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Procurando Rayane


Joana D'Arck

Passa das 11 horas e nem sinal de Rayane, nenhuma mensagem, um telefonema, nada, nada. A

última vez que vi minha prima foi na manhã do sábado, indo pro salão de beleza, toda animada para

a programação da noite. Mas cheguei na festa de Marly e nada da minha prima. Festão, viu? Cheia

de comida gostosa, salgadinhos, docinhos e muita bebida. A aniversariante fez tudo lindo, tinha até

jogo de luz e som de paredão para ninguém ficar parado. Dancei até não aguentar os pés, sem tirar

meus saltos. Dançava e olhava ao redor para ver se a minha prima chegava. Não a vi, nem ninguém

que eu perguntei viu a danada. E olhe que todo mundo se conhece, teve muito parente, amigos e

amigas de infância e gente que a gente não tem sequer simpatia. Poucos eu não conhecia,

certamente colegas de trabalho da aniversariante.

Não, ela não esteve na festa. Fosse assim teria me procurado, teria causado na pista, porque ela é de

chegar chegando, de chamar atenção geral com o seu corpão lindo e um sorriso alegre sem

tamanho. Animada, a minha prima teria dançado mais que eu, até descer do salto.

No domingo passei na casa de Rayane, mas não perguntei por ela. Fingi que precisava de uns

limões para a comida do almoço e a minha tia Flor nada comentou, nem nada perguntou também.

Achei que ela estava dormindo, ou no banho, mas temi que não fosse nada disso. E se ela não

voltou para casa? Se inventou para minha tia que ia para a festa e foi para outra parada? Não,

Rayane não é disso, é muito franca e não teria porque inventar nada, nem esconder de mim, sua

prima e melhor amiga. Deixar-me esperando por ela tanto tempo sem dar notícia não é um bom

sinal. Bateu um pressentimento, mas busquei afastá-lo logo da minha cabeça para não atrair coisa

ruim. Liguei várias vezes, mandei áudio perguntando por ela no celular, enviei mensagens e nada.

Cadê você Rayane?

Minha prima já me deu um susto grande, mas ainda era pequena, não tinha noção de perigo, nem se

preocupava com nada. Nós duas éramos muito pequenas, somos da mesma idade. A gente voltava

da escola sempre juntas. Ia e voltava, uma fazendo companhia para outra. Num certo dia fiquei

aguardando ela sair do sanitário para irmos embora e nada de Rayane voltar. Esperei mais um

tempo e fui procurar por ela, saber se algo aconteceu ou se passou mal...sei lá, passa tanta coisa na

cabeça da gente quando as coisas não acontecem como sempre. Eu ainda era criança, mas já toda

protetora da minha prima, comecei a ficar alarmada ao constatar que no sanitário ela não estava mais.

Procurei pela escola toda, perguntei a todo mundo por ela e nada. Ninguém dos colegas a viu sair. A

escola ia fechar e, com medo de levar o caso à diretora, decidi ir para casa pedir ajuda aos meus pais

e contar para a minha tia Flor sobre o sumiço de Rayane.

Quase mato minha prima de tanta raiva dela, quando a vi no sofá de minha tia vendo tevê. Parti para

cima dela e arranquei um tufo de cabelo, enquanto ela gritava e chorava. Tia Flor não entendeu a

minha fúria repentina, nem imaginou do que se tratava. De olhos arregalados e banhados de

lágrimas, minha prima também parecia não entender o meu súbito ataque contra ela. Mas a raiva

passou rápido e veio o alívio, a vontade de abraçá-la e pedir desculpas, porque foi um alívio

tão grande vê  a bichinha sentadinha, segura em casa. Desde menina sou assim, assustada com tudo,

achando que a qualquer hora a gente pode desaparecer, ser raptada ou morta, igual esses casos reais

que a gente vê na tevê todo santo dia. Casos de gente que saiu para comprar pão, ou foi para a

escola e nunca mais voltou; de corpos encontrados em matagais e valas da cidade, às vezes não

identificados; de mulheres que são violentadas e assassinadas... Ai, como eu sou neurótica, não deve

ter acontecido nada com a minha prima. Ela só resolveu de última hora ir para outra balada. Mas

porque diabos Rayane não me responde? O que eu fiz para ela não querer falar comigo? Não, eu

não fiz nada demais, tenho certeza disso! E ela falou comigo da última vez tão animada e dizendo

que ia toda poderosa para a festa de Marly... Se bem que eu percebi também uma certa tensão dela

por ter visto Deivson, o ex-namorado, rondando a nossa área de novo. Tinha sumido, o ordinário.

