#MemóriasJornalismoEmiliano – Jaciara II– O olhar humanizado na editoria de Segurança

 

(Jaciara recebendo o Prêmio Banco do Brasil por reportagem de Segurança no jornal Correio da Bahia)

A jornalista Jaciara Santos, sobre quem Emiliano José já falou em artigos anteriores, fez por merecer um capítulo à parte. Ela resistiu, resistiu, mas ele foi convincente e ganhou a queda de braço. Falar sobre sua premiada experiência na editoria de Segurança (isso mesmo, nada daquela página policial que pinga sangue), sem a presença física do mentor, o querido Erival Guimarães, não lhe encorajava. Mas ela viu nisso a possibilidade de transformar seus relatos em uma homenagem ao seu “mestre”, o cara que quebrou o preconceito com a “prima pobre” das redações. A cozinha. E topou. 

Erival sabia o que estava fazendo quando convidou Jaciara para compor uma nova equipe de Segurança, no jornal Correio da Bahia. Sem o ranço das demais, humanizada. Que respeitasse os direitos de TODOS, considerados suspeitos (e não criminosos) até que fosse provado o contrário. Que não visse em todo jovem preto, e pobre, um suspeito em potencial. Que não se contentasse com os BOs. Não! Era preciso ir fundo nas investigações, dar voz a todos os lados, mesmo aos encarcerados.

E se outros frutos não brotassem dessa experiência, um já bastaria para coroar a aposta de Erival: a editoria foi capaz de reavaliar os rumos de um caso, ouvir os acusados que se diziam inocentes, e PROVAR a injustiça cometida pela própria Polícia Militar contra policiais, na pressa de satisfazer a sede da mídia por culpados. Muitos anos depois o caso permanece impune. E os três policiais, apesar de inocentados, nunca foram indenizados ou reparados por tamanho sofrimento enfrentado, famílias destroçadas. Foram 56 dias de prisão, a carreira militar na lama. Hoje são amigos que Jaciara trata carinhosamente por “meus meninos”. 

Casos dolorosos como o assassinato do economista Vitor Athayde Couto Filho, consultor da FAO, ganharam um tratamento humano, solidário, respeitoso. Como deve ser. Sem o sensacionalismo de programas de TV que, na disputa pelo “furo”, sequer se preocupam em saber se as famílias envolvidas já foram avisadas. 

Jaciara ganhou de Erival outro presente: a coluna “Arquivo”. Um espaço para rememorar grandes casos do noticiário policial. A menina-dos-olhos dos dois. Ganhou também uma coluna

, À Queima Roupa, que depois se transformou no blog pessoal AQR – aqueimaroupa, uma linda experiência que precisa, com urgência, ser retomada.  

Leia também a primeira parte da trajetória de Jaciara Santos: https://pilhapuradejoaninha.blogspot.com/2019/11/memoriasjornalismoemiliano-de-santa.html  

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(Jaciara e Erival no Prêmio Banco do Brasil)

Emiliano José

22 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: da sala para a cozinha

 

Sábado.

20 de maio.

Jaciara recebera um convite, a desafiá-la.

Resolvera aceitar.

Deveria começar na segunda-feira.

Preferiu ir antes ao jornal para inteirar-se da rotina da editoria.

Jornal: "Correio da Bahia".

Editoria de Polícia.

Chamada editoria de Segurança pelo jornal.

Fora convidada para ser repórter especial de segurança.

Corria o ano de 2000.

Era jornalista experiente.

Já ia longe o ano de 1978, quando subiu as escadas do "Jornal da Bahia" e ingressou quase tremendo naquela redação emoldurada por tantas fotos, na velha Barroquinha.

No dia 19, um dia antes, despediu-se da redação da "Tribuna da Bahia". onde exercia o cargo de editora de Economia.

Sentia-se dando um mergulho no escuro.

Adentrando território inteiramente desconhecido.

Já fizera incursões por editorias de Cidade, de Geral, Política e Economia.

Fora repórter, pauteira, chefe de reportagem, subeditora e editora, quase tudo.

Polícia, primeira vez.

Considerada a prima pobre das redações.

Confessa: ela própria cultivava preconceito.

Rejeitava os temas policiais.

Não se sentia mal porque boa parte dos jornalistas da geração dela alimentava o mesmo sentimento.

Não sabe como é hoje, mas à época uma enquete sobre a área preferida de quem estudava jornalismo tinha zero chance de ter a editoria de Polícia em primeiro lugar.

Ao contrário, apareceria na rabeira, se aparecesse.

Cultura, Política e Esportes estariam na dianteira, fácil, fácil.

O convite, feito por Erival Guimarães, a pegou de surpresa.

Guimarães era o editor.

Pensou um pouco, e resolveu embarcar.

Mudava rumos.

Sempre bom combater preconceito.

Não tinha noção de onde vinha tal preconceito, mas estava disposta a mudar suas concepções.

Por que aquele estigma de prima pobre das redações?

Iria descobrir vivendo a experiência de repórter da área.

Se para todos um desafio, maior ainda pela condição de mulher, presença rara nas editorias de Polícia à época, não sei se diferente nos dias atuais.

Uma espécie de recomeço.

Sempre bom.

Sacudir-se, tirar a poeira.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Paulino Jose Dos Santos: Recorte vivo dessa transição... e a vivência trouxe surpresas emocionantes, às vezes boas, às vezes assustadoras, mas com muita vontade e garra ela desbravou brilhantemente essa nova etapa de sua vida profissional. O sucesso veio coroar sua atitude de mudança ...

Jaciara Santos: Paulino, muitas noites sem dormir, muitas dores alheias trazidas pra casa, né? Obrigada por me apoiar sempre.

Jaciara Santos: Emoção. Principalmente por avivar a saudade do meu inesquecível amigo, chefe, irmão de alma Erival Guimarães . Obrigada, mestre Emiliano!

Emiliano José: Obrigado a você, querida comadre - se posso chamá-la assim.

Tatiana Guimarães: Muito emocionante! Parabéns e obrigada por ser profissional e pessoa tão incrível. Agradeço as lembranças, reconhecimento e carinho por meu coroa. Realmente vocês são irmãos de alma

Graça Azevedo: Emiliano, só não pode chamar de sócia! É uma Ltda. Não é Mônica Bichara?

Mônica Bichara: claro, claro

Graça Azevedo: Essa série eu não perco um dia. Essa moça mora no meu coração! E é nossa sócia, verdade Mônica Bichara?

Mônica Bichara: é vero, sócia. Emoção à flor da pauta

Jaciara Santos: Graça, você é uma querida. Além de sócia, claro!

Mônica Bichara: Jaci, não esqueça de falar do Aqueimaroupa. Vai ser um prazer esse trabalho, já estou viajando nele. Esse Emiliano José testando nossos corações

Jaciara Santos: Mônica, lá vem trabalho pra você

Leonardo Aguiar: Lembro do impacto que essa mudança teve. Não entendia muito bem, mas minha mãe ficou muito mexida com essa nova caminhada. se bem me recordo, demorou um tempo para ela adaptar-se a esse espaço. Mas, o preconceito, me arrisco a dizer, virou paixão! Ela encontrou seu próprio jeito de transitar por essa editoria, trazendo com sua escrita entre o jornalismo e a literatura, humanidade para esse espaço! Só orgulho pela coragem! E como a justiça, embora escassa, ainda se faz presente, todo esse talento em contar estórias foi reconhecido!

Mônica Bichara: vc definiu bem, Léo, o preconceito virou paixão. E nós ganhamos com isso, o jornalismo ganhou

Jaciara Santos: eita, dizer o que? Verdade... foi um desafio que virou paixão. Se pudesse recomeçar, faria tudo do mesmo jeito. Obrigada, filho. Mestre Emiliano José , é só emoção...

Isabel Santos: Isso, Léo. Sua mãe disse pra que veio. Paixão em tudo que fez/faz!

Graça Azevedo: Leonardo, sou fã da sua mãe. E tenho orgulho de ser amiga dela.

Benilda Amorim: Embora D.. Maria da Glória quisesse vê-la médica, já no Colégio Pinto de Carvalho, enquanto sua colega de ginásio, já vislumbrava em vc uma grande jornalista! Foi o que deu!. Orgulho sempre desse seu talento!

Jaciara Santos: verdade, lembra disso, amiga?

Nadya Argôlo: Grande Jaci. Apurações esplêndidas e texto sempre brilhante!

Jaciara Santos: brigadão, amiga

Isabel Santos: Muita emoção por vir, com mais histórias de mais um viéis da trajetória dessa amiga/irmã/colega/comadre e grande profissional. Massa, querido Emiliano José . Bjos *prosdois*.

Jaciara Santos: valeu, irmã! Atuar nessa área foi muito enriquecedor. Sinto saudades...

Mônica Bichara: Preparem o coração porque essa minha comadre arrepia, brota humanidade nas suas pautas

Jaciara Santos:  saudade dessa minha fase profissional... Melhor de todas! Trabalhar com Erival Guimarães não era trabalho, era prazer.

Mônica Bichara: eu sei, tava ali do ladinho acompanhando

Joana D'arck: Aí tem muita história e talento de sobra. Referência!

Carlos Navarro: Grande Jaci, lembro de você no velho JBa. Nas reuniões de pauta você não gostava de falar muito. "Eu escrevo, não faço discurso", dizia.

Jaciara Santos: Morrendo de rir...continuo assim: prefiro escrever a falar. Um beijo, mestre!

Liliana Peixinho: Desafios, compromisso, coragem, disciplina, afetos...marcas dessa irmã, amiga, parceira, valiosa profissional, que temos a honra de compartilhar muitas histórias! Que compromisso maravilhoso do companheiro Emiliano José em resgatar e memorializar perfis do jornalismo na Bahia.

Alba Lucinia: Primeira surpresa: nunca pensei que notícia policial fosse considerada "prima pobre" !

Sheila Freire: Meu pai foi um homem de muita sorte. Ter você como amiga não é para qualquer um. Obrigada por tanto carinho e reconhecimento. Beijos !

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(Primeira matéria de Polícia, ainda no JBa, acompanhando o editor Moacy Ribeiro, quando o jogador Sócrates estava no auge)

Emiliano José

23 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: derrubando preconceitos

 

Editoria de Polícia.

Jaciara tem razão: era prima pobre das redações.

Eu, foca, chegando à "Tribuna da Bahia", quase ontem, final de 1974, observava de longe movimentação do pessoal de Polícia.

Todos, uma simpatia só.

Lula, editor, sempre de bom humor.

Ainda lembrarei os demais nomes.

Simpáticos fossem, e eram, a gente não queria saber de trabalhar na editoria.

Parecença com coisa menor.

Jornal saía dia seguinte, e a gente nem olhava página de polícia.

Não sabíamos o que estávamos perdendo.

Lembro da brincadeira de um sábio, Pedro Agostinho.

Antropólogo, voltado à defesa das nações indígenas, fonte permanente minha, me dizia, brincalhão, mas falando sério:

- Ao abrir o jornal de manhã, vou primeiro à página de polícia.

- Por que, professor?

- É onde conheço e reconheço o ser humano, a verdade das pessoas.

Na Polícia, é onde você compreende a ideia de que de perto ninguém é normal.

Que toda pessoa leva dentro de si o médico e o monstro, o bem e o mal.

E é no exercício do cotidiano da reportagem policial a descoberta do inferno das cadeias e prisões brasileiras, fábricas do crime, jamais voltadas ao que se chama recuperação.

Essa aula me ajudou a reavaliar a editoria de Polícia, embora nunca tenha sido tentado a trabalhar na área.

Na Facom, nossa faculdade na UFBA, não me recordo de cuidados com a área - e se estiver enganado, darei mão à palmatória.

No "Jornal da Bahia", editor era Moacyr Ribeiro.

Outro bem humorado.

Lembro de ter empurrado pra ele assinatura do 'Em Tempo".

Dos mais experientes na área.

Tenho a impressão de que só trabalhou na editoria de Polícia.

Como editor, passou ainda pelo "Bahia Hoje".

Era mestre.

Admirado por presos, como Mônica Bichara testemunha.

Fez escola.

Natural tenha sido um momento angustiante para Jaciara quando decidiu aceitar o convite.

O filho, num ligeiro e comovente depoimento, testemunhou as apreensões da mãe, a superação, e o mergulho na nova fase.

Teve o privilégio na chegada de deparar com um mestre, outro.

Convidada por ele, foi guiada nos primeiros passos, e depois se soltou, não obstante sempre o tivesse por perto, necessário fosse.

Erival Guimarães botou fé nela.

E ela respondeu bem.

A fé não costuma faiá...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Moacyr Ribeiro essa vc vai vibrar, não pode ficar de fora. Foi com você TB que conhecemos os bastidores da editoria de polícia e chegamos a fazer algumas pautas nos plantões noturnos ou de final de semana. Uma vez fui com Moacir na Penitenciária Lemos Brito fazer alguma matéria e presenciei alguns presos amontoados gritando seu nome, pedindo socorro para denunciar as condições em que estavam jogados. Grande escola. Aparece aí, Momó 

Isabel Santos: Grande colega/amigo Moacyr Ribeiro (Momó). Uma escola e um sorriso inesquecível. Essa linda e aguerrida trajetória de Jaci, com a pena poética do mestre Emiliano José, nos trará muito desses momentos. Pura emoção!

Jaciara Santos: Eu adorava sair com Moacyr Ribeiro . Às vezes, nem estava trabalhando, mas o acompanhava. Lembro de uma matéria que fiz com um rapaz preso por crime contra o patrimônio (furto ou roubo, não sei ao certo). Era um perfil, mostrando o "outro lado" dele. O nome, Sócrates, deu a Moa o mote para o título, um trocadilho com o craque Sócrates, no auge da fama, à época. Aprendi muito com Moacyr, sem nem mesmo suspeitar de que um dia aqueles ensinamentos seriam colocados em prática e reforçados no dia a dia com o mestre Erival Guimarães 

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Emiliano José

24 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: descobrindo o ser humano

 

Jaciara, cheia de vitalidade, olha pra sua experiência como repórter de Polícia: um aprendizado muito rico.

Teve tempo na área para hoje refletir.

Conta nos dedos: nove anos no "Correio da Bahia", três na "TV Aratu".

Todo esse tempo na Polícia.

Dá pra conhecer, ganhar alguma intimidade.

O suficiente para olhar com olhos mais abertos para o ser humano.

Aquela experiência foi uma espécie de desencantamento do mundo.

Uma perda de ilusões.

Ou um reconhecimento da verdade.

Tudo junto e misturado.

O tempo na Polícia permitiu olhar o humano sem máscaras.

E nunca é confortável olhar as pessoas sem máscara.

É quase insuportável.

A cobertura policial mostrou-lhe vísceras, do que pode o ser pensante quando exposto a circunstâncias capazes de arrancá-lo da rotina, da chamada normalidade:

- E isto é demais para nós que passamos a vida vendendo a imagem de pessoas boas, belas e bem-sucedidas.

Compreendeu, e isso não é pouco: ninguém é tão bom a ponto de não ser capaz de matar.

E nem tão mau a ponto de não merecer o perdão.

Tempo, tempo, tempo.

Dia 20 de maio de 2000.

A conversa com Erival Guimarães começou às 15 horas.

Já havia aceitado o novo trabalho.

Restava ouvir dele a rotina.

Como repórter especial, faria reportagens investigativas.

E poria em prática o projeto menina-dos-olhos de Guimarães: a coluna "Arquivo": espécie de revisão dos crimes de grande repercussão.

"Arquivo" foi um dos trabalhos mais apaixonantes realizados por ela.

Nos finais de semana, vida dura, entrava na escala de plantão e fazia a cobertura factual, a chamada ronda, jargão das editorias de Polícia.

A cada duas semanas, folga aos sábados e domingos.

"Arquivo" tornou-se também a menina-dos-olhos dela.

A preferência não era mais só do editor.

Clara a rotina, começar a caminhada pela nova estrada.

 #MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: E como tudo que ela faz, mergulhava de cabeça nas pesquisas, rememorando casos célebres do noticiário policial. Humanizar a pauta era com ela mesmo, Erival sabia o que estava fazendo

Alba Lucinia: Jaciara, vejo você em toda a descrição do texto! Perfeito

Jaciara Santos: A coluna Arquivo foi o trabalho mais prazeroso que fiz em minha vida profissional. Mais uma dívida de gratidão para com o imenso Erival Guimarães

Graça Azevedo: Pesquisar é muito bom, sócia.

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(Coluna Arquivo )

Emiliano José

25 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: nada do que é humano me é estranho

 

Logo Jaciara mergulhou de cabeça no Arquivo.

Paixão à primeira vista.

Revisar crimes de grande repercussão.

Tudo de que a galera gosta.

No entanto, não era trabalho em busca de sensacionalismo.

Era saber da história, assim tintim por tintim.

Tentar entender como acontecera.

E penetrar a alma dos envolvidos.

Arquivo-reportagem.

Ela se danava a pesquisar o material publicado na mídia à época, acessava o processo na Justiça e tentava então localizar os principais personagens da história.

Revisitava o passado.

E atualizava os acontecimentos, dando voz aos envolvidos ainda vivos e pudessem falar, e quisessem, naturalmente.

Ia atrás dos principais personagens da história.

Entra em beco, sai em beco, procura familiares ou conhecidos de vítimas, autores do crime, delegados, promotores de Justiça, magistrados.

Trabalhão.

Não podia ser feito com pressa.

Jornalismo investigativo requer paciência e tempo.

E o trabalho dela era de jornalismo investigativo.

Ia além da superfície.

Não era copiar o já publicado.

Tem números na cabeça.

Foram 40 casos.

Esmagadora maioria, publicados em vários capítulos.

Somente a primeira matéria, de 23 de julho de 2000, foi apresentada em uma única edição.

"O passeio durou pouco", título.

Morte de duas crianças, assassinadas a golpes de facão pelo próprio pai.

Assustador, né?

Condenado a 30 anos de prisão em regime fechado, pôs fim à vida após nove anos de cana.

Já de cara, ela defrontou com a realidade da natureza humana.

Como se o mundo viesse abaixo.

Respirar fundo.

Rever conceitos.

O ser humano é complexo - e com o início daquela experiência, podia completar: bote complexo nisso.

No andar da carruagem foi compreendendo melhor o dito de Públio Terêncio, um sábio, dramaturgo e poeta romano, cuja vida decorreu uns 200 anos antes de Cristo:

'Nada do que é humano me é estranho".

O bem e o mal é do humano.

Quando me dizem a tortura é desumana, sempre retruco:

- É demasiadamente humana.

Desde o início, a experiência foi uma novíssima escola de vida para Jaciara.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Sem dúvida, fez história no chamado jornalismo policial

Jaciara Santos: Tenho absoluta certeza: foi o que fiz de mais gratificante na minha caminhada profissional. A coluna Arquivo não era trabalho, era prazer!

Graça Azevedo: Uma boa socióloga pesquisadora! Tome como elogio.

Jaciara Santos: Graça Azevedo ai, amiga, esse Emiliano remexendo no meu baú de emoções... Prepare seu coração pras coisas que ele vai contar...

Emiliano José: Jaciara, comecinho... Tenham calma...

Graça Azevedo: Com certeza, sócia.

Isabel Santos: aguardando, com carinho e expectativa, o que o nosso colega, pena de poeta, irá nos contar sobre mais essa sua aguerrida trajetória, de verdades, sensibilidade, emoção...

Rita Tavarez: Deu muita vontade de ler essas matérias!

Lucia Correia Lima: Me lembro que minha admiração por Jaciara Santos veio forte quando convivi com sua serenidade no meio de tantos loucos

Antonio Carlos Oliveira: Rapaz, texto saboroso. 

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Emiliano José

26 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: sobrevoo sobre área de Polícia anos 70

 

Antes de prosseguir com Jaciara, valho-me de José Barreto de Jesus, Barretinho.

Zé de Jesus Barreto, ele é também conhecido assim, foi meu chefe de reportagem, o primeiro, final de 1974.

Não me canso de repetir.

E de celebrar a serenidade dele, sabedoria, tranquilidade na chefia.

Andou pela "Tribuna da Bahia" entre fins de 1971 e início de 1975.

Eu andei entre outubro de 1974 a fevereiro de 1975;

Depois voltei, em outro momento.

Navega lembranças de editorias de Polícia, nosso território com Jaciara.

Ele lembra: ainda Quintino de Carvalho dirigindo a redação, o editor de Polícia da "Tribuna" era Almir - lamenta não se recordar do sobrenome.

Almir - um mulato, ao redor dos 30 anos, "doido de pedra mas respeitado como editor, e pelo ótimo, criativo texto."

Com ele, trabalhou Gracia.

Magrela, branquinha, retada, não comia reggae de ninguém, "bebia todas e era muito querida por todos".

Talvez tenha sido precursora - mulher em Polícia era incomum.

Eu, chegando, foca, ainda a encontrei na editoria, já sob o comando de Lula.

Como encontrei Chico - Chicachorro.

Também com chefe Lula.

Barretinho o define bem:

- Um preto de média estatura, um doce de criatura, divertido e querido por todos.

Além de tudo, bom goleiro no time de futebol de campo e de salão de que Barretinho participava.

Gostava de uma pinga. 

Barretinho também fala de Lula, sobre quem comentei:

- Lula, que depois foi para "A Tarde", parceiro de babas, bom de bola, repórter policial também dos bons, sabia onde dormiam as cobras.

Creio, a confirmar: Zé Fernandes, grande repórter, também trabalhou na editoria nessa época, sob direção de Lula. 

Paulo Roberto Tavares, também conhecido como Paulinho Bunda Podre, natural o apelido, não se assustem, foi repórter de polícia e também editor da área, na "Tribuna".

Foi, além disso, editor de Cidade.

Cheguei a receber  pautas das mãos dele, final de 1974.

Bunda Podre foi um dos fundadores d'Os Filhos da Pauta', jornalistas no carnaval, "escrevia bem, adorava uma farra."

Da turma da esbórnia.

Barretinho guarda uma recordação essencial:

- O grande repórter policial com quem trabalhei (eu já editor do JBa na Djalma Dutra, e depois em Pernambués, com Mário Kertész), foi Moacyr Ribeiro, fera.

Registra: conhecia o metier.

De cor e salteado.

Delegados, agentes, bandidos.

Sabia de bons e de maus.

Criativo, bem humorado, experiente, "artimanhoso que só", na expressão de Barretinho.

Testemunhei tudo isso, quando no JBa, nos anos 1970. ele editor de Polícia.

Registros aligeirados, a tentar dar um instantâneo parcial da área de Polícia no jornalismo impresso do período, visão restrita sobretudo à "Tribuna" e ao  "Jornal da Bahia", ausentes os demais jornais do período, como "A Tarde" e "Diário de Notícias".

Amanhã, prometo, volto à Jaciara, com muita história pra contar.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Outros nomes: Carlos Mota (sempre militou em rádio, mas um companheiraço de quem atuava em outras mídias), o saudoso Vicente de Paula ...

Mônica Bichara: ia falar isso, Vicentão, figuraça. Alguém tenta fazer contato com Moacyr, ele está aqui no Face. Já marquei, mas acho q não viu

José Fernandes: Não devemos esquecer de Valmir Palma, o Soretes, que fez história em A Tarde. Só bebia Brahma quente.

Jaciara Santos: isso! Valeu, Zé, pela lembrança.

Paulo Leandro: José Fernandes o sobrinho dele é subeditor de esporte do Correio, Miro Palma.

José Fernandes: também não se pode esquecer de Raimundo Machado. Foi meu primeiro grande mestre no Diário de Notícias.

Artur Carmel: Editoria de Polícia...Tive o prazer de trabalhar, lado a lado, com o grande Moacir Ribeiro, no JBa do Baixo Dutra. Experiente, valente e companheiro. Gracia 'Gracia Magra' foi quem primeiro me fez saber das "aventuras" do dia dia duma editoria de Polícia, quando já a conheci fora dos tabloides, atuando juntos na assessoria de comunicação do IPAC. Companheira solidária e boa de papo e de copo ! Ah...Glauber Rocha tb foi editor de Polícia.

Jaciara Santos: massa, Carmelito! E o anedotário da editoria de "puliça", gente? Lembrando agora que outro Moacyr, o Nery, editou a página durante muito tempo. Era cada história! E ele, com seu jeito peculiar de fazer relatos, parava literalmente a redação, quando relatava alguma "pérola" encontrada em uma ou outra matéria... Exemplo: certo repórter colocou no texto "(...) os meliantes (sic) adentraram (sic) o banco de surpresa, quando ninguém esperava (...)". Como se fosse normal estar em um estabelecimento bancário à espera de assaltantes. Ah, Nery fazia a festa...

Artur Carmel: Nery era uma figuraça ! Além do estilo 'júri de desfile de Carnaval' a voz dele era ótima pra contar as histórias. ríamos muito, no JBa.

Jaciara Santos: Importantíssimo esse registro, mestre Emiliano. Não cheguei a conviver com Gracia (pensava que era Graça), mas a conheci aligeiradamente. Temperamento forte, palavrão fácil, repórter das boas. Erival trabalhou com ela no A Tarde e costumava citá-la como exemplo de repórter investigativa. Eu acrescentaria a esse rol de ícones da reportagem policial nomes como Cristovaldo Rodrigues - mesmo sem formação acadêmica, dava um banho de profissionalismo em tod@s nós -, Berna Farias , Domingos Souza (outro que não alisou os bancos da Facom, mas era mestre nas manhas da polícia), Clécio Max ...Tem mais gente que a memória me trai no momento, assim que for lembrando, trago aqui. Um salve a todos e todas pioneir@s que pavimentaram a estrada por onde transita hoje a nova geração.

Nadya Argôlo: trabalhei com Moacir. Grande jornalista! Pessoa muito querida por todos...

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Emiliano José

27 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: repórter chora

 

Iniciava a coleta de dados a partir da fonte primária: jornais da época.

Tinha de se cuidar.

Pesquisador não pode deixar se guiar pelas primeiras impressões.

Botava os olhos nos jornais, e via-se contaminada pelo tom de condenação ao autor do crime, sem mais.

Boa repórter, olhava de soslaio pra tudo.

Após os jornais, leitura dos processos, seguia para as entrevistas.

Delegados, agentes policiais, juízes, promotores, familiares das vítimas, muitas vezes o próprio acusado.

E as visões se clareando.

Não, não se apressava em amenizar o crime, desculpar o ato.

Mas, ao fazer bom jornalismo, olhava todos os ângulos, via o outro lado.

Nesse movimento, foi descobrindo: nenhuma vítima é somente vítima, nenhum criminoso é somente criminoso.

Reparando bem, olhando de maneira larga, o autor do crime é também uma vítima.

Ao longo do trabalho, cavoucando tantos crimes, revolvendo histórias aparentemente esquecidas, revirando fundos de baús, mexendo com lembranças dolorosas, colecionou bom número de desafetos.

Afetos, menos.

Quando seguiu atrás do Crime do Edifício Saga, parte do extenso rol de homicídios jamais solucionados pela polícia baiana, sentiu o quanto era arriscado mexer em assunto considerado delicado.

Orlando Sérvulo de Albuquerque, 47 anos, homossexual assumido - para padrões da época, e até hoje em algumas rodas, um escândalo.

Foi morto.

Tudo apontava para um crime de ódio.

No desenrolar da história, contada em três capítulos, Jaciara resolve voltar ao local do crime.

Sempre arriscado.

Queria pouca coisa: apenas mostrar como estava o local, passados já mais de 30 anos.

Escorraçada.

Moradores não admitiam sequer tocar no assunto.

Razões de mercado: falar sobre o crime contribuiria para desvalorizar os imóveis do prédio, localizado à rua Carlos Gomes, 385, centro de Salvador.

Repórter não chora - parece mantra de jornalistas.

Besteira: chora.

Jaciara chorou ao deparar com o empresário Carlos Terra, cuja morte ocorreu em fevereiro de 2019 sem obter justiça pelo assassinato do filho, o adolescente Lucas Terra, 14 anos, por membros da Igreja Universal do Reino de Deus, em março de 2001.

Foi uma entrevista penosa, uma das mais comoventes vividas por ela.

Isenção?

Lucas Terra fora morto de forma cruel, perversa - necrópsia aponta abuso sexual.

Não bastasse, queimado vivo.

Crueldade pra ninguém botar defeito.

Ela, ouvidos atentos, caneta à mão, sentia as palavras dele entrecortadas por soluços e lágrimas.

Que pai não?

Muita dor.

Não foi coisa de Deus, não, como costuma dizer o povo.

Jaciara deixou as lágrimas correrem.

Isenção?

Pra porra.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Quem não chorou com esse caso affffff E pra quem estava envolvido diretamente na cobertura, apuração, então......Inacreditável ficar impune. Repórter chora, sim, impossível evitar a depender da pauta. E Jaci sempre brilhante, seu choro só aumentou minha admiração pela pessoa humana que não precisa se esconder atrás de nenhuma armadura

Isabel Santos: Chora, sim. E Jaci, essa eterna repórter, sempre firme, forte, transparente, ética ..., é um grande ser humano, cheia de compaixão, com um olhar profundo para o próximo, seja onde for. Esse caso de Lucas Terra, me causa muita emoção. Conheci a mãe dele, qdo esteve na redação da Secom, com livro sobre a triste trajetória do filho debaixo do braço, buscando vendê-lo para pagar os gastos com a investigação. Sensibilizou

geral. Muito triste mais essa indignidade, esse crime impune.

Jose Jesus Barreto: tudo isso, Isabel. Jaci é um ser especial, quero muito bem.

Jaciara Santos: Bel impossível não ficar mexida com uma situação como essa... Desmontei. Fiquei sem graça, em plena redação, chorando e fazendo as anotações...

Jose Jesus Barreto: a despeito da distância, um respeitoso amor eterno.

Jaciara Santos: Barretinho, ainda guardo alguns de seus bilhetinhos, meu chefe. Muito carinho entre nós.

Emiliano José: Jaciara Santos razão nenhuma pra ficar sem graça.

Graça Azevedo: Lembro de Carlos Terra no julgamento dos assassinos do meu menino. Prestando-me solidariedade. Quisera poder fazer o mesmo com Marion Terra.

