril, a alta foi ainda maior. Em São Paulo, o número de mulheres assassinadas por companheiros e ex subiu 41,4% no período, de acordo com o jornal espanhol El País, em 29/12/20.

- Condomínios buscam combater a violência contra a mulher na pandemia (Agência Brasil 30/12/20) 

- Pesquisa analisa raízes e consequências socioeconômica da violência contra a mulher na pandemia. Estudo investiga relação entre isolamento social e perda de renda com violência doméstica contra a mulher, mais exposta ao passar mais tempo com agressores em casa (Jornal da USP 6/1/21). 

- Operação prende 1,5 mil pessoas por crimes contra mulheres (Revista Veja -8/03/21). No total, foram atendidas 17.417 vítimas e emitidas 8.331 medidas protetivas e instaurados 9.991 inquéritos.. Operação Resguardo que envolveu participação de 19 mil policiais civis de 1.832 municípios em 27 unidades da Federação.    

- Mais de 2,4 mil ocorrências de violência doméstica foram registradas no primeiro trimestre de 2021 em RO - (G1 Rondônia 25/04/21). Levantamento foi realizado pelo G1 com dados da Sesdec. Há a necessidade da criação de uma estrutura para receber a mulher vítima, diz especialista. Para denúncias, disque 180 ou 190. 

- Dormindo com o inimigo: a violência psicológica contra mulheres (Revista -Veja 02/04/21). O Brasil registra mais de 240.000 denúncias de abuso desse tipo feitas por moças que decidiram reagir à rotina de humilhações masculinas. Yasmin Brunet, 32, modelo. “Vivi uma série de relacionamentos abusivos. Achava que amor era aquilo. Era tão manipulada que não fazia nada sem consultá-los. Não tinha confiança em mim mesma”. 

- Advogado que matou mulher e escondeu corpo em milharal responderá por feminicídio - (Campo Grande/ MT 25/05/2021). A Polícia Civil concluiu as investigações sobre a morte de Fernanda Daniele de Paula Ribeiro dos Santos, 36 anos, ocorrida​ em abril.

- Passageira denuncia motorista de aplicativo por estupro durante corrida no ES – (10/06/21), Segundo o relato da mulher, o motorista parou o veículo às margens da Rodovia Leste-Oeste alegando problemas mecânicos no carro e a violentou. 

- Mulher espancada segue internada em estado grave em Presidente Kennedy - (Vitória/ES 14/06/21).- Crime aconteceu na madrugada desta segunda-feira (14) e o suspeito é o namorado da vítima, um homem de 38 anos. Ele negou as acusações, mas foi autuado por tentativa de feminicídio. 

- G1 reúne mais de 4 mil notícias de violência contra a mulher em 10 anos. Veja as reportagens publicadas de 2006 até julho de 2016: "Violentamente espancada", "Ferida com golpes de facão", "Amarrada dentro da própria casa", "Incendiada pelo marido". A violência contra a mulher está presente em todos os estados, em todos os estratos sociais. Nos 10 anos da Lei Maria da Penha, o G1 compilou reportagens publicadas de 2006 até julho de 2016 – período que compreende a vigência da lei. São 4.060 textos, que reúnem histórias de mulheres agredidas, estupradas e mortas por maridos, companheiros, namorados ou ex-parceiros. 

- Violência contra mulheres e meninas no campo sangram territórios tradicionais (Site Brasil de Fato | Imperatriz/MA (14/06/21). Em meio à expansão de grandes empreendimentos, as maiores vítimas estão na Amazônia. Mais de 400 mulheres do campo detidas e intimidadas pela Polícia Militar em uma única ação. Trans sem terra degolada por dois desconhecidos. Trinta estupros contra crianças e adolescentes de uma mesma comunidade quilombola, vítimas de fazendeiros e políticos influentes amargam os índices de violência contra as mulheres do campo no país.

Esses são alguns dos casos destacados pelo relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, recém-publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que aponta que nos últimos dez anos, 446 mulheres foram ameaçadas de morte em enfrentamentos no campo. Desse total, posseiras (90), quilombolas (60) e trabalhadoras sem terra (49) reúnem o maior contingente de ameaçadas.

- Casos de violência doméstica estão subnotificados na pandemia. O levantamento é de pesquisadoras da Universidade Federal do ABC. Em São Paulo, de janeiro a abril de 2019, foram registrados 55 casos de feminicídio no estado. No mesmo período de 2020, foram 71 registros. Em 2021, foram 53 assassinatos de mulheres em razão do gênero, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em relação às medidas protetivas, foram mais quase 47 mil em 2019 e mais de 52 mil registros em 2020. Nos primeiros quatro meses de 2021, o total já ultrapassa 21 mil, a tendência, portanto, é de crescimento para este ano.

