#MemóriasJornalismoEmiliano – Gustavo Falcón: A segunda militância na Tribuna da Bahia

 


 (Gustavo Falcón em charge do cartunista e amigo Paulo Setúbal, que o retratou na mais nova paixão, a de apicultor em Cachoeira)

Da política estudantil e da militância de esquerda com os irmãos, Gustavo Falcón descobriu no jornalismo, a princípio no terreno fértil da Tribuna da Bahia, sua segunda forma de militar politicamente. E não era para menos. A redação, assim como a do Jornal da Bahia, fervilhava de “comunistas” em plena ditadura militar.

 

Foi lá seu terceiro encontro com o vasculhador dessas memórias, Emiliano José, até então um foca inseguro com o texto, que passou a recorrer justo a ele para tirar dúvidas antes de entregar as matérias ao chefe de reportagem. A glória (para ambos)

 

O primeiro não foi bem um encontro com o personagem, mas com a pichação “Libertem Emiliano"

 nas paredes de Salvador. O segundo, na lendária Galeria F da Penitenciária Lemos Brito, em uma das visitas ao irmão Pery Falcón, com a mãe, dona Bárbara, presença carinhosa que passou a ser aguardada também pelos demais presos políticos. Entre as lembranças de Emiliano como colega de trabalho, Gustavo garante: “era um boxeador dos teclados” das antigas máquinas de datilografia.

 

Dos “comunistas” que dividiram redação com ele recorda de vários, a exemplo de Tibério Canuto de Queiroz Portela, José Carlos Zanetti,

Denilson Vasconcelos, Dalton Godinho e

Oldack Miranda.

 

A Tribuna era um vasto mundo, absorvendo diferentes pensamentos. E foi nesse ambiente que Gustavo aprendeu a “flexibilizar seus valores” e domar a militância. Dos redatores chefes da TB lembra que trabalhou com Milton Cayres de Brito, Cid Teixeira, João Ubaldo Ribeiro e Sérgio Gomes.

 

E, pra botar mais “lenha nessa fogueira maravilhosa que Emiliano está queimando”, lembrou de outra figura importante, João Santana – Patinhas: “Meu querido amigo, que dirigiu um encarte fantástico, com o qual colaborei, chamado Programe, semanalmente, um trabalho inteligentíssimo, com notas assinadas, uma espécie de jornal autoral, com liberdade. Teve também outro encarte chamado Verbo, que ganhou vida própria, escrevi até sobre isso no livro Os Baianos que Rugem – a história da imprensa alternativa na Bahia”.

 

Outro sonho realizado no jornalismo foi colaborar com a imprensa alternativa, ou nanica. Escreveu para

"Opinião", matéria sobre o verão baiano, assinada com Hamilton Almeida Filho - o HAF.

Colaborou ainda com Versus e com a anarco-cultural EX. Na Bahia, participou da fundação de "O Boca do Inferno" e de "Invasão". Sobre essa fase escreveu o livro "Os baianos que rugem".

 

Professor da UFBA, Gustavo Falcon escreveu também "Os coronéis do cacau" e "Do reformismo à luta armada: a trajetória política de Mário Alves 1923 - 1970"

Mais sobre Gustavo Falcón nos episódios da série #MemóriasJornalismoEmiliano de 20 de dezembro de 2019 a 20 de janeiro de 2020, publicados aqui no Pilha na postagem "E perigosos comunistas invadiram o JBa". Segue o link para complementar a história

https://pilhapuradejoaninha.blogspot.com/2020/01/memoriasjornalismoemiliano-e-perigosos.html

 

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(Gustavo Falcón com o livro Imagens da Diáspora)

Emiliano José

9 de agosto 2019

Eu fui no Tororó...

 

Dele, já falei.

De passagem.

Merece cuidado maior.

Assim como quem nada quisesse, aproximou-se de mim nos primeiros dias, e foi me ensinando.

Eu, ouvido atento, certo de que nada sabia, que jornalismo ainda era mistério, a reclamar navegadores de longo curso.

As primeiras noções do lead, vieram dele.

Antes de levar a matéria pro chefe de reportagem, pedia que passasse os olhos.