Bruno Wendel: Jaciara me inspira. Sua coragem, sensibilidade e demais ensinamentos estão até hoje frescos em minha memória. Lembro de uma certa vez na redação do CORREIO (à época o Correio da Bahia), Jaci passava meu texto quando uma colega se aproximou e fez a seguinte pergunta: "Jaci, você que já cobriu tanto enterro, hoje nem se abala quando vai em mais um, né?". Então, Jaci, com toda a sua paciência do mundo, virou pra ela e disse; "Não, minha querida. No dia em que não me emocionar, eu rasgo o meu diploma!". E desde então, a frase não mais saiu da minha cabeça, tanto que a repito sempre quando me fazem o mesmo tipo de questionamento, mas dando o devido crédito à Jaci, minha mestre.

Jaciara Santos: Bruno, você sempre vai ser o meu BB. Não importa quantos prêmios receba nem o quanto tenha crescido. Sempre vai ser o meu BB. Te amo!

Mônica Bichara: Bruninho querido, cria de Jaci. Tive o privilégio de ser vizinha dessa editoria brilhante

Gilberto Nascimento: E o caso Lucas Terra continua sem solução. Triste!

Jaciara Santos: pois é... Triste Brasil!

Jaciara Santos: Ah, mestre... E você tirando a casquinha da ferida que eu julgava cicatrizada...

Emiliano José: não pretendia.

Gilberto Nascimento: Jaciara, grande repórter! Bela trajetória. Exemplar.

Jaciara Santos: Gilberto, lembrei de você ao mencionar o caso Lucas Terra...

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(Coluna Arquivo)

Emiliano José

28 de fevereiro de 2022

Jaciara Santos: matou a mulher, enterrou na laje

 

Lucas Terra ocupou seis edições do "Arquivo".

Jaciara ouviu familiares, advogados de defesa de Sílvio Roberto Santos Galiza, de acusação, delegado responsável pela investigação, entre tantos.

Galiza, na fase inicial, foi apontado como autor do crime.

Passado algum tempo, reviravolta: ele aponta os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda como autores do assassinato do garoto.

No vai e vem do Judiciário, somente Galiza cumpriu pena pelo homicídio.

Está em liberdade, por força do regime de progressão de pena.

No "Arquivo", feminicídios tinham amplo espaço.

Chamados assim, mas ainda não tipificados como tais.

A lei a caracterizar o crime de feminicídio é de 2015.

À época, mortes de mulheres decorrentes de violência doméstica ou quaisquer outras, ainda eram classificadas como homicídio.

Crimes bizarros, coisa de terror.

O caso Elisa mereceu quatro capítulos, entre 30 de março e 20 de abril de 2003.

Até hoje, ao passar pela Rótula do Abacaxi, sentido centro, Jaciara é mexida, sacudida.

Um frio na espinha ao olhar o casario do alto da encosta, à direita.

Meados de março de 1996.

O funcionário Abeljair da Silva Soares rompeu o silêncio da noite ao matar a mãe dos três filhos deles com um tiro na cabeça.

O cadáver, escondeu na laje superior do prédio onde a família vivia, sob um banco de cimento construído às pressas.

E tocou a vida, como se nada.

Durante sete meses, seguiu convivendo com os filhos e a namorada, apresentada como prima.

Ali, ao lado, o túmulo improvisado da mulher.

Familiares não acreditaram na história, insistiram com a polícia, e a investigação chegou à laje.

Pelo "Arquivo", passaram o famoso incêndio de Água de Meninos, a tragédia de Pojuca, o sumiço do encanador Jorge Luís Floquet, o latrocínio da socialite Vera Fraga, a morte do livreiro Argeu Costa, a chacina do Lobato, o crime dos policiais federais e o lendário caso da Morena do Abaeté, entre tantos crimes.

Três anos de trabalho exaustivo, mas pleno de emoção e prazer.

Veio a tempestade de dezembro de 2003.

Cortes orçamentários no jornal implicaram numa onda avassaladora de demissões.

A guilhotina chegou fortemente à editoria de Segurança - foram três dispensas.

Tudo mudou.

Passa a subeditora.

Não tinha mais como produzir o "Arquivo".

O marinheiro morto em Mar Grande, última matéria.

Assassinado por um policial militar em meio a uma briga generalizada na Praça do Duro, a principal de Mar Grande, distrito de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, em 28 de outubro de 2001.

"Arquivo" morria em 30 de novembro de 2003, com a morte do  marinheiro.

Gostar de continuar, gostaria.

Mas, jornalista está sempre submetido aos ventos e tempestades do mercado, às oscilações financeiras da empresa onde trabalha.

Quem não viveu isso?

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: No ar novo capítulo dessa série #MemóriasJornalismoEmiliano, tendo como protagonista Jary Cardoso. Um livro completo

Jaciara Santos: não sei o que é mais apaixonante: o autor, o protagonista ou a editora. Voto nos três!

Graça Azevedo: Acompanho a relatora.

Mônica Bichara: Falta de tino jornalístico da empresa para acabar um projeto desse. Era o coração da editoria, o que dava a cara, o diferencial da cobertura do setor. Uma pena

Jaciara Santos: ah, como eu sofri... Mas repórter não se governa. Dança conforme a música ou... dança!

Graça Azevedo: Uma lástima.  

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Emiliano José

1º de março de 2022

Jaciara Santos: juventude negra executada

 

Jornalista é explorado de todo lado.

 O grave, ou o melhor: gosta da atividade.

 Enquanto tocava o “Arquivo”, Jaciara produzia matérias especiais e entrevistas no formato ping-pong.

 Algumas, de grande repercussão.

 Mergulhou atrás dos grupos de extermínio.

 Organizações muito semelhantes às milícias atuais.

 Do trabalho, nasceu uma série.

 Cinco edições, entre 29 de março e 2 de abril de 2002.

 A série conquista dois prêmios: da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e do Banco do Brasil.

 Brinquedo não: agraciada ainda com menção honrosa no “2002 Kurt Schork Awards in International Journalism”, concurso de reportagens da Universidade de Columbia (Nova Iorque), na categoria Jornalismo.

 Ousada, Jaciara, na matéria, traça um mapa da atuação das organizações criminosas.

 Apresenta dois personagens marcantes.

 Um jovem que sobreviveu a um ataque de “justiceiros".

 E um policial militar integrante de um grupo de extermínio.

 O jovem restou paraplégico.

 Jaciara não esperava tanta repercussão.

 Algumas pessoas perguntavam, atônitas, se ela não tinha medo de envolver-se “com aquele tipo de gente”.

 Outras, elogiavam a coragem dela.

 Confessa: não é tão corajosa assim.

 A pauta nasceu da curiosidade.

 Desde o início do trabalho na editoria de Segurança, ficou intrigada com uma coisa: a impressionante quantidade de homicídios tendo jovens como vítimas.

 Claro: na periferia de Salvador.

 Locais de desova, é, assim chamados, sempre os mesmos.

 O crime cultivava um padrão.

 Os cadáveres abandonados em terrenos baldios eram sempre de adolescentes, ou jovens.

 Invariavelmente negros.

 Duplas ou trios - assim apareciam os cadáveres desovados, aos magotes. 

Ferimentos à bala na cabeça ou no peito, típicos de execução.

 A cada dia, Jaciara sentia o incômodo aumentar.

 Um incômodo a sufocá-la.

 Queria respostas.

 Foi perguntando aqui, ali, e confirmando: tais mortes não eram aleatórias. Tinham ligação entre si.

 E foi à luta.

 Descobriu: por detrás daquelas execuções sumárias havia uma rede de grupos organizados.

Protegia o pequeno e médio capital da periferia: comerciantes, lojas, armazéns, a pedir “limpeza de área”.

 E atendia a interesses de traficantes, também.

 Rede constituída por policiais da ativa ou da reserva.

 Dera o primeiro passo.

 Restava saber qual destino dar a tais informações.

 Refletiu: o “Correio da Bahia” era jornal do grupo carlista.

Como iria cavoucar um assunto como aquele?

 Iria bater de frente com a política de segurança do governo do Estado.

 Resolveu abrir-se com Erival Guimarães, o editor.

 Pensou: calça de veludo ou bunda de fora.

 Editor experiente, e no jornal havia bom tempo, conhecia o jogo interno todo, e surpreendeu-a:

 - A gente aqui não faz jornalismo chapa-branca. Faça sua parte, que qualquer bronca a gente segura com o editor-chefe.

 Não saiu dando pulos porque pegaria mal.

 Disposição renovada.

 Trabalho demorado – pela complexidade do assunto e porque combinava essa apuração com matérias do “Arquivo”.

 Só queria bater a lauda na mesa quando pudesse apresentar um personagem explosivo, incapaz de deixar dúvidas quanto à gravidade da denúncia.

 Não bastava o jovem sobrevivente, e paraplégico em decorrência do ataque de um grupo de extermínio.

 Ainda era pouco.

 Faltava um matador.

 Veio a greve da Polícia Militar de julho de 2001.

 E a cobertura daqueles dias tenebrosos.

 Numa busca, numa investigação, conta também a sorte...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Pense numa musa discursando e emocionando todo o público do prêmio do Banco do Brasil (vc não achou q eu ia deixar de me AMOSTRAR com uma cumade deslumbrante dessa, né Jaciara?)  

Jaciara Santos: Mônica, lembra que eu chamei Erival ao palco pra receber o prêmio comigo? Ficou engraçada a foto que o correio publicou: eu chorando e ele rindo...

Graça Azevedo: Sócia, como vc está linda! Orgulho de vc ser o que é.

Lucia Correia Lima: pioneira.

Liliana Peixinho: Foi o de 1999? Estava lá! O TCA lotado! Oh Saudades!

Jaciara Santos: tava bonita mesmo, reconheço...

Graça Azevedo: LINDA!

Isabel Santos: Lindérrima. Essa moça é uma lindeza só, de todas as maneiras. É muito emocionante o relato desse ímpar momento dessa minha querida amiga/irmã. Parabénnnns, sempre, Jaci. Mais prêmios tivessem...

Graça Azevedo: Isabel, concordo com vc.

Mônica Bichara: foi numa espécie de circo armado na Boca do Rio, no aeroclube

Jaciara Santos:  não, amiga. Foi 2003

Jaciara Santos: Olhando pelo retrovisor, vejo a ousadia do Correio em dar espaço ao assunto. O editor chefe Demóstenes Teixeira deve ter passado alguns perrengues, mas chegou junto comigo e com Erival Guimarães . Gratidão aos dois.

Mônica Bichara: Eitcha como lembro dessa série e desse prêmio. A comadre toda linda no palco fazendo o discurso emocionado, tremendo, e a gente chorando tb de emoção na plateia. Justa premiação, justíssima, a coroar tb a ousadia do Correio. Pena Erival não estar aqui pra acompanhar esse resgate (mas ele está, certeza, e orgulhoso da pupila)

Jaciara Santos: Ele jamais vai sair da minha lembrança e do meu coração.

Mônica Bichara: Sei disso, tem pessoas realmente inesquecíveis. Erival uma delas  

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(Série premiada sobre grupos de extermínio)

Emiliano José

2 de março de 2022

Jaciara Santos: o Máscara Negra

 

Cobria a greve da Polícia Militar.

Julho de 2001.

E foi ali: a sorte veio ao encontro de Jaciara.

Por dever de ofício, fez contato com alguns policiais naqueles dias tenebrosos.

Nessas ocasiões, às vezes, aparece uma fonte privilegiada, mão na roda.

Apareceu pra ela: conversando, conversando o policial passava todas as informações sobre o movimento, as ações em andamento e os locais dos crimes.

Pra quem não se recorda, foi um período de homicídios em série – mais de dez por dia na zona urbana.

Dias tenebrosos: não era apenas uma metáfora.

O policial – o informante dela – parecia estar a par de boa parte de tais homicídios.

A greve acabou.

Senso de repórter: Jaciara preservou a fonte.

De vez em quando, o policial ligava e passava alguma informação.

Sempre em off.

De tais informações, surgiam ótimas pautas.

Jaciara foi estabelecendo com ele uma relação de confiança.

Um dia, tomou coragem, foi pra cima:

- Você conhece alguém que atue como “justiceiro”?

Atenuou, usou de metáfora – preferiu “justiceiro” a matador, deixou de lado também o termo “grupo de extermínio”.

Tinha medo de assustar a caça.

O policial olhou pra Jaciara, sereno, sem mover um único músculo da face:

- A amiga está diante de um.

Sem chão – assim restou uma perplexa Jaciara.

Sopa no mel, objeto do desejo dela.

Não imaginava ocorresse dessa maneira, de inopino, sem rodeios, sem meias palavras, a seco.

E se fosse mentira?...

Simulou tranquilidade, não obstante quisesse o coração sair pela boca.

Ainda brincou, quem sabe tentando ela própria relaxar:

- Não acredito. Você está brincando comigo.

Ele puxou um cigarro, bateu com ele no isqueiro, acendeu, deu a primeira baforada, sereno, sereno:

- Como você acha que eu sabia daqueles “presuntos” que lhe falei na greve?

Jeito não: agora só restava atravessar o Rubicão.

Não tinha volta, ir em frente:

Coração em ritmo normal, serenidade recuperada, toma a iniciativa:

- Você me daria uma entrevista para uma matéria que estou fazendo sobre o assunto?

Policial aí sartou de banda, amarelou.

Ela rezou cartilha de jornalista séria:

- Jamais revelaria a sua identidade e ainda mostraria a matéria antes de publicar.

O policial, assuntando.

É sempre muito atrativo: 15 minutos de fama são sempre bem-vindos. 

Mas, ela disse precisar fazer uma foto.

Ele sartou de novo, aí pra valer:

- Foto, nem pensar. De jeito nenhum.

Jaciara, encurralando a caça, já cheia de coragem, incomum nela:

- Sem a foto não tenho como publicar a matéria.

Policial deve ter pensado: a moça diz manter segredo de minha identidade, e depois vem com história de foto,?  Aí vaca vai pro brejo.

Jaciara não piscou:

- Para dar credibilidade à matéria, uma foto é indispensável.

Sujeito começou vacilar, refletir, sabe como é qui é, né, reportagem assim me joga lá nas alturas...

Jaciara sentindo o sujeito nas mãos:

- Olha aqui, a gente fotografa, faz várias fotos, você faz a escolha da foto a ser publicada, não tem erro, tudo no acordo.

Já pegara as manhas, sabia como levar policial no bico.

Sujeito topou, ainda meio ressabiado.

Ela combinou tudo com Almiro Lopes, veterano, a carregar nas costas sugestivo apelido: Maguila.

Marcou-se em um local ermo, sinistro, e sujeito se deixou fotografar: rosto coberto por uma balaclava e de arma em punho.  Até orgulhoso.

Balaclava, pra quem não sabe, é a popular máscara ninja.

Nascia ali o personagem Máscara Negra

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Esse Máscara Negra foi um achado. Grande Maguila, grande dupla

Jaciara Santos: a verdade é que jornalismo é feito, como se diz em publicidade, de inspiração, transpiração e...sorte. Não necessariamente nessa ordem.

Jaciara Santos: Almiro Lopes, Marilton Santos, Paulino Jose Dos Santos vocês tiveram grande participação nessa pauta. Sem o apoio de vocês e de outros "parças", como o delegado Jose Walter Mendonça, talvez eu não tivesse obtido a confiança necessária para ir adiante na apuração.

Isabel Santos: Vamos lendo o texto e a expectativa sobre as decisões de Jaci, nessa grande investigação, aumentando.

Jaciara Santos: e o mestre Emiliano José sabe como criar suspense...

Graça Azevedo: Jaciara, vc é muito corajosa. Destemida!

Jaciara Santos: Sou nada, sócia. É a adrenalina da profissão, os desafios. Na hora, a gente nem pensa...

Jose Jesus Barreto: No exercício da profissão não somos nós, somos personagens, atores, temos um papel a cumprir. Sou um tímido, acanhado... como repórter era ousado, corajoso. Jaci pessoa, sei bem quem é, e a Jaciara repórter, essa destemida. Mulher retada. bjs. belos textos emilianicos! viva.

Jose Jesus Barreto: amo vc, jaci querida.

Jaciara Santos: disse tudo! 

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Emiliano José

3 de março de 2022

Jaciara Santos: espera tensa do veredito

 

Dias de inquietação.

Como se numa guerra.

Momentos de algum relaxamento, raros.

Restante, tensão.

Vida de jornalista.

Agora, Jaciara, afora as muitas pesquisas, leituras, tinha as duas faces da moeda nas mãos - regra de ouro do jornalismo: ao menos para jornalistas sérias.

Um sobrevivente.

Um ninja, matador.

Atirou-se à escrita.

Letra a letra, ia esculpindo a matéria.

Sofria, ao constatar tanta crueldade.

Que mundo, este.

Como os grupos de extermínio matavam, assim, como um simples ofício.

Olhava ao redor.

Pensava nos tantos amigos da periferia, de São Caetano, da Fazenda Grande, do Alto do Peru, juventude.

- Onde estarão meus amigos?

- Vivem?

Já fazia algum tempo saíra daquelas bandas.

Tinha saudades.

E tristeza quando pensava nesses amigos, quem sabe, amigos perdidos assim, quase destino inelutável, e não se perdiam por balas perdidas.

A matéria era parte de sua vida - nascera, pisara todo aquele chão, a dor e a alegria de ser periferia, aqueles meninos cheios de vida.

Como eram impiedosamente mortos.

Às vezes, escrevendo, brotavam lágrimas.

Jornalista imparcial, besteira - insisto.

Verdadeiro, sim.

Fiel aos fatos, sim.

Imparcial, nada.

Sempre tem lado.

Jaciara tinha.

Passou alguns poucos dias escrevendo.

Foi ao editor, Erival Guimarães.

Bateu as laudas na mesa, segura.

O editor pegou, folheou rapidamente, revelando quase estupefação, não obstante acostumado a tanta coisa.

Olhou serenamente para Jaciara, e informou:

- Vou submeter a matéria ao editor chefe.

Ela, tensa.

Gritantes as falhas na política de Segurança do Estado, tão gritantes a ponto de causar no espírito dela muitas dúvidas sobre a possibilidade de a reportagem ser publicada.

Segura da matéria, sim.

Do veredito, não.

Foi para casa.

A tensão aumentou.

Teve insônia, dor de estômago.

Ansiedade como nunca antes.

Não foi tanto tempo assim de espera.

Contado nos dedos, algumas horas.

O correr do tempo, varia.

Aquela espera sobre o veredito pareceu um século...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Aff... Parece até que voltei no tempo! Ansiedade, angústia da espera, incertezas... Você é um bruxo, mestre Emiliano.

Mônica Bichara: Dá pra sentir a tensão no ar, essa pauta daria um grande documentário, ou um senhor longa . Que personagens.......e que repórter a extrair o máximo de um caso escabroso, sem perder a ternura

Lucia Correia Lima: verdade reviver e sofrer de novo...

Graça Azevedo: Suspense pros leitores também, sócia.

Jaciara Santos: Mônica assim eu choro... Verdade. 

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(Uma das matérias da série premiada sobre ação de grupos de extermínio - Correio da Bahia)

Emiliano José

4 de março de 2022

Jaciara Santos: fogo assassino

 

Foi pra casa depois de entregar a matéria pro editor.

No caminho, as ideias embaralhadas.

A tensão diante do veredito por vir.

O que será que será...

A tensão pelas mortes.

No escrever, no descrever, vivia junto com os meninos, jovens mortos.

Sendo buscados de surpresa na noite, sob gritos e metralhas.

Amarrados, sob pancadas, torturas, ódio:

- Vagabundo!

- Viadinho!

- Fala que é valente, agora!

- Fala!

E os meninos pedindo:

- Não me mate!

- Me leve pra delegacia!

Nem podiam distinguir quem eram aqueles ninjas.

Lágrimas, os meninos chorando - voltavam a ser crianças, alguns ainda eram.

Amarrados brutalmente.

Jogados na traseira de carros - nada de viatura policial.

Justiceiro não quer dar bandeira.

E seguiam para a zona de desova.

Tiros na cabeça:

- Não vão incomodar mais ninguém!

- Ladrãozinho é pra morrer!

Chegou em casa pura tensão.

Puxou de uma banana na mesa, comeu, murmurou alguma coisa, e deitou.

Um enorme cansaço, não sabia de onde vinha cansaço daquele tamanho.

Ou sabia.

Não demorou a dormir.

Viu André, João, Tião - todos colegas de colégio.

Subiam o ladeirão saído do Largo do Tanque, a desembocar na entrada pra São Caetano.

Riam, brincavam, falavam das minas, os primeiros namoros, sensações

E de algumas paradas, quase inocentes.

De repente, encosta um carro.

Gritos corre não vagabundo o cano frio das armas na cabeça os três amarrados e jogados sob violentas pancadas no porta-malas do carro.

À toda velocidade, desova.

No sonho viu o mato baixo poucas árvores os meninos sendo arrancados brutalmente coronhadas na cabeça sangue jorrando espirrando na cara dos caretas eles nem aí divertindo-se os meninos mal conseguindo articular palavra.

- Perde tempo não - grita um dos justiceiros.

Um tiro na cabeça de cada um.

E então no sonho só fogo.

Os meninos ardendo em fogo.

Justiceiros não queriam deixar vestígios.

Só cinzas.

Ela olhando o incêndio, os corpos devorados pelo fogo, juventude em chamas, destruída.

Ainda quis ir na direção deles..

Caminhar para o fogo.

Os pés não saiam do lugar.

Tentava, tentava.

Nada.

Impotência

Chorava.

Muit1o.

Acordou no meio da madrugada.

Chorando.

A roupa, encharcada de suor.

André, João e Tião, tão vivos na memória, mortos no sonho, nem imaginava onde estivessem hoje.

Talvez vivos.

Talvez não.

O sonho-pesadelo levou-a de volta à juventude no São Caetano.

Ao destino tão duro dos amigos de escola.

Esperar o sol surgir e correr pra redação.

Saber do veredito.

Das lembranças do sonho, não conseguia se livrar...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Esse de hoje.......respirando fundo aqui pra tentar achar palavras, pra tentar entender pq tanto ódio

Jose Jesus Barreto: na veia! bjs

Jaciara Santos: Eita... Sei nem o que dizer. Você tem o dom de me deixar sem palavras e olhe que eu lido razoavelmente bem com elas...

Graça Azevedo: Penso nas mães impotentes. Quanta dor.

Jaciara Santos: A dor das mães é demais... Indescritível. E ontem, como hoje, as periferias continuam banhadas em sangue negro. A carne mais barata do mercado continua como produto descartável. E a dor das mães... Ah a dor das mães, essa dor não sai nos jornais, minha querida sócia Graça Azevedo

Mônica Bichara: Jaci, vimos agora essa dor estampada nas fotos do caso Gamboa, uma dor que dilacera a alma

Graça Azevedo: Até quando?

Jaciara Santos: até sempre, lamentavelmente...

Graça Azevedo: Emiliano José, o relato de hoje me derrubou. Pesadelos. Realidade. Tudo uma coisa só.  

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Emiliano José

5 de março de 2022

Jaciara Santos: a gente quer no destino mandar

 

Amanheceu.

Levantou como quem partiu ou morreu.

Atordoada.

O sonho a incomodava.

Como não conseguira arredar pé e ajudar os meninos?

Como não os tirara do incêndio?

Punha razão: foi só um sonho.

Adiantava pouco: sonhos às vezes grudam no espírito.

Quanto mais se tocam coisas da vida.

Quanto mais se envolvem assuntos com os quais está lidando.

Atordoada também porque no espírito se  firmava uma convicção.

- Minha matéria caiu - murmurava, enquanto preparava o café.

Só um cafezinho - fome não aparecia.

Afinal, como o jornal, tão vinculado à força política dominante no Estado, iria publicar material de confronto às práticas da polícia?

Afinal, os grupos de extermínio eram constituído por policiais.

Não havia dúvida.

E certamente tais grupos eram do conhecimento da Secretaria de Segurança - melhor fazer vistas grossas, deixar correr: certamente era o que pensavam as autoridades da área.

Como o jornal iria publicar um material dessa natureza?

Desacorçoada.

Como eram duros os jogos do poder.

Às vezes, jornalistas se sentem impotentes diante deles.

O sonho voltava: onde andarão André, João, Tião?

Tomara estivessem bem, tocando a vida.

Para atenuar o impacto do sonho, isso: imaginava-os bem, a vida sorrindo para cada um deles.

De repente, Erival irrompe na redação.

Frio na espinha.

Voltou Roda Viva:

Tem dia que a gente se sente como quem partiu ou morreu a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu a gente quer ter voz ativa no nosso destino mandar mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá...

Ah, Chico, só você para mergulhar em nosso espírito - ela pensava: queria ter voz ativa.

Erival irrompe na redação.

Quase para a respiração.

E ele:

- Jaci, o chefe deu o OK.

Não saiu pulando pela redação por acanhada, contida.

Vontade teve.

O editor deu a sentença:

- Vamos soltar essa porra hoje!

Sensação, sentimento de quase-vingança.

Um voz falaria por aqueles meninos.

Reverberaria os sonhos e desejos deles, um dia acalentados.

Incluindo os de André, João, Tião...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: Mestre Emiliano e a imersão poética... Falando assim, até parece, né? Ai, aqueles instantes até ouvir de Erival Guimarães "vamos soltar essa porra hoje!". Falar a verdade, mesmo acompanhando a edição e fechamento da primeira matéria da série, fui pra casa ainda com o coração na mão. Só relaxei quando vi a publicação no dia seguinte... Agora era de a vera. Não tinha volta.

Graça Azevedo: Que vitória linda, sócia querida.

Jaciara Santos: Verdade, sócia! Foi uma vitória. Somente possível com o apoio (e coragem) dos queridos Erival Guimarães e Demóstenes Teixeira .

Mônica Bichara: verdade, foi um teste pro coração e para o profissionalismo. Vitória do jornalismo sério

Graça Azevedo: Com certeza, Jaciara! Arrepiada com a narrativa!

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(Versão em inglês da matéria que ganhou menção honrosa da Columbia University)

Emiliano José

6 de março de 2022

Jaciara Santos: coração na mão

 

Alegria.

Muito bom saber da liberação da matéria.

Acompanhou a edição e o fechamento da primeira matéria da série.

Foi pra casa.

Relaxada?

Nada.

Coração na mão.

Jornalista de impresso vive sempre um tenso intervalo de tempo: aquele entre a saída da redação e o dia seguinte.

Às vezes, sai todo empolgado, tudo certo, amarradinho, matéria sairá amanhã, e no dia seguinte olha primeira página pra ver se há alguma chamadinha, paciência, não há, vai pras páginas internas, procura procura e nada, e aí desolação total.

Ela, na expectativa.

Sem direito a euforia.

Não dormiu bem.

Sabia da possibilidade de alguma pedra no meio do caminho.

Sossegar mesmo só quando cedinho, dia seguinte, deparou com o título:

"Polícia declara guerra aos 'justiceiros'"

"Correio" publica a primeira matéria da série no dia 29 de março.

O título podia não ser o dos seus sonhos.

Forma de a polícia tirar o corpo fora.

Como se nada tivesse a ver com os "justiceiros".

Todos sabiam: organização criminosa vinha das entranhas da polícia.

O importante, no entanto, era ver o material começar a ser publicado.

Viriam mais quatro matérias.

"Matadores tinham lista com 70 jurados de morte".

"MÁSCARA NEGRA: 'Eu ajudo a limpar a sujeira da sociedade'".

"Sobrevivente denuncia ação de 'justiceiros'".

"Índice de homicídios no país é dos mais altos do mundo".

Títulos mais quentes, como se vê.

Entrevista com MÁSCARA NEGRA, publicada no domingo, 31 de março.

Segunda-feira, Jaciara vai aos Aflitos.

Comando da Polícia Militar, Quartel dos Aflitos - sugestivo, adequado nome.

Dever de ofício: ouvir a instituição sobre as denúncias.

A denúncia tivera uma sustentação vigorosa a partir de um soldado da ativa.

MÁSCARA NEGRA, o soldado, assumira ser membro da organização criminosa.

Como se fosse hoje: ao chegar à antessala do comando-geral, Jaciara sentiu-se observada, olhada com curiosidade, por praças e oficiais.

Todos olhavam-na de uma forma estranha, alguns com estupefação.

Alguns deviam pensar: que coragem a dessa moça.

Não obstante, eram olhares sem hostilidade - assim, menos tensão.

Um porta-voz a recebeu de modo afável.

Puxou conversa, educadamente, enquanto o comandante não chegava.

Era o tenente-coronel André Souza Santos.

Besta nem nada, o oficial, conversa vai, conversa vem, assim como quem nada quer, querendo, pergunta:

- Como é que você chegou ao MÁSCARA NEGRA?

Jaciara recitou cartilha do jornalismo para ele: era dever dela preservar a fonte...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: - Como é que você chegou ao MÁSCARA NEGRA? hahahaha só rindo, era tudo q eles queriam saber. Só se fosse Jaciara mesmo que iria abrir o bico

Jaciara Santos: agora tô rindo, mas foi engraçado não...

Isabel Santos: Mônica, pois é, só se fosse...

Jaciara Santos: Bem assim... Mais relaxada, mais confiante. Foi bem interessante o papo com o comandante da PM-BA. Que, diga-se, um gentleman.

Jaciara Santos: Antonio Jorge Ferreira Melo , mestre obrigada pela ajuda no resgate das memórias. Abraço.

Antonio Jorge Ferreira Melo: Jaciara, honrado com essa pequena possibilidade de ajudar, mas, mais honrado ainda com a sua distinção própria dos espíritos altruístas

Jaciara Santos: o senhor é um querido.

Graça Azevedo: Muita calma nessa hora...

Isabel Santos: Imagino a 'angustia', a expectativa da amiga. A espera pela publicação de uma matéria 'mexe com os nervos', como s diz, imagino essa, hein, Jaci?

Jaciara Santos: aff... Foi uma eternidade

Joaquim Lisboa Neto: Fio da navalha 

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Emiliano José

7 de março de 2022

Jaciara Santos:  terror e medo na cobertura policial

 

Foi encaminhada ao comandante-geral da PM, coronel Jorge Luiz de Souza Santos.

Jaciara registra a postura educada do oficial:

- Um gentleman.

O comandante, no entanto, estava no canto do ringue.

As matérias o colocaram nessa situação.

A ele e a corporação.

Precisava conseguir informações destinadas a mexer-se bem no tabuleiro.

Vivia uma situação desconfortável.

Quem sabe, com jeito, consegue alguma coisa com a repórter.

Esperança é a última que morre.

Passados os prolegômenos, educado mas incisivo, foi pra cima de Jaciara:

- Seus informantes são mais competentes do que os nossos.

Ela, ouvindo.

- Se a senhora identificasse alguns desses elementos nos prestaria uma ajuda inestimável no combate a esse tipo de crime.