O aumento do desemprego com a crise econômica, o maior peso para as mulheres na divisão sexual do trabalho, o fechamento das escolas e o acesso a outras vivências são algumas das questões que impactam a dinâmica de vida das mulheres na pandemia e acabam por afastá-las das redes de proteção. “Já era deficitário e a pandemia provoca uma crise, um déficit ainda maior, aliado ao problema econômico. Com isso a gente vai ter, sem dúvida, um exacerbamento desse quadro [de violência].

- Jovem mata ex-namorada de 16 anos a tiros e tenta suicídio em SP (R7 Notícias 1606/21). Ele não aceitava fim do relacionamento com a adolescente e teve a prisão decretada, mas está internado em estado grave.

- São Paulo contabiliza 53 mulheres vítimas de feminicídio este ano. Só na capital, foram 13 crimes  (Programa Bom Dia Brasil - 18/06/21) 

Encerro esse breve levantamento com as constatações da mestre em Saúde Pública e Saúde da Criança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a enfermeira pediatra pelo Instituto Fernandes Figueira, Nathalia Schuengue. Segundo ela, o isolamento social provocou impactos negativos na vida das mulheres que já eram vítimas da violência doméstica. Esse isolamento tem exacerbado os conflitos familiares e obrigado a mulher a permanecer em convivência com seus agressores no seu lar, por um período prolongado. As estatísticas sobre o feminicídio revelaram um aumento em diversos estados do Brasil e do mundo quando comparado com o mesmo período de 2019.

E agravando a situação, apesar do número de casos, as denúncias reduziram, seja por receio da mulher diante da proximidade do agressor ou por medo de descumprir as medidas de isolamento social. Em alguns países, como Itália, Espanha e França foram destinados quartos de hotéis para servirem de abrigo temporário para as vítimas. Alguns aplicativos foram adaptados para realizarem denúncias. No Brasil, o aplicativo Direitos Humanos Brasil recebe denúncias de qualquer natureza, além do Disque 100 e Disque 180. 

Esse, portanto, é só um recorte da realidade vivenciada pela mulher nesses tempos de pandemia. A exemplo de 1857, as mulheres continuam sendo queimadas, porém, dentro de suas casas, pelos seus companheiros e ex-companheiros. Ao tempo em que me solidarizo com as vítimas desse hediondo crime, a violência física, conclamo a todas nós, mulheres de todas as raças, gêneros, condição social, cultural, religiosa…, a nos mantermos mobilizadas, firmes e conscientes no propósito de barrar todas as formas de opressão contra a mulher.

Comentários

  1. É intolerável essa crescente violência contra a mulher. Temos uma legislação e delegacias especiais, mas a cultura nazista, sexista e misógena
    enraizada permanece reproduzindo crimes e violência de todo tipo contra nós. Precisamos unir esforços entre sociedade e poderes públicos para desconstruir essa cultura.

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    1. Verdade, Joana, é inacreditável tudo o q estamos vivendo. Principalmente nós mulheres. Parabéns pelo texto, Isabel

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  2. Quis dizer machista e não nazista, mas esse corretor escroto do celular vive me aprontando (rsrs) .

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  3. Brigada, mais um vez, querida Monca, pela sua generosidade e respeito. Pensava apenas em postar o texto na minha página no face, sem edição. Era algo que vinha fazendo e poderia me aprofundar mais na pesquisa, mas com toda essa onda crescente de feminicídio resolvi falar um pouquinho para dividir com meus amigos, ali no face. Mostrar minha tristeza e indignação. Obrigada pela honra de estar sempre no Pilha, com suas belas edições. Te aplaudo. Beijão

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    1. É revoltante essa situação, precisamos mesmo denunciar. O Pilha está sempre à disposição, Bel

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  5. Esqueci do beijo, Jô. Obrigada por comentar. Continuemos firmes na luta das mulheres por redpeito.

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  6. A resistência feminina é mais poderosa do que a violência que temos sofrido, desde que o patriarcado assumiu as rédeas da sociedade. É a mulher quem tem derrubado muitos paradigmas sociais e transformado a cultura. Por isso, acredito que nos livraremos dessa realidade perversa. "Venceremos!"

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  7. O comentário acima é da professora e palestrante espírita, Railza Fernandes. Obrigada, amiga, pela leitura. Venceremos, sim. Bjos

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