Desde que eles terminaram o namoro, ele não aparecia por aqui. Mas na última sexta-feira ele

reapareceu com a sua moto potente. Detesto Deivson! Odeio ele com todas as minhas forças. Odeio

o jeito que ele tratava a minha prima, cheio de ciumeira e posse. Faz tempo que os dois terminaram,

há pelo menos dois anos, mas o sujeito rondar por aqui de novo depois de tudo é muita cara de pau.

Rayane ficou arrasada com o término, que ele mesmo provocou, deixando ela para ficar com a

chefa dele, uma bacana cheia da grana que ele vinha tendo um caso e todo mundo sabia, menos a

minha prima, coitadinha. Não Rayane, desta vez eu te mato se você estiver com esse canalha, e

ainda por cima me deixar nesse estado de nervos.

A tardinha vai se despedindo para a noite começar e Rayane não apareceu, nem respondeu as

minhas ligações. Passei a segunda-feira toda preocupada, quase não consegui trabalhar, pensando

no paradeiro da minha priminha. O que fazer agora? Procurar a minha tia Flor e deixá-la

atormentada, ir à polícia por minha conta e denunciar o sumiço dela? E se eu denunciar e ela estiver

de boa, igual quando era pequena na frente da tevê?

Volto do trabalho e não consigo sossegar a mente; a cabeça esquenta de preocupação e medo. Mas

não conto nada para meus pais também, porque não tenho coragem. E se ela só deu uma

escapadinha com alguém e ficou com vergonha por me dar o bolo, não comparecendo à festa que

combinou comigo? Não, isso não seria justo, nem teria cabimento.

Uma mensagem estranha surge no meu celular. Número desconhecido e sem nome do contato eu

nem olho; vou logo bloqueando para não dar chances para golpistas e operadores tentando vender

assinatura. Mas agora estou tentada, curiosa, apreensiva. Quem sabe não é a minha amiga... Se bem

que ela tem o celular dela e não faria sentido... ou faria? Ai, meu Deus, que tormento. Decido olhar

a mensagem e vejo uma localização de um lugar estranho, lá para as bandas de Itapuã. O bairro é

um lugar boêmio e famoso pela música de Vinícius de Moraes, mas não costumo frequentá-lo. De

início não dou atenção, mas olhando de novo o celular para ver se a minha amiga dá um sinal, uma

luz acende no meu juízo. Ai, meu Deus! E se for um pedido de socorro dela? Mas pode ser também

algum golpe... Preciso de ajuda urgente. Não vou dar conta disso sozinha. Decido ir procurar a

minha tia para mais informações, mesmo que isso acabe entregando alguma armação da minha

prima.

Tia Flor cobre o rosto com as duas mãos, de tanto susto. Não sabia do sumiço de Rayane até aqui.

Achava que ela estava em minha casa e teria ido direto para o trabalho. E mesmo ainda mais

assustada, tenho que acalmá-la, até conseguir responder algumas perguntas sobre o que Rayane

teria dito a ela. Nada demais, a não ser informar que dormiria em minha casa e passaria o domingo

por lá.

Decido ligar para Vicente, colega de trabalho mais próximo da minha prima, e pergunto por ela. Ele

também estranhou a ausência da colega tão assídua e responsável e eu peço ajuda para encontrá-la.

Falo da estranha mensagem no celular e ele decide vir ao meu encontro.