Só quem tenha chegado inexperiente a uma redação, sabe o valor disso.

Você ganha segurança, tem balizamento.

Tem história, esse moço, hoje recolhido num sitio com abelhas nas redondezas de Cachoeira.

Pena que o vapor de Cachoeira não navegue mais no mar.

E ele não queira mais aportar em Salvador, onde tem tantos amigos.

Gustavo estava doido pra casar.

Mas de que jeito?

Sem emprego?

Às vésperas dos 20 anos, sem lenço, nem documento, procurava alguma coisa pra ganhar qualquer trocado, e casar.

Não tinha qualquer experiência profissional, nunca havia trabalhado por dinheiro.

Mas, é o diabo: queria casar, constituir família.

Sonho de carreira solo de todo jovem.

Tito Bahia, Hamilton Celestino,  que será mais tarde editor de Internacional da Tribuna da Bahia, será o seu anjo salvador.

Os dois se encontraram na vida pelas artes do acaso.

Gustavo Falcón filosofa:

- A vida, como a amizade, é coisa que nos escapole a mão e pelo nome de destino nos reserva surpresas maravilhosas. Às vezes, decepções insuperáveis.

Nesse caso, surpresa maravilhosa.

Tororó.

Ali conheceu Tito.

#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Foto: Valber Carvalho - Gustavo Falcón em Cachoeira ao lado dos jornalistas Luís Guilherme Pontes Tavares e Lúcia Correia Lima, durante a Flica 208)

Emiliano José

10 de agosto de 2019  

O primeiro emprego a gente nunca esquece

 

Gustavo Falcón, recém-saído da adolescência, conhece Hamilton Celestino, no Tororó.

Um grupo de amigos se reunia regularmente à frente da casa da avó de Paulo Gabrielli, hoje renomado psicanalista.

Namoros, política, arte, cultura - rolava tudo.

E um concorrido campeonato de futebol de mesa.

Gustavo havia sido expulso da rede pública por conta de sua militância política de esquerda.

Precisava concluir o curso médio para prestar o vestibular.

Rede privada, nem pensar.

Dinheiro curto.

Resolve prestar exame de Madureza no Colégio Atheneu Sergipense, em Aracaju.

Uma bateria de exames, e o curso médio concluído em alguns dias.

Sei o que é isso: concluí o ensino médio assim.

Hamilton Celestino também buscou essa saída.

Divertiram-se à beça em Aracaju, além da conquista do diploma.

Solidificaram a amizade.

Tito Bahia - voltemos ao nome artístico convida-o para fazer um teste no Departamento de Pesquisa e Arquivo da Tribuna da Bahia, que ele dirigia.

Jovem fosse, já era profissional experiente.

Um tipo bem distinto do militante tradicional.

Cabeleira farta.

Falava pelos cotovelos.

Vivia enfiado em batas coloridas.

Para carregar suas tralhas, sacolas hippies.

Não lembrava em nada o revolucionário típico

Recém-desembarcado do PCB, gozava de sólido prestígio com Milton Cayres de Brito, o redator-chefe, também egresso do PCB.

Gustavo Falcón faz o teste produzindo um texto sobre as eleições primárias americanas, super simpático ao democrata George McGovern.

Tremendo de medo, entrega-o a Tito.

Por intermináveis e angustiantes minutos, observando as ininterruptas sacudidelas de pernas e as sucessivas tragadas no inseparável cigarro de Tito, esperava a sentença, que decidiria os sonhos do casamento e do primeiro emprego.

Ou seguiriam adiante ou desabariam.

Tito retirou os óculos, descruzou as pernas, colocou as quatro laudas sobre a mesa, e disse sem muitos arrodeios:

- Dei uma copidescada rápida. Adorei. Sairá sábado na capa do Caderno 2, devidamente assinada.

Gustavo foi aos céus!

A carteira profissional assinada pela primeira vez ninguém esquece.

Registrado como redator.

Carteira de jornalista.

Plano de Saúde.

- E a irreproduzível sensação de segurança advinda do salário, 40% na primeira quinzena, restante no final do mês.