Respira fundo, pensa alguns segundos, e enfrenta serenamente o comandante, sem alterar a voz, polida:

- Coronel, eu trabalho com informações, mas não tenho informantes. E como o senhor sabe, não posso quebrar o sigilo da fonte.

Audiência acabou.

Tudo muito bem, tudo muito certo, muita educação, civilidade no trato.

Mas Jaciara saiu do Quartel dos Aflitos morta de medo.

Imaginava a possibilidade de sofrer alguma pressão mais forte.

Sentia uma atmosfera ruim no ar.

Na saída, surpreendeu-se: as pernas tremiam.

O corpo, indiscreto, trazia à tona o medo.

Dias se passaram, e felizmente era um engano – nenhuma represália.

Jaciara preservou a fonte, manteve a relação cordial com a PM, e a série “Grupos de Extermínio” não sofreu qualquer interferência.

Quem disser “repórter policial é necessariamente uma pessoa corajosa” está incorrendo em erro.

Pode ser, mas não necessariamente.

Jaciara confessa: entrou em situações de risco pela necessidade de trazer a notícia, não por corajosa.

Coragem?

Sabe de nada, inocente.

Passou por alguns perrengues capazes de pôr à prova a falácia da coragem no jornalismo policial.

Um deles, no bairro do Uruguai, em Salvador, Península de Itapagipe, um dos bolsões de pobreza da Cidade Baixa, antes integrante do complexo de palafitas conhecido como Alagados.

Março de 2002.

Jaciara de plantão no final de semana.

Sábado, dia 16.

Cobre o sepultamento do soldado da Polícia Militar, Edney Ribeiro da Silva, 28 anos, morto a tiros na sexta-feira à noite, no bairro do Uruguai.

Ao final da cerimônia fúnebre, no cemitério da Quinta dos Lázaros, no bairro da Cidade Nova, movido pelo desejo de vingança, um grupo de policiais, colegas da vítima, foi ao Uruguai com o objetivo de fazer justiça com as próprias mãos.

O grupo vingador seguiu numa Kombi, num VW Voyage, e em duas motocicletas.

Armado até os dentes.

A quadra de futebol do Conjunto Habitacional João Paulo II foi escolhida como praça de guerra pelos vingadores.

Fica atrás da Igreja de Nossa Senhora dos Alagados, inaugurada pelo papa João Paulo II em julho de 1980, durante visita à capital baiana.

O campinho fervia – muita gente, como de costume.

Os jogadores do baba, e torcida, muita cerveja.

Os “justiceiros” saltaram dos veículos atirando.

Todos à paisana, mas não havia dúvida: eram policiais.

Alguns de balaclava – as famosas máscaras ninjas, para esconder os rostos.

Outros, nem aí: cara limpa, pouco se importando fossem identificados – tamanha a sede de vingança.

Correria, choro, gritos, terror.

Saldo: um morto – o adolescente Vanderson de Jesus Oliveira, 17.

Dois feridos: José Henrique dos Santos Alves, 19, e Paulo Paixão Silva, 37.

Nenhum deles envolvido com a morte do soldado Edney...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: mestre Emiliano e as reticências... aguardem o próximo episódio rs rs rs

Antonio Jorge Ferreira Melo:Todos os homens e mulheres têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem. A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo.

Jaciara Santos: sempre sábio, mestre. Adooooooro.

Graça Azevedo: É assustador!

Isabel Santos: Que horror. Assim ainda agem os que se acham acima...de que mesmo?

Jaciara Santos: pois é, mas a pressão é sutil. Vem em meio a cafezinhos, água, elogios...

Isabel Santos: Infelizmente. 

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Emiliano José

8 de março de 2022

Jaciara Santos: revólver maior que o menino

 

Um dos maiores desafios do Brasil é o da segurança pública.

Para pensar apenas na polícia, ela foi, e é, educada para encarar o povo como inimigo.

Age assim cotidianamente.

E mata.

E as vítimas largamente preferenciais, os jovens.

Jovens e pobres.

Jovens e negros.

Jovens e moradores das periferias de nossas cidades.

Chegar a uma sociedade democrática reclama necessariamente mudança radical na política de segurança.

Política de proteção à cidadã, ao cidadão.

Exclusão da ideia do povo como inimigo.

Vocês viram: os vingadores chegaram atirando a torto e a direito.

Ataque ao povo do Uruguai, o bairro onde o soldado fora morto.

Uma vingança a esmo.

Queriam sangue.

Jaciara, na sequência do plantão de final de semana, domingo, sabe de manifestação de moradores do Uruguai.

Estavam em pé de guerra, indignados com o ataque dos policiais.

Morte de um adolescente e ferimentos graves em mais dois moradores do bairro.

Chegaram, desceram do carro, e se viram cercados: ela, o motorista Marilton Santos e o fotógrafo Almiro Lopes.

Um cerco de gente muito agitada.

Mais agitada ainda por causa da ligação do jornal com o governo do Estado.

Gritaria.

Jaciara, cercada, tentava manter a serenidade, apesar da tensão:

- Calma, pessoal. Se vocês falarem ao mesmo tempo, eu não vou conseguir entender o que está acontecendo...

A frase ficou suspensa no ar.

Num relance, vê um menino negro, franzino, não mais de 12 anos, com um revólver na mão.

O revólver era gigantesco.

Hoje, pensando melhor, duvida de si mesma.

Não tem certeza se o revólver era assim tão grande ou o menino muito pequeno.

Sabe, isso sabe: era gritante a desproporção entre a arma e o menino.

Ganhou coragem e encarando o menino disse:

- Olha, se você não guardar esse revólver, a conversa para aqui. Eu morro de medo de arma.

Menino colocou o berro no cós da bermuda e o ocultou sob a camisa.

Ao menos ela não via a arma.

Não deixava de pensar nela, mas não via. 

Começava a se preparar para retomar a conversa, a apuração, e o círculo se abriu de súbito.

Um tropel, gente correndo em todas as direções.

Um furdunço.

Não entendia a razão, não entendia nada.

Por via das dúvidas, correu também.

Sem saber por que corria.

Nem pra onde estava indo.

Só corria.

Desorientada.

Vê então um casebre com um portãozinho, a se abrir para um pequeno jardim, uma lâmpada acesa na fachada.

Uma casa muito pobre...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Graça Azevedo: Haja coração pra tanto suspense! Ainda bem que Jaciara está bem viva pra acalmá-lo!

Jaciara Santos: mestre Emiliano mata a gente de ansiedade, né, sócia? Rs

Graça Azevedo: É vero!!

Jaciara Santos: Experiência inesquecível...

Lucia Correia Lima: O maior desafio do Brasil é a distribuição de renda tendo como consequência natural o planejamento familiar

1. O banqueiro tem UM FILHO

2. O gerente tem DOIS FILHOS

3. A faxineira tem SEIS FILHOS com pais ausentes. 

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Emiliano José

9 de março de 2022

Jaciara Santos: medo e coragem

 

Mulher corajosa.

Jaciara é.

A vida me ensinou o quanto é complexa a relação entre medo e coragem.

Enfrentei variadas espécies de violência.

As impostas pela dureza da existência, vividas pelos pobres.

E a violência bruta, tal e qual, sangue escorrendo, o corpo a sentir, a alma a gritar, o medo a cercar.

Quiserem, está tudo n'O cão morde a noite', mínimos detalhes.

Ao enfrentar a violência descontrolada, desmedida, compreendi: o ser humano tem forças desconhecidas dentro de si.

Medo, não há quem não sinta.

Coragem, esta se revela ao enfrentar seu par, o medo.

Ao defrontar-se com o medo, e resolver enfrentá-lo, a coragem domina a cena - você domina a cena.

O medo, então, fica a um canto, encolhido, à espera de outra chance.

Pode ressurgir.

E você voltará a buscar as forças da coragem, ancoradas muitas vezes na dignidade, nas razões da ética, da moral, na força de ideais, e outra vez, vencerá o medo.

Assim, Jaciara: mulher corajosa.

Mostrou isso ao longo da vida - inclusive na vida de repórter.

Jornalista íntegra, ética fundada em valores rigorosos, amante da verdade, utopia perseguida a cada dia.

Então ela viu aquele casebre, aquele portãozinho, aquele pequeno e bem cuidado jardim, aquela lâmpada acesa na fachada.

Rompeu o portãozinho.

Bateu na porta.

Como quem quer arrombar.

Desesperadamente.

Queria abrigo.

Nada.

Povo da perifa abre porta pra ninguém não.

Nem nunca.

Abrir, pode pintar polícia e o diabo a quatro e tiros pipocando e morte e depois o papo bala perdida.

Nada.

Olhou para trás.

Olhos esbugalhados, compreendeu a razão de tanta correria: uma meganhada de armas em punho.

Gritando e perseguindo as pessoas.

Encurralada, adotou procedimento de praxe para uma jornalista: ergueu as duas mãos - numa, o crachá; noutra, o bloquinho de anotações.

E gritava:

- Eu sou repórter!

- Estou trabalhando.

De vez em quando, Jaciara depara com um anjo da guarda.

Ouviu sujeito gritando, dirigindo-se aos policiais militares com suas armas engatilhadas:

- É a minha repórter!

- É a minha repórter!

Conseguiu por um momento tirar os pés do chão e correr pros braços dele.

Os dois se abraçaram.

Marilton Santos, motorista e anjo da guarda, arrastou Jaciara para o carro - as pernas não obedeciam, por mais ela quisesse.

Experiência única.

A mais arriscada de toda a cobertura policial feita por ela.

Nas palestras, rodas de conversa de que participou, sempre rolava uma pergunta, sobretudo houvessem estudantes e novos jornalistas:

- Você já sentiu medo durante alguma cobertura?

Ela, de bate-pronto, respondia:

- Nunca.

Admiração da plateia.

Mas, ela logo secundava:

- Senti depois. No decorrer, mais das vezes adrenalina não deixa.

E aí aconteceu o assassinato do pai filósofo pelo filho psiquiatra...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Eu não daria um passo

Jaciara Santos: oxe, os joelhos tremendo até hoje kkkkkk. Se não fosse Marilton Santos ...

Jaciara Santos: No olho do furacão, não dá tempo de ter medo. Rola umas aflições, um descontrole, adrenalina em alta. Agora, depois...

Graça Azevedo: No olho do furacão! Que Jaciara é essa, minha Iansã?

Lucia Correia Lima: Como as aparências enganam. Tinha uma imagem de Jaci de uma forte mulher pelo olhar. Mas sua serenidade sempre me fez pensar ser a colega uma boa editora ou copy. Esta coragem estava talvez caminhada na serenidade.

Isabel Santos: Coraaaaaajosa. É só aplausos para essa querida destemida repórter.

Jaciara Santos: corajosa, nada. Sou tão frouxa... O trabalho é que leva a enfrentar algumas situações limítrofes. Mas, depois que a adrenalina baixa, haja tremedeira rs rs   

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(Caso do médico Breno Castro)

Emiliano José

10 de março de 2022

Jaciara Santos: numa cobertura, a perda da paz

 

Apreensão.

Foi esse o sentimento de Jaciara ao fazer a cobertura da morte do famoso advogado, professor baiano, filósofo Auto José de Castro, 78 anos, assassinado a tiros pelo filho, professor universitário e médico Breno Mário Mascarenhas de Castro, então com 43 anos. Caso aconteceu na noite de 22 de abril de 2002, uma segunda-feira.

O filho morava sozinho em apartamento do Edifício Catarina Paraguaçu, no bairro da Graça.

Estava separado da mulher havia um ano.

Auto de Castro fora ao local com o objetivo de tentar convencer o filho a buscar atendimento psiquiátrico. Breno apresentava sinais de depressão e costumava andar armado.

Acompanhado do mecânico Diógenes Santos Lopes, amigo da família, ambos foram recebidos a tiros.

Auto de Castro recebeu cinco tiros no peito e morreu.

Santos Lopes, baleado no abdômen, conseguiu sair do local e avisou a polícia.

Breno de Castro, preso em flagrante.

O medo sentido por Jaciara não era físico.

Não, o autor estava preso.

Era terror psicológico.

Breno de Castro conseguiu o telefone do jornal e ligava para ela seguidamente.

No início, foi bom.

O contato rendeu uma entrevista exclusiva – e naquele momento toda a mídia queria falar com ele.

Ela teve o privilégio.

Mas o preço a pagar foi caro.

Nos telefonemas, ele passou a fazer exigências difíceis de serem cumpridas, como a de entregar cartas a uma pessoa com quem ele fantasiava ter uma relação.

Era agressivo ao telefone.

E Jaciara não sabia como se desvencilhar.

Tentava.

Quando impossibilitada de atender as ligações por estar envolvida com algum trabalho, pedia para dizerem que não estava.

Nada.

Ele não desistia.

Telefonava seguidas vezes.

Jaciara cedia.

Ele então começava em tom de ameaça:

- A senhora mentiu para mim, eu não admito mentiras.

Foi tenso, muito tenso.

Até ele ser privado do uso do telefone.

Aí, Jaciara recuperou a paz.

Ainda hoje, 20 anos passados, tem dificuldades de lidar com o assunto.

Remexendo os arquivos dela, deparou com a entrevista feita com Breno Mário de Castro, então recolhido a uma cela especial do Presídio de Salvador, no Complexo Penitenciário, bairro da Mata Escura.

Publicada em 12 de maio de 2002.

Título: “Estão tentando arguir minha inimputabilidade.”

A partir desse título girou a conversa de aproximadamente duas horas, na sala da diretoria do presídio. Insistência dele: matou o pai de forma consciente.

Rechaçava a condição de paciente psiquiátrico.

Em momento algum, tentou eximir-se de responsabilidade.

Não manifestou arrependimento ou remorso por ter matado o pai. À primeira pergunta dela sobre como estava se sentindo, respondeu estar bem, apesar das acomodações desconfortáveis:

- “Até essa rápida adaptação confirma o meu atual estado de tranquilidade: tenho dormido sem medicação. Quanto à alimentação, posso dizer que é melhor que a do Hospital Juliano Moreira, na época que trabalhei lá."

Ao longo da entrevista, embora acusasse várias pessoas de tê-lo magoado, não chegava a demonstrar sentimentos como mágoa ou rancor.

Parecia sempre falar de outra pessoa, e não de si.

Até mesmo ao mencionar o crime não demonstrou emoções. Justificou o ato como única forma de se livrar do jugo paterno. Lamentou o fato de ter ferido outra pessoa – o mecânico Diógenes Santos Lopes.

A entrevista alcançou grande repercussão.

Não valeu, no entanto, o preço pago por Jaciara.

Ganhou matéria a lhe dar destaque.

Ao preço de perder a paz por longo tempo.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Iracema Santos: Lembro bem desse fato e como foi o seu desgaste emocional. Cada dia lhe admiro mais.

Jaciara Santos: terrível. Eu tremia só de ouvir o toque do telefone...

Gorette Brandão: Impressionante caso dos bastidores da notícia. Ninguém imagina o duro que é.

Jaciara Santos: o outro lado do outro lado da notícia rs rs

Ligia Maria Vieira da Silva: Uma tragédia

Mônica Bichara: Affffff só de imaginar vc passando por isso, comadre, dá pra avaliar todo o peso dessa pressão psicológica no dia a dia, o terror que deve ter enfrentado e sem dividir com a gente. Eu trabalhava no mesmo jornal e você me poupou, foi? Nunca soube disso. Acho que teria perdido o sono junto. Te amo, minha Jaci

Jaciara Santos: mesmo sendo irmãs, a gente separava as coisas rs rs. Eu era da cozinha, do Carandiru, do Anexotan e tantos outros apelidinhos que dávamos ao espaço em que ficava a editoria de Segurança. Você era da sala de visitas, Economia, espaço nobre kkkk

Lucia Correia Lima: VERDADE. A editoria de polícia sempre sofreu preconceito. E foi quem me salvou da paranóia pós prisão política com 16 anos . Quis voltar a trabalhar à tarde, pois retornando das madrugadas de SP onde fechava o jornal a 1h. Queria mudar relógio biológico indo p equipe da manhã. Mudei e vi que as pautas da tarde eram as manchetes. Waldemir Santana, para me punir, pois desde a volta ele me queria com ele à tarde, me mandou fazer polícia por um mês das férias do titular. Aí me curei vendo que na polícia também havia humanos...

Jaciara Santos: análise perfeita!

Lucia Correia Lima: desconhecem que Nelson Rodrigues era de polícia e esporte...

Mônica Bichara: essa editoria chefiada por Erival nunca foi o Carandiru - lembro do Anexotan. Não está perdoada. A virginiana raiz poupando a canceriana chorona

Jaciara Santos: Até hoje esse trabalho me assombra.

Emiliano José: passe a caneta, apesar disso

Graça Azevedo: Até doido vc aguentou. Sócia, vc passou por cada uma...

Isabel Santos: Ah, minha querida amiga/irmã, quantas experiências nessa jornada, e vc firme, persistente, aguerrida... na sua competência. Muito orgulho dessa profissional de parabéns e prêmios eternos. Como diz Emiliano José, não tem apesar.

Jaciara Santos: ah sócia, essa experiência aí foi bizarra. Foi meu limite.

Graça Azevedo: Imagino o terror.

Jaciara Santos: pode deixar, mestre. Tudo nos conformes.

Jaciara Santos: obrigada, irmã, mas está demonstrado que não sou essa fortaleza toda...

Isabel Santos: É mais do que vc imagina. Sua história prova

Lucia Correia Lima: Repórter profissão perigo

Jaciara Santos: faz parte, né?

Lucia Correia Lima: Para quem tem o compromisso com a notícia. Muitos entram na profissão p viajar ou tietar em todos os níveis e tipos de poder.

Isadora Browne Ribeiro:Toda profissão tem seus perrengues, mas jornalista pode se meter em problema, hem? Queria, não!

Jaciara Santos: é fato: profissão de risco.

Isadora Browne Ribeiro: Jaciara não duvido. Mas um dia eu lhe conto quando o tio de um aluno meu foi ao colégio armado para me eliminar. Não fosse muita cumplicidade, eu teria sobrado!

Jorginho Ramos: Lembro- me dessa fato e sua repercussão. Auto de Castro era referência para muitas gerações de advogados por ter sido um dos grandes mestres da Faculdade de Direito da UFBA. Tinha também ensinado durante décadas no legendário Colégio da Bahia, no tempo em este estabelecimento tinha em seu quadro docente os maiores luminares da Bahia. Lembro-me também que o JBa. (graças âs reportagens de Jaciara Santos) fez a melhor e mais completa cobertura desse fato. Agora verifico o quanto lhe custou tal desempenho profissional ! Eis uma grande repórter !

Emiliano José: Jorginho, nesse caso foi o Correio

Jaciara Santos: obrigada, amigão.

Lucia Correia Lima: São muitos os casos onde a inveja que o filho tem dos pais, leva a assédios, calúnias e nos casos mais graves à tragédias

Gabriela de Paula: Uau, Jaciara. Imagino como isso deve ter tido um preço alto. Depois, falamos dos riscos da profissão e acham que é besteira.

Jaciara Santos: Pois é... E nem dá pra dimensionar o alcance do terror psicológico. 

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Emiliano José

11 de março de 2022

Jaciara Santos: maldade humana

 

Há uma dor submersa.

Uma ou outra vez, ela aparece, espetacularizada.

No entanto, é muito mais ampla.

Corre silenciosa, e esquecida.

A dor das mães.

Mães órfãs – um paradoxo.

Aquelas órfãs dos filhos, partidos cedo pela violência, a surgir de variada maneira.

Violência da polícia, a matar jovens, muito jovens, a matar crianças com balas denominadas perdidas, a matar pobres, negros das periferias de nossas cidades.

Violência do crime organizado, brinquedo não, e a população no meio do fogo cruzado às vezes da polícia e das facções a se espalhar Brasil afora.

Violência nascida da maldade humana, da perversidade, da crueldade, a atingir mães por esse Brasil afora.

Trabalhando no governo da Bahia na área de Direitos Humanos entre 2017 e 2019, pude testemunhar de perto dores profundas de tantas mães.

Jaciara, na passagem pela editoria de Polícia, viveu tudo isso de perto.

Houve casos a perturbá-la, mexer com cabeça a ponto de levá-la a refletir sobre o ser humano e suas maldades.

Para sofrimento dela, algumas coberturas levaram-na a descobrir semelhanças do tal ser humano com os animais irracionais.

Ela, no entanto, na reflexão, concluía estar sendo injusta com os animais, incapazes de crimes hediondos.

Costumo reagir quando me falam da tortura como crime desumano – digo sempre: a tortura é demasiadamente humana. Animais não torturam semelhantes. Matam, por sobrevivência ou por instinto de defesa.

Freud trabalhou muito isso.

Nem sempre a civilização chega às pessoas.

O instinto violento, cruel, nem sempre é dominado.

Entre os humanos, são várias as motivações alegadas para matar, tirar a vida do outro:

- Diferentemente do bicho, o homem traz em si o germe da maldade, que se manifesta de formas as mais bizarras.

Ao dizer isso, Jaciara recorda-se de um caso capaz de revelar o lado mais sombrio da natureza humana.

Julho de 2006.

Ela, subeditora da editoria de Segurança, como chamada a editoria de Polícia no Correio.

Não fazia matérias do dia a dia.

Às ruas, só em circunstâncias especiais.

Só punha os pés fora da redação quando atraída por alguma história – como subeditora, tinha autonomia para ir atrás.

Ou quando o editor Erival Guimarães queria reforçar a equipe de reportagem.

Foi assim com o desaparecimento do economista e consultor da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Vitor Athayde Couto Filho, visto com vida pela última vez em 10 de julho de 2006, uma segunda-feira.

O caso ganhou ampla repercussão.

Durante bom tempo, esteve envolto numa aura de mistério.

O jovem economista, referência na área de agricultura familiar e desenvolvimento agrícola, cursava doutorado em Administração na UFBA, depois de ter feito o Mestrado em Economia na Unicamp.

Não tinha inimigos.

Não desenvolvera relacionamentos malsucedidos.

Não se envolvera com qualquer tipo de atividade considerada ilícita.

Não tinha assim o perfil clássico de vítima de um ato premeditado de violência.

Amado e respeitado.

Bem situado socialmente, pertencia a uma tradicional família baiana – neto do engenheiro civil, ex-deputado e professor universitário Vasco Azevedo Neto (1916-2010), e bisneto do engenheiro do Ministério de Viação e Obras Públicas e também político Vasco Azevedo Filho (1892-1982).

A relevância do desaparecido levou a polícia a ir fundo nas investigações.

Jaciara é testemunha do empenho do delegado José Walter Seixas, coordenador da Polícia Interestadual (Polinter), e da delegada Francineide Moura, titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV).

Eram, ambos, muito competentes.

Seixas, no caso porque o Setor de Desaparecidos integrava a estrutura da Polinter.

Moura, por causa do sumiço do carro do economista, Fiat Palio verde, placa JPB-7716, a sugerir um crime contra o patrimônio, talvez um sequestro.

Decorridos sete dias do desaparecimento de Vitor Athayde, um colega chega à redação...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Muito forte este caso. Mais forte ainda pelos desdobramentos...

Mônica Bichara: Triste esse caso, muito triste. Tensa pelos próximos capítulos

Isabel Santos: Já com o coração triste com esse relato, sei que vou me emocionar com o que vem por aí. Na expectativa. Independentemente de toda sua garra, competência, Jaci, acho que vc teve muito amparo espiritual para suportar ver/constatar/vivenciar...tantas coisas 'brabas', tantas injustiças ao longo das suas investigações. Viva você. Bjos

Lucia Correia Lima: Olha! É uma "tortura" o texto acabar neste suspense. Vou deixar p ler no Pilha Pura. De vez 

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(Caso Vitor Athayde )

Emiliano José

12 de março de 2022

Jaciara Santos: repórter tinhosa

 

O colega entrou esbaforido na redação.

Decorridos sete dias do desaparecimento de Vitor Athayde, garantia ter informação quente sobre o caso.

Estava um pouco assustado.

Redação inteira ali, em torno dele, para ouvir.

Caso é o seguinte: havia uma diarista.

Trabalhava na casa dele.

E era irmã de um dos suspeitos de envolvimento no sumiço do economista.

Era dia 17 de julho de 2006.

Jaciara, habilidosa, jeitosa, sempre teve boa relação com a delegada Francineide Moura, uma das encarregadas do caso.

Claro: relação entre jornalista e delegada nunca é reino sem conflitos.

Volta e meia, as duas se estranhavam.

Os estranhamentos, no entanto, jamais perturbaram o respeito mútuo.

Era final de tarde naquele 17 de julho, início da noite.

Redação naquele burburinho nervoso, típico do horário de fechamento.

Jaciara toma do telefone, e liga para a delegada, não arrodeia:

- Doutora, estou sabendo: vocês identificaram um dos autores do sequestro do economista.

Silêncio, por segundos.

Jaciara segue, imperturbável:

- Vão apresentá-lo amanhã?

O silêncio se estende.

Jaciara espera, paciente.

Uma ouvindo a respiração da outra.

Passado o século de silêncio, a delegada:

- Olha Jaciara, eu não sei do que você está falando. Não sei de nada disso. Nós estamos investigando, mas não tem nada ainda.

Repórter é bicho tinhoso.

Quando cerca é pra morder, nunca quer deixar a caça escapar:

- Mas doutora, eu soube: o cara é um cantor de arrocha...

A delegada, à beira de um ataque de nervos do outro lado da linha, subiu o tom alguns decibéis acima do normal:

- Jaciara, ouça bem: eu estou lhe dizendo que não sei nada.

Repórter tem de saber manter a calma.

Jaciara, na dela.

Sem quê nem pra quê, a delegada desabafa:

- Eu estou aqui sem dormir direito, a equipe está direto no caso.

Jaciara teve vontade de dizer ser obrigação dela, mas isso entornaria o caldo. 

Ainda assim, continuou mordendo:

- Mas a senhora confirma ou não?

Delegada, ainda sem disfarçar a irritação:

- Não tenho nada pra falar. Vamos ver se amanhã a gente tem alguma novidade.

Jaciara, nada de desligar.

Como se dissesse “não estou engolindo nada disso”.

Outro século de silêncio, e a delegada, mais suave, noutro tom, de quase súplica:

- Não publique nada sobre isso... Se vocês publicarem alguma coisa pode atrapalhar nossa investigação.

Jaciara prossegue:

- Doutora, garantir não posso, não depende de mim.

Terminou aí o tenso diálogo, próprio da relação entre fonte e jornalista.

Larga o telefone, procura o editor Erival Guimarães.

Revela temores:

- Sei bem: furo é furo. Mas devo dizer de minha preocupação. Se dermos a notícia, podemos atrapalhar as investigações.

Foi pra lá, pra cá, ponderou.

Havia feito um quase acordo com a delegada, não obstante não desse garantias.

Não comeram o reggae dela.

O editor e o outro repórter do caso, Marcelo Brandão, bateram pé.

Acharam melhor arriscar.

Dia seguinte, 18 de julho, manchete de capa:

“Sequestrador de economista é identificado”.

Na matéria interna, alto da página 5 do caderno Aqui Salvador, outro título:

“Identificado envolvido no sequestro do economista”.

Não havia mais como a polícia esconder as informações.

Nesse mesmo dia, a delegada...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: A delegada quase come meu fígado🙈 mas, como havia prevenido, não dependia de mim... Esse caso foi um dos que me marcaram na passagem pela editoria de Segurança. Era uma angústia, uma ansiedade... Tudo apontava para um final trágico.

Mônica Bichara: é inimaginável, comadre, por mais que a gente seja sensível à dor do outro, está aí uma dor difícil de alguém conseguir se colocar no lugar. A gente pode vagamente imaginar, mas só quem passa pra mensurar tanta tristeza, tanta revolta, tanta injustiça, tanta desumanidade. Terrível essa ansiedade e, o que é pior, sem muitas esperanças

Jaciara Santos: se para nós da imprensa era terrível, nem imagino como deveria ser para a família...

Marcelo Brandão: Bons tempos...

Jaciara Santos: a gente se envolvia demais. Não era o copia e cola que se vê atualmente, ressalvadas as raríssimas exceções... 

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Emiliano José

13 de março de 2022

Jaciara Santos: suspeitos, todos presos

 

No dia 18 de julho de 2006, a delegada Francineide Moura confirma: José Raimundo Cerqueira da Paixão está envolvido no desaparecimento de Vitor Athayde Couto.

Abelha - assim conhecido.

Fotos são disponibilizadas à imprensa pela polícia.

O cerco se fechava.

Mas ainda faltava muito para o crime ser desvendado.

Um golpe de sorte ajudou.

Tem disso na vida e nas atividades policiais.

O agente policial Paulo Salinas fazia diligência sobre o tráfico de drogas em Cajazeiras, bairro de Salvador.

Telefonava pra um, pra outro.

Pertencia à equipe do lendário comissário Paulo Portela, chefe do Serviço de Investigações da Sétima Circunscrição Policial do Rio Vermelho.

Deparou com um informante.

O dito cujo conhecia o paradeiro do principal suspeito.

Contemos melhor.

Eram 18 horas do dia 18 de julho na Sétima.

Toca o telefone.

Salinas se adianta e ouve:

- E aí, mano? Esse caso do cara desaparecido lhe interessa?

Saltou da cadeira.

Começou uma correria frenética.

Doze horas ininterruptas de trabalho.

Envolvidos, sete investigadores da Sétima e um agente de setor de Inteligência da Secretaria de Segurança.

Dia surgindo, 6 horas da manhã, os principais suspeitos, presos.

Ainda durante a madrugada do dia 19, apontaram o local onde mataram Vitor Athayde Couto, e abandonaram o corpo.

Um ponto de desova, na Estrada Velha do Aeroporto, conhecido apropriadamente como Curva da Morte.

Por volta das 5 horas, suspeitos levaram os policiais a um terreno baldio na localidade de Caji, no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador.

Local onde incendiaram o carro do economista.

Aos nomes.

José Raimundo Cerqueira da Paixão, o Abelha,  localizado na casa de parentes, em Feira de Santana, a 100 quilômetros da capital.

Valdir Paixão de Jesus, Juraci de Oliveira Santos, Clebson dos Reis Oliveira e Carlos Alberto dos Santos, presos no bairro da Itinga, em Lauro de Freitas.

Jaciara conta os bastidores dessa operação na matéria "Crime desvendado em 12 horas de trabalho".

