Conferência Municipal propõe reestruturação do Conselho dos Direitos das Mulheres

 



Texto: Isabel Santos (Jornalista, coordenadora
 da Comissão de Mulheres do Sinjorba)

A força da voz feminina e o compromisso com a transformação social marcaram os dois dias de realização da 5ª Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres (5ª CMPM), encerrada na quarta e quinta-feira (23 e 24), na Faculdade de Direito da UFBA, em Salvador. O evento resultou na aprovação de propostas concretas que representam não apenas resistência, mas a capacidade das mulheres de construir um novo projeto de cidade com equidade, dignidade e justiça. Entre os destaques, está a reestruturação do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres, desativado desde 2014.

 Após dez anos sem acontecer, 5ª CMPM reuniu cerca de 300 mulheres, em clima de entusiasmo e determinação, para debater questões urgentes que envolvem o segmento em sua diversidade - movimentos feministas e coletivos de trabalhadoras, mulheres indígenas, negras, com deficiência, LBTs, quilombolas, do campo, da cidade, das águas e das florestas.

No final do evento, (dia 24), a plenária aprovou 38 propostas, distribuídas entre os quatro eixos temáticos da conferência relacionados ao enfrentamento à violência, saúde integral, direitos das mulheres e combate à desigualdade de gênero, autonomia econômica e geração de renda, fortalecimento da participação política das mulheres.

A reestruturação do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres (CMDM) foi aprovada por unanimidade e celebrada com muitos aplausos, como uma vitória coletiva e estratégica. A proposta determina que o CMDM tenha autonomia política e administrativa, paridade de representação entre governo e sociedade civil, participação diversa – incluindo todos os segmentos de mulheres –, além de dotação orçamentária própria para garantir seu funcionamento.

A conferência também apreciou e aprovou cinco moções, entre elas, uma de aplauso ao trabalho da Comissão Organizadora Municipal da 5ª CMPM, formada por mulheres representantes do poder público (Fernando Lordêlo, Fernanda Cerqueira, Dinsjane Santos,  Marylda Barbuda,  Luciana Ribeiro,  Tânia Palma, Lorena Amorim e Rosane Santiago) e da sociedade civil, Taiynara Carvalho (Instituto Mulheres em Ação), Itaijara Souza (Associação  Mulheres Notáveis), Lindinalva Barbosa (Instituto Luiszas), Carla Costa (Grupo Beneficente e Recreativo da Rua Sete de Abril, Adjacências), Natália Gonçalves (Instituto Movimento Raízes), Isabel Santos (Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia), e Raimunda Oliveira (Coletivo de Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade – MUPPS).

As mulheres estão preocupadas com a degradação do meio ambiente em Salvador e no Brasil. Por isso, aprovaram Moção de Apoio ao tombamento da Lagoa do Abaeté, que será encaminhada ao Governo do Estado, e de Repúdio contra a Lei do Desmatamento  (PL da Devastação – Nº 2159/2021), que desmantela o sistema de licenciamento ambiental do País, violando princípios constitucionais e fragilizando os instrumentos que protegem o meio ambiente, que será enviada ao governo federal. Também foram aprovadas moções de Aplauso a todas mulheres que participaram da 5ª CMPM e à diretora Fernanda Maria Costa Cerqueira, pela condução dos trabalhos na conferência.

A plenária elegeu ainda 35 delegadas para representar a capital baiana na próxima Conferência Territorial de Políticas para as Mulheres, em data a ser confirmada, sendo 24 da sociedade civil, 11 do poder público, além de igual número de suplentes, e cinco delegadas natas da comissão organizadora. 