Na pesquisa,...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Denilson Vasconcelos: Grande Gustavo Falcon. Tive o prazer de trabalhar a seu lado no velho IC Shopping News. Que tocávamos quase no compasso da imprensa alternativa da época.

Emiliano José: Denilson Vasconcelos Aproveitando: preciso de depoimento seu desde a TB até o fim do percurso na Bahia. Copião. Valeu. 

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(Foto:Lúcia Correia Lima - Cau, Jorge Ramos, Luis Guilherme, Gustavo Falcón e a caçula, em Cachoeira)

Emiliano José

11 de agosto de 2019  

Renascendo para a vida

 

A Tribuna da Bahia inovou também com a existência e fortalecimento do Departamento de Pesquisa e Arquivo.

Com ele, dava-se apoio às reportagens, às editorias de Geral, Esporte, Nacional, Internacional, Economia.

Diretamente dele, surgiam matérias setoriais de interesse do leitor.

Os arquivos incluíam, além da memória editorial com os cavaletes permanentes de todas as edições diárias, vários armários de ferro em cujas gavetas estavam selecionados recortes de vários órgãos da imprensa nacional sobre variados temas organizados por ordem alfabética em pastas-retrancas com nomes grafados em suportes na parte superior.

Lembrar, desnecessário seja, redundando, que não havia Internet.

A utilidade do departamento era enorme.

Gustavo Falcón lembra a equipe, além de Tito, o chefe.

Um gerente, Milton Scaldaferry.

A bibliotecária Solange, responsável pela catalogação.

Mais tarde virá Rosa Mendes, também bibliotecária, mulher de Milton Mendes, companheiro de prisão.

Um redator, agora ele, Gustavo.

O setor ficava num pequeno "aquário" acessado por uma bancada vazada, protegida por uma vidraça com recorte por onde era feita a comunicação e a entrega de pedidos.

Renascendo para a vida.

Esse o sentimento de Gustavo.

Com novas amizades, trabalho intenso, recuperava, também, a rotina de militante, de outra maneira, com outro olhar.

Afastara-se da militância após a primeira prisão.

Trabalhava agora no jornal que destacara aquela prisão em manchete de letras garrafais.

Claro, o destaque vinha acompanhado da versão da Polícia Federal: havia sido desbaratada uma perigosa organização terrorista na Bahia.

Era o MOL.

Movimento de Organização e Luta.

Composto por perigosos jovens secundaristas e "elementos ligados à luta armada".

Alguém podia acreditar nessas versões?

Podia.

Havia os que acreditavam.

Gustavo, agora, estava do outro lado do balcão.

- Na agradável posição de quem dispondo de informação e podendo veiculá-la, sentia-se, obviamente, mais poderoso do que de fato era.

Sem sentir, foi abandonando pela via mágica do jornalismo o gheto da esquerda radical pelo encantamento da resistência democrática, unindo num só feixe os ideais políticos à vida profissional.

- Apesar de toda a repressão e da limitada margem de liberdade político-cultural, vivia, já casado, um momento fulgurante embalado pela convivência com os colegas, a frequência ao curso de Ciências Sociais na UFBA.

Abandonara pelo jornalismo, todas as veleidades literárias e revolucionárias de militante clandestino.

O jogo agora era outro.

Mais adiante, retoma timidamente a vida partidária, filiando-se ao PT.

Na redação da TB, prevalecia a diversidade..

#MemóriasJornalismoEmiliano

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(Foto Walter Lessa - Gustavo e Luís Guilherme em Cachoeira)

Emiliano José

12 de agosto de 2019  

Maconha

 

Gustavo Falcón, ao falar do ambiente da redação da TB, evoca Proust, e vai em busca do tempo perdido. Confessadamente sem boa memória, diz, no entanto, ser capaz de lembrar detalhes de cada colega de redação.

Do jeito de andar.

Do sorriso de cada um.

Da voz.

Como lembra também da intensidade das afeições.

Alimenta uma convicção: o rigoroso crivo esquerdista às vezes sacrificava a proximidade latente.

Dificultava o desembrochar de amizades.

Mas havia algumas que de tão fortes, suplantavam o maniqueísmo, e nasciam naturalmente.