Box da manchete "Sequestro de economista tem desfecho trágico", matéria assinada por Marcelo Brandão, à página 7 do Aqui Salvador, edição de 20 de julho de 2006, do Correio.

Ainda no dia 19 de julho, final da manhã, os suspeitos são apresentados à imprensa, na sede da Secretaria de Segurança, na Praça da Piedade, centro de Salvador.

Um alvoroço só dos jornalistas.

A contrastar com a indiferença, frieza de Abelha.

Tudo aquilo, não lhe dizia respeito - assim parecia.

Estava noutra...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: Foi tenso. E a frieza do principal suspeito... Jamais vou esquecer.

Mônica Bichara: É praticamente uma confissão de culpa, ninguém acusado injustamente de um crime ficaria indiferente

Graça Azevedo: Detalhe: eu soube do assassinato do meu menino pela TV. Contra todas as evidências meu coração ainda esperava encontrá-lo vivo.

Conta Manuel que eu dei um grito e cai desmaiada.

Daí as coisas foram uma sucessão de filme de terror. Até a despedida no Jardim da Saudade.  

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(Caso Vitor Athayde )

Emiliano José

14 de março de 2022

Jaciara Santos: dor que nunca sai no jornal

 

Quem andou pelo mundo do jornalismo, conhece esse momento.

Quando tudo é alvoroço.

Expectativa.

Tensão.

Àquele tempo, canetas e blocos de papel e laudas trazidas das redações, alguns poucos com gravadores, todo mundo pronto para as revelações.

Não era pouco: os assassinos de Vitor Athayde Couto seriam apresentados à imprensa.

Enquanto esperava, naquele burburinho, Jaciara pensava na Revolução dos Alfaiates, ou Conjuração Baiana, ou Revolta dos Búzios, acontecida no final do século XVIII.

E pensou porque estava na Praça da Piedade, onde quatro dos participantes daquela Revolução haviam sido enforcados: João de Deus, Manoel Faustino, Luiz Gonzaga e Lucas Dantas.

Os corpos, despedaçados, pedaços deles espalhados pela velha Salvador – servir de exemplo para evitar novas rebeliões.

Tinha história, a praça.

Era testemunha de mais sangue agora.

De outra natureza.

O sangue de um jovem, vítima de violência inimaginável.

Concentrou-se no burburinho.

Logo, a chegada dos suspeitos, sendo apresentados pelos policiais.

Olhou um, olhou outro, os olhos concentram-se em Abelha.

José Raimundo Cerqueira da Paixão: pedreiro e cantor de arrocha – dele se dizia.

A figura dele impressionou-a.

A frieza com que encarava a todos.

Não se incomodava com nada.

Melhor: parecia incomodado com as algemas, a lhe apertar os pulsos.

Quanta indiferença.

Como se quisesse ostentar frieza.

Motivação para o crime, ele disse: vingança por questões pessoais.

Os colegas de crime o desmentem: nada, mataram para roubar, simplesmente.

Impressionada.

Estupefata.

Era a primeira vez para Jaciara.

Cara a cara com a maldade em estado puro sob a forma humana.

Jamais se esquecerá da resposta dele.

Um dos repórteres perguntou:

- Sua intenção era matar ou apenas assustar a vítima?

Sem mover um músculo da face, o olhar a revelar total indiferença, respondeu com uma assombrosa pergunta:

- Uma cobra cascavel a gente assusta ou dá uma pancada para matar?

No humano, há de tudo.

Ao lado da bondade, há também monstros – Abelha, um deles.

Imaginava, só isso, imaginava a dor da mãe de Vitor.

Passado muitos anos, Jaciara volta a defrontar com o caso Vitor Athayde.

Por amigos comuns, conhece a socióloga Graça Azevedo.

Pouco tempo depois, sabe ser a mãe do economista.

Conheceu-a em uma rede social.

Algumas vezes lia escritos dela sobre a imensurável dor de ter perdido um filho de forma trágica.

Jaciara acolhia esse sentimento, mas respeitava a privacidade dela.

Não procurava saber detalhes.

Até que um dia, respondendo a alguém em uma postagem, Graça Azevedo abriu-se.

A ficha caiu para Jaciara.

Ganhou coragem e revelou ter acompanhado as investigações.

E aí conversaram muito: o sofrimento da mãe, a angústia daqueles dias, a indescritível e imensurável saudade.

Tornaram-se amigas.

Até hoje Jaciara se emociona quando Graça abre o coração partido, quando fala do Vitorzinho dela:

- São momentos pungentes, daqueles em que é possível ver de perto a dor da gente que nunca sai no jornal...

A dor da gente é dor de menino acanhado

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar

Que salta aos olhos igual a um gemido calado

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Raimundo Sodré, “A massa”, a dor.

Seguiu testemunhando dores e injustiças.

Jornalista é assim.

Em 2008, já às vésperas da mudança radical pela qual o Correio passou, faz matéria de marcar a vida de forma indelével.

Dois jovens.

Ricardo Matos dos Santos, 20 anos, acrobata do cast da companhia francesa Le Cirque.

Robson de Souza Pinho, 19, o “Sapo”, autor de pequenos delitos desde adolescente.

Os dois, assassinados...

#MemóriasJornalismoEmiliano.

COMENTÁRIOS

Graça Azevedo: Obrigada, Emiliano José, por contar as histórias de Jaciara. Inclusive a que me dói pessoalmente.

Mônica Bichara: Graça, querida, sinta-se abraçada. Com o abraço mais apertado e solidário que você puder sentir. Te conheci pelos mesmos amigos em comum que Jaciara e sei o quanto essa coincidência fez nossa "sócia" reviver esse pesadelo. Parabéns por mais esse primor de texto, Emiliano. Um dos mais emocionantes da série, até por envolver pessoas tão queridas

Isabel Santos: Não conheço pessoalmente, Graça, mas acompanho os bate-papo virtuais das sócias, cheios de alegria e energia da amizade. Forte abraço Graça Azevedo. Estou conhecendo a sua história aqui. Sinta-se acolhida. Fiquei muito emocionada com o texto de Emiliano José, para mim, um grande poeta, que escondia essa veia. Essa série de memória do jornalismo que ele vem brilhantemente contando é recheada de textos plenos de leveza, beleza e poesia. Ele consegue transformar situações fortes, doloridas, em algo que conseguimos digerir sem sentimentos de ódio no coração, em que pese mantermos a indignação na busca de por justiça. E para Jaciara Santos, nossa eterna e grande repórter, só aplausos por toda garra, sensibilidade, compaixão...

Graça Azevedo: Isabel, não posso convidá-la para a sociedade porque há um certo perigo! Mas, o coração está aberto para acolher esta nova amiga. Grata pelas palavras.

Jaciara Santos: Na próxima assembleia geral a gente põe em votação a possibilidade de abertura da sociedade.

Graça Azevedo: Jaciara Faremos isso!

Yana Rúbia: Jaciara, até hj eu digo que você jogou uma isca e chegamos até você....uma pessoa que buscou e mostrou ao mundo a injustiça que seria cometida...eu aprendi a te respeitar tantooo, te coloquei na minha mais alta estima....hj digo ao mundo que te amo, minha amiga....pq foi isso que vc se tornou..UMA GRANDE AMIGA!!!!

Jaciara Santos: Yana Rúbia uma amizade que nasceu do sofrimento. Eu agradeço muito a confiança de vocês. P.S. e depois ainda somos concunhadas, né? Rs rs rs

Yana Rúbia: verdade rsrs

Mariella Romeo Lebret: Um querido, muito amado que conheci menino, acompanhei seu despertar para vida ; desde menino um ser humano muito especial.

Graça Azevedo: Mariella

Graça Azevedo: Jaciara, minha amiga, uma irmã, eu agradeço tanto...E os bastidores são piores. O chefe de segurança da FAO que não foi recebido pelo governador da época. Os donos do dinheiro que patrocinaram advogados. As ameaças de morte que sofri. A família que se dispersou. Ninguém quis ficar aqui. A dor e o medo prevaleceram. Hoje os assassinos estão soltos. E eu sou prisioneira da minha eterna dor.

Jaciara Santos: ô, amiga, por mais que me esforce, não consigo mensurar o tamanho da sua dor. Só agradecer pela confiança em me abrir seu coração e repetir o que você já sabe: estou aqui, sempre. Beijos.

Lia Gonzalez: Graça Azevedo , eu gostaria tanto de ter o poder de aliviar a sua dor, pelo ser humano extraordinário que você é, pela nossa maternidade , pela sede de justiça que vive em você em relação a tudo, por todo o amor incondicional que, mesmo sofrida, você tem pelo próximo. Lhe quero um bem enorme, minha querida.

Graça Azevedo: Lia Gonzalez

Jaciara Santos: Ah, mestre Emiliano, remexer nesse baú de recordações é reviver todas aquelas emoções...

Angela Borges: Vitorzinho era muito querido e admirado. Solidaria nesta dor.

.Graça Azevedo: Olívia Soares e Franciel Cruz, vcs que trabalham na ALBA consigam pra mim o discurso do rapaz que representava a Agricultura Familiar. Foi na posse de JW em 2007, Ele fazia parte da mesa e falou da importância do trabalho de Vitorzinho. Só me lembro do abraço dele, aos prantos os dois. 

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(Caso do assassinato do artista circense Ricardo Santos)

Emiliano José

15 de março de 2022

Jaciara Santos: mortes e ardis da cobertura

 

O envolvimento de Jaciara com a morte dos dois jovens começou com a matéria "Artista circense pode ter sido morto por PMs", onde ela denunciava a participação de policiais nos assassinatos de Ricardo Matos dos Santos, acrobata da companhia francesa Le Cirque, e de Robson de Souza Pinho, conhecido como Sapo.

Nascido em Salvador, Ricardo corria mundo com o circo.

Estava de férias e em visita à família, residente na Boca do Rio, bairro da capital baiana.

Às vésperas de retornar para São Paulo para reencontrar o elenco do circo, decidiu rever amigos.

E jogar um baba, que ninguém é de ferro.

Início da noite de terça-feira de 22 de janeiro de 2008.

Quadra de esportes da invasão do Bate Facho.

Do dito popular: Ricardo estava no local errado, na hora errada.

Ali pelas 19,30hs, de súbito, quatro homens chegam atirando.

Todos com coletes à prova de bala.

E distintivos da Polícia Civil.

O primeiro a ser executado, Ricardo.

Assim: executado.

Confundido com Robson, alvo da ação, e também morto logo percebido o equívoco.

Motivo: Robson comandara um assalto a dois jovens no Parque Metropolitano de Pituaçu.

Por esses azares do destino, um dos jovens assaltados era parente de um policial militar, amigo de influente oficial da corporação.

O caso vinha sendo conduzido de forma sigilosa.

Decorridos quase dois meses, passado o clamor da chamada opinião pública pela morte do artista circense, o assunto havia esfriado.

A matéria de Jaciara, com a colaboração do jornalista Bruno Wendel, levou a Secretaria de Segurança Pública a se movimentar.

Apresentou como suspeitos do duplo homicídio os soldados Adilson Silva Souza, José Roberto dos Santos e Marco Antônio Santa Bárbara, lotados na Trigésima Nona Companhia da Polícia Militar (Imbuí/Boca do Rio).

Com essa apresentação espalhafatosa, o caso voltou a sair das manchetes.

A Secretaria de Segurança tirava o problema do colo dela.

Em maio, Jaciara recebe de uma fonte a informação: os três policiais haviam sido soltos, mediante habeas corpus.

Confirmou a libertação dos três e fez matéria resgatando o caso e chamando a atenção para mais um flagrante caso de impunidade.

O texto, publicado em 17 de maio, um sábado, era imparcial.

O título, no entanto, leviano, carregava nas tintas:

"Libertados PMs que mataram malabarista".

Não é raro o jornalismo apressar-se, julgar e condenar.

Na editoria de Polícia, comum.

Segunda-feira, 19 de maio, Jaciara recebe na redação ligação da portaria do jornal.

Um grupo queria conversar com ela.

Entre os visitantes, a advogada Maristela Abreu, defensora dos três policiais libertados, citados na matéria dela.

Foi ao encontro deles, bastante ressabiada.

Convencida da culpa dos policiais.

Nem cogitava dar espaço para retratação...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Só imaginando a tensão ao receber essas visitas. Afinal, até aí tratava-se dos autores oficiais do crime. Só sendo muito profissional para encarar assim, de peito aberto

Jaciara Santos: Eu estava armada contra eles. Fui de má vontade, pensando: "eles têm muita coragem de vir aqui...". Mal sabia o que me esperava. Sabe o ditado popular "Deus escreve certo por linhas tortas"? Bem isso.

Mônica Bichara: Jaci sua armadura era mais que compreensível. Eram policiais apontados pela PM como culpados, não foi vc quem fabricou ou pressupôs a autoria. Mas se desarmou diante da presunção de inocência

Yana Rúbia: Jaciara seremos eternamente gratos ao seu profissionalismo....mas cada linha, uma lágrima. Reviver é sofrer. Ainda dói muito.

Jaciara Santos: Yana Rúbia imagino, nega. Só imagino...

Isabel Santos: Não tenho dúvidas, Jaciara querida, que vc recebe sempre vibrações amorosas dos corações cheios de gratidão por suas reportagens que buscavam chamar a atenção para a impunidade, causando rebuliço no setor da Segurança Pública

Jaciara Santos: Bel, hoje, mesmo, fiquei literalmente arrepiada com um áudio que recebi. Era de um dos soldados protagonistas do caso "Resposta errada". Como ele me mandou em modo privado, prefiro preservar sua identidade. Muito emocionante. Pra mim, feedbacks como esse valem mais que qualquer premiação ou elogio (não que eu esteja desqualificando essas honrarias).

Nadya Argôlo: Jaci querida, graças a Deus sua proteção sempre foi dos céus!

Jaciara Santos: Sim, sim. Graças a Deus!

Bruno Wendel: É triste dizer que a situação em questão é muito comum e ganhou mais força nos últimos três anos. E o mais absurdo é q ainda tem gente, desta vez civis, que defende o atirar para depois perguntar. A coragem de Jaciara Santos sempre me inspira

Jaciara Santos: Bruno você é e sempre será o meu BB. Te amo! 

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(A retratação que inocentou os policiais acusados pela morte do artista circense)

Emiliano José

16 de março de 2022

Jaciara Santos: demorada reparação de uma injustiça

 

Jaciara se surpreendeu.

A pequena comitiva não revelava nenhuma hostilidade.

Ao contrário – muito simpática.

Além da advogada e dos três policiais, a esposa de um deles estava presente.

Sem qualquer animosidade, imploravam por atenção.

Ao invés de contestar o título da matéria, tão leviano, pediam uma chance.

Queriam apenas explicar por que haviam sido libertados.

Negavam com ênfase, veemência, a acusação.

A advogada Maristela Abreu passou a Jaciara um calhamaço de documentos.

Habilidosa, dizia:

- Não quero resposta imediata. Quero que analise os documentos.

Nem falava em retratação.

Fazia apenas um pedido: lesse os documentos, examinasse o material com calma:

- Depois, se você se interessar, se considerar próprios e verdadeiros os nossos documentos, marcamos uma conversa.

Típica posição de quem está com a verdade.

Jaciara foi tocada pelo comportamento da comitiva, e de modo especial pelo procedimento da advogada, tão sincero, franco, e sem qualquer arrogância.

Yana Rubia, esposa do soldado Adilson Silva Souza e também policial militar, era a mais fragilizada do grupo.

No semblante dela, as marcas do sofrimento, as noites insones, os momentos de desespero e angústia.

O casal tem dois filhos, à época bem pequenos.

Não entendiam a ausência do pai.

Yana Rubia, quando queria chorar, só o fazia escondido dos meninos.

Tudo naquela comitiva a tocou, de modo especial o sofrimento de Yana.

Entrou de volta na redação sobraçando a montanha de documentos.

Era coisa: cópias do inquérito policial, xerox do processo administrativo disciplinar instaurado no âmbito da PM, transcrições das escutas telefônicas, boletim de ocorrência, habeas corpus, diabo a quatro.

Jaciara mergulhou.

Virou a noite escarafunchando o caso a partir daqueles documentos.

Quanto mais mergulhava, quanto mais lia, mais se convencia: havia coisa muito errada naquela história.

Fato: os três policiais tinham álibis absolutamente incontestáveis.

Não havia possibilidade de terem cometido aqueles assassinatos.

Simplesmente porque não tinham o dom da onipresença.

Impossível estarem no local quando os dois jovens foram assassinados.

Encontravam-se comprovadamente a quilômetros dali.

No momento do duplo homicídio, José Roberto dos Santos dirigia um ônibus da empresa Praia Grande, linha Paripe-Pituba, fato comprovado por documentação da operadora, reiterado por várias testemunhas.

Adilson Silva Souza estava no Politeama, centro da cidade, atuando na Operação Corredor Turístico de Salvador. O coordenador da operação apresentou declaração por escrito dando fé da presença do soldado e, além disso, anexou aos autos o controle de frequência dele.

Marco Antônio Santa Bárbara fazia “bico” como segurança na Prazeres Pizza Bar, situada na Praia do Corsário, a pelo menos 2,5 quilômetros de distância do local dos assassinatos, álibi ratificado pela direção da pizzaria.

Nada disso adiantou: as provas não evitaram a prisão dos soldados, nem a execração pública deles.

Tornaram-se integrantes do grupo de extermínio que matou Ricardo Matos e Robson Pinho naquele 22 de janeiro.

Jaciara debruçou-se por três semanas na leitura e apuração do caso.

Dia 8 de junho, um domingo, o Correio da Bahia publicava ampla reportagem, sob o título:

“Resposta errada – Clamor público causado pela morte de acrobata faz polícia apresentar soldados que não estavam no local do crime”.

Editada em página dupla, a matéria fazia uma espécie de revisão criminal.

Apresentava documentos e depoimentos dos personagens envolvidos.

Os três soldados só falavam em off ou por intermédio da advogada – eram os cuidados legais, fundamentais para não prejudicar os policiais.

Muito trabalho, uma árdua jornada.

Valeu a pena.

A imagem dos praças injustiçados, parcialmente seja, foi reabilitada.

E o que levou a polícia a imputar o crime aos três soldados?

A rigor, essa pergunta nunca foi suficientemente respondida...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Nossa! Arrepiada em relembrar toda essa história. Não há nada pior do que injustiça, ser acusado injustamente por um crime, é inimaginável o que eles devem ter passado. Não só ele, mas todas as famílias envolvidas. E conhecendo você como eu conheço, somos comadres pelo jornalismo, sei o peso dessa "culpa". Essas famílias teriam que ter sido indenizadas, foram acusados pela instituição PM. Que bom que Emiliano José abriu esse espaço para recontar essa e outras injustiças, que serão imortalizadas (afinal estamos falando de um escritor imortal da ALB) em livro sobre essa série #MemóriasJornalismoEmiliano. Isso é JORNALISMO com todas as letras em maiúsculo. Parabéns Jaci, parabéns Emiliano

Jaciara Santos: foi e ainda é difícil lidar com essa história. Porque trata-se de um dos erros judiciários mais gritantes de que tenho notícia. E não podemos esquecer também um detalhe: a impunidade. Os autores e mandantes do crime, os verdadeiros criminosos, jamais foram punidos.

Graça Azevedo: Isso dói

Mônica Bichara: Pois é, Jaci, e só com o fim da impunidade a justiça real será feita. E a indenização

Nadya Argôlo: Injustiça é uma das piores coisas do mundo. Maltrata pra valer...

Jaciara Santos: e como! As marcas ficam para sempre.

Isabel Santos: Li sem fôlego. Que história. Que repórter maravilha

Jaciara Santos: na verdade, esse trabalho foi também uma espécie de retratação. Eu me sentia culpada pela precipitação com que aderi ao senso comum que apontava o dedo para "os meninos" (assim passei a me referir a Adilson, Zé Roberto e Santa Bárbara). Quando descobri o erro, corri atrás. Não tinha outro jeito.

Jaciara Santos: Antonio Jorge Ferreira Melo dê uma olhadinha. Este é o segundo capítulo.

Graça Azevedo: Isso é caráter!

Jaciara Santos: Graça, não tinha como ser diferente, sócia...

Antonio Jorge Ferreira Melo: E eu perderia? Se muitos daqueles que se dedicam a investigar tivessem esse olhar, não teríamos tantas injustiças da justiça...

Jaciara Santos: obrigada, mestre. Não canso de repetir: o senhor é uma inspiração.

Christiane Almeida: Ao ler essa matéria, lágrimas correm no meus olhos. É tão difícil viver a maldade desse mundo. Vi de perto o sofrimento desses policiais. Obrigada Jaciara por ter escutado, por ter lido os documentos e por ter refeito a matéria. Deus abençoe a todos

Jaciara Santos: Christiane, não conheço quem tenha acompanhado esse caso que não tenha sofrido com os três policiais. Os "meus meninos" rs rs

Yana Rúbia: 14 anos se passaram, mas a dor ainda é a mesma....vai existir pessoas que digam: "tanto tempo....." Mas quem viveu sabe, quem sofreu...sabe, quem esteve ao nosso lado, tbm sabe o quanto foi difícil.....hoje uma HAS grave me acompanha e eu luto para tirar de dentro de mim a tristeza daqueles dias

Jaciara Santos: Yana Rúbia é uma dor que nunca vai passar. A injustiça abre feridas tão profundas, que nunca cicatrizam. Mas Deus nos dá a força necessária para seguirmos em frente.

Yana Rúbia: sempre!

Graça Azevedo: como não admirar esta grande jornalista, ser humano imenso?

Jaciara Santos:  você é uma querida, sócia! Beeeeeeijos

Maristela Abreu: Um processo dolorido. Realmente a justiça foi feita de forma PARCIAL. A injustiça ainda perdura e me causa muita indignação, mas precisamos PERDOAR para termos PAZ.

Jaciara Santos: Maristela Abreu agradeço a confiança em mim depositada, doutora. Foi uma experiência que marcou minha vida.

Jaciara Santos: Alba Lucinia , caso queira acompanhar, volte ao início da série rs rs... Tem muuuuuita história!   

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(Parte do material usado por Jaciara para a retratação do caso dos policiais acusados injustamente pela morte do artista circense)

Emiliano José

17 de março de 2022

Jaciara Santos: segredo de Polichinelo

 

Segredo mantido.

Até certo ponto.

Há silêncio.

Estrondoso silêncio.

Até hoje.

Próprio de uma instituição incapaz de ir fundo na revelação dos crimes cometidos pelos pares.

Por que a PM-BA resolveu escolher três inocentes, execrá-los, pretender pagassem por crimes que não cometeram?

Isso não se respondeu, passado tanto tempo.

A polícia judiciária sustentava: foram reconhecidos por testemunhas.

Secretário às vezes é jogado numa fria.

Com menos de um mês à frente da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, o delegado federal César Nunes participou da coletiva em que os soldados foram apresentados naquele 19 de março, um dia após a publicação da matéria de Jaciara denunciando a participação de militares na morte do artista circense. Nunes dizia: o caso fora solucionado “com a participação de moradores da Boca do Rio, revoltados com a brutalidade do crime”.

O secretário não sabia, pelo menos naquele momento: a única “prova” contra os soldados era um reconhecimento feito às pressas, horas antes, e sem o devido respeito às técnicas exigidas para esse tipo de procedimento.

Muitas trapalhadas, trabalho mal feito.

O soldado Adilson, de acordo com a testemunha, tinha 1,90 de altura e usava um brinco dourado, pequeno, tipo africano.

O soldado, de compleição atarracada e altura mediana, tem 1,73m de altura

Jamais usou brincos.

Isso poderia ser facilmente comprovado mediante exame pericial dos lóbulos de suas orelhas.

Quanto à altura, elementar meu caro Watson.

O falso reconhecimento rendeu aos soldados 56 dias de prisão em caráter provisório no Batalhão de Choque – situado em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador –, indiciamento em inquérito policial no Grupo de Repressão aos Crimes de Extermínio (Gerce), um PAD na PM-BA e a execração pública, tudo já dito, mas não custa insistir.

Jaciara entrevistou a delegada Andreia d’Oliveira, coordenadora do Gerce e à frente do inquérito que concluiu pelo indiciamento dos três PMs.

Ela admitiu ter havido precipitação na conclusão dos trabalhos de apuração.

Jogou a culpa na imprensa:

- Se a mídia não tivesse divulgado o caso antes da hora, poderíamos maturar mais um pouco as investigações. 

Grave, gravíssimo:  no meio policial, todos sabem exatamente quem matou os dois jovens, porque matou e a mando de quem.

Entretanto, o crime permanece impune.

Os únicos acusados provaram ser inocentes. 

Apesar de terem a inocência reconhecida, os três policiais amargaram por oito longos anos as agruras de um erro judiciário.

Somente em 28 de junho de 2016, com o trânsito em julgado, é que foram absolvidos das acusações e viram a ação penal ser arquivada.

Na sentença que determinou o arquivamento do processo, o juiz de direito Eduardo Augusto Leopoldino Santana, titular do Segundo Juízo da Primeira Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Salvador, assinala:

 “Não há quaisquer evidências que pesem contra os réus, tendo sido provado, pelos depoimentos colhidos, que os mesmos não teriam praticado o delito, pois, no dia e horário em que este ocorreu, exerciam trabalhos diversos das funções de policiais militares em outros locais”.

Tudo o que Adilson, José Roberto e Marco Antônio sempre afirmaram, mas que ninguém quis ouvir para manter de pé a armação.

A sentença reabilita o nome de cada um dos praças, mas não pode lhes devolver o tempo e as oportunidades que lhes foram sonegados durante oito anos.

E tudo por uma resposta errada, um equívoco deliberado da polícia judiciária da Bahia.

Há alguma disposição de revelar os criminosos?

Parece não.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Gente, esse caso precisa e deve ter um desfecho, não pode continuar impune. E quando a inocência foi provada, a PM e a imprensa pelo menos deram destaque? Pq Jaciara já não estava mais no jornal

Jaciara Santos: Obrigada, mestre Emiliano. Gratidão pela oportunidade de, mais uma vez, poder trazer esta monstruosidade a público.

Emiliano José: Jaciara, mérito todo seu

Isabel Santos: Como diz o ditado, 'a mentira tem pernas curtas'. Nem sempre tanto, mas, um dia, a verdade aparece. Porém, é preciso reparar esse grande equívoco, mesmo que as marcas não desaparecem. Basta de impunidades.

Jaciara Santos: num mundo ideal, os verdadeiros autores seriam identificados e punidos sob os rigores da lei. Não vivemos em um mundo ideal. Ponto.

Graça Azevedo: A impunidade é inominável.

Yana Rúbia: Jaciara você foi uma peça muito importante neste inquérito....ao Sr Emiliano, agradeço pela homenagem prestada ao trabalho de Jaci e lhe afirmo, existe uma ferida que nunca será cicatrizada, pois aqueles malditos dias vividos, só nós sabemos explicar.....comemorar o aniversário de um filho em meio a pessoas que nada tem haver com sua família, apenas para diminuir a dor da ausência do pai perto dele....machuca...não consigo esquecer, acredito que nem nascendo novamente. Gratidão a todos que nunca duvidaram da inocência deles bem como aqueles que, inicialmente, acreditavam, mas buscaram a verdade dos fatos e hoje faz parte da nossa família: Jaciara ...te amo, amiga/irmã/ cunhada.

Jaciara Santos: é, amiga, você disse tudo. Nada vai trazer de volta a vida, o tempo que vocês perderam. Mas Deus é justo e sabe de todas as coisas. Amo vocês também. E você é minha concunhada #entendedoresentenderão    

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( A "barrigada" )

Emiliano José

18 de março de 2022

Jaciara Santos: Matou um

 

Com uma barrigada, Jaciara matou uma pessoa.

Até hoje, arrependida.

Sorte, sorte mesmo, é que a pessoa foi ressuscitada.

Estranha essa história, não?

Realismo fantástico?

Coisa de Gabriel García Marquez, desse povo cheio de invenções fantásticas?

Talvez.

Foi o próprio autor de Cem anos de Solidão quem disse: toda a escrevinhação dele estava fundada nas coisas do dia a dia, na realidade mais comezinha.

Então.

Jornalismo não é coisa de Deus.

Nem do Diabo.

Embora possamos recorrer ao Eclesiastes, e combinar: a vaidade preside muito da atividade humana.

Depois de consumada a barrigada mortal, ela quase morre de arrependimento.

Aí, no entanto, Inês era morta.

Quase morre de arrependimento e vergonha.

Cidadã comum, homem qualquer não sabe o que é barrigada, termo próprio do jargão jornalístico.

Barrigada é quando o veículo de comunicação publica uma informação errada.

Jaciara garante, e eu acredito: o crime foi decorrente de excesso de zelo, perfeccionismo.

E também para atender àquela vaidadezinha de sair na frente da concorrência, dar o furo.

Sábado, 23 de junho de 2007.

Véspera de São João.

Subeditora de Polícia, no Correio chamada de Segurança, Jaciara revezava os plantões de final de semana com Erival, o editor.

Por lei, gozava do direito de uma folga semanal.

Fizeram um arranjo, confortável para os dois: cada um trabalhava um final de semana inteiro e folgava no seguinte.

Aquele final de semana, sobrou pra ela.

Dia da maior festa popular da Bahia e do Nordeste.

Plantão foi pesado, contrariando as expectativas.

Início da tarde, assalto em ônibus evoluiu para uma perseguição policial e terminou com acidente fatal.

Duas pessoas morreram a caminho do Hospital Geral do Estado (HGE), na avenida Vasco da Gama.

Uma, internada em estado grave.

Foi coisa de cinema.

Um dia de cão.

Brinquedo não.

Suspeitos renderam o motorista e o obrigaram a trafegar na contramão da avenida Paralela.

Loucura pra ninguém botar defeito.

E aconteceu a colisão fatal: as vítimas, da mesma família.

Estavam num GM Corsa sedan, placa JPO-9482, albaroado de frente pelo ônibus número de ordem 7007 da empresa São Cristóvão, linha Pituba-Trobogy.

Apuração difícil.

Informações, desencontradas.

No São João, tudo se complica.

Repórter de plantão, Marcelo Brandão: experiente, fuçador.

Mas estava difícil obter dados confiáveis.

O deadline era apertado.

No sábado, jornal fecha mais cedo.