Racismo estrutural em pauta

(Abertura do evento com as secretárias municipal e estadual de políticas para as Mulheres, Fernanda Lordêlo (centro) e Neuza Cadore, e Natália Gonçalves, representando a sociedade civil)

Com o tema 'Mais Democracia, Mais Igualdade e Mais Conquistas para Todas', a conferência foi aberta, na manhã do dia 23, pela secretária municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMIJ) e presidente da 5ª CMPM, Fernanda Silva Lordelo. A solenidade contou com a participação da secretária estadual de Políticas para Mulheres, Neuza Cadore, e da diretora do Instituto Movimento Raízes, Natália Gonçalves, representando a sociedade civil. Na plateia, prestigiando o evento, a deputada federal Lídice da Mata (PSB), as vereadoras Aladilce Souza (PCdoB), líder da bancada da oposição, Marta Rodrigues (PT), Ireuda Silva (Republicanos) e Eliete Paraguassu (PSOL).

À tarde, houve a apresentação da peça Reflorescer Mulher, que busca dialogar com as mulheres por meio da arte, propondo não apenas uma reflexão profunda sobre a realidade enfrentada por milhares de mulheres no Brasil, mas também os caminhos possíveis para a denúncia, o acolhimento e a superação.

 

 Em seguida, a socióloga e ativista Vilma Reis, atual coordenadora de Diversidade dos Correios, empolgou a plateia ao fazer um discurso contundente sobre o racismo estrutural enfrentado pelas mulheres negras. “Somos impedidas de pegar a caneta e decidir”, disse, ao criticar a ausência de mulheres negras nos espaços de poder.

(Socióloga e ativista Vilma Reis)

 Ela ressaltou o caráter histórico da 5ª CMPM e alertou que as mulheres precisam ter a consciência de que o caminho, a partir da conferência, é romper as possibilidades "de todos o que querem impor as regras do colonialismo institucionalizado. “A revolução da mulher começa em casa. Não somos suporte para o homem brilhar na política ou na gestão pública”. 

Abaixo, todas as propostas aprovadas

 EIXO TEMÁTICO 1Enfrentamento à violência contra as mulheres

1. Implementar uma ouvidoria externa da Casa da Mulher Brasileira (CMB) e garantir a capacitação permanente de todas as servidoras da unidade.

2. Reforçar a fiscalização da notificação compulsória dos casos de violência contra as mulheres em Salvador, com aprimoramento da ficha social como instrumento de registro e acompanhamento.

3. Construir trabalho intersetorial na educação, inserindo o enfrentamento à violência contra as mulheres nos planos da Secretaria Municipal da Educação e nos projetos pedagógicos escolares

4-. Garantir que pelo menos 10% do quadro funcional das secretarias municipais, especialmente da Secretaria de Reparação, seja composto por pessoas indígenas.

5. Ampliar a rede de saúde mental para mulheres vítimas de violência, com atendimento nos CAPS e adequações nas unidades de saúde para acessibilidade de mulheres com deficiência. –

6. Implementar, reativar e monitorar o Conselho Municipal da Mulher, com participação paritária entre sociedade civil e poder público, vinculado à Prefeitura de Salvador, com planejamento e orçamento garantidos nas peças do PPA, LOA e LDO.

7. Instituir, nos órgãos oficiais como a Guarda Civil Municipal (GCM), políticas específicas de enfrentamento às violências contra mulheres LBT, motivadas por lesbofobia, lesbocídio, misoginia, machismo institucional e discriminação, com ações intersetoriais nas áreas de segurança, saúde, assistência e educação, orçamento municipal destinado e participação ativa de coletivos e associações LBTs.

8. Garantir a participação ativa das mulheres com deficiência na formulação, implementação e avaliação das políticas públicas que as afetam, assegurando a escuta de suas vozes e experiências, com ênfase na acessibilidade nos equipamentos públicos, como unidades de saúde, e no enfrentamento ao capacitismo.

 EIXO TEMÁTICO 2 =Saúde integral de Mulheres, com foco na saúde sexual e reprodutiva, direitos das Mulheres e combate à desigualdade de gênero

1. Ampliar cobertura de atenção primária à saúde com a presença do profissional agente comunitário de saúde efetivos em todas as microáreas para garantir o acesso à saúde integral de mulheres com deficiência.