O muro esquerdista não ficava de pé.

Ruía diante da força incontrolável da amizade.

Penso, de passagem, nesses tempos bolsonaristas, onde tantas amizades se perdem no caudal de ódio estimulado desde arriba.

Gustavo Falcón traça um perfil original da redação.

Faz uma espécie de sociologia daquele microcosmo.

Buscando amparo, quem sabe, nos autores das ciências sociais, lidos atenciosamente em São Lázaro, na UFBA.

Havia o que ele chama de esquerdistas ativos ou desembarcados, sobrevivendo profissionalmente do jornalismo.

Pessoas de esquerda, seria melhor.

Esquerdistas, na acepção leninista poderia suscitar entendimento equivocado.

Entre estes, os de esquerda, elementos um tanto tradicionais.

Como ele próprio e Milton Cayres de Brito.

E eu e vários outros que chegaríamos logo logo.

Destacavam-se, na redação, alguns totalmente siderados pelo experimento com as drogas.

Em especial, com a maconha, vendida informalmente na redação.

Viviam envoltos pela cultura nascida desse experimento.

Um outro contingente combinava a antiga postura militante com os valores advindos do maconhismo e afins.

Na troupe mais careta, prevaleciam pessoas consideradas normais, que se vestiam como tais e cuja linguagem, trejeitos, hábitos e comportamentos não as vinculavam...

#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José

13 de agosto de 2019

Desbunde

 

 

Aqueles que Gustavo Falcón chamava caretas, com suas linguagens, trejeitos, hábitos singulares, não eram vinculados necessariamente nem aos contestadores de esquerda nem aos ligados ao mundo da contracultura, preconceituosamente chamados de "pessoal do desbunde" pelos militantes mais sectários.

Vasto mundo, aquela Tribuna.

O desbunde, que seja, era produto da repressão e do equívoco tático e estratégico da esquerda com seu abandono da ideia central da democracia, diagnóstico de Gustavo.

Levou sustos, abalos.

A fauna e a flora da TB abalaram seus velhos valores judaico-marxistas.

Vinha de uma família de irmãos e irmãs envolvidas com a luta comunista, alicerçada em valores marxistas, vinculada principalmente à Polop, organização pioneira de combate às perspectivas do PCB.

Pery Falcón, o mais destacado dos irmãos, dirigente da Polop, destacado dirigente estudantil, esteve preso comigo na Galeria F da Penitenciária "Lemos Brito".

Não era fácil abalar uma formação de raízes tão profundas.

A redação da TB abalou.

Mudou muito.

Flexibilizou seus valores.

Tornou-se mais amplo.

Do vasto mundo, da diversidade.

Mas, a TB saía todo dia:

- O surpreendente é como tanta maluquice gerava uma edição diária todos os dias da semana, todas as semanas do ano, assim se repetindo sem problema de continuidade e com o dinamismo normal de qualquer empresa.

O seu susto maior, e susto aqui tem a dimensão emprestada pelos poetas, foi a chegada de Hamilton Almeida Filho ao jornal.

HAF chegou ao jornal assim sem ambições, como modesto profissional, em busca de emprego, temporário que fosse.

Surpreendeu a todos quando tirou da surrada mochila seu vasto currículo, o avesso do avesso de seu aspecto cigano, andarilho hippie enfiado em roupa barata.

Sandália de couro.

- Com ele aprendi a arte de editar, pedra cujo polimento não se finda e que me tem sido útil pela vida afora. Por ela, galguei posições na redação e depois alcei voos mais altos, culminando com a direção da Editora da Universidade Federal da Bahia, instituição que junto a Aloísio Garcia de Moura, retirei do amadorismo e fiz ingressar no contexto das melhores do País.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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Emiliano José

14 de agosto de 2019  

Tempo de armas na mão

 

Foi se integrando, ganhando intimidade, autoconfiança, e logo logo Gustavo Falcón estava fazendo free lancers para outros veículos, tirando férias de colegas nas sucursais dos jornais de circulação nacional que operavam em Salvador.

Muito tempo passado, e a gente tem dificuldade de entender o jornalismo impresso de então.