Jaciara resolveu entrar no circuito...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Imagino a frustração e conhecendo a perfeccionista e ética que vc é, Jaci, sei que não foi fácil. Mas é super comum na imprensa, justamente pela pressão pelo "furo" ou, pelo menos, não sair na rabeira. Bom que vc reconheceu que foi levada ao erro e se retratou. Não abala em nada a minha admiração por você e sua carreira. Quem nunca deu uma barrigada que atire a primeira pedra

Isabel Santos: vc disse tudo, comadre. Quem não? Nada muda a admiração e respeito por sua trajetória profissional, Jaci. Como vc mesmo diz, ninguém é perfeito e neste Plano nunca será), portanto... Quero é saber como continua. Digaí, mestre/poeta Emiliano José.

Jaciara Santos: Mônica e Isabel, foi barril. Não satisfeita em errar, ainda desfiz o que estava certo... Acompanhe a história que o mestre vai contar tim-tim por tim-tim. Espia só...

Jaciara Santos: ...e quase morri de vergonha

Graça Azevedo: Suspense...

Jaciara Santos: Conto esse caso por necessidade de ser fiel à minha história. Porque as pessoas que me admiram têm o direito de saber: não sou (nem pretendo ser) perfeita. Cometo erros como qualquer ser humano. Em minha defesa, o fato de assumi-los.  

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Emiliano José

19 de março de 2022

Jaciara Santos: a tentação do furo...

 

Jaciara entra no circuito.

O caso envolvia o setor de transporte, ela era assessora de Comunicação do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Salvador (Setps), sopa no mel.

Tinha contatos na área.

Acionou todos.

Noite já, quando a matéria ficou pronta.

Capa já fechada quando matéria interna foi concluída.

Missão cumprida.

Era tarde já.

Editor-chefe já havia se retirado.

Jaciara respirou aliviada.

Na redação, apenas Jaciara e os diagramadores Maristela Carvalho e Evandro Lima.

Maristela, fechava Segurança.

Evandro, primeira página.

Então, tudo certo, tudo pronto, e Jaciara pega a bolsa, e se dirige para a porta de saída.

Mania de jornalista: um quê de preocupação levou-a a ligar para o titular  do Grupo Especial de Repressão ao Roubo em Coletivos (GERRC), delegado Antônio Cláudio Oliveira.

Como desencargo de consciência.

Assessora do Setps, tinha acesso livre a ele.

Foi a perdição dela.

Telefone demora pra atender.

Ela insiste.

Jamais esquecerá aquela rápida conversa.

- Oi, doutor, aqui Jaciara, do Setps. Desculpa ligar a essa hora para o senhor.

Delegado, tranquilo:

- Oi, Jaciara, diga aí.

- Eu queria saber se o senhor tem mais alguma informação sobre o assalto... São duas vítimas mesmo, não é?

Delegado pareceu saltar na cadeira:

- São três!

Um frio percorre a espinha dela.

- Como três? Não tem uma pessoa internada no HGE? Uma moça?...

O delegado, de pronto:

- Eu estou aqui no HGE. E acabei de saber que a terceira vítima foi a óbito.

Ela, ainda a duvidar, obrigação de jornalista:

- Então o senhor confirma que a moça morreu?

- E que são três mortos?

Delegado, sem relutar:

- Isso: são três vítimas fatais – palavras de Oliveira, literais.

- Tá bom, doutor. Muito obrigada, desculpa mais uma vez o horário. Bom final de semana para o senhor.

E agora?

Noite de São João, e ela com uma bomba na mão.

Jornal fechado, capa indo pra impressão.

Editor-chefe já em casa.

Quase 20hs.

Jornalista volta e meia se vê nessas situações: em um minuto tudo muda, e é obrigado a se virar nos trinta, sem apelação.

Tinha jeito não.

Tinha de enfrentar a situação.

Não podia ir pra casa como se nada tivesse acontecido.

Seria imperdoável.

Decisão, no entanto, não podia ser somente dela.

Desembucha:

- Gente, seguinte é o seguinte: liguei agora para o delegado do GERRC, e ele me confirmou que a terceira vítima morreu.

- E aí: vamos deixar tudo como está?

- Ou vamos atualizar?

Evandro movimentou-se: tinha autonomia para mexer na primeira página.

Carta branca.

Gozava de total confiança do editor-chefe.

Carecia de consultá-lo não.

Voltaram ao trabalho: era pouca coisa.

Atualizar a manchete e mexer no texto onde houvesse menção ao número de vítimas.

Tudo muito rapidinho.

Saíram com sensação de dever cumprido.

Belo trabalho jornalístico.

Agora, chegar em casa – relaxar daquele dia infernal.

Dia seguinte: correr pro abraço.

De manhãzinha, recebe o jornal em casa, e lê a manchete:

“Perseguição acaba com morte de três inocentes”.

Correu os olhos na concorrência.

Todo o restante da imprensa cravava duas mortes.

A trabalheira, a correria toda, tinham valido a pena.

Apenas o Correio tinha atualizado a informação.

Puta furo.

Ah, a vaidade.

Vaidade das vaidades – é tudo vaidade.

Logo depois vai compreender o dito do Eclesiastes...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Nesse caso não considero barrigada, vc falou com uma autoridade no caso e ele confirmou. A culpa foi toda dele, qualquer um teria errado

Jaciara Santos: Barril dobrado!

Maristela Carvalho: Com vc era sempre assim, tudo minuciosamente apurado. Respeito com a profissão.

Jaciara Santos: Maristela, mas lembra dessa história, da "barrigada"?... 

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Emiliano José

20 de março de 2022

Jaciara Santos: vaidade - fonte de perdição

 

Conta a bíblia ao referir-se ao rei Salomão.

O rei, de tanta fama, após olhar para as obras do homem debaixo do sol, percebeu: tudo era vaidade.

Exagerou, talvez.

Os esforços dos homens eram tão vãos quanto correr atrás do vento.

Vaidade de vaidade, tudo é vaidade.

Vaidade das posses.

Vaidade da sabedoria.

Tudo é vaidade.

Exagero, seja.

Mas quanta coisa acontece decorrente da vaidade humana?

Jaciara pensou fosse um furo, a matéria com as três mortes.

Ao longo do dia, no entanto, a dúvida ia se insinuando.

O site do jornal A Tarde, principal concorrente, seguia com a mesma informação - duas mortes.

Hoje, tentando recuperar aqueles momentos, imagina ter sido o repórter Marcelo Brandão o responsável a alertá-la:

- Jaciara, foi barrigada.

Tentou falar com o delegado.

Nada.

Não atendia.

Somente na segunda-feira pela manhã conseguiu contato.

Delegado revelou, tranquilo, como coisa de menor importância: houvera um engano.

A vítima havia sobrevivido.

Ocorreu, na explicação dele, de um agente policial passar-lhe a informação da morte, e ele passou adiante, justamente para Jaciara.

Ela, intrigada.

- Mas como ele me diz isso agora?

- Como, se na hora em que nos falamos, no sábado à noite, ele me disse estar no HGE?

Ia pensando, e certa de uma coisa: seria demitida.

Era erro grave demais.

Na segunda à tarde, chega ao jornal com a cara no chão.

Uma vergonha indescritível.

Conversou com Erival, o editor, dizendo do quanto se sentia culpada, e ele:

- Você está superdimensionando o fato.

E ele, cheio de compreensão, relativizava o inegável erro:

- Não foi uma ação dolosa.

Ele próprio falaria com o editor-chefe, e tudo se resolveria.

Jaciara agradeceu, mas reagiu:

- Eu mesma tenho de falar com editor-chefe.

Tremendo, entrou no aquário - assim se chamava à época o gabinete do chefe de uma redação.

Voz presa na garganta, difícil de sair, afinal conseguiu, e falou:

- Chefe, eu só quero dizer que não foi por irresponsabilidade. Eu liguei para o titular do GERRC e ele me garantiu que a terceira vítima havia morrido...

E o editor-chefe:

- Já passou, moça. Eu lhe conheço, vamos deixar isso pra lá...

Não, Jaciara não conseguia acreditar.

Como assim "deixar pra lá"?

Nenhuma advertência, nenhuma admoestação?

Nada?

Ela, sem palavras.

Editor-chefe terminou a conversa com um "Bora trabalhar"?

Ela, incrédula.

Quando fazia o movimento de se levantar para sair, ele pede:

- Só quero que você faça uma coisa: ligue para a família, peça desculpas em nome do jornal e faça uma notinha atualizando o estado de saúde da moça que você matou. Bora trabalhar!

Não sabia se ria, se chorava.

Na matéria da terça-feira, 26 de junho, na matéria "Pai e filho mortos em acidente são sepultados", publicada na página de Segurança, Jaciara acrescenta nota, com informações de um irmão da moça morta por ela três dias antes:

"A terceira vítima do acidente, Jucimara de Andrade Reis, 27, ao contrário do que foi noticiado, continua internada no Hospital São Rafael em estado grave e sob coma induzido.

Jaciara não teme concluir:

- A barrigada daquele junho de 2007 me ensinou uma importante lição: a vaidade é sempre uma fonte de perdição. No jornalismo e na vida. #MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Insisto, nesse caso não foi barrigada. Jaciara foi profissional, podia ter se mandado pra casa e pronto. O culpado foi o informante, uma autoridade policial que disse estar no hospital

Graça Azevedo: Seus chefes sabiam quem era A Jornalista!  

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Emiliano José

21 de março de 2022

Jaciara Santos: os riscos da ética do marceneiro

 

Vou desviar um pouquinho.

Sair da estrada principal, cair numa vereda.

Erival Guimarães foi editor de Polícia do Correio por muito tempo.

Foi chefe de Jaciara.

Por isso, e mais, a vereda.

Guimarães atuou nos principais jornais de Salvador.

Além do Correio, passou pelo jornal A Tarde e pelos Jornal da Bahia e Bahia Hoje e também por assessorias.

Reconhecido como profissional exemplar.

Cultivou sempre a ética do marceneiro, como diria Cláudio Abramo, cuja máxima era: não existe uma ética do jornalista, existe a ética do cidadão.

Cidadão exemplar, jornalista exemplar.

Morreu cedo, aos 61 anos, em 2020.

Acumulou casos em sua peregrinação pelas editorias de Polícia.

Meados de 1992.

Na redação de A Tarde.

Pegando o bloco de notas, canetas, preparando-se para mais um dia na reportagem policial.

Súbito, um dos office-boys o chama para atender uma ligação telefônica.

Do outro lado da linha, sujeito entra de chofre:

- Diga aí, véio. Seu Castor mandou perguntar quanto você quer para parar de escrever sobre o jogo do bicho.

Proposta veio de um agente da Polícia Civil - viria mais tarde a se afastar da instituição.

Surpreso, estupefato.

Conversa assim, sem rodeios.

Respirou fundo, respondeu:

- Cara, eu não faço esse jogo não.

Sujeito reagiu meio sem jeito, quase se desculpando:

- Poxa, eu sabia. Disse que você não iria aceitar, mas ele insistiu, afirmando que tinha um bocado de jornalistas na mão e que ainda pretendia lhe convidar para passar uns tempos no Rio com tudo pago.

Como se saísse com o rabo entre as pernas, desapontado.

Passa pouco tempo, Guimarães dormia em casa.

Travessa da Glória, rua Barão de Macaúbas, no bairro do Barbalho - casa ainda em construção.

Percebe alguém se aproximando, chamando-o nervosamente:

- Val, Val...

Um pouco assustado, reconhece a voz.

Zeca, vizinho, apontador do jogo de bicho.

Companheiro de baba, razoável lateral direito.

Jogavam juntos no campo do Pela Porco, nas redondezas do Barbalho, em área tomada depois por uma ocupação, invasão como se dizia.

Tranquilizou a mulher, abriu a portinhola da porta principal da casa, perguntou:

- O que foi, Zeca?

Voz nervosa, ele responde:

- Caia fora, Val. Tem um cara do bicho perguntando sobre você aqui na rua. Ele esteve na minha banca e tem dois dias que fica ali no bar de Seu Loro.

Zeca era ponta firme.

Além de parceiro de juventude, anos depois tornou-se leitor de Guimarães, especialmente das matérias sobre a máfia do bicho, assunto da intimidade dele.

Quando se encontravam, trocavam ideias sobre o tema.

De vez em quando, Zeca lhe passava boas informações.

Então, informação vinda de um amigo assim, bom não duvidar.

Dia seguinte...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIO 

Mônica Bichara: Maravilha e justa essa homenagem. Erival, presente. E esperamos a biografia completa feita pela pupila Jaciara Santos

Adilson Borges: Grande Erival! Apressadinho, foi embora muito cedo. Faz falta

Isabel Santos: Tão bom o reconhecimento. Massa, Emiliano José. Ele deve estar contente. Jaciara Santos, nem fala. Sempre grata ao seu editor.

Graça Azevedo: Haja coração! Há pessoas que eu gostaria de ter por perto. Uma lástima não ter conhecido Erival.

Jaciara Santos: Graça, mas acompanhou seu calvário. Apaixonado pelos filhos como sempre foi, ficou arrasado com a sua tragédia. Dizia que não conseguia se imaginar perdendo um filho. Mesmo simpatizante do espiritismo, esse era um limite pra ele. Você o teria amado, sócia, com certeza!

Graça Azevedo: Com certeza. Ainda mais se viesse pelas mãos da minha sócia querida.

Sheila Freire: As lágrimas vêm ao rosto ao ler essa homenagem tão linda que me remete a lembranças fortes. Lembro-me que ao retornar do ICEIA, no fim de uma manhã, fui parada por um cara que me perguntou se eu era filha de Erival e eu confirmei. O cara era um chefão do jogo do bicho que me disse assim: "Sou amigo de seu pai, meu nome é tal e diga a ele que te conheci e que você é linda!" Cheguei em casa toda feliz e contei a meu pai e vi em seus olhos desespero e raiva. Resumindo, fiquei algum tempo sem ir para escola, mas ele nunca desistiu de denunciar, ser fidedigno nas informações e ético sempre. Meu ídolo, meu amor, meu exemplo, minha mola propulsora. Tanto orgulho de você! Te amo pra sempre, pai!

Jaciara Santos: Sheila, e a gente queria tanto que ele registrasse as memórias, lembra? Daria uma belíssima autobiografia.

Jaciara Santos: Sheila, Hugo, Tatiana, vejam que homenagem bacana pro nosso querido. Espalhem. Erival Guimarães merece

Tatiana Guimarães: Quanto orgulho, quanta saudade, gratidão de tê-lo como pai. Ao ler, me fez lembrar dele nos contando. Meu pai, meu exemplo, meu orgulho, meu amor!!! Obrigada Jaci pela amiga irmã tão especial que é.

Jaciara Santos: Gratidão imensa por esta merecida homenagem ao meu mentor. De onde ele está, com certeza, deve estar meio encabulado. Ele é (sim, no tempo presente) tímido, como eu, pra essas coisas. E deve ter dito: "Jaci, mulher, você não tem jeito...". Eu sempre o incentivei a escrever uma autobiografia, ele sempre adiava. Depois vieram os problemas de saúde...

Selene May Brasil:

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Emiliano José

22 de março de 2022

Jaciara Santos: valor da amizade

 

Dia seguinte, cedinho, Guimarães procura delegado de confiança dele.

Relata tudo.

Delegado se dispôs a ajudá-lo, necessário fosse.

Besta nem nada, aciona dois amigos da pesada, dois amigos de "rocha" para fazer plantão no bairro.

Protegessem a família dele.

No bairro, moravam, além de mulher e filhos, a mãe dele e uma irmã, e todos morando na mesma rua.

Com os dois, sentia-se seguro.

Família protegida.

Foi para o jornal.

Telefonou para um segurança da sede da Paratodos, também conhecido de babas:

- Quero uma conversa com algum banqueiro do bicho aqui na Bahia.

Coisa de 20 minutos depois, recebe telefonema de um contraventor da pesada, entrevistado por ele havia pouco tempo, com exclusividade, dentro da fortaleza da Paratodos, na avenida Octávio Mangabeira, trecho de Pituaçu.

Início da conversa, e o bicheiro desconversa, tenta negar o fato.

Guimarães apertou-o.

Sujeito pediu tempo.

Nova ligação, e confirma.

A pessoa em questão, o da ronda no bairro à procura dele, fora enviada por banqueiros cariocas, a máfia do bicho do Rio de Janeiro.

Nada a ver com banqueiros do bicho da Bahia - explicou o contraventor.

Deu garantias: o retorno da pessoa ao Rio já tinha sido providenciado.

Guimarães respirou aliviado.

Pensou: o quanto vale a amizade.

Quanto mais, uma amizade de baba.

Zeca, naquela madrugada, pode ter salvado a vida dele.

Jornalismo policial, levado a sério, não é brinquedo, não.

Guimarães fez, ali pelo início da década de 2010, verdadeira campanha contra o jornalismo sensacionalista, desrespeitoso com as pessoas presas, principalmente nas televisões.

Cobrou providências do Ministério Público contra emissoras e repórteres sempre prontos a agir de forma abusiva, servindo de péssimo exemplo para novos profissionais.

Alertava: os repórteres sensacionalistas agiam assim pautados, por orientação dos responsáveis pelos programas e sobretudo por diretrizes das empresas.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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Emiliano José

23 de março de 2022

Jaciara Santos: “eu quero é sangue”- jornalismo policial da TV

 

Uma das pragas do jornalismo policial brasileiro, presente, sobretudo, em algumas redes televisivas e emissoras de rádio, é o absoluto desrespeito aos direitos dos presos, pouco importando a dito jornalismo se a pessoa é culpada ou inocente.

Os repórteres convertem-se em policiais, interrogando os suspeitos – para eles, culpados, liminarmente -, agredindo-os até, com atitudes asquerosas, não tem outra qualificação. Indignação – é o sentimento a tomar conta de quem tenha alguma sensibilidade, quando assiste tais espetáculos.

Não se qualifica de espetáculos à toa.

Na área da cobertura policial, trata-se da espetacularização da notícia. À custa dos presos – insista-se, pouco importando se culpado ou inocente.

O preso em delegacias, onde normalmente ocorrem os abusos, os desrespeitos, nunca pode ser considerado culpado porque ainda não foi julgado.

Claro, pode acontecer de ser um sujeito preso depois de um flagrante claro, e ainda assim, só um julgamento pode determinar a culpa dele. Porém, os repórteres policiais mandam às favas tais dispositivos, inclusive os constitucionais.

Não se critique apenas os repórteres.

Sem querer ser agressivo, são em geral paus-mandados.

Obedecem a pauta, à orientação dos editores de tais programas, onde é obrigatório o máximo de demonização dos detidos, transformados, muitos deles, independentemente dos fatos, em verdadeiros monstros.

Esses editores e os apresentadores são alavancadores de audiência.

Como se agissem assim por pressão popular, como se a população quisesse sangue.

E ainda quisesse, ainda houvesse, e há, sadismo em meio ao povo, papel do jornalismo é também, em princípio, o de educar, é também cultural, e não o de render-se eventualmente a sentimentos mórbidos, sádicos.

E esses editores e apresentadores são paus-mandados dos empresários de comunicação, cuja avidez por lucros sacrifica quaisquer princípios éticos. Para tanto, vale desrespeitar seres humanos sem qualquer consideração pelos direitos deles.

Tais empresários têm urticária ao ouvirem falar em direitos humanos.

É triste, e de dar indignação, seja esse um dos problemas sem solução do jornalismo brasileiro, apesar de entidades se baterem por isso, de alguns profissionais da área bradarem sem qualquer avanço até agora, tantos anos passados.

Foi uma das lutas de Erival Guimarães, durante muitos anos editor de Jaciara no Correio, tendo passado, já dissemos, por várias redações, sempre na área policial.

Nunca se conformou com tais procedimentos.

Em março de 2012, publicou texto denominado “A era dos inquisidores”.

Começava dando testemunho:

- Vi muita coisa que me indignou no jornalismo baiano, em especial na reportagem policial ao longo dos meus vinte e tantos anos de profissão, principalmente em relação à linguagem desrespeitosa e chula utilizada por alguns profissionais e à publicação de fatos chocantes, a exemplo de corpos ensanguentados de vítimas de homicídios ou acidentes.

 No quesito desrespeito, no entanto, dizia no artigo, ninguém havia chegado tão longe como os programas de TV sensacionalistas daquela época, e o pior é constatar a continuidade de tais programas, insensíveis a quaisquer apelos, prontos sempre a desrespeitar os dispositivos constitucionais.

Os “repórteres”, ele insistia em aspear, transformam-se em verdadeiros inquisidores, agindo sem limites.

Lembrou de período como subeditor do jornal Bahia Hoje, onde conseguiu implantar uma linha editorial diferente, “dispensando o uso de termos pejorativos e desrespeitosos quando nos referíamos a pessoas presas pela polícia (muitas vezes inocentes) e com nossos fotógrafos orientados a registrar cenas de corpos e outras tão chocantes somente em segundo plano. Com o passar dos anos os demais jornais da cidade adotaram a mesma postura”.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Isabel Santos: Grande demonstração de Erival de respeito ao próximo. Maravilha. Um colega exemplo!

Lucilia Duarte: Lula foi vítima desse “jornalismo” sujo ao qual vc se refere! Isso numa sociedade dita civilizada não aconteceria!

Mônica Bichara: Verdade, o mesmo tratamento policialesco levado às editorias de política. Aos amigos, todo espaço. Aos inimigos, só porrada 

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Emiliano José

24 de março de 2022

Jaciara Santos: indignado com o desrespeito aos presos

 

Guimarães lembrava no início da década passada da mudança positiva no jornalismo impresso, mais cuidadoso com a cobertura de polícia, evitando o sensacionalismo, o desrespeito com os

presos.

A mídia televisiva, no entanto, seguia investindo em programas sensacionalistas.

Havia programas, na Bahia e país afora, onde era visível a confusão de papéis: polícia e jornalistas pareciam a mesma coisa.

Não era incomum, pela televisão, assistir a operações acompanhadas por repórteres, estes em veículos policiais, num amálgama inaceitável.

Televisão parecia não ter jeito.

Seguia no desprezo completo aos princípios éticos da profissão, e desrespeitando princípios constitucionais, com uma performance absolutamente inadequada dos "repórteres".

Erival Guimarães indignava-se:

- Quase todos os dias assistimos esses profissionais enfiando o microfone nos rostos das pessoas detidas apenas sob suspeita de terem praticado algum delito, fazendo indagações descabidas e até tocando nos acusados.

Desrespeito pouco é bobagem:

- Não faz muito tempo, um desses entrevistadores passou a mão nas nádegas de um dos presos, a quem insistentemente interrogava ao vivo. A sanha desses programas é tamanha que desrespeitam até orientação da Justiça sobre a veiculação de imagens de adolescentes, mesmo de costas ou com os rostos preservados.

E Guimarães acentua: maioria das vezes, os "repórteres" agem com a conivência de policiais, aos quais se referem como "guerreiros".

Os tais guerreiros desfrutam dos 15 minutos de fama, de visibilidade, e em troca abrem as portas para o total desrespeito aos direitos dos presos, e mandam às favas a chamada presunção de inocência, para eles maneira de proteger bandido.

Nada tem sido feito para coibir tais abusos - constatava Guimarães.

No artigo, clamava no deserto:

- Até quando vamos ter de aturar?

Artigo "A era dos inquisidores", repito, publicado no blog dele, "Jornalismo das antigas", dia 15 de março de 2012.

Em maio, 23, ele saudava uma reação de jornalistas e entidades de classe...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: A falta de ética desses "comunicadores" é sempre dirigida aos presos ou suspeitos pobres, pretos......são pré-julgados e já exibidos como bandidos, antes mesmo da apuração. Mas quando o caso envolve algum riquinho ou classe média, algum famoso, celebridade........aí lembram da ética no jornalismo, omitem nomes, closes nem pensar. Por mais Erival e Jaciara (e equipe) no jornalismo

Jaciara Santos: Meu mestre, uma inspiração! Quanta falta do seu olhar crítico ante o novo jornalismo do "CPF cancelado" e do copia-e-cola...

Graça Azevedo: Tempos sombrios. 

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Emiliano José

25 de março de 2022

Jaciara Santos: prática nojenta

 

A indignação de Erival Guimarães começava a dar resultados.

No artigo publicado no blog dele "Jornalismo das Antigas",  "A era dos inquisidores II", uma quarta-feira, 23 de maio de 2012,  ele saudava o início da reação de jornalistas e entidades de classe contra o sensacionalismo e o desrespeito do jornalismo policial televisivo com os presos.

Havia escrito "A era dos inquisidores", verdadeira catilinária reagindo aos abusos contra os presos havia mais de dois meses, estava meio desalentado com o silêncio, mas enfim começara uma reação.

No novo texto, Guimarães agradece a Marcos Russo.

O jornalista publicou no site Política Hoje o artigo "'Jornalismo' e Polícia Civil pecam com os acusados na Bahia".

E estendeu agradecimentos a tantos que se manifestaram, também indignados.

Para ele, a atitude da jornalista da Band não constituía novidade.

Das publicações da época, 2012, noticia-se a jornalista Mirella Cunha zombando acintosamente de um preso pelo fato dele confundir exame de corpo de delito com exame de próstata.

Ela humilhou o preso, e ria enquanto humilhava.

E não se trata de individualizar o problema.

Nem crucificar a jornalista.

Imagina-se, passado o tempo, ela tenha aprendido a lição.

Mudado de visão.

Imagina-se.

Trata-se, como indicado por Guimarães, de um problema muito mais vasto.

Ela provavelmente estava envolvida pela cultura dominante, pelo pensamento dos editores, pelo clima do próprio programa de que participava.

- O que faz essa menina da Band, atitude que gerou repúdio, na verdade não é novidade. Vários outros "repórteres" dão show de desrespeito contra pessoas detidas, muitas vezes apenas acusadas de algum crime.

No artigo, ele evidencia absurdos:

- Tamanho é o absurdo que o tal do Mão Branca, em repetidas ocasiões, passou a mão nas nádegas de presos, forçados a dar declarações, entre outras atitudes reprováveis.

E ele insistia: tudo isso ocorria dentro das delegacias com a conivência de policiais.

E ele dizia torcer para que o presidente em exercício da Associação  Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, e Marjorie Moura, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba), "realmente tomem uma posição firme para coibir essa prática nojenta".

Sei perfeitamente: Marjorie Moura e Ernesto Marques são jornalistas íntegros, cultores da ética do marceneiro, e contra o jornalismo policial sensacionalista, desrespeitoso dos direitos humanos.

Mais não fizeram, certamente por circunstâncias alheias à vontade deles.

Tanto quanto Guimarães, lutam pelo respeito aos direitos dos presos.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Bons frutos, pelo menos na cobertura dos jornais impressos na época a mudança editorial foi perceptível

Jaciara Santos: Hoje, o desrespeito é impulsionado também pela "cultura do clique". Não importa o que está sendo veiculado, o importante é gerar visualização, viralizar. Tenho um amigo - jovenzinho, gente boa, amo demais - que sempre me manda algumas tolices publicadas nesses sites e que ele replica no veículo em que trabalha. Normalmente são notas ligadas à intimidade de celebridades ou subcelebridades. Quando questiono a noticiabilidade do assunto, ele retruca: " é ótimo pra gerar comentários indignados". E assim caminhamos...

Sergio Faria: Emiliano, que saudade do tempo em que você nos orientava no movimente secundarista do Paraná como membro da UBES. 

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(O editor de Segurança do Correio, Erival Guimarães, que faleceu no início de 2020)

Emiliano José

26 de março de 2022

Jaciara Santos: Erival Guimarães - um amante da verdade

 

Escrevo.

Mas o faço no compasso do coração de Jaciara, tão amiga dele.

Ela o conheceu na Tribuna da Bahia.

Editora, ele revisor.

Ele trabalhava também no Correio.

Lembro sempre, há jornalistas meio esquecidos disso: essa é uma profissão proletária, trabalho muito, horários apertados, linha de produção rigorosa.

Vivia na correria, o nosso Erival Guimarães.

Eu o conheci só de vista, lamentavelmente - correria.

Jaciara ainda se recorda: ele chegava esbaforido à redação - deslocamentos de ônibus.

Tinha de se virar nos trinta para garantir padrão de vida digno para Sheila, Tatiana, Hugo, os filhos do primeiro casamento com Sandra.

Jaciara não era tão próxima de Guimarães à época - da vida, soube depois, e tomou conhecimento também da admiração dele pelo trabalho dela.

Aos poucos, ele foi se firmando profissionalmente.

Repórter do Correio da Bahia,

No jornal A Tarde.

Foi para o Bahia Hoje, subeditor de Polícia.

Era 1993.

Ali, desenvolveu notável trabalho, criando uma nova cultura na cobertura dos fatos policiais - disso já falamos.

Erival costumava destacar dois momentos dos quais saiu como sobrevivente: um acidente aéreo em janeiro de 1989 e a ameaça de bicheiros cariocas em meados de 1992.

Desta ameaça, já falamos.

O acidente: a queda de um bimotor da Abaeté Táxi Aéreo, em 27 de janeiro de 1989, no Oeste baiano.

Deixou de produzir para tornar-se notícia.

Diz: nunca fui de acreditar em milagres.

No caso do acidente, no entanto, afirma dever muitas horas extras ao anjo da guarda dele.

Bahia Hoje fecha as portas, e ele vai para o Correio, então editor.

Carregou com ele a mesma sensibilidade, faro apurado e senso de responsabilidade, qualidades a destacá-lo desde sempre como grande repórter.

Chefe exigente, compreensivo, conhecedor das manhas da cobertura policial, orientava, indicava o melhor ângulo da abordagem, sugeria fontes, incentivava, vibrava com os furos.

Sofria com os desacertos.

Chegava junto.

Comandou a editoria até 2008.

Saiu para assumir a assessoria de Comunicação da Secretaria de Segurança Pública.

Graduado em Comunicação pela Facom, da UFBA, exerceu o jornalismo investigativo, sobretudo policial, por mais de 20 anos.

Faleceu em 10 de janeiro de 2020, aos 61 anos.

A Bahia perdeu um grande jornalista.

Um amante da verdade.

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Mônica Bichara: Esse corre-corre conheço bem, toda vida trabalhando em 2 lugares, de buzu.....né mole não. Erival foi um querido, só boas referências

Isabel Santos: Pois é, Monca. Não tem como não imaginar esse corre-corre de Erival. Passamos por ele, na luta pela sobrevivência, buscando realizar da melhor forma possível. Uma homenagem linda e merecida, do poeta da pena e da comadre, ao colega, que muita está emocionando, especialmente seus familiares.

Ana Vieira: Grande jornalista, grande pessoa. Sobravam- lhe gentileza, educação e sensibilidade. Trabalhamos juntos em A Tarde. Eu brincava muito com ele, o chamava de queimado. Ele ria muito

Jaciara Santos: Ana Vieira um querido!