Rayane já havia me contado sobre as cantadas que vinha recebendo do gerente de vendas da loja,

mas sempre muito elegantes, segundo ela. O cara é bonitão, porém casado. E esse porém me fez

alertar a minha prima para se afastar imediatamente da criatura. Vicente me conta que também falou

do perigo de algum envolvimento dela com o cara, que além de casado tem um ar "sinistro" e vive

cercado de boatos e acusações de assédio. Mas o que teria a ver esse caso com o sumiço da minha

prima? Pergunto. E Vicente observa, para minha surpresa, que o número do celular com a

mensagem de localização é o mesmo do gerente. Mas ele foi trabalhar tranquilamente e não deu

sinal de nada diferente, nem perguntou por Rayane. Mesmo assim decidimos seguir a pista.

Antes de partirmos em direção à localização da mensagem, lembro de Renato, meu vizinho, que é

policial civil e amigo de infância e vou até ele pedir ajuda sobre o caso, que ele imediatamente se


dispõe a enfrentar, principalmente por ser amigo também de Rayane. Seguimos apreensivos para

essa única possível pista do paradeiro dela.

Em uns 40 minutos chegamos ao local, uma pousadinha simples, quase escondida numa rua estreita

do bairro, mais distante da praia. Renato se identifica na pequena recepção da Pousada e, apesar de

não dispor de ordem judicial, avisa que fará uma busca em todos os aposentos. O recepcionista se

mostra assustado, mas acompanha o policial de porta em porta. Casais e solteiros, jovens e idosos

vão se apresentando a cada abordagem de Renato e nada. Somente no último aposento do corredor é

que damos de cara com o tal gerente bonitão, reconhecido por Vicente, que segue comigo atrás do

meu amigo polícia. Renato imobiliza o gerente pelo braço e entra no aposento, quando nos

deparamos com a cena inesperada: uma pessoa deitada, toda enrolada num cobertor e amarrada na

cama. Viramos o rosto e, para a nossa surpresa, não encontramos Rayane. É Deivson. Amordaçado.

E Rayane? Pergunto aflita enquanto Renato tira a mordaça de Deivson. Ele balança a cabeça e tenta

falar, mas a voz ainda sai quase inaudível. "Presa no banheiro", finalmente consegue pronunciar-se.

No noticiário desta terça-feira mais um caso sinistro de assédio, violência e rapto ganha destaque,

com a prisão do criminoso que se passava por gerente sério de uma loja grande da cidade e pai de

família, mas que escondia um passado nebuloso, repleto de acusações de assédio e estupro.

Rayane ainda está em choque com o acontecido. Conta que o gerente bonitão vinha cada vez mais

insistente no seu assédio e chegou a procurá-la em sua casa. No dia em que foi ao encontro de

Deivson, ela percebeu algo estranho, como se tivesse sendo seguida, mas não levou em conta.

Encontrou-se com o ex-namorado num barzinho e conversaram um pouco. Quando iam sair para

um lugar mais reservado, sugerido por Deivson, foram pegos de surpresa pelo gerente, que de arma

em punho os obrigou a descer da moto e entrar no carro dele. O gerente os levou para a tal pousada,

onde pareceu bastante conhecido do atendente, que o deixou entrar empurrando o casal com a arma.

No quarto, ele amarrou e amordaçou Deivson e fez o mesmo com ela, deixando os dois presos no

quarto até a noite da segunda-feira. Quando retornou, desamarrou a minha prima e deixou-a usar o

sanitário, sob ameaça de matar Deivson diante de qualquer reação suspeita dela para pedir socorro.

Mas ela discretamente pegou o celular dele e enviou a localização para o único celular que

conseguiu gravar o número, o meu, evidentemente. O cara saiu de novo e voltou algumas horas

depois ameaçando abusar da minha amiga na frente do ex-namorado dela, mas demorou muito para

concluir o seu plano criminoso. Quando saímos da pousada, com o gerente levado preso, o

atendente tinha desaparecido. Fugiu, para não ir junto pro xilindró por cumplicidade.

Rayane, sua doida, ainda quero te matar por mais esse susto. Te amo prima.



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