Estadão, O Globo, Jornal do Brasil tinham poderosas sucursais.

Atraíam os melhores profissionais e faziam ampla cobertura da vida baiana.

A revista Veja também contava com sucursal em Salvador.

Gustavo deu curso, ainda, ao sonho de colaborar com a imprensa alternativa, ou nanica como chamada no início, de muita importância numa conjuntura em que a grande imprensa ousava muito pouco, além daquela parte declaradamente colaboracionista.

Estreou no jornal "Opinião", matéria sobre o verão baiano, assinada com Hamilton Almeida Filho - o HAF.

Colaborou com Versus.

E com EX, publicação anarco-cultural empastelada pela ditadura no número especial dedicado à morte do jornalista Vladimir Herzog em São Paulo.

Recentemente, as edições do EX foram contempladas por uma bela, cuidadosa publicação fac-similar da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Na Bahia, Gustavo participou da fundação de "O Boca do Inferno" e de "Invasão".

A lembrar, não a Gustavo, que chegou a escrever livro sobre a imprensa alternativa na Bahia, mas aos leitores, a existência de outras publicações, entre as quais o "Inimigo do Rei", de inspiração declaradamente anarquista.

"O Boca do Inferno", publicação de esquerda lato senso, era cuidadosa no texto, reunindo alguns dos melhores jornalistas da época, especialmente aqueles mais próximos da valorização da cultura, e menos voltado à militância política direta.

"Invasão" era projeto audacioso.

Reuniu sobretudo os jornalistas mais à esquerda.

Não seguiu adiante.

Jornal de um número só.

Não obstante, de forte impacto.

A matéria de capa - "Chumbo neles" - retratava a contaminação por chumbo e cádmio dos trabalhadores da Cobrac, e que, de resto, tornou Santo Amaro uma das cidades mais poluídas do mundo.

De sobra, o jornal quase provoca uma tragédia: um dirigente do MDB invadiu a Câmara de arma em punho, disposto a matar o vereador Murilo Leite, que havia dado entrevista ao jornal desancando o chefe do adesismo na Bahia, ele, Ney Ferreira, o de armas nas mãos, genro de Antônio Balbino.

Murilo Leite está vivo.

Não estava na Câmara no momento da invasão.

Quem pegou a rebarba foi o vereador Agenor Oliveira, do MDB, espancado por Ney e seus capangas.

- Tempos de resistência com novas formas de enfrentamento e do aprendizado verdadeiro da palavra redemocratização, cujo significado relutávamos em entender.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Zeca Peixoto: Cada vez aprendo mais. Falcon era amigo do meu tio Paulo Cunha e o filho dele foi meu aluno no curso de Comunicação da Jorge Amado.

Emiliano José: Zeca Peixoto Zeca, a gente aprende com a história - a vivida e a contada. Passamos a vida assim: aprendendo. Gustavo é um raro companheiro, solidário, amigo até debaixo d'água

Sarno Carlos: Mano, INVASÃO foi discutido e "fundado "no escritório de Willefort Leão, saudoso amigo, depois de ter seu nome escolhido pela maioria, ganhando do Ê POVO Ê, pouco tempo depois da "invasão" da sede do Boca do Inferno que ficava na Rua Gregório de Matos. Mistura fina de agitação política e cultural, faz falta.

Emiliano José: Sarno Carlos História ..

Esperando-o amanhã Waldir.

Lucia Correia Lima: Fizemos uma votação no dia da escolha do nome. Presentes João Santana (editor) Vitor Hugo Soares. Dei minha opinião a favor de Invasão argumentando que assim eram chamadas as comunidades periféricas pobres, da cidade.

Emiliano José: Lucia Correia Lima História...

Carlos Verçosa: gustavo falcón

jornalista de respeito

participou sim

intensamente

do lançamento

e do primeiro número

do nanico

'boca do inferno' 

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Emiliano José

15 de agosto de 2019  

Morte do jornalista Mário Alves

 

Seguiu viagem.

Arrisco dizer: o jornalismo lhe deu régua e compasso.

Professor da UFBA, Gustavo Falcón fez Mestrado e Doutorado.