Jaciara Santos: Obrigada, mais uma vez, Emiliano, por este resgate à memória de Erival Guimarães . Muito obrigada.

Graça Azevedo: Partiu tão cedo. 

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Emiliano José

27 de março de 2022

Jaciara Santos: crime organizado e violência

 

Segurança é um dos principais desafios à democracia no Brasil.

O número anual de homicídios por arma de fogo no País é assustador.

Houve uma espécie de alento, quando em 2021 registrou-se uma diminuição do número de homicídios – Brasil chegou a 41 mil homicídios.

Número assustador, só comemorado porque o País naturalizou essas milhares de mortes.

Nada a comemorar.

Há a polícia matando.

Há o crime organizado matando: estudiosos afirmam ser o crime organizado responsável por algo entre 70% e 80% dos assassinatos.

A diminuição teria sido fruto da crescente profissionalização do tráfico de drogas.

As facções resolveram fazer uma espécie de acordo, e diminuir o clima de guerra. 

Não é questão simples.

Há de se considerar a emergência das milícias, alimentadas pelo clima político criado a partir de 2016 e sobretudo após a eleição do atual presidente, cuja família mantém laços orgânicos com tais organizações.

Há de se considerar uma espécie de amálgama entre parcela de policiais e o crime organizado.

Penso, de longe, estudioso não sou: o problema de tanta violência tem a ver com a proibição de algumas drogas – digo de algumas porque há muitas legais, e de maior dano à saúde.

Jaciara testemunhou o surgimento de uma organização criminosa no decorrer da atividade como repórter de Polícia: o Comando da Paz. 

Disso pretendemos falar.

Na leitura de Jaciara, o Comando da Paz foi criado por reclusos do Presídio de Salvador – antiga Casa de Detenção -, uma das unidades do Complexo Penitenciário localizado no bairro da Mata Escura.

Batizada com o nome Comissão da Paz.

Do nascimento aos dias atuais, a facção teve várias lideranças, “quase sempre um interno da capital”, de acordo com o testemunho de veterano agente penitenciário, às vésperas de se aposentar.

Quando Jaciara começou a acompanhar a evolução do grupo, o líder era Pitty, um jovem com menos de 30 anos e robusta ficha criminal, nome de batismo Eberson Souza Santos.

Autodenominada porta-voz da comunidade carcerária nos contatos com a direção do presídio, a Comissão da Paz nasceu lá pelos anos 1990, quando Pitty era então adolescente.

Versões, muitas, sobre a paternidade da Comissão da Paz.

A mais confiável aponta para Mário Carlos Jezler da Costa, espécie de cérebro do surgimento da organização.

Preso por tráfico e sequestro, passagens pelo sistema carcerário de vários estados, ex-integrante da Falange Vermelha, facção a dar origem ao poderoso Comando Vermelho.

Antes da chegada de Costa ao Presídio Salvador, havia muita dispersão e rivalidade entre os detentos.

Ele resolveu botar ordem na casa.

Chegou dizendo “a união faz força”.

Aprendeu isso quando de suas passagens por presídios cariocas.

Brigas entre nós nos dividem, nos enfraquecem, ia desenvolvendo a pedagogia dele. 

Convenceu a moçada a criar um grupo capaz de representar os presos diante da direção do presídio.

Nasceu, assim, a Comissão da Paz, célula embrionária do atual Comando da Paz. 

Costa foi sequestrado e morto em 2009, em Salvador.

Polícia informa: morte teria sido motivada por uma quantia de R$ 150 mil, proveniente de um assalto a banco.

Costa não teria compartilhado a quantia com os companheiros de ação.

Corpo dele foi encontrado atrás de um supermercado na avenida Garibaldi, com muitas perfurações de tiros, e com a língua e os dedos das mãos mutilados.

Barbárie.

Jaciara, a partir de pesquisas, não embarca numa visão bastante difundida: a de que as facções teriam surgido como decorrência do convívio entre presos políticos e presos comuns, a partir principalmente do Presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

Verdade, verdade, os presos políticos, dou testemunha disso, sempre estiveram separados dos presos comuns durante a ditadura.

As facções foram pensadas a partir de iniciativas de homens pobres e periféricos, nada a ver com qualquer influência da intelectualidade de esquerda.

Voltando ao Presídio Salvador, a célula embrionária da Comissão da Paz era constituída por Genilson Lino, conhecido como “Perna”; César Dantas, alcunhado “César Lobão”, e por Cláudio Eduardo Campanha da Silva, chamado “Pai”, sugestivamente.

Foi “Pai” a pegar Pitty pelas mãos e incluí-lo na Comissão da Paz.

Pitty não era brinquedo.

Rapidamente assumiu a liderança do grupo.

Percebeu o vácuo deixado por Costa, e deu nova orientação ao grupo.

Agora, seria no pau.

Violência.

Então, houve um racha...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Eitcha que esse povo gosta de "paz", viu.....SQN

Jaciara Santos: A Comissão da Paz, que surgiu com a proposta de pacificar a cadeia, acabou sendo o estopim da atual guerra de facções.

Graça Azevedo: Ligada nos próximos capítulos.

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Emiliano José

28 de março de 2022

Jaciara Santos: Pitty e rebeliões

 

Pitty chegou tocando terror.

Afirmou-se no tranco, na violência.

Essa política levou a um racha.

A comunidade carcerária passou a ter duas lideranças.

A gangue de Pitty, comandava o Presídio Salvador.

Perna, a Penitenciária Lemos Brito.

Pitty teve de enfrentar o primeiro teste de força.

Dia 7 de dezembro de 2003 eclode rebelião no Presídio Salvador, praia dele.

Liderada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

Motim estourou imediatamente após o fim da rebelião de 58 horas, iniciada  pelos presos da Penitenciária Lemos Brito na quinta-feira, 4.

Uma e outra rebelião reivindicavam a flexibilização do Regime Disciplinar  Diferenciado (RDD), artigo 52 da nova Lei de Execuções Penais, um conjunto de regras voltado ao endurecimento da disciplina interna dos presídios.

Cortava alguns dos poucos benefícios usufruídos pela população carcerária.

Alçado à condição de negociador, Pitty, provavelmente valendo-se das artes da boa conversa, não da violência, conseguiu garantir o fim do motim.

Viu crescer a fama.

O fim de uma rebelião não depende de um nome apenas.

Há informações de que, para minar o poderio das facões, a gestão prisional recorreu a um acordo extraoficial com lideranças criminosas.

Teria havido um pacto entre a cúpula da Segurança Pública e um dos antigos líderes do Comando da Paz, então de regresso ao Presídio Salvador, a envolver a tarefa de apaziguar os ânimos na prisão e controlar Pitty.

Esta, a conclusão dos professores Luiz Cláudio Lourenço, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, e Odilza Lines de Almeida, graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, no dossiê "Quem mantém a ordem, quem cria desordem: gangues prisionais na Bahia".

A proposta de apaziguar ânimos, no entanto, não foi adiante por muito tempo.

Muito menos, a de controlar Pitty.

Força dele só crescia.

Passa a figurar como mandante da maioria das grandes ações criminosas de Salvador.

"Passa a figurar" não quer dizer toda a verdade.

Parecia estar havendo um complexo jogo entre a polícia e as facções.

Nem Pitty era bom moço.

Nem a polícia era essa lisura toda.

À polícia, era confortável atribuir tanto crime a ele.

De dentro da prisão, ele comandava tudo.

Assim, não adiantava procurar culpados - era ele.

Será?

Na verdade, o discurso camuflava a incompetência da Segurança, incapaz de investigar os crimes.

Um monstro fora criado.

Jaciara começou a cavar um encontro com o monstro...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Soube depois que Pitty incomodava tanto por saber demais. Não que ele fosse santo...

Jaciara Santos: Almiro Lopes se liga, maluco. Já já chega nossa aventura com Pitty. 

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Emiliano José

29 de março de 2022

Jaciara Santos: decepção no cara a cara com o superbandido

 

Jaciara começou a procurar maneira de entrevistar Pitty.

Sempre bom estar face a face.

Conhecer o personagem por detrás da fama.

Quem era esse monstro?

Ao cobrir a rebelião de 2003, consegue o telefone dele e de algumas outras lideranças do movimento.

Jaciara estabelecera alguma intimidade com os presos.

Volta e meia recebia ligações deles.

Rendiam boas pautas.

Erival Guimarães, editor de Jaciara, cunhou epíteto sobre ela:

“Jaci, a rainha dos detentos”.

Com alguma razão.

Reparem: nos telefonemas, boas conversas, nenhum dos presos usava o nome real.

Falou com Pitty algumas vezes sem saber fosse ele.

Cuidados dos presos para dificultar identificações caso as ligações estivessem grampeadas.

Preso não pode dar bobeira.

Já na área, já sabendo tratar-se de Pitty, começou a sondá-lo:

- Estou querendo fazer uma entrevista com você – anunciou.

Ele não negou de pronto.

Porém estabelecia condição:

- Entrevista só acontece, mana, se a direção do presídio autorizar.

Esta, a primeira.

Havia outras.

O diretor, consultado, se mexeu na cadeira pra lá e pra cá, tomou um gole d’água, um cafezinho, fez minuto de silêncio, e depois enumerou um bocado de regras de segurança, e afinal cedeu.

Não pensem seja fácil assim.

Passou muito tempo em compasso de espera.

E nada de a entrevista sair.

Não podia ser um dia qualquer.

Devesse ser aquele escolhido pelo diretor.

Teria de se adequar ao ritmo das marés.

Prisão – o sistema prisional – é terreno instável.

Às vezes, está tudo uma impressionante calmaria, e de repente a cadeia vira.

Vira um inferno.

Experimentei um desses vira – creio em 1972, nós presos políticos quietos em nossa galeria, e de repente, noite, a cadeia virou, pegou fogo literalmente, colchões jogados no pátio do Corpo IV da Lemos Brito, incêndio pra todo lado, grades arrancadas na mão grande pelos presos, gritaria dos infernos, e o presídio tomados pela população carcerária.

Pelo respeito desfrutado com os presos comuns, fomos consultados se a nossa galeria devia ser arrebentada também.

Patrício, um dos presos amigos, nos consultou.

- Não, respondemos.

- Se vocês fizerem isso, vão atribuir a rebelião a nós.

Respeitaram.

Galeria F restou intacta.

Adiantou não: diretor quis atribuir aos comunistas, nós, a direção da rebelião, cuja duração deve ter sido de uns dois dias ao menos. 

Colou não. 

Enfim, a Jaciara só restava aguardar.

Chegou a desanimar.

Tempo, tempo, tempo, passou foi tempo, e quase três anos depois Jaciara recebe um telefonema.

Era uma tarde de maio de 2006:

- Pode vir conversar com Pitty.

Assim de chofre.

Maguila, o fotógrafo Almiro Lopes, pegou às pressas o material, e os dois seguiram para a Mata Escura, a toda velocidade.

No caminho, Jaciara pensava.

Não tinha ideia, tanto tempo passado, como seria a entrevista, qual o tom a ser dado a ela.

Não iria passar pano.

Porém não queria também apontar o dedo.

O diretor recebeu os dois, ofereceu cafezinho e água.

Bate papo sem maiores consequências.

A espera parecia uma eternidade, mas nem foi tanto tempo assim.

Meia hora depois de chegar ao presídio, estava cara a cara com Pitty.

Surpresa total: viu-se diante de um rapaz simplório, aparência tímida, nada a lembrar o “dono da cadeia”, o monstro criado pela polícia e de alguma forma pela própria mídia, nada parecido com o superbandido capaz de decidir vida e morte na prisão e fora.

Jaciara não disfarçou a surpresa:

- Então você é o famoso Pitty?

Ele, sagaz, reagiu:

- É. Estão me fazendo famoso, já viu?...

Jaciara ainda atônita.

Olhava, olhava para o entrevistado.

Não acreditava fosse ele.

Na imaginação dela, Pitty era outra figura, nunca aquela.

Ela própria criara um personagem de ficção.

Na imaginação, outro estereótipo...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Graça Azevedo: E aí?

Emiliano José: amanhã tem mais..

Jaciara Santos:  como se diz nas quebradas, "tenha suas calma, mana" kkk

Graça Azevedo: Suspense!!!!

Emiliano José: Graça, e a vida? Não é permanente suspense? Sempre o diabo na rua no meio do redemunho?

Graça Azevedo:  É verdade.  

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(Entrevista com o traficante Pitty, na penitenciária)

Emiliano José

30  de março de 2022

Jaciara Santos: santo, não, mas

pagar pelo que não fiz, também não

 

Olhava e olhava para aquele jovem.

Não era ele.

Ecoava na mente a resposta dele:

- É, estão me fazendo famoso, já viu?

Percebia, a modo dele, a sociedade do espetáculo e suas manhas.

Não era famoso.

Fizeram-no famoso.

E quem?

A mídia, açulada pela polícia.

Diante dele, ela se perguntava:

- Cadê o bandidaço criado por mim, por minha imaginação?

Não estava ali.

Já vira fotos dele na ficha criminal - close de frente e de perfil, com número de identificação.

Não, não era ele.

Tudo que é sólido desmancha no ar.

Imaginem os devaneios da imaginação.

Dissolvem-se no ar diante da realidade.

Alto, magro.

Sem tatuagens à vista.

Limpo.

Fala mansa.

Voz baixa.

A fala, entremeada de pausas.

Fosse um jeito, fosse interpretação.

O silêncio, talvez espaço pra pensar.

Ela o olhava, reolhava, todo interesse para desvendá-lo, acostumar-se com a realidade diversa daquela mantida até ali pela imaginação.

Bermuda floral: fundo branco, flores azuis.

Repórter gosta de detalhes.

Camisa branca, com ilustração discreta.

Cabelo, barba e cavanhaques bem aparados.

Adereços?

Nenhum.

Não fossem as algemas a lhe prender as mãos, não fosse o local, Pitty passaria por um rapaz de bem.

Nada nele denunciava o monstro sobre quem pesavam tantas e tão graves acusações.

Bem, vamos ao trabalho – ela pensou.

É com este que eu vou – não posso me valer mais de toda a construção imaginária anterior.

Jovem de 25 anos.

Já contabilizava alguns anos no sistema criminal.

Começou cedo.

A estreia: um assalto a ônibus em 1999.

Dali em diante, adeus liberdade.

Falava com alguma tranquilidade, ajudado pelas pausas:

- Dos 18 anos pra cá eu fiquei só dez meses fora da cadeia.

Disse isso sem rancor durante a entrevista de mais de uma hora.

Não recuou diante de nenhuma pergunta.

E havia algumas obviamente embaraçosas.

Como a atuação à frente da maior boca de fumo em atividade no presídio.

Ou de estar por trás da matança associada ao tráfico de drogas em vários pontos de Salvador.

- Todo mundo diz que Pitty tem meio mundo de armas, meio mundo de droga.

Pausa.

Respira fundo.

- Onde estão as armas?

- Cadê a droga?

Pedia provas, não convicções.

Seguia assim, durante a entrevista.

Calmo.

Controlando a situação.

Controlando-se.

Às vezes, besta não era, tornava-se evasivo.

Sem, no entanto, negar as acusações.

Rechaçava o envolvimento em uma ação, de modo categórico.

Neste caso, nem pausa fez.

Não teve nada a ver com o assalto ao Bradesco do Canela, de fevereiro de 2005.

Na ação, morreram três policiais militares.

Garantia: esteve fora dessa.

Jaciara argumentou:

- Segundo a polícia, uma escuta telefônica flagrou o momento em que você, de dentro do presídio, teria coordenado toda a ação executada por comparsas seus.

Mal acabou, e ele retrucava, sem titubear:

- Que escuta, pelo amor de Deus?

- O próprio DPT já disse três vezes, três vezes, que a tal fita não tem condições de ser periciada.

- É uma fita que não pode ser periciada que me liga a esse assalto?

Jurava de pés juntos: jamais iria autorizar o assassinato de policiais.

Apresentava argumento de peso: respeitava a PM porque o pai era policial militar reformado.

Com um pai da PM, iria mandar matar policiais?

- Não, mana, isso eu jamais faria...

 “Não sou santo, só não aceito pagar pelo que não fiz”.

O título da entrevista, publicada pelo Correio da Bahia, página 14, em 14 de maio de 2006, um domingo.

Passado pouco mais de um ano...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: "Pedia provas, não convicções". Ah! Se todos agissem assim.....se é que vocês me entendem

Graça Azevedo: É desanimador pagar pelo que não se fez.

Jaciara Santos: Graça Azevedo sem dúvidas!

Jaciara Santos: Pitty sabia demais. Era preciso mantê-lo sob corda curta, do contrário, a casa cairia...  

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Emiliano José

31 de março de 2022

Jaciara Santos: fuga e morte de Pitty

 

Há fugas controversas.

Desconfiança – fugas a gerar desconfianças.

Pitty, de acordo com o noticiário da época e informações da polícia, fugiu da prisão.

Pouco mais de um ano depois da entrevista dada a Jaciara.

A data da fuga: 26 de junho de 2007.

Versão oficial: rapaz teria cavado um túnel e se jogado no mundo.

Há outras versões.

Há quem garanta até hoje ter saído pelo portão principal do complexo prisional.

Às vezes, polícia arma uma fuga.

Facilita.

O sujeito nem percebe.

A fuga pode ter sido a preparação de um cenário de execução.

Sujeito criava problema demais para a polícia.

Havia algum tempo, eleito o inimigo público número um.

Garantir tenha sido armação, ninguém garante.

Desconfiar, muita gente.

A caçada feroz começou logo depois da controvertida fuga.

Era matar ou matar.

Nenhuma contemplação mais.

Passado pouco mais de um mês da fuga, ele é passado na bala: 6 de agosto de 2007.

História oficial: morreu após confronto com policiais militares e civis, na BA-522, município de Candeias, Região Metropolitana de Salvador.

Boletim de ocorrência informava ele ter sido baleado no tiroteio.

Conseguiu escapar, vocês sabem, o homem era esperto e perigoso.

Embrenhou-se matagal adentro.

Localizado horas depois, levado ao posto médico Luiz Viana Filho, já chegou morto.

Eu me impressiono com a semelhança das histórias contadas pela polícia.

Tudo igual – sempre.

Jornal “A Tarde” informava no lead, edição de 6 de agosto:

“O traficante Eberson Souza Santos, 27 anos, conhecido como Piti, foi morto pela polícia na madrugada desta segunda-feira, 6, após perseguição iniciada na noite de ontem, no município de Candeias, Região Metropolitana de Salvador. Piti foi morto a tiros num sítio depois de ter escapado de perseguição iniciada próximo à cidade de Feira de Santana”.

Na primeira abordagem, informa o jornal, na manhã de domingo, polícia matou outros dois “integrantes da quadrilha comandada pelo traficante”.

Erivaldo Bispo Bonfim, 29 anos, e Erisvaldo Assis Santana, 27, dirigiam um Ford Escort, foram abordados, reagiram, e foram mortos – simples assim, sempre a mesma história. E no carro polícia encontrou duas pistolas, munição, R$ 2.800,00 em dinheiro, pulseiras e correntes.

Outros dois homens estavam num Fiat Siena, entre eles Pitty – teria recebido um tiro no peito, e as balas teriam ainda praticamente decepado a mão dele.

Teria conseguido furar o cerco, e fugir para um sítio em Caboto, distrito de Candeias.

Polícia, no encalço.

Cercado na madrugada, novo confronto, e ele atingido por uma saraivada de balas.

Na narrativa policial, baleado como estava, reagiu – sempre a mesma história.

Sujeito está morrendo, mas morre sempre atirando.

Mesmo com a mão decepada.

É, aquele rapaz cordato com quem Jaciara se encontrara, aquele rapaz bem articulado, calmo, ponderado, estava morto.

Polícia quando mata um Pitty finge comemorar como se fosse o fim da organização criminosa à qual pertencia.

Nesse caso, o fim do Comando da Paz.

Do que se sabe, a organização criminosa continua firme e forte.

Dentro e fora do sistema prisional.

Ainda detém com mão de ferro o controle de boa parte do tráfico de drogas em Salvador.

Nota de pé de página sobre o nome tornado famoso.

Nome dele, de batismo, é Eberson Souza Santos, mas Pitty tem grafia controversa.

Aparece como Pit

Ou Piti.

Jaciara quando da entrevista, perguntou:

- Qual Piti devo usar?

- Pitty – com dois t e y.

Morreu Pitty

Ao menos na escrita de Jaciara.

Outra nota de pé de página: os mortos tinham praticamente a mesma idade: jovens girando em torno de 27 e 29 anos.

Essa matança segue até os dias atuais.

#MemóriasJornalismoEmiliano 

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Não é mera coincidência

Jaciara Santos: E Pitty levou para o túmulo muitas histórias escabrosas envolvendo gente tida como acima de qualquer suspeita. Cala-te boca! 

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Emiliano José

1º de abril de 2022

Jaciara Santos: malandro é malandro, mané é mané

 

Em dezembro de 2003, vocês se lembram, já contamos, houve uma guilhotina no Correio.

Três cabeças rolaram.

A partir daí, Jaciara passa a fazer a cobertura factual.

Cobrir o dia a dia da violência urbana.

Fazer a ronda, no jargão do jornalismo policial.

Checar postos policiais dos hospitais de referência no atendimento a emergências como o Hospital Geral do Estado (HGE), na avenida Vasco da Gama.

Mais: no Hospital Roberto Santos, no Cabula.

Ernesto Simões Filho, no Pau Miúdo.

E ainda, Eládio Lassére, em Águas Claras.

Os livros desses hospitais costumavam gerar boas pautas.

Ao menos naquela época.

Talvez, é muito provável, o advento da informatização tenha aposentado essas velhas fontes de informação.

Quando se afirma boas pautas, no caso de polícia, não quer dizer boa coisa.

Outras fontes primárias eram o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues e as delegacias especializadas e circunscricionais.

O Nina Rodrigues pautava cenas de crime: por meio do setor de remoção de cadáveres, os repórteres iam direto ao local dos homicídios.

Era possível, então, acompanhar a perícia, pegar informações oficiais, conversar com testemunhas.

O reportariado procurava obter dados para compor a história, juntar elementos para escrever a matéria.

Nas delegacias, reportagem pegava flagrantes, casos sob investigação, e algumas informações em off capazes de gerar matérias.

Os repórteres de polícia trocavam figurinhas sobre o factual.

Conversavam entre si, sem reservas.

Não havia a concorrência acirrada existente em outras editorias.

- Era como se a violência nos nivelasse, fazendo com que fôssemos solidários uns com os outros - explica Jaciara.

Havia também relação cordial com alguns policiais, acostumados a avisar repórteres sobre um ou outro caso importante.

A Delegacia da Sétima Circunscrição Policial (a Sétima DP) era um celeiro de boas informações.

Situada no boêmio Rio Vermelho, abarcava áreas consideradas nobres - Ondina e Pituba, por exemplo.

Mas, mantinha sob sua juridisção áreas muito pobres, bolsões de miséria como Vale das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina, Alto de Santa Cruz.

À frente do Serviço de Investigação da Sétima DP, estava o lendário comissário Paulo Portela, sujeito de baixa estatura e enorme coração, na definição de Jaciara.

Filho de policial.

Vinha de berço sua dedicação à polícia.

Era definido como um cão perdigueiro.

Astuto, tinhoso.

Comia reggae de senhor ninguém não.

Malandro é malandro, mané é mané.

Não era mané.

A simples menção do nome dele fazia suspeitos de crime temerem.

Não sei se essa fama correspondia a um bom sujeito.

Mães de adolescentes infratores o procuravam.

Ajudasse a colocar os filhos na linha.

Como, não sei.

Era assim.

Segunda-feira modorrenta, num dia de 2004, Jaciara liga para a Sétima...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Até eu que nunca fui da editoria conhecia Portela, e a fama. Era realmente uma referência, único nome que gravei das poucas coberturas policiais que acompanhei. Lembro que ele também perdeu um filho

Graça Azevedo: Portela pegou o assassino do meu menino. Foi ao julgamento. Uma pessoa educada, solidária.

Jaciara Santos:  Portela é uma lenda. É o cara!

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(Caso Adriano, o ex-namorado suspeito de feminicídio)

Emiliano José

2 de abril de 2022

Jaciara Santos: o sumiço da moça

 

Corria o dia 22 de março de 2004.

Segunda-feira modorrenta, nada acontecia.

Jaciara resolve ligar para o comissário Paulo Portela.

Quem sabe, surgisse alguma pauta interessante.

- E aí, Popó, novidades na área? O dia tá tão fraco.

Ele, voz anasalada, tão característica:

- A gente tá aqui com o caso de uma moça desaparecida.

Fez uma pausa, e prosseguiu:

- Mas eu acho que é mais do que isso.

Jaciara se mexeu na cadeira:

- Como assim?

- Passe aqui, que a gente conversa. O pessoal d'A Tarde' tá por aqui...

Jaciara não se entusiasmou.

Segunda-feira, vai que a moça mergulhou numa balada e ainda não voltou...

É, mas jornalista pensa duas vezes.

Pensou: Portela não é Mané, não iria me dizer para ir até a delegacia não fosse algo importante.

Aquele “acho que é mais do que isso” não foi à toa.

E com A Tarde lá, melhor seguir para a delegacia.

Seguiu, e foi logo entrando na sala onde Portela e outros investigadores conversavam.

A um canto, algemado com as mãos para trás, um jovem bem apessoado, mulato claro de olhos verdes, aparência tranquila.

Adriano Silva Aragão, suspeito de envolvimento no sumiço de Elaine Souza Nascimento, 20, ex-namorada dele.

A moça saíra de casa, no Vale das Pedrinhas, na sexta-feira, 19, à tarde, para atender uma suposta convocação de emprego.

Não retornou e não deu notícias.

Familiares se preocuparam.

Ela não costumava dormir fora, nem ficar tanto tempo sem fazer contato.

Dias antes, revelara a pessoas próximas ter recebido ameaças de Aragão, inconformado com o término do relacionamento, cuja duração chegara a nove meses.

Queria por que queria reatar o namoro, e desenvolveu uma implacável tática de assédio.

Elaine, no entanto, irredutível.

Descobrira: o rapaz tinha três filhos e mantinha relação estável com a mãe das crianças.

Soube mais: o moço registrava passagens na polícia por roubo e porte ilegal de arma.

Não, não daria sequência à relação.

Pôs ponto final.

Quando saiu de casa na sexta-feira, informou à família ir para o bairro de Armação, orla marítima de Salvador, onde aconteceria a entrevista de trabalho.

Após o desaparecimento dela, familiares foram ao local indicado por ela, e constataram a inexistência de qualquer empresa no local.

Alguma coisa estava errada.

Sinal vermelho.

Familiares peregrinaram por hospitais, pelo Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, numa busca desesperada.

Nada.

Então, resolvem registrar o sumiço da moça na polícia.

Primeiro, no Departamento de Polícia Interestadual (Polinter), depois na Sétima Delegacia.

Ainda no sábado, Paulo Portela inicia as investigações.

Acompanhado de dois agentes, vai à casa de Elaine.

Encontra Aragão confortando a família.

Já sabiam do rompimento da relação.

De modo a não espantá-lo, Portela diz necessitar dele na delegacia para colher algumas informações.

Aragão saltou logo:

- Não tenho nada a ver com o sumiço de Elaine. O último contato que tive com ela faz mais de 60 dias.

Portela e colegas anotaram essa primeira mentira: namoro terminara havia apenas um mês.

Outro deslize: embora tenha negado contato recente com Elaine, disse à mãe dela, Ivana Souza, ter recebido uma ligação telefônica da moça na sexta-feira, por volta das 18hs.

As suspeitas sobre ele cresciam.

Jaciara voltou para a redação intrigada.

E cética quanto ao envolvimento de Aragão.

Ele negava com muita veemência conhecer o paradeiro da moça.

Portela e equipe o acusavam abertamente de envolvimento...

#MemóriasJornalismoEmiliano

 

COMENTÁRIOS

 

Jaciara Santos: Um caradura e me engabelou direitinho... Pronto, Graça Azevedo , já dei spoiler

Graça Azevedo: Vou continuar acompanhando! A prosa de Emiliano é envolvente. E tudo que diz respeito a vc é importante.   

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Emiliano José

3 de abril de 2022

Jaciara Santos: repórter de polícia e as armadilhas

 

Primeira matéria de Jaciara sobre o sumiço da moça é publicada no dia 23 de março de 2004.

Página 5 do Aqui Salvador, no Correio:

"Jovem some misteriosamente e polícia suspeita de homicídio".

Jaciara já era experiente.

Tinha noção: repórter policial precisa refrear emoções.

Evitar o tanto possa envolver-se com as fontes.

Não deixar se levar pela correnteza das aparências.

Sabia também: nem sempre é possível.

Em algumas ocasiões, e quem não?, deixou de lado a isenção.

Nem diz ter sido opção  baseada no princípio da presunção da inocência.

É artigo muito citado, artigo quinto, inciso LVII da Constituição Federal de 1988:

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Quando deixou a isenção de lado, o fez por ingenuidade ou por acreditar nas negativas de autoria de um ou outro suspeito.

Terêncio, filósofo anterior a Cristo, dizia: nada do que é humano me é estranho.

Quase a estabelecer um princípio: o da desconfiança diante do ser humano.

Saber das trapaças do ser humano.

Jaciara queria acreditar nas juras de inocência.

Surgiam como verdadeiras, tal a ênfase dos acusados.

Confessa: maioria das vezes, julgamento dela estava errado.

No decorrer das investigações, as pessoas julgadas inocentes por ela eram desmascaradas.

Ficava com a cara no chão.

Foi aprendendo.

Quem está em privação de liberdade, costuma se declarar inocente.

Jura: é um injustiçado.

Preso por engano.

Vítima de perseguição policial.

Praxe.

Parte do jogo.

Claro - pode haver erro, pode acontecer de pessoas inocentes serem presas.

Acontece.

Mas, o jogo habitual não é esse.

Então, ao repórter de polícia cabe fazer a apuração a mais cuidadosa possível, ouvir as partes envolvidas, contar a história, e tomar cuidado até tirar conclusões.

Matéria publicada, dia 23, Jaciara volta à Sétima Delegacia.

Adriano Silva de Aragão continuava como principal suspeito.

E se mantinha firme na negativa da autoria do desaparecimento da moça.

Estava já à vontade.

Conversou com os jornalistas.