2. Ampliar os centros de atenção à pessoa com transtornos do espectro autista e incluir acolhimento com atendimento psicossocial para as mães das crianças TEA.

3. Efetuar revisão e garantir implementação dos fluxos de atendimento às pessoas que buscam o aborto legal, garantindo previsões sobre as três hipóteses (violência sexual, risco a vida da gestante e anencefalia) e estratégias de cuidado para pessoas trans e não binarias, assegurando a formação e qualificação das equipes multiprofissionais.

 4. Ampliar e qualificar a rede de atenção psicossocial para a atenção efetiva a saúde mental das mulheres, em uma perspectiva interseccional, especialmente as mais vulnerabilizadas socialmente, como sobrevivente de violência, mulheres com deficiência, vivendo com HIV/AIDS, trabalhadoras sexuais, negras e indígenas.

5. Incluir oficialmente e fortalecer respeitosamente as práticas tradicionais (povos originários e povos e comunidades tradicionais) de cuidados tais como benzimentos, uso de ervas medicinais, fitoterapia, aromaterapia e outros saberes ancestrais, como partes integrantes das estratégias de atenção à saúde nas unidades básicas de saúde do Município de Salvador e ilhas.

6. Criar um Grupo de Trabalho na cidade de Salvador e ilhas para realizar pesquisas dos impactos na saúde de mulheres expostas a utilização e manuseio do dendê considerando um alto índice de mulheres acometidas por neoplasias malignas e doenças respiratórias, com foco nas baianas de acarajé que aqui atuam.

 7. Acesso ao aborto legal – Criar estratégias de divulgação continua sobre direitos sexuais e reprodutivos e sobre serviços de referência existentes para vítimas de violência sexual e para casos de abortos legal.

8. Qualificar o cuidado integral das mulheres no climatério, garantindo atendimento multiprofissional, oferta de terapias não medicamentosas e medicamentosas, assegurando a ampliação do elenco de medicamentos disponibilizados no SUS com base nas evidências científicas atuais.

9. Ampliar o acesso aos exames de rotina e especializados e acompanhamento psicológico para as mulheres PVHA.

10. Assegurar o direito à interrupção da gravidez em todos os permissivos legais, incluindo crianças e adolescentes, conforme resolução CONANDA n 258/2024, com previsão de protocolos e fluxos instituídos bem como qualificação profissional. 

 EIXO TEMÁTICO 3 -Autonomia econômica, geração de renda, com foco na empregabilidade e empreendedorismo feminino

1. Priorizar na Orla de Salvador atividades econômicas de artesanato, culinária e cultura de mulheres de comunidades periféricas e de povos e comunidades tradicionais, construindo equipamentos e pontos de comercialização com consulta prévia, livre e informada às comunidades nativas.

2. Inserir nas licitações de obras públicas (municipais, estaduais e federais executadas no município) cota mínima progressiva de 30% de mão de obra feminina, com mecanismos de fiscalização, transparência e sanções, observada a legislação de licitações.

3. Promover cursos de qualificação e capacitação para mulheres vinculadas a projetos sociais esportivos, viabilizando apoio para regularização jurídica, contábil e fiscal das entidades, acesso a editais, parcerias público-privadas e microcrédito.

4. Instituir política municipal de geração de renda para mulheres, com prioridade para mães solo, negras, trans, com deficiência, em situação de violência e mães atípicas, articulando transferências de renda, compras públicas, microcrédito orientado, incubação e assistência técnica.

5. Reestruturar o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres por meio de novo PL do Executivo, assegurando autonomia, paridade, participação diversa e dotação orçamentária.

6. Criar o Programa Primeiro Emprego para Mulheres, independentemente da idade, com qualificação teórica e prática, bolsas, certificação de experiência e mediação para inserção no mercado de trabalho.

7. Implementar um Programa de Empregabilidade 50+ para mulheres, com incentivos à contratação formal (CLT), combate ao etarismo e articulação com políticas de saúde, assistência (CRAS/CREAS) e requalificação profissional.