Como herança direta de sua vida jornalística, escreveu "Os baianos que rugem", livreto sobre a imprensa alternativa na Bahia, rara publicação sobre o assunto..

Frutos de seus mergulhos acadêmicos, destacam-se "Os coronéis do cacau" e "Do reformismo à luta armada : a trajetória política de Mário Alves 1923 - 1970".

No primeiro, disseca o coronelismo nascido do cacau e reflete sobre a contradição entre a força econômica dos coronéis do Sul do Estado e o fato de não terem chegado nunca a ter papel político hegemônico no Estado.

O coronel, no livro, não aparece apenas com toda sua carga de violência e arrogância, como bem retratado em "Terras do Sem Fim", de Jorge Amado.

Irrompe, também, como agente do avanço do capitalismo na região.

Os mais fortes integravam a burguesia cacaueira, simultaneamente produtores e exportadores.

O livro sobre Mário Alves é uma preciosidade.

Nele, desconfio, Gustavo misturou razão e emoção, não obstante trabalho acadêmico.

E pela leveza do texto, nota-se o forte acento jornalístico, sem que se perca o rigor reclamado pela Academia.

A figura do grande revolucionário não pode e não deve obscurecer o fato de Mário Alves ter sido jornalista.

Chegou a redator-chefe do jornal "0 Momento", publicação do PCB.

Dos mais densos intelectuais do PCB, dirigente durante muitos anos, ele fundou o PCBR depois de 1964, rompendo com o partido em que militou a maior parte da vida.

Preso, foi trucidado pelos algozes da ditadura: supliciado, empalado, órgãos dilacerados.

Desaparecido político.

O livro de Gustavo revela Mário Alves de corpo inteiro.

O jornalista nascido na Tribuna revelava-se um intelectual orgânico.

À Gramsci.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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(O irmão Pery Falcon, companheiro de prisão de Emiliano José na Galeria F da Penitenciária Lemos Brito)
 

Emiliano José

17 de agosto 2019

O encontro no campo de concentração

 

Gustavo Falcón recorda: foi naquele vivo, colorido, desafiante e sedutor ambiente da redação da Tribuna da Bahia que ele me conheceu.

Meu nome até ali era para ele uma lembrança na parede.

Nas paredes de Salvador.

Companheiros de Ação Popular, preocupados com minha vida, resolveram

pichar a cidade com "Libertem Emiliano", uma arriscada operação naqueles tempos.

Deve ter sido ali por dezembro de 1970.

A repressão registrou isso, falou comigo sobre ela.

- Foi a primeira vez que tive contato com esse nome, sem ter visto nem conhecido a pessoa.

Na TB, era um segundo momento de nossa aproximação.

Terceiro, na verdade.

Ele soubera de mim pelas paredes em 1970, mas me conheceu nem que rapidamente, preso.

- Pouco tempo depois, com o deslocamento de meu irmão de um presídio de Minas Gerais para Salvador, pude travar contato, em visita solidária num dia de sábado, com o militante de AP e mais outros tantos personagens da Galeria F da Penitenciária "Lemos Brito".

O irmão era Pery Falcon, dirigente da Polop.

Ele guarda esse encontro como um acontecimento especial em sua vida:

- Não foi definitivamente um sábado qualquer.

- Ao ingressarmos no pátio da visitação demos de cara com dezenas de homens vestidos com um uniforme cinza com golas e detalhes brancos nas rústicas batas cinzas, muitos barbudos e cabeludos, em tudo evocando um desagradável coletivo que ora me reportava a um sanatório, ora a uma cena de filme sobre campo de concentração...

#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José

18 de agosto de 2019  

Os comunistas estão chegando...

 

Não, aquele sábado definitivamente não foi um qualquer.

De súbito, aquela primeira impressão: homens todos vestidos de cinza com suas golas brancas a recuperar imagens de campos de concentração guardadas na retina como lembranças de velhos filmes ou de sanatórios repulsivos abrigando pessoas quase sem vida...

Gustavo Falcón chega, com a mãe, dona Bárbara, visita amorosa e constante a todos nós.

Visitava Pery Falcón, o mais comunista da família, preso conosco.

