A
jornalista Jaciara Santos, sobre quem Emiliano José já falou em artigos
anteriores, fez por merecer um capítulo à parte. Ela resistiu, resistiu, mas
ele foi convincente e ganhou a queda de braço. Falar sobre sua premiada experiência
na editoria de Segurança (isso mesmo, nada daquela página policial que pinga
sangue), sem a presença física do mentor, o querido Erival Guimarães, não lhe
encorajava. Mas ela viu nisso a possibilidade de transformar seus relatos em
uma homenagem ao seu “mestre”, o cara que quebrou o preconceito com a “prima
pobre” das redações. A cozinha. E topou.
Erival sabia o que estava fazendo quando convidou Jaciara para compor uma nova equipe de Segurança, no jornal Correio da Bahia. Sem o ranço das demais, humanizada. Que respeitasse os direitos de TODOS, considerados suspeitos (e não criminosos) até que fosse provado o contrário. Que não visse em todo jovem preto, e pobre, um suspeito em potencial. Que não se contentasse com os BOs. Não! Era preciso ir fundo nas investigações, dar voz a todos os lados, mesmo aos encarcerados.
E se
outros frutos não brotassem dessa experiência, um já bastaria para coroar a
aposta de Erival: a editoria foi capaz de reavaliar os rumos de um caso, ouvir
os acusados que se diziam inocentes, e PROVAR a injustiça cometida pela própria
Polícia Militar contra policiais, na pressa de satisfazer a sede da mídia por
culpados. Muitos anos depois o caso permanece impune. E os três policiais,
apesar de inocentados, nunca foram indenizados ou reparados por tamanho sofrimento
enfrentado, famílias destroçadas. Foram 56 dias de prisão, a carreira militar
na lama. Hoje são amigos que Jaciara trata carinhosamente por “meus meninos”.
Casos
dolorosos como o assassinato do economista Vitor Athayde Couto Filho,
consultor da FAO, ganharam um
tratamento humano, solidário, respeitoso. Como deve ser. Sem o sensacionalismo
de programas de TV que, na disputa pelo “furo”, sequer se preocupam em saber se
as famílias envolvidas já foram avisadas.
Jaciara ganhou de Erival outro presente: a coluna “Arquivo”. Um espaço para rememorar grandes casos do noticiário policial. A menina-dos-olhos dos dois. Ganhou também uma coluna
, À Queima Roupa, que depois se transformou no blog
pessoal AQR – aqueimaroupa, uma linda experiência que precisa, com urgência,
ser retomada.
Leia
também a primeira parte da trajetória de Jaciara Santos: https://pilhapuradejoaninha.blogspot.com/2019/11/memoriasjornalismoemiliano-de-santa.html
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(Jaciara e Erival no Prêmio Banco do Brasil)Emiliano José
22
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
da sala para a cozinha
Sábado.
20
de maio.
Jaciara
recebera um convite, a desafiá-la.
Resolvera
aceitar.
Deveria
começar na segunda-feira.
Preferiu
ir antes ao jornal para inteirar-se da rotina da editoria.
Jornal:
"Correio da Bahia".
Editoria
de Polícia.
Chamada
editoria de Segurança pelo jornal.
Fora
convidada para ser repórter especial de segurança.
Corria
o ano de 2000.
Era
jornalista experiente.
Já
ia longe o ano de 1978, quando subiu as escadas do "Jornal da Bahia"
e ingressou quase tremendo naquela redação emoldurada por tantas fotos, na
velha Barroquinha.
No
dia 19, um dia antes, despediu-se da redação da "Tribuna da Bahia".
onde exercia o cargo de editora de Economia.
Sentia-se
dando um mergulho no escuro.
Adentrando
território inteiramente desconhecido.
Já
fizera incursões por editorias de Cidade, de Geral, Política e Economia.
Fora
repórter, pauteira, chefe de reportagem, subeditora e editora, quase tudo.
Polícia,
primeira vez.
Considerada
a prima pobre das redações.
Confessa:
ela própria cultivava preconceito.
Rejeitava
os temas policiais.
Não
se sentia mal porque boa parte dos jornalistas da geração dela alimentava o
mesmo sentimento.
Não
sabe como é hoje, mas à época uma enquete sobre a área preferida de quem
estudava jornalismo tinha zero chance de ter a editoria de Polícia em primeiro
lugar.
Ao
contrário, apareceria na rabeira, se aparecesse.
Cultura,
Política e Esportes estariam na dianteira, fácil, fácil.
O
convite, feito por Erival Guimarães, a pegou de surpresa.
Guimarães
era o editor.
Pensou
um pouco, e resolveu embarcar.
Mudava
rumos.
Sempre
bom combater preconceito.
Não
tinha noção de onde vinha tal preconceito, mas estava disposta a mudar suas
concepções.
Por
que aquele estigma de prima pobre das redações?
Iria
descobrir vivendo a experiência de repórter da área.
Se
para todos um desafio, maior ainda pela condição de mulher, presença rara nas
editorias de Polícia à época, não sei se diferente nos dias atuais.
Uma
espécie de recomeço.
Sempre
bom.
Sacudir-se,
tirar a poeira.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Paulino Jose Dos Santos: Recorte vivo
dessa transição... e a vivência trouxe surpresas emocionantes, às vezes boas,
às vezes assustadoras, mas com muita vontade e garra ela desbravou
brilhantemente essa nova etapa de sua vida profissional. O sucesso veio coroar
sua atitude de mudança ...
Jaciara Santos: Paulino,
muitas noites sem dormir, muitas dores alheias trazidas pra casa, né? Obrigada
por me apoiar sempre.
Jaciara Santos: Emoção.
Principalmente por avivar a saudade do meu inesquecível amigo, chefe, irmão de
alma Erival Guimarães . Obrigada, mestre Emiliano!
Emiliano José: Obrigado a
você, querida comadre - se posso chamá-la assim.
Tatiana Guimarães: Muito
emocionante! Parabéns e obrigada por ser profissional e pessoa tão incrível.
Agradeço as lembranças, reconhecimento e carinho por meu coroa. Realmente vocês
são irmãos de alma
Graça Azevedo: Emiliano, só
não pode chamar de sócia! É uma Ltda. Não é Mônica Bichara?
Mônica Bichara: claro, claro
Graça Azevedo: Essa série eu
não perco um dia. Essa moça mora no meu coração! E é nossa sócia, verdade
Mônica Bichara?
Mônica Bichara: é vero, sócia.
Emoção à flor da pauta
Jaciara Santos: Graça, você é
uma querida. Além de sócia, claro!
Mônica Bichara: Jaci, não esqueça
de falar do Aqueimaroupa. Vai ser um prazer esse trabalho, já estou viajando
nele. Esse Emiliano José testando nossos corações
Jaciara Santos: Mônica, lá vem
trabalho pra você
Leonardo Aguiar: Lembro do
impacto que essa mudança teve. Não entendia muito bem, mas minha mãe ficou
muito mexida com essa nova caminhada. se bem me recordo, demorou um tempo para