Disse ter sido dele a iniciativa de terminar o namoro.

Razão: a pressão de Elaine para assumirem um compromisso mais sério.

Ele, rapaz sério, não se sentia maduro o suficiente para deixar a mulher e os três filhos.

Não estava preparado para dar esse passo.

Optou por manter o casamento.

Fez confidência: Elaine chegara a engravidar.

Abortou um filho dele...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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(Caso Adriano, o namorado suspeito de feminicídio)

Emiliano José

4 de abril de 2022

Jaciara Santos: ex-namorado era o assassino

 

Na conversa com os jornalistas, Aragão se dizia injustiçado e admitiu a possibilidade de processar a polícia logo sua inocência fosse comprovada.

Matéria do dia seguinte de Jaciara:

“Ex-namorado de garota desaparecida é investigado”.

Como ilustração, retrato de Elaine, cedido pela família, e foto de Aragão, feita por Maguila, o veterano fotógrafo Almiro Lopes – página 7, do Aqui Salvador.

Jaciara começava a se inquietar.

Cheia de dúvidas.

Chama Paulo Portela a um canto, valendo-se da intimidade adquirida ao longo das muitas coberturas, e pergunta:

- Popó, você tem certeza de que esse rapaz está envolvido no sumiço da moça?

O policial não reluta:

- Jaciara, eu estou lhe dizendo: ele é o cara. Eu já tenho tudo. A gente vai chegar lá. Me aguarde.

Entre os repórteres, ouviram essa conversa ela e Cristovaldo Rodrigues.

Ela, pelo Correio.

Ele, jornal A Tarde.

Nessa época, ela dividia a atuação no jornal com o trabalho na assessoria de imprensa da Defesa Civil de Salvador.

Pela manhã, Correio.

À tarde, Codesal.

Mesmo fora do horário da atividade jornalística, costumava monitorar os casos mais relevantes.

A tal cachaça – jornalismo é uma cachaça, vício.

Estava pensando no caso da moça desaparecida, da Elaine, naquela tarde, 24 de março do ano da graça de 2004.

Intrigada.

Telefone toca, Portela:

- Jaciara, eu não disse a você que Adriano era o cara? O seu santinho acabou de dar o serviço. A gente tá indo agora fazer o levantamento do corpo da moça.

Boquiaberta.

Estarrecida.

Não queria acreditar.

Fora do horário de trabalho dela, coube ao repórter Deodato Alcântara acompanhar o desfecho do caso.

Dia seguinte, 25, manchete da página de Segurança:

“Localizado corpo de jovem estrangulada pelo ex-namorado”.

O lead era conclusivo:

“Desaparecida desde a manhã de sexta-feira passada, a jovem Elaine Souza Nascimento, 20 anos, foi encontrada morta e enterrada em cova rasa, num matagal ao fundo do Motel Del Rey, bairro de Armação, ontem à tarde. Seu ex-namorado, Adriano Silva de Aragão, 34, o segurança clandestino Antônio José Teles Pessoa, 40, e o adolescente G. J. S., 17, confessaram o crime e estão presos na Sétima Delegacia (Rio Vermelho).”

Jaciara não tinha mais dúvidas – não tinha mais o direito de tê-las.

Dia seguinte, cobriu o sepultamento de Elaine e depois voltou à Sétima Delegacia.

Tentar falar com Aragão.

Tinha de olhar nos olhos dele de novo.

Ver se a inocência que pensara ter visto nos dias anteriores continuava ali.

Com raiva, é, Jaciara estava com raiva.

Está certo: repórter não deve se envolver emocionalmente com os casos, mas ela estava com raiva, muita raiva.

Por ter sido ludibriada.

Nada.

Não pôde olhar nos olhos dele.

Aragão não quis conversa.

Dia seguinte, matéria principal da página de Segurança, feita por ela, leva o título:

“Polícia acredita que jovem pode ter sido enterrada viva”.

E o subtítulo:

“De banho tomado e roupas limpas, assassino se negou a depor ontem, dando um show de arrogância”.

O lead de Jaciara mandava isenção às favas, fugia às regras do chamado bom jornalismo.

Era um desabafo:

“A máscara de dissimulação sob a qual o assaltante Adriano Silva de Aragão, 34 anos, vinha se escondendo desde que passou a figurar como principal suspeito de envolvimento no sumiço da ex-namorada Elaine Souza Nascimento, 20, finalmente caiu por terra ante as evidências de ter sido ele o autor do assassinato da moça. Mas ainda não foi dessa vez que ele revelou sua verdadeira face. Impossibilitado de continuar arguindo inocência, o bandido agora tenta erguer um muro de arrogância em torno de si e avisa: ‘Só falo em juízo!’. A polícia suspeita que a vítima foi enterrada viva”.

Expressava a raiva, a frustração por ter acreditado em Aragão.

Diz hoje:

 - Olhando para trás, não me sinto confortável ao ler esta abertura de matéria.

Mas, reflete:

- A tão propalada isenção no jornalismo é uma falácia.

 Justifica-se:

- E, desde que não venha a prejudicar alguém – o suspeito confessou o crime, a polícia reuniu todas as evidências que confirmavam a autoria – acho que seja uma reação válida. Humana, afinal de contas. A prova de que o jornalista não é uma máquina de noticiar fatos, mas gente como qualquer pessoa.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: Quando a gente olha pra trás, vê que fez coisas das quais não se orgulha. Mas, fazer o que, né? É a imperfeição, talvez, o que nos torna tão human@s...

Mônica Bichara: Pois eu me orgulho cada vez mais da repórter humana que vc sempre foi. O texto transmite a revolta do momento, a indignação diante de tanta frieza e de ter sido engabelada pelo "santinho de pau oco"

Jaciara Santos: valeu, cumádi. Mas que dá uma certa vergonha dá. Por outro lado, é como falei pra Emiliano: isso prova que somos seres humanos. Com todas as imperfeições inerentes ao estágio evolutivo de cada um.

Graça Azevedo: Quem nunca, minha amiga? Boa manchete! Lava a alma.

Isabel Santos: Com certeza, querida. Mas que vc é uma aguerrida, não tenho dúvida. Grande profissional, que nos orgulha.

Jaciara Santos:  você é da área, irmã. Isso lá é lead que se escreva?... Onde a isenção, a imparcialidade?

Mas...

Jaciara Santos:  Graça, mas a história não acabou, viu? Pensa que já viu tudo? Sabe é de nada...

Graça Azevedo: Viuxe! Toca o bonde, Emiliano!  

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Emiliano José

5 de abril de 2022

Jaciara Santos: maldade humana

 

Depois do enterro de Elaine, um grupo de moradores do Vale das Pedrinhas foi à 7ª Delegacia agradecer a Portela pela elucidação do crime.

Os moradores, comovidos com a dedicação do policial.

Aplaudido e carregado nos ombros.

Celebridade.

Ele próprio registra:

- Foi uma das coisas que mais me emocionaram em minha vida. Só fico sentido de não poder ter evitado a tragédia que aconteceu na família.

Um dos casos mais marcantes ao longo dos 44 anos de Polícia Civil vividos por ele.

Jaciara é repórter.

Levantava a história, tanto tempo passado.

Perguntava-se.

Os autores continuavam presos?

Teriam sido julgados em júri popular?

Por onde andaria Adriano Aragão?

Melhor, volta ao velho Portela.

Liga pra ele.

Levou susto de cair o queixo.

Aragão morrera em 2009.

Suicidou-se.

Não fica por aí: matou-se após cometer mais um feminicídio.

Contemos o caso como foi.

Sujeito estava em liberdade provisória.

Aguardava julgamento pela morte de Elaine.

Já eram decorridos cinco anos desde a morte da moça.

Processo se arrastava.

Defesa entrou com pedido de habeas corpus, arguindo excesso de prazo na prisão.

Ele acabou liberado.

Prova provada: cadeia não endireita ninguém – Aragão voltou a matar.

A matar outra mulher.

Era o dia 4 de maio de 2009.

Esfaqueou Jaqueline Mendes Cerqueira, 30 anos, com quem vivia.

De modo a ter certeza de tê-la matado, garantia de que não sobreviveria, Aragão, não contente com as facadas, empurrou Jaqueline da laje da casa em que viviam, à Rua do Oriente, 191, na Fazenda Grande do Retiro, bairro da periferia de Salvador.

A laje ficava num terceiro andar.

Consumado o feminicídio, ele, arrependido, ingeriu o raticida conhecido como chumbinho.

Socorrido, levado ao Hospital Roberto Santos, morreu por volta das 21,30hs do dia 5 de maio.

Jaciara foi atrás do andamento da ação penal a envolver Elaine.

Continuou a tramitar na 2ª Vara Sumariante do Júri.

A sentença de pronúncia, do juiz Ernani da Silva Garcia, deu-se em 9 de dezembro de 2010, um ano após a morte do autor do crime.

Deveria, vivo estivesse, ser julgado pelo Tribunal do Júri.

Em 31 de maio de 2011, após conhecimento oficial da morte de Aragão, a Justiça encerrou o processo.

Assim, ninguém chegou a responder em juízo pelo assassinato, até porque o juiz isentou o segurança Antônio José Teles Pessoa de participação no crime.

Não é de todo improvável continue Jaciara a se perguntar como foi acreditar na inocência do rapaz.

Como ele foi capaz de envolvê-la.

Quase saiu dos eixos, a produzir um lead tão raivoso.

Quanto mais vive, mais vai compreendendo: ser humano abriga sempre o médico e o monstro, o bem e o mal.

A depender de inúmeras circunstâncias, pode matar.

Até mais de uma vez.

Como neste caso.

E o homem, o macho, pode dar-se a matar mulheres.

Como neste caso.

E com tantos casos diários a se repetir neste Brasil cheio de misoginia.

O fato: essa cobertura ensinou-a um pouco mais sobre o gênero humano.

Ah, e teve o confronto final.

Noite de 5 de maio de 2009, e Paulo Portela vai ao Hospital Roberto Santos buscar informações relacionadas a uma investigação em andamento.

Ao chegar, vê uma equipe do SAMU prestando socorro a um paciente em estado grave.

Curioso, se aproxima: era o velho conhecido dele, Adriano Aragão.

Portela o algema para evitar fuga após o atendimento:

- Horas depois, a médica que atendeu Adriano Aragão me ligou informando que ele tinha ido a óbito.

Retorna ao hospital.

Para recuperar o par de algemas.

E ter certeza de que Aragão não mais cometeria feminicídios.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: Lamentavelmente, aos olhos da Justiça terrena, este caso ficou impune. Mas, eu creio, da justiça divina (a verdadeira justiça) ninguém escapa. E os autores desse crime hediondo vão, sim, prestar contas por seus atos na instância maior. Eu acredito.

Graça Azevedo:  Queria ter essa certeza. Mas, me esforço.

Grande Portela! Pena que a nossa justiça (minúscula proposital) não esteja a altura dele.   

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(Coluna À Queima Roupa, no Correio da Bahia)

Emiliano José

6 de abril de 2022

Jaciara Santos: À queima roupa

 

Agosto de 2008.

Jornal Correio da Bahia passa por profunda transformação.

De cara, a empresa de consultoria em mídia Innovation, contratada pra criar o novo projeto gráfico, reduz o logotipo para Correio*.

Jaciara revela nunca ter entendido a razão do asterisco em vermelho.

A reforma não era apenas gráfica.

Além de mudar o formato de standard para berliner, o jornal alterou a estrutura editorial, linguagem e conceito.

Standard, para leigos, é o formato mais habitual de jornais, de tamanho maior. Berliner, ligeiramente maior do que o tabloide.

Encerrou algumas editorias tradicionais como Cidade, Política, Segurança, Economia.

Maioria dos assuntos factuais passa a ser registrada na seção 24h.

Jaciara anotando.

Tudo quase telegráfico – um ou dois parágrafos.

Mudança de paradigmas:

- Uma tortura para quem, como eu, não lida bem com o poder de síntese. Nada de textões no dia a dia.

Emplacar matérias no espaço nobre da seção “Mais” era uma luta.

Naquela seção, como sugere o nome, era possível conseguir algumas letras a mais, um tantinho fosse já agradava ao repórter, mas isso era uma luta, dependia da aposta ou da boa vontade dos editores.

Jaciara volta no tempo, ao velho Correio da Bahia.

Promovida a subeditora, deixou a rotina de matérias do dia a dia.

Só em casos especiais, o editor Erival Guimarães a liberava para ganhar as ruas, reforçar a reportagem.

Frustrante: Jaciara gosta mesmo é de escrever, apurar, investigar, produzir.

Supriu essa carência, essa frustração, ao assumir a coluna À Queima Roupa (AQR), cuja finalidade era abordar bastidores da polícia. Afloravam curiosidades, denúncias inconfidências.

Criada por Guimarães, o editor, a AQR deveria ser alimentada por todos da equipe da editoria de Segurança.

A ela cabia o texto final das notas.

Gozava de toda liberdade.

Podia recorrer à sátira o quanto quisesse.

No meio do caminho tinha uma pedra.

Os repórteres, envolvidos com a produção diária, não tinham tempo ou disposição para catar assuntos.

Jaciara teve de se virar nos trinta: assumiu produção, redação e edição do espaço.

À Queima Roupa virou a “coluna da Jaci”.

Com a reforma do jornal, a coluna ganhou status de blog.

E bem visitado.

Virou fonte de referência.

Sem espaço para o noticiário policial no novo jornal, Jaciara publicava no AQR várias informações exclusivas.

A editoria de Segurança fora extinta, mas ela mantinha as fontes dela.

Em maio de 2009, pouco mais de um ano após a reforma, Jaciara foi dispensada.

Jornalismo é a porra: muito difícil você se livrar dele.

Vício.

- Mesmo saindo do jornalismo policial, não conseguia que o jornalismo policial saísse de mim – Jaciara confessa.

Propôs um acordo com o gestor de conteúdo eletrônico: mesmo fora do jornal, manteria o blog.

Custo zero para a empresa.

Acordo a satisfazer ambas as partes.

Ela, fazendo uma coisa a lhe dar prazer.

O jornal, mantendo um produto que lhe interessava.

Arranjo deu certo.

Mais ou menos.

Como ela não tinha mais acesso à área de postagem, dependia do pessoal do jornal para atualizar o blog.

Pessoal, maioria de estagiários.

Não havia boa vontade.

Difícil haver: além da produção de rotina, galera tinha de fazer a edição do AQR com o material mandado por Jaciara.

Às vezes, a atualização demorava cinco, dez horas.

E isso depois de uma conversa dela com o coordenador.

Uma chateação.

Pra ela e para os jornalistas e estagiários.

Começou então a pensar, a acalentar o sonho de lançar um blog independente.

Fora da plataforma do Correio.

Encontra Daniel Bagdeve no Shopping Iguatemi – erro sempre o nome, é Shopping da Bahia.

Fala de seus desejos, e Bagdeve dá força.

Fera em tecnologia da informação, ele se dispôs a cuidar da parte técnica:

- Cuide do conteúdo, eu cuido do resto.

Sopa no mel.

Reúne pequeno grupo de amigos e amigas, marido, filho, filha, e dá a ideia:

- Não tenho dinheiro pra pagar ninguém. Quem topa embarcar nesse sonho? Entrar grana, a gente divide.

No dia 5 de junho de 2009, era registrado o domínio do À Queima Roupa.

Três semanas depois, é iniciada a publicação dos primeiros posts...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: O AQR fez história, muita saudade. Foi uma das melhores iniciativas que vi nascer no novo momento do jornalismo e tenho esperança que ele volte a brilhar. Textos maravilhosos de Jaciara, Flávia Vasconcelos (originou um livro lindo de Flavinha), Matheus Moraes, Luciana.....Abade.....Vamos repensar, comadre, conte comigo. O AQR era parceiro do nosso Pilha Pura, lembra Joana D´arck?

Jaciara Santos: Emiliano , eu tbm só falo Iguatemi. Usei Shopping da Bahia somente por se tratar de escrita formal kkkkkkkk

Matheus Morais: Que saudade! AQR foi uma grande escola e minha grande oportunidade de aprender com Dinha, essa jornalista imensa! Para sempre, seu aluno!

Mônica Bichara: esse puxa-saco de Dinha foi uma das grandes aquisições do AQR. E um amor do jornalismo que eu herdei

Jaciara Santos: era uma equipe e tanto, hein? E nossas rondas, lembra? Aquelas ações corpo a corpo nas noites do Dois de Julho, no Garcia, Red River e tals?... Saudades. Obrigada por ter sonhado aquele sonho junto comigo. Loviú.

Isabel Santos: Tive o prazer imenso de ir ao lançamento do blog, que muito colaborou para informação da sociedade, engrandecimento da categoria... Foi um momento ímpar, mais um passo firme da minha amiga/irmã, dessa comadre retadona. Sua equipe era dez. Muitos textos lindos publicados. Só aplausos por ela não ter desanimado, deixando sua criatividade e persistência falarem mais alto.

Matheus Morais: E nossa entrevista com Dona Canô. Cobertura de Parada Gay, Carnaval! Grandes momentos. Inesquecíveis. Te agradeço eternamente

Jaciara Santos: sim, sim. Mudança do Garcia, Dona Canô maravilhosa (como não lembrar?), e o programa (podcast) de futebol, meu Deus! Riachão... Os personagens do "Gente é pra brilhar"...

Matheus Morais: ave Maria. Que saudade

Matheus Morais: Amo vc, Moniquinha! Saudade!

Jaciara Santos: Mônica feche sua cara! O Gordelícia é todo da Dinha.

Mônica Bichara: Jaciara vc que lute, fia

Graça Azevedo: Jaciara empreendedora! Multimulher. Vale o neologismo.

Jaciara Santos: que nada, sócia. Só me dei bem como empreendedora mesmo foi na nossa sociedade. Taí Mônica que não nos deixa mentir.

Graça Azevedo:  Vc fez algo diferente. É o maior ganho.

E a nossa sociedade, secreta e limitada, é o meu maior lucro.

Mônica Bichara:  pois é, sócia, ela é modesta. Vamos lançar a campanha pela reedição do AQR

Jaciara Santos: pensando forte nisso, né Dani Daniel Bagdeve ?

Graça Azevedo: Mônica, conte comigo!

Alba Lucinia: Muito bom! Ainda tem o blog?

Jaciara Santos: não. Mas, quem sabe, um dia...

Alba Lucinia: tomara!

Daniel Bagdeve: Foi um grande prazer Jaci. Precisamos resgatar toda a base de dados do AQR e subir em algum lugar mesmo que em formato diferente. Assim que possível vou fazer isso.

Jaciara Santos:  poooooooxa seria um presente e tanto, meu filho!

Daniel Bagdeve: Jaciara pode crer, vai rolar

Fábio Brito: Bons tempos! Saudades, minha amiga!

Ewerton Monteiro: Caramba! Que tempo bom… que saudade…   

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(Parte da equipe do Blog À Queima Roupa) 

Emiliano José

7 de abril de 2022

Jaciara Santos: equipe do zero em finanças

 

Jaciara foi justa, correta: agradeceu ao Correio pelo tempo de permanência na plataforma dele.

E mergulhou fundo no AQR dela.

Sim, sim: agora ela tinha um blog.

"Um blog pra chamar de meu" - comemorava.

Ela e equipe entraram no ar de forma discreta.

Não havia recursos para investir em publicidade.

Reduzidos ao boca a boca.

Ainda assim, ganharam visibilidade.

Afinal, tinham um diferencial: conteúdo próprio, matérias originais, articulistas exclusivos.

Nada do copia e cola do jornalismo eletrônico.

Ao citar nomes, sempre arrisca-se a esquecer alguém.

Mas viver é arriscoso, e é preciso viver.

Lembra da equipe de primeira hora: jornalistas Arlita Santana, Flavia Vasconcelos, Matheus Morais, Paulo Cezar Soares.

Os não jornalistas: Bel Batista (designer), José Abbade (poeta e publicitário), Luciana Rodrigues (estudante de Psicologia), Leonardo Aguiar (também estudante de Psicologia), Paulino José (estudante de marketing) e Sávio Santana (publicitário).

Ah, e havia ainda o time de articulistas fixos.

Entre elas e eles, Aline Alves (publicitária), Antônio Jorge Ferreira Melo (coronel da reserva da PM-BA, professor universitário, especialista em Segurança Pública), Osvaldo Emanuel Alves (advogado, professor de direito penal, ex-diretor do Presídio de Salvador), Valdir Barbosa (ex-delegado da Polícia Civil) e Valter Souza Menezes (tenente-coronel da PM-BA, especialista em Segurança Pública).

O foco principal era Segurança Pública, mas o AQR abordava temas de interesse geral também.

As seções tinham títulos provocativos, interessantes.

Na "Marca do pênalti", esporte.

"Gente é pra brilhar", perfis de pessoas anônimas com destaque na comunidade delas.

"Não ria que é sério", histórias pitorescas da vida real.

"Banho de Sol", espaço para a poesia.

Após seis meses no ar, concluíram: hora do lançamento oficial do AQR.

Dia 3 de dezembro de 2009, na Sala de Arte do Museu Geológico, no Corredor da Vitória.

Presença de umas 150 pessoas.

Ponto forte do lançamento, a mesa-redonda "Criminalidade e Direitos Humanos na Mídia".

Mediação da Jornalista Kardé Mourão, então presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia.

Debatedores, advogado Augusto Bonfim de Paula, militante de Direitos Humanos, comunicador social e arte-educador Hamilton Oliveira (o DJ Branco) e o lendário delegado José Magalhães, veterano da Polícia Civil, notável por fazer a linha "bandido bom é bandido morto".

AQR foi uma experiência muito rica.

Gratificante, dirá Jaciara.

Retorno financeiro, zero.

Referência na blogosfera, equipe da porra.

Ninguém, no entanto, com capacidade mínima para conduzir as finanças...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: No lançamento oficial destaco, com emoção, a presença de minha tia Elita Costa, personagem de uma linda matéria de Jaciara no AQR, coluna Gente é pra brilhar, pelo lançamento do seu livro autobiográfico Retalhos Coloridos, aos 83 anos. Não só participou animada de todo o evento, como levou livros para sortear. Ela permanece a mesma mulher retada, conectada nas redes sociais - marca ela aí, prima Elizabeth Oliveira (não consegui marcar), aos 95 anos

Graça Azevedo: Se já houvesse a nossa sociedade o dinheiro ia chegar. Não é Mônica Bichara? Vamos fazer o milagre da ressurreição.

Matheus Morais: E os textos que a gente produzia, as aventuras... A gente não desperdiçava nada. Nem tempo e nem aprendizado. Uma saudade grande, gigante! Obrigado, Dinha!

Jaciara Santos: Matheus, e as reuniões de pauta? Tudo era motivo de festa. As ações que fizemos (era assim que chamávamos o trabalho de divulgação corpo a corpo?), as rondas, a Copa 2010...

Matheus Morais: Tudo era mesmo uma festa! Amava demais

Mônica Bichara: Tenho fotos do grupo todo com a camiseta do Brasil e a logomarca do AQR. Aliás, ainda tenho a camiseta, guardada com carinho 

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(Expediente do Blog À Queima Roupa)

Emiliano José

8 de abril de 2022

Jaciara Santos: estômago revirado...

 

As poucas publicidades conseguidas permitiam apenas o pagamento dos custos de manutenção  e um estagiário de jornalismo.

O blog fez reportagens memoráveis.

Dona Canô abriu as portas da casa dela em Santo Amaro, numa manhã de sábado, maio de 2010, e aconteceu uma das últimas entrevistas dela.

Boa parte dos perfis da seção "Gente é pra bilhar" deu origem ao livro de estreia da jornalista Flavia Vasconcelos.

O livro foi publicado em julho de 2016, teve prefácio da própria Jaciara: "Antônimos - Narrativas de vida e arte".

O AQR permaneceu no ar por três anos.

Em julho de 2012, convidada a trabalhar na TV Aratu, Jaciara não teve mais condições de tocá-lo.

Cancelou o domínio do blog.

Fim:

- É com emoção que, durante as incursões na internet para estas memórias, tenho encontrado referência ao meu blog. Tanto em matérias jornalísticas como em trabalhos acadêmicos. Isso para mim não tem preço.

Mergulha no tempo, e matéria do blog reproduzida pela revista Fórum, de 24 de maio de 2012, um pouco antes do fim, vem-lhe à mente.

"De belas e feras".

A revista titulou de outra forma:

"Jaciara Santos: O vídeo me despertou sentimento de pena: da entrevistadora, do entrevistado, do telespectador".

Abre o texto revelando o desconforto inafastável ao fazer qualquer matéria sobre violência sexual.

A dificuldade em lidar com suspeitos de estupro, principalmente quando a vítima é uma criança.

Havia coisa de cinco anos e ela entrevistara um pedreiro preso por estupro continuado à filha de 11 anos.

Não, o pedreiro não era estreante: durante anos, abusara sexualmente  da filha mais velha.

Esta, ao atingir adolescência, ganhou o mundo para escapar do estuprador.

Ela ouviu o relato da delegada titular da Delegacia Especializada de Repressão a Crimes contra a Criança e o Adolescente, e foi até o suspeito.

Assim, fingindo inocência, como se nada soubesse do caso:

- Por que o senhor está preso?

De pronto, respondeu:

- É que fiz umas coisas com a menina.

Jaciara, estômago revirando, e ainda tentando revelar tranquilidade:

- Que tipo de coisas?

Sujeito, calado.

Respondeu não.

- A delegada disse que o senhor abusou de sua filha, eu não acreditei  e por isso queria saber se é verdade - Jaciara insistia.

Silêncio, alguns segundos.

Ele olhou diretamente para Jaciara, quase desafiador, sem deixar transparecer qualquer emoção, e então disse:

- Eu só estava ensinando as coisas da vida a ela.

Jaciara gelou.

Mais ainda quando ele completou:

- É melhor ela aprender comigo do que com um estranho, não é?

O estômago revirava.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Nossa! Sei bem o impacto dessa pauta. Só sendo muito profissional para colocar a jornalista na frente da emoção-revolta-indignação, tudo à flor da pele

Jaciara Santos: Esse Emiliano... Sei nem o que dizer.

Graça Azevedo: Dói.

Joana D'arck: É repugnante

Isabel Santos: O meu está revirando aqui. Muito triste. Não sei lidar emocionalmente com casos desse tipo. Muitas vezes, evito ler, assistir ao noticiário... A não ser profissionalmente, mas, mesmo assim, com o coração partido. Beijo, Jaci.

Jaciara Santos: Todos temos um limite, né Bel? Esse é o meu. Até por causa de experiência traumática da infância. Mas, como profissional, tive que encarar.  

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Emiliano José

9 de abril de 2022

Jaciara Santos: não atirar a primeira pedra

 

Foi conversando.

Deparando com a realidade da vida dos personagens.

Pano de fundo de tudo aquilo era a miséria quase absoluta.

Família vivia num barraco toscamente plantado numa favela às margens da avenida Ogunjá, em Salvador, em condições sub-humanas.

Dos quatro filhos do casal, três moravam espremidos naquele barraco.

Eram duas meninas e um menino.

Todos dormiam num mesmo cômodo junto com os pais, a facilitar o abuso sexual.

Foi nesse cenário, com a muda cumplicidade da companheira, o estupro das duas filhas mais velhas pelo pedreiro, e não seria nenhuma surpresa se ele tivesse logo, logo o mesmo procedimento com a caçula, de oito anos.

Jaciara saiu arrasada da delegacia.

Já decorrera cinco anos do episódio, mas ela ainda se sentia tocada quando lembrava.

Perguntava-se.

O que teria acontecido com a menina abusada?

E a menorzinha, já adolescente, teria também se tornado vítima do pai?

E o pedreiro?

Será que após enfrentar os horrores da cadeia na condição de estuprador, teria continuado no mesmo caminho?

Isso tudo voltava à memória porque, no período, vivia o caso Mirella Cunha, a repórter capaz de humilhar um preso suspeito de estupro dentro de uma delegacia.

No texto, assume uma postura: não pretendia engrossar o coro de juízes da jornalista.

A cena de tanto desrespeito, de tanta humilhação, bizarra mesmo, não causou nela nojo, revolta ou raiva.

Pena – este o sentimento a invadi-la.

Da entrevistadora, do entrevistado e, sobretudo, do telespectador.

Tratou-se, na visão de Jaciara, “de um caso explícito de ignorância em série”.

Jaciara desenvolve o raciocínio:

“A jovem Mirella, usada como massa de manobra, não se percebe enquanto produto de consumo de uma engrenagem tão bruta quanto o sistema que ela retroalimenta”.

Paulo Sérgio, assaltante confesso, menino que nunca teve infância, “faz parte da legião de pretos pobres da periferia (os chamados PPPs) que nascem, crescem e morrem ignorantes de seus direitos e deveres”.

Nessa cadeia de ignorância, o público figura como elo mais forte: não houvesse público, “para quem essas mocinhas bonitas de cabeça oca e seus partners truculentos iriam se exibir?”

E Jaciara indaga:

- O que minha entrevista com aquele estuprador confesso tem a ver com Mirella e Paulo Sérgio?

Simples.

O fato de aquele homem ter deixado Jaciara abalada evidencia uma coisa: repórter tem emoções.

As emoções podem aflorar em meio a uma reportagem.

Confessa: ela já chorou diante de corpos jovens abatidos na chamada guerra do tráfico.

Já perdeu o sono após entrevistar meninas vítimas de exploração sexual.

Não, não se envergonha disso.

É um ser humano como outro qualquer.

Com emoções e fraquezas.

Talvez, e só talvez, seja coisa de jornalista das antigas.

Jornalista disposta a, mesmo sabendo a versão oficial sobre uma prisão, conhecer a visão do preso, ouvi-lo.

Jornalista disposta a dar a palavra a quem está cerceado, impedido de usá-la.

Jornalista incapaz de se contentar com o boletim de ocorrência.

De tratar o preso como bandido, assim sem mais.

Incapaz de ignorar o postulado constitucional da presunção da inocência.

De jogar a primeira pedra.

Não é dessas.

Jamais será.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Boletim de ocorrência é para os fracos, jamais ela se contentaria com isso. Por mais que doesse o confronto com a verdade. Mas não seria Jaciara, se acomodar com a versão oficial

Maria Alice Vieira: Parabéns, meu lindo, saudades de jogar conversa fora

Emiliano José: Maria Alice, também

Graça Azevedo: Emiliano, vc conseguiu ver a aura de Jaciara!

Jose Jesus Barreto: Graça, Jaci tem aura rósea dourada. emana.