Mas sempre emprestava seu calor aos que não tinham a sorte de ter mãe por perto.

Gustavo vai passo a passo entrando no salão grande, bancos de madeira, os homens de cinza de golas brancas, alguns recebendo visitas, outros não, barulho, conversas, e vai percebendo outro mundo: havia vida ali.

- À medida que nos aproximávamos dos nossos presos, íamos diminuindo a terrível sensação inicial e ao abraçá-los e festejá-los já éramos novamente próximos e seus rostos visto assim de perto e sob a forte emoção do reencontro nessas infelizes condições desfaziam de repente a negatividade de tudo aquilo, realçando o afeto, a solidariedade, tudo de bom que a reunião de parentes, amigos e amores é capaz de trazer.

Aqueles dias de visita eram muito especiais para nós.

Encontros, reencontros, amores, risos, emoções à flor da pele, facho de luz na escuridão.

Às quartas e sábados, duas horas de abraços e conversas.

Duas horas de alegria.

Duro era voltar depois à rotina cinzenta.

Gustavo rememora:

- Na ambiguidade desse ambiente triste e feliz, a um só tempo, revendo meu querido irmão, fiz novas amizades e pude rever amigos que também ali estavam a cumprir condenações.

Aos poucos, a cada visita semanal, foi criando laços e compromissos com os presos da Galeria F.

Fala desse tempo com emoção pelo irmão querido, preso e torturado.

E pelo reencontro que terá logo depois com vários dos egressos da "Lemos de Brito" no exercício do jornalismo.

Foi vendo a chegada de uma safra de comunas nas redações ali por 1974, 1975.

Para alegria e satisfação dele.

Não lembra como se deu esse recrutamento, ele aspeia "recrutamento", ao lembrar da prática na militância clandestina.

Acredita ter tido ele próprio algum papel nesse trabalho de recrutamento de companheiros-comunas.

Desse processo resultou para ele uma afeição muito grande com alguns dos ex-presos.

Cita Tibério Canuto de Queiroz Portela, companheiro de prisão e editor no "Jornal da Bahia".

José Carlos Zanetti, companheiro de prisão, e com passagens meteóricas pela "Tribuna da Bahia" e "Jornal da Bahia".

Denilson Vasconcelos, companheiro de prisão, passagem pela "Tribuna da Bahia".

Dalton Godinho, prisioneiro político na Ilha Grande, Rio de Janeiro, companheiro do "Jornal da Bahia".

Oldack Miranda, viera de condenação em Minas Gerais, cumpriu pena no presídio de Linhares, editor de economia do "Jornal da Bahia" à época, depois de "A Tarde".

O jornalismo brasileiro deve muito a profissionais vindos das fileiras comunistas.

E o da Bahia, inegavelmente.

Merece estudo à parte.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Claudia Moreira de Carvalho: 💪🏼👋👋👋👋👋

Denilson Vasconcelos: Gustavo. Parceiraço na redação do IC Shopping News. E presente nas visitas na PLB. Seu irmão e nosso companheiro de GF, esse dispensa comentários. Emiliano disse tudo. Família da porra, essa de Gustavo.

Celso Ubiratan Santos: História de lutas desses grandes companheiros. Companheiros como Pery Falcon com quem tive o prazer de uma militância fraterna.

Ernesto Falcón: Semeadores do companheirismo pleno. #HistóriaeVerdade #Jornalismo #Orgulho 

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Emiliano José

19 de agosto de 2019  

Jornalismo : escola e estrada

 

As impressões do encontro de Gustavo Falcón comigo postas num depoimento escrito são comoventes.

Pelo que evoca de tempos passados, pela revelação de uma amizade profunda.

Há evidentes exageros.

Generosidade.

Verdade, sem qualquer falsa modéstia.

Cuido de aproveitá-las, discuti-las.

Com cuidado.

Indeciso.

Como foi um depoimento sobre a convivência durante o exercício comum do jornalismo, sigo adiante, titubeante.

Fala em determinação, disciplina - características que creio verdadeiras.

A militância me educou.

Mais que ela, talvez, a própria dureza da existência, a me cobrar prontidão para a superação dos obstáculos.