8. Criar a Universidade Municipal de Economia Solidária e Criativa para Mulheres, incluindo mulheres negras, indígenas, quilombolas, marisqueiras, pescadoras e não alfabetizadas, com alfabetização, formação técnica, incubação e um Núcleo de Monitoramento do Empreendedorismo Feminino para acompanhamento gratuito nos anos iniciais do negócio.

9. Estabelecer como critério de habilitação ou de desempate nas licitações da Prefeitura que empresas adotem políticas de responsabilidade social, equidade de gênero, combate ao assédio, metas de contratação de mulheres e apoio a organizações locais, devidamente comprovadas no termo de referência.

10. Criar a Secretaria Municipal de Economia Solidária e Criativa (ou Diretoria específica), garantindo recursos no PPA, LDO e LOA e estrutura para formular, executar e monitorar políticas de autonomia econômica das mulheres. 

EIXO TEMÁTICO 4 - Participação social e política e fortalecimento dos espaços de controle e participação social:

1- Criação do fundo de Políticas para Mulheres destinando no mínimo de 3% do orçamento público e outras fontes de captação (empresas multadas) com garantia de gestão participativa, através do conselho municipal da mulher;

2- Recuperar, organizar e tratar a documentação existente do Conselho Municipal de Mulheres para disponibilizá-la a consulta pública, garantindo o direito à memória, a transparência e o acesso à informação;

3- Criação de cotas para mulheres indígenas, negras, quilombolas, trans, mães atípicas e trabalhadoras do sexo em conselhos municipais e espaços de decisão; garantindo representatividade real nos espaços de formulação e controle social de políticas públicas;

4- Criar políticas de fomento através de editais específicos e orçamentos próprios voltados a organizações de mulheres socialmente vulnerabilizadas para fortalecimento de ações de base nos territórios.

5- Criação de uma ouvidoria no âmbito da Casa da Mulher Brasileira (CMB), para atender mulheres usuárias garantindo a representatividade de grupos historicamente vulnerabilizadas; e criar através do regimento interno da Casa da Mulher Brasileira um comitê gestor com participação do movimento de mulheres garantindo a representatividade de grupos historicamente vulnerabilizadas.

6- Criação da Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas com foco na equidade de gênero.

 7- Respeitar o Estatuto aprovado em 2010, ou seja, formar uma Comissão baseada nas representações já definidas no Estatuto (Sociedade Civil e poder público). Essa Comissão terá o papel de tocar a recondução da seleção das entidades para consolidar o novo pleno. Essa comissão deverá ser divulgada por uma portaria da SPMJ; em até 30 dias decorridos da realização desta conferência 5° CMPM.

8- Tombamento das lagoas do Abaeté para proteção e preservação da natureza, das práticas indígenas e comunidades tradicionais, beneficiando o equilíbrio de toda a sociedade.

9- Atendimento e acompanhamento psicossocial para mulheres em vulnerabilidade socioambiental, vítimas de desastres ambientais;

10- Ampliar a divulgação da rede de serviços de aborto legal e programas da SPMJ com material impresso, audiovisual e virtual através dos canais oficiais de comunicação e dos equipamentos de outras políticas setoriais como CRAS, CAPS, UBS, Conselhos Tutelares e outros.



Comentários

  1. Parabéns às organizadoras e às participantes! A V CMPM deu conta de pontos fundamentais nas políticas públicas para as mulheres. Agora é batalhar pra implementação efetiva. VALEU! Perdi porque já estava comprometida em vir conhecer meu 8° neto, o 3° paulistano. Sintam-se todas abraçadas. Estive bem representada.

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  2. Parabéns pelo netinho, querida Lena. Muita Saúde e alegrias pra ele. Senti sua falta, mas imaginei que a ausência era por algo muito importante. Dar boas-vindas aos netos é um momento indescritível. A 5aCMPM foi enriquecedora. Agradecemos pela confiança em indicar o Sinjorba para participar da organização. Buscamos nos empenhar. Beijo e um forte abraço🌹🪷😘

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