Jaciara Santos: Graça e Barretinho, vocês, sei não... Assim eu choro.

Graça Azevedo: Barreto, com certeza!

Isabel Santos: "As emoções podem aflorar em meio a uma reportagem". Sim, Emiliano José. E é tão bom deixar fluí-las. Elas não impediram, por exemplo, que Jaci, realizasse esse trabalho tão forte, sério, lindo.... no jornalismo policial, que merece eternos aplausos. Humanidade no humano! 

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Emiliano José

10 de abril de 2022

Jaciara Santos: praia estranha

 

TV Aratu, emissora baiana do sistema SBT.

A casa da segunda experiência de Jaciara em jornalismo policial.

Convidada pelo jornalista Pablo Reis, amizade nascida nos tempos do Correio da Bahia.

Assumia com a tarefa de promover mudanças no Na Mira, programa jornalístico voltado para assuntos de polícia, temas de segurança.

Sensacionalista, na maioria das vezes desrespeitoso, popularesco,  o programa seguia linha predominante no jornalismo televisivo brasileiro, ressalvada uma ou outra exceção.

Esteve no ar entre novembro de 2008 e agosto de 2015.

Ela chegou em julho de 2012, e ficou até o final, quando o programa foi extinto e a equipe, dissolvida.

Três anos como coordenadora de produção.

Não nega: aprendizado rico.

Confessa: televisão não é a praia dela.

De início, sentiu muitas dificuldades.

Não é nada fácil libertar-se do ranço do impresso.

Enfrentar outro meio, com gramática bem diversa.

Gozava do respeito e da confiança dos chefes, Pablo Reis e Christiano Caldeira.

Contudo, não se sentia confortável.

E tem mais:  a equipe de repórteres e cinegrafistas resistia a qualquer tentativa de mudança.

Era ela entregar uma pauta com abordagem diferente, e sentia o clima pesar.

- Deixava claro  que não estava disposta a sair da zona de conforto do formato conhecido para se aventurar por um terreno inexplorado.

Tem outra coisa: produzir não lhe dava prazer:

- Eu preciso executar, fazer, ter o protagonismo, ir a campo, sentir os fatos, escrever.

Não arrodeia:

- Poucos trabalhos feitos na TV me deram a sensação de retorno.

Idealizava uma pauta, produzia, e as entrevistas resultavam aquém das expectativas dela.

A edição passava longe do imaginado e a exibição, muitas vezes, frustrante.

Tem uma opinião: público de programas desse gênero não se sente atraído por matérias investigativas ou bem apuradas.

- Contenta-se com o escracho, o sangue jorrando, a briga de vizinhos, a baixaria explícita.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Mônica Bichara: Esses gostam das pautas que pingam sangue, nunca consegui assistir. É o tipo de "jornalismo" que não merece e dispensa o profissionalismo de Jaciara. Humanizar a pauta é tudo que eles não querem

Jaciara Santos: A experiência em TV foi, como na canção, "um rio que passou em minha vida" e não me deixou saudade.

Isabel Santos: Acho que vc passou poucas e boas, quanto ao emocional, por não poder concretizar suas ideias, né, Jaci?. Mas foi crescimento porque conviveu com outros pensamentos. Não tenho dúvidas que vc fez o que foi possível.

Jaciara Santos: foi uma experiência enriquecedora, sem dúvida. Mas sofrida. Muito sofrida.

Antonio Pastori: Só não podemos confundir esse tipo de troço com o fazer TV verdadeiro. Há uma distância abissal entre a produção de conteúdo autêntica e esse tipo de rasura  

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Emiliano José

11 de abril de 2022

Jaciara Santos: de frutos doces e amargos

 

Na cobertura policial, especialmente nos programas de televisão, o factual das delegacias, as operações policiais, ganham amplo espaço em detrimento de assuntos de relevância social.

Não se quer, com abordagens jornalísticas inteligentes, ir às causas, averiguar porque tanta violência.

Pretende-se deixar o sangue jorrar.

Algumas operações policiais eram, e são, realizadas apenas para alimentar o noticiário dos programas de televisão acostumados com tal rotina.

Aqui e acolá já escrevi sobre isso, revelando a estranha simbiose entre jornalistas e policiais.

Por tudo isso, Jaciara não se entusiasma ao falar do período do exercício do jornalismo policial na televisão.

Foram 15 anos de jornalismo policial, nove dos quais no Correio, sem e com asterisco.

Ao longo da jornada, ganhou a antipatia de muitos policiais.

Natural.

Mas conquistou o respeito de tantos outros.

Da vida.

Até hoje, colhe frutos.

Alguns, doces.

Outros, amargos.

Jamais engoliu versão oficial sem questionar.

Nem transigiu com a ilegalidade para obter informações privilegiadas.

- Afirmar que um suspeito de crimes foi morto por policiais em uma troca de tiros, levando em conta apenas as informações do boletim de ocorrência? Jamais.

Ouviu e guardou lição recebida na primeira entrevista com o editor de Segurança Erival Guimarães, no dia 20 de maio de 2000: nada de jornalismo chapa branca, nada de tomar como verdade o que a polícia diz, sempre procurar descobrir a verdadeira história por detrás do BO.

Com essa orientação, ao ser apresentada a alguém sob custódia, costumava perguntar como e por que ele ou ela estava ali.

Passou alguns perrengues por isso.

Perguntou o que quis.

Ouviu o que não quis.

Uma historinha só.

Domingo pela manhã.

Plantão modorrento.

Daqueles a cobrar iniciativa do jornalista para encontrar alguma coisa aproveitável.

Vale até atropelo de formiga:

- Dou-me conta agora. Calmaria não é praia de repórter de polícia. Se estiver bom pra todo mundo, está péssimo para a categoria.

Mexe pra lá, mexe pra cá, e Jaciara, querendo sacudir aquele domingo, toma conhecimento de um suspeito de tráfico preso na Nona Circunscrição Policial, na Boca do Rio...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Graça Azevedo: E....??????

Emiliano José: amanhã tem mais..

Jaciara Santos:  quer spoiler, sócia?

Jaciara Santos: também conhecido como "mantenha sua calma..."

Mônica Bichara: Segure seu BO q aqui num é bagunça não

Jaciara Santos: deixe ela...

Yana Rúbia: O que fez essa grande jornalista Jaciara Santos conquistar meu respeito e admiração foi justamente a responsabilidade na verdade dos fatos. Não é apenas falar, é o investigar deixando a emoção e falando com a razão.

Jaciara Santos: Yana Rúbia minha irmã, eu fico até sem graça. Porque, sem falsa modéstia, apenas faço e fiz o que aprendi como certo. E aprendi, graças a Deus, com as pessoas certas. Obrigada pelo carinho.

Tatiana Guimarães: Excelente profissional. Compromisso e responsabilidade com a verdade. Te admiro demais!!!

Jaciara Santos: Tatiana, o que eu sei dessa área aprendi com o maior de todos: nosso Erival Guimarães . 

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Emiliano José

12 de abril de 2022

Jaciara Santos: porra de jornalista!

 

Então havia aquele sujeito suspeito de tráfico na Nona.

Jaciara e fotógrafo se mandaram para a Boca do Rio.

Ia pensando no caminho: qualquer ocorrência pode dar bela matéria.

Antes mesmo de saber a versão oficial, chega à delegacia e se dirige ao suspeito.

Melhor assim: não se contamina com a versão oficial.

Homem na casa dos 50 anos, fisionomia maltratada pelo sol.

No chão, a um canto da parede, mãos para trás.

Algemado a um jovem de 20 e poucos anos.

Adianta pergunta:

- O senhor está aqui por quê?

Gostou não, o sujeito.

Fuzila Jaciara com os olhos, devolve pergunta:

- Você é advogada?

Jaciara, surpreendida com o tom raivoso, responde:

- Não, sou jornalista, e queria...

Não deixou ela continuar:

- Vá se fuder.

Ela, assustada.

Ele prossegue:

- Porra de jornalista!

Jaciara, olhos arregalados, e o cidadão não parava:

- Eu quero é advogado. Tomar no cu...

Xingava que xingava, um palavrão atrás do outro.

E se mexia, assim como se quisesse voar em cima dela.

Assustada, compreendeu: melhor botar a viola no saco.

Recolheu caneta e caderno de anotações, e partiu em direção à sala do delegado.

Que jeito, né?

Dessa vez, nada de bela matéria.

Melhor recolher a versão oficial.

O que restava.

O chamado outro lado, tão valorizado por quem leva a profissão a sério, botou ela pra correr.

Da vida.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: Pronto, sócia , o desfecho nada bonito da história kkkkkk

Graça Azevedo: Sócia, vc é muito corajosa. E phyna. Nem disse "vá você"!

Mônica Bichara: kkkkkkkk não disse, mas pensou

Jaciara Santos: que nada, sócia....eu fiquei foi escabriada.

Graça Azevedo: Jaciara Vc é moça educada.

Jaciara Santos: deu tempo nem de pensar nada. Saí foi escarrerada. Chispei, vazei...

Graça Azevedo: Como diria Franciel Cruz , nosso provedor de originais, "no que obrou muito bem".

Paulino Jose Dos Santos: como diz o velho ditado "não futuque cobra com vara curta"... Aí o romantismo da profissão cai por terra kkkk

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Emiliano José

13 de abril de 2022

Jaciara Santos: apenas uma jornalista das antigas

 

Fazer o dever de casa, fácil.

Sabia jogar o jogo, e jogava.

Dificuldade maior era de fora para dentro.

Trabalhava num jornal da família do então todo-poderoso senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007).

Ela tinha consciência dessa circunstância, como não teria?

Um sujeito autoritário como ACM deita raízes.

Institui uma cultura.

Muita gente o copiava.

O guarda de esquina se considerava o tal.

E queria também abusar da autoridade autoconcedida.

Fontes ligadas ao carlismo eram mais reais do que o rei.

Jaciara viveu situações constrangedoras devido a tal cultura.

Numa coletiva, ela ouviu uma vez:

- O pessoal do Correio é da casa. A gente conversa com mais calma depois.

Algumas vezes, perguntavam por ACM.

Em outras ocasiões, a fonte dizia, simplesmente, querendo aparentar intimidade:

- Diga ao senador que mandei um abraço.

Jaciara, moça educada, mas incapaz de deixar nada sem resposta, reagia:

- Não tenho contato com o senador. Trabalho no jornal.

Eram reais as dificuldades de trabalhar num jornal como aquele, onde um espectro pairava.

No caso da editoria de Segurança, Jaciara destaca: não se passava a mão pela cabeça das autoridades policiais, não se chancelava condutas ilegais só para ficar bem com a fonte.

Confessa:

- Hoje sinto uma espécie de vergonha alheia diante da forma como os fatos relacionados à violência urbana são noticiados. Principalmente em meios como a televisão e a internet.

A grande maioria dos repórteres se limita hoje a copiar o boletim de ocorrência das delegacias - é a impressão dela:

- Até porque, não raro, reproduzem ipsis litteris expressões e gírias do jargão policial, como a desrespeitosa "CPF cancelado".

A expressão significa a morte de um suspeito de crimes, quase sempre abatido pela polícia.

Jaciara, ainda nova, mas de estrada longa, pergunta-se:

- Esse desconforto pode ser um sintoma de que estou ultrapassada, de que fiquei presa ao passado? Dificuldade de lidar com o novo? Saudosismo.?

Talvez, diz.

- Mas, juntando o pensamento do meu saudoso amigo e mestre Erival Guimarães com a poesia do eterno Raulzito, definiria meu sentimento sobre o atual jornalismo policial em uma frase: Não quero ter uma opinião formada sobre tudo. Sou apenas uma jornalista das antigas.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Jaciara Santos: É isso. Acho que pendurei as chuteiras na hora certa. Não me enquadro nesse "novo jornalismo" que é o dono da bola atualmente. Como dizia Erival Guimarães, sou jornalista das antigas.

Graça Azevedo: Uma grande jornalista. Atemporal.

Antonio Pastori: Já virou costume encontrar nos textos em jornais ou sites e narrativas em TVs expressões de boletins de ocorrência e “muletas” rasas como “o mesmo” e outras bizarrias   

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Emiliano José

14 de abril de 2022

Jaciara Santos: fama de mau, cara de bom moço

 

Às vezes, ela canta.

No chuveiro.

Ou na pia.

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Jaciara se recorda sempre de Raul Seixas.

Às vezes, com ele, quer dizer o oposto do que dissera antes.

Quem sabe o que é o amor?

Com ele, canta: eu nem sei quem sou.

Se hoje eu sou estrela

Amanhã já se apagou

Se hoje eu te odeio

Amanhã lhe tenho amor.

Lhe tenho horror.

Melhor isso do que viver congelada naquela velha opinião formada sobre tudo.

Por isso, diz, com tranquilidade, sou uma jornalista das antigas.

E ser das antigas não a leva a estar parada no tempo.

E nem aceitar novidades mais velhas que novas.

Às vezes, volta no tempo.

Talvez seja acusada de ser moça nostálgica.

Pouco se lhe dá.

Volta a 6 de agosto de 2007, uma segunda-feira.

Na redação, recebe pelos peitos a morte de Pitty, baleado e morto pela polícia em Candeias no dia anterior.

Fizera entrevista exclusiva com ele  no ano anterior, de página, ele preso.

Quisesse ou não, havia algum tipo de relação.

Propõe a Erival Guimarães fazer um perfil de Pitty, Eberson Souza dos Santos.

O editor aceitou.

Coração na mão, sentou e escreveu.

No dia 7, sob o título "Fama de mau, cara de bom moço", o texto de duas colunas, de cima a baixo da página 5, ao lado da reportagem sobre a morte, assinado por ela.

Na abertura do texto, voltam as imagens da entrevista do ano anterior.

Aquele rapaz jovem.

Magro, alto.

Cara de bom moço, quase de enternecer.

Nenhuma tatuagem à vista.

Cabeça quase raspada.

Barba, bigode e cavanhaque rentes,

Visual longe do espetacular, discreto.

Voz baixa.

Pausada.

Surpreendeu-a por tudo e por roupas e unhas imaculadamente limpas.

Um rapaz latino-americano de 25 anos.

Já, naquele maio de 2006, inimigo público número um.

A ela, nele, nada pareceu assustador.

Mais para um jovem comum, com uma bermuda floral e camisa de malha branca.

Lembrou-se do médico e do monstro, Dr. Jekyl e Mr. Hyde.

Tentava decifrá-lo.

E agora, aquelas fotos, ele morto, nunca mais aquela voz pausada, tranquila.

Tentou, no texto, recuperar a trajetória dele, conhecida por ela de cor e salteado...

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Não canso de repetir: Pitty morreu porque sabia demais. Era um arquivo ambulante que precisava ser queimado. 

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Emiliano José

15 de abril de 2022

Jaciara Santos: a vida por um tênis

 

É recorrente.

Jaciara sempre pensa no destino dos meninos.

Aqueles com quem conviveu na escola.

Das redondezas, dos becos, das quebradas.

Eles despedindo-se das mães para chegar à escola, a mesma frequentada por ela, nas beiradas de São Caetano, Fazenda Grande, Alto do Peru, Capelinha de São Caetano:

- Deus te abençoe, meu filho.

Parece ouvir as mães.

Lembra-se sempre da alegria deles.

Da inocente malandragem de cada um.

Dos jogos de sedução da adolescência.

E eles lhe vinham à mente sobretudo depois da intensidade da cobertura policial.

Dia a dia, contemplava cadáveres de jovens, desovados em cantos solitários da periferia, a polícia sempre falando em resistência ou em conflito de facções.

Ela, não comendo nada.

Tudo isso vinha à tona, agora com o assassinato de Pitty.

Tudo isso voltava à mente enquanto escrevia o perfil dele.

A trajetória podia ser outra.

Não foi.

Não seguiu o caminho do bom menino.

Não obstante fosse filho de policial militar.

Ou quem sabe por isso, vá lá saber.

Começou como ladrãozinho pé-de-chinelo.

Coisa de moleque.

Travessuras.

Assaltar ônibus em Salvador.

Ele e tantos colegas recém-saídos da adolescência.

Não por precisão - puro desejo de aventura.

E essas saídas às vezes era por um tênis - ele, Pitty, confessava.

Via um tênis na vitrine, e chamava os meninos para uma empreitada em ônibus, e logo estava com o tênis nos pés.

Por que só bacana podia usar?

Não tivesse dinheiro, só ir buscar.

O risco é gostar do jogo.

Gostou.

E logo ganhou cadeia.

E depois da primeira temporada de prisão, entre 1999 e 2002, sentiu-se pronto para ações mais arrojadas.

Cadeia serve para isso.

Prepara o sujeito para o crime.

É boa escola.

Ela se pergunta, enquanto escreve: quantos daqueles meninos com quem conviveu na periferia de Salvador, na escola, não tiveram o mesmo destino de Pitty?

Não tem resposta.

Em 3 de abril de 2002, Pitty sentiu-se um cowboy no sertão baiano.

Ele e amigos vão para uma parada das boas: assalto ao Banco do Brasil de Xique-Xique.

Botaram a mão em R$ 114 mil.

Nada de um simples tênis mais...

#MemóriasJornalismoEmiliano 

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Emiliano José

16 de abril de 2022

Jaciara Santos: provável queima de arquivo

 

Nem sempre o crime compensa.

Polícia caiu em cima.

Quando tem banco no pedaço, o buraco é mais embaixo.

Pitty e seu grupo foram mexer com coisa sagrada.

Assaltozinho aqui, outro acolá, vá lá.

Mas mexer com o capital financeiro, aí venha não.

Equipe do delegado Hélio Jorge Paixão, então coordenador do Centro de Operações Especiais da Secretaria de Segurança caiu em campo com gosto de gás.

Time do Pitty foi esfacelado.

Quatro dos acusados tombaram.

Mortos.

Pitty e os demais, presos.

Barra pesou.

Não puderam desfrutar da fortuna arrecadada.

Ou só desfrutaram de uma parte.

Dos R$ 114 mil, polícia recuperou R$ 100 mil.

Pitty teve um lucro: ganhou notoriedade.

Chegou de volta ao presídio cheio de fama.

Isso, bem aproveitado, é bom capital. 

Tratou de articular a Comissão da Paz, facção dirigida por ele.

Posto à prova na rebelião dirigida pelo PCC em dezembro de 2003, afirmou-se: conseguiu, como negociador, fazer com que o movimento fosse suspenso.

Dentro e fora, liderança.

Fama ultrapassava em muito os limites do bairro da Cidade Nova, bairro de origem em Salvador.

Davam-no como controlador do tráfico em vários bairros da capital.

E vinculado a muitos crimes.

Dizia-se dele: era discar do celular, e se matava, e se roubava, se fazia o diabo.

Se verdade, se fantasia, ninguém sabe.

O sabido: conseguiram construir uma espécie de inimigo público número um.

Marcado para morrer.

Provável soubesse demais, conhecesse de segredos do próprio aparato policial, e a permanência dele vivo não era recomendável.

Um dia fugiu, facilmente, inexplicavelmente, em 26 de junho de 2007.

Uma fuga providencial.

Um mês e pouco depois, é fuzilado.

Jaciara conclui o perfil:

- Ele não era santo, como admitia. Mas teria sido o maestro da macabra sinfonia que vem embalando a guerra do tráfico em Salvador e RMS nos últimos cinco anos? Só o tempo dirá.

 #MemóriasJornalismoEmiliano    

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Emiliano José

17 de abril de 2022

Jaciara Santos: jornalismo policial, escola da vida

 

Quando cheguei à redação da Tribuna da Bahia, final de outubro de 1974, recém-saído da prisão, a editoria de Polícia era quase clandestina.

No sentido de que a maioria não dava atenção a ela.

Salvo por Lula, o editor.

Pense num sujeito simpático, sorridente.

Nem parecia lidasse com o crime todo dia.

Creio, ele pode confirmar, Zé Fernandes também trabalhava por lá.

Tomando por mim, abria o jornal todo dia, e nem olhava para a página de polícia.

Talvez, admito, fosse um problema meu, resistência a quaisquer assuntos referentes à polícia.

Ditadura, prisão haviam me vacinado.

Lembro de Moacir Ribeiro, no Jornal da Bahia.

Experiente, cheio de manhas, simpático também.

Nunca nem pensei em um dia ser repórter de polícia.

Besteira.

As confissões de Jaciara me deram lições.

É das páginas policiais as revelações mais profundas sobre o médico e o monstro, sobre o gênero humano.

É das páginas policiais as revelações mais transparentes sobre o nosso racismo estrutural.

Delas, emerge a nossa estrutura social tão obscena, tão desigual.

Nossa estrutura judiciária, a valer para alguns apenas.

Hoje compreendo o dito de Pedro Agostinho, famoso professor devotado à causa indígena: dizia ser a página de polícia a primeira a ser lida por ele, pelos ensinamentos profundos dela.

Sempre me rebelei, e continuo me rebelando, contra os programas sensacionalistas de nossas televisões, dados a massacrar negros, jovens e pobres presos, inocentes ou não.

Nunca aceitei a impressionante cumplicidade de jornalistas e policiais, um amálgama a confundir um e outro durante ações espetaculares por nossas favelas, morros, becos, onde sempre jorra sangue.

Como não aceito a desculpa de isso ser feito porque o povo gosta de sangue.

Pode até ser, é o gênero humano.

Mas, imagino, e defendo, seja também tarefa do jornalismo a educação, o fomento à cultura, a disseminação do respeito aos direitos humanos.

Como creio ser possível o desenvolvimento de programas jornalísticos na área da segurança pública muito mais humanos, respeitosos.

E criativos.

Tudo isso, sei, Jaciara tentou.

Não foi moída pela máquina de jorrar sangue.

Resistiu.

Manteve-se digna.

Espinha ereta, coração tranquilo.

Foi fiel aos colegas de escola, aqueles meninos da Fazenda Grande, São Caetano, Capelinha de São Caetano.

Nunca foi cúmplice de queima de arquivos.

Da desova de tantos corpos pelas periferias de Salvador.

Como não aceitou policiais serem falsamente incriminados.

Justa, procurou sempre manter-se assim.

Sofreu, errou, chorou, como qualquer um o faz.

A profissão foi escola da vida.

De modo especial, jornalismo policial.

Generosa escola.

Com ensinamentos pra jamais esquecer.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS 

Mônica Bichara: Esse complemento da trajetória de Jaciara no jornalismo não poderia ficar de fora, é um resgate importante e pouco visto pela editoria de segurança, a famosa "página policial", onde ninguém quer aparecer. E foi também o reconhecimento de outra carreira fundamental no setor, a de Erival Guimarães. Belo trabalho, Emiliano. As comadres vibram

Graça Azevedo: As sócias também.

Mônica Bichara: verdade, sócia

Jaciara Santos: Sei nem o que dizer. Só consigo pensar em agradecer pela oportunidade de revisitar este recorte da minha vida profissional. Foi muito bom olhar pra trás e ver meus erros e acertos. Mas, sobretudo, foi muito bom poder homenagear as pessoas que me ajudaram nessa caminhada, entre as quais destaco Erival, Demóstenes, Moacyr, professor Jorge, Pablo, Christiano, minha troupe do AQR, delegado Walter Seixas, Portela e tantos outros personagens que desfilaram aqui neste espaço. Muito obrigada.

Emiliano José: Agradecimento, meu. Beleza de protagonista. Desculpe as ousadias.

Isabel Santos: Pois é, mestre. E sua pena poética nos fez vivenciar momentos emocionantes desse outro momento ímpar dessa competentíssima, séria, responsável... profissional, minha querida amiga/irmã/comadre/colega, Jaci.

Jaciara Santos: Antonio Jorge Ferreira Melo só gratidão ao senhor e a toda a equipe.

Graça Azevedo: Jaciara é um ser humano especial. Isso fez, e faz, toda a diferença.

Jaciara Santos: Graça você é uma das gratas surpresas que a vida me trouxe

Graça Azevedo: É recíproca.

Antonio Lima Capila: Parabéns pelo excelente texto reflexivo! 

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(Artigo de Jaciara sobre feminicídio, publicado em 2016 no blog bahia.ba)

Emiliano José

18 de abril de 2022

Jaciara Santos: feminicídios

 

Jaciara sofreu a dor de tantas mulheres, vítimas de feminicídio.

Desde muito jovem, desenvolveu convicções feministas.

Indigna-se hoje ao assistir o noticiário dando conta de tantos assassinatos de mulheres país afora.

E olhe: há Lei Maria da Penha.

Há mais rigor.

Há o crime do feminicídio previsto em lei.

E ainda assim os homens continuam matando.

Muito antes, sem a existência ainda de leis de proteção, havia a reação das mulheres diante de tanta violência.

Os muros eram pichados com dizeres esperançosos:

"Quem ama não mata".

Mata.

Diz amar e mata.

Recentemente, em maio de 2016, Jaciara registrava dois feminicídios na Bahia.

Cometidos por companheiros das vítimas - dormindo com o inimigo.

Um, em Vitória da Conquista: Jéssica Nascimento, 21 anos, grávida de quatro meses, morreu depois de barbaramente espancada pelo namorado, o estudante de engenharia Américo Francisco Vinhas Neto, de 24 anos.

O outro, em Salvador: Sandra Denise Costa Affonso, morta a tiros no local de trabalho, uma escola de crianças, pelo companheiro dela, major do Corpo de Bombeiros Valdiógenes Almeida Júnior, alegando traição da mulher.

Isso se repete amiúde na Bahia e no Brasil.

Apenas entre março de 2020, mês do início da pandemia do covid-19 no Brasil, e dezembro de 2021, foram 2451 feminicídios e mais de 100 mil estupros e estupros de vulnerável, todas vítimas do gênero feminino.

Jaciara, no artigo sob o título  "Tese do crime passional, o caminho mais curto para a impunidade", de 17 de maio de 2016, no bahia.ba, denuncia a evolução até chegar à morte: um "empurrãozinho de nada", um tapa, tudo seguido de pedidos de perdão, juras de pés juntos de que jamais se repetirão, e a mulher acredita, e depois vem o assassinato, o feminicídio.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme o artigo de Jaciara, garantia então: até 52% das mulheres haviam sido agredidas fisicamente pelo parceiro em algum momento de suas vidas.

No Brasil, ainda são números de 2016, cinco mulheres eram espancadas a cada dois minutos.

Em mais de 80% dos casos, o autor da agressão é o parceiro ou um ex-parceiro da vítima - dormindo com o inimigo.

No texto, Jaciara apontava um dado assustador: 63% das pessoas consideram que casos de violência dentro de casa devem ser discutidos "somente entre os membros da família".

Mais: 89% defendem que "roupa suja se lava em casa"

E 82% repetem o mantra: "em briga de marido e mulher não se mete a colher".

Nossa sociedade ainda deve caminhar muito, enfrentar seus preconceitos - eles ajudam a matar.

Por isso, compreende-se seja verdadeira a afirmação de que o grau de civilização de uma sociedade está ligada diretamente ao grau de emancipação das mulheres.

#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Jaciara Santos: Por meter a colher em briga de marido e mulher já fiz grandes inimigos. Paciência. Não consigo ficar impassível ante a violência. Qualquer que seja o tipo de violência. Sou medrosa, sou covarde, mas esqueço dos riscos e grito por quem não pode gritar. Não é Mônica Bichara Isabel Santos ?

Mônica Bichara: Ô, se é.....todo mundo deve reagir diante de violência, não podemos ser omissos e cúmplices

Graça Azevedo: Todas temos a obrigação de denunciar. Em briga de homem e mulher DEVE se meter a colher.

Liliana Peixinho: Nesse tripé capenga: Família/Sociedade/Estado meter a colher, se colocar no lugar do outro, ter a coragem de denunciar, entender e defender direitos, é dever cidadão..Lembro bem quando lá no início dos anos 90, defendíamos direitos de crianças e adolescentes, no então substituto do Código de Menores, o ECA, e a leitura de próprios colegas era a "defensores de pivetes, trombadinhas". Leis como Maria da Penha, para ser realmente efetiva, além do citado tripé, equilibrado, exigirá muitos repórteres, cidadãos, gente de sensibilidade e coragem como Jaciara Santos! E vamos juntas irmãs!  

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Comentários

  1. O que falar mais depois desse belo lead, dessa linda apresentação dos textos do mestre Emiliano José sobre a trajetória no jornalismo policial da minha/nossa querida colega (pra mim mais ainda: amiga/irmã/comadre), Jaci? Você, brilhante e querida editora Monca (tbem amiga/irmã/comadre) dessa série, #MemoriasJornalusmoEmiliano é só aplausos por tanta sensibilidade, competência. Parabéns para os três. Um grande aprendizado. Simplesmente, emocionante, tudo. Amo vocês. Jaci, só orgulho.

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    1. Valeu, Bel. Essa série do mestre Emiliano é realmente um teste para nossos corações. Só emoção. E quando o assunto é a trajetória da comadre Jaciara, então.....como vc diz, só orgulho

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  2. Maravilha, reconhecimento nunca é tarde para quem faz um trabalho sério principalmente quando a protagonista vive . Show. Amei.Parabéns.

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    1. Comentário postado por Regina Célia....... Valeu, Célia, brigadão pela visita ao Pilha. Verdade, essa série é um reconhecimento merecido à trajetória brilhante da nossa Jaci

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    2. Tei (Célia), obrigada. Estou muito feliz com esta oportunidade. E grata a todas as pessoas que fazem parte da minha história. Você é uma delas.

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  3. Eu estou maravilhada. Esse mergulho nas minhas memórias de repórter policial foi realmente uma viagem no tempo... Muita emoção, muitas lembranças, muita saudade. Só tenho a agradecer pela oportunidade oferecida (imposta? rs rs rs) por Emiliano de poder compartilhar essas histórias. Como se não bastasse a generosidade do autor, ainda sou agraciada no Pilha com uma edição maravilhosa (E TRABALHOSA, sem dúvida) da minha irmã gêmea e comadre Mônica Bichara. Tá rindo de que? Só porque uma é loira e a outra é neguinha pode ser gêmea, não, é? Receba pelas caixas dos peitos! Só me resta agradecer, agradecer e agradecer. A todos e todas que me possibilitaram este momento.

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    1. Oxe! Quem é doido de rir? Essa irmandade é de outras vidas.....Nós que estamos maravilhados em poder compartilhar dessas lembranças. No meu caso, só reforçando ainda mais nossos laços, minha admiração pela profissional que tanto me inspirou. Tive muita sorte em começar a estagiar do ladinho dessa figura, bebendo das mesmas fontes. Te amo, comadre

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