De "ouvir e expor com paciência e clareza suas ideias e o dom de buscar a verdade dos fatos quase como obsessão militante, característica advinda da ética da esquerda".

Não tenho certeza da paciência, nem da clareza.

Esforço, faço.

Digo sempre: sou esforçado.

Escrever bem é outra coisa

Gustavo diz terem sido essas características que me fizeram mergulhar na profissão não como bico, meio de vida, "mas certamente como uma segunda etapa da militância".

É sempre bom um olhar externo.

É verdade, uma segunda etapa da militância.

Pra mim, era isso.

Sem me desobrigar de quaisquer dos princípios éticos da profissão, que são, como diria Perseu Abramo, os princípios do cidadão - a rigor, estes se sobrepõem aos códigos corporativos.

Há uma ideologia entre os jornalistas a pregar o distanciamento da política, como se eles no dia a dia não exercitassem uma concepção de mundo - e eles sempre fazem jornalismo segundo uma visão de mundo, uma posição política.

Negar isso é besteira.

Eu, ao sair da prisão, foi nesse momento o início de minha amizade com Gustavo, precisava da palavra, do uso dela, falar com o mundo.

O jornalismo foi minha saída.

Com todas as restrições do período, iria falar.

De certa forma, como diz Gustavo, uma segunda etapa da militância, limitada que fosse pela conjuntura da ditadura e, claro, pelas naturais amarras do empreendimento capitalista.

"Num meio onde a ironia e o cinismo abundam, a luta por um jornalismo independente, autêntico e bem fundamentado que Emiliano passou a encarnar na redação o distinguiu entre seus pares".

Não sei se está certo, mas faço justiça: convivi com jornalistas, mulheres e homens, com espírito cidadão, com disposição de servir a humanidade, vivendo à busca da verdade, com todas as limitações que os cercavam.

Nestes, a ironia e o cinismo não estavam presentes.

Só não faziam mais por conta das amarras estruturais.

Se há os que se rendem, há sempre os insubmissos, os melhores, muitos.

Com eles, Gustavo entre eles, aprendi muito a ser cidadão no exercício da profissão.

Só agora, com seu depoimento, percebo o olhar atento sobre minha presença na redação:

"Recordo do amigo várias coisas interessantes: seu modo personalíssimo de espancar a máquina datilográfica na redação das reportagens no salão coletivo da redação promovendo uma batucada interminável cujo final trazia grande alívio a todos. Principalmente a ele, que parecia flutuar quando removia a última lauda do carretel e com absoluta tranquilidade se dirigia à chefia de reportagem. Já agora, não mais como boxeador no teclado, mas sim como um sujeito em paz por ter concluído sua obrigação diária".

No depoimento, Gustavo relembra meus passos, livros, mandatos parlamentares, professor no pós-ditadura.

"Penso que o chão da fábrica da Tribuna foi o terreiro que permitiu o milagre e que o jornalismo ao lado da política assegurou ao amigo o equilíbrio indispensável para sua inserção no mundo, a construção de um projeto e a superação de erros que todos nós cometemos".

E ele arrisca uma interpretação sobre minha já longa jornada:

"O jornalismo mais que qualquer outra coisa foi responsável pelo êxito dessa trajetória, com todas as limitações e percalços. Serviu como escola e estrada, foi basilar na sua formação como homem, personalidade pública e filho da Bahia, terra que costuma exportar talentos, mas é exigente e enjoada para aceitar os de fora".

Eu era um de fora.

#MemóriasJornalismoEmiliano


NR: "A ética do marceneiro é expressão de Cláudio Abramo, não de Perseu, se me lembro bem, sobrinho dele. Está explicadinho no livro A regra do jogo. Cheguei a esclarecer isso no detalhe nos capítulos seguintes".

 

COMENTÁRIOS

 

Henrique Sousa: Foi aceito com louvor.

Ernesto Falcón: Orgulho fazer parte dessa corrente do bem! #Jornalismo #Integridade #Competência #LIBERDADE

Emiliano José

: Ernesto Falcón Seu pai, meu mestre. Vários capítulos anteriores com ele . Veja 

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(Divulgação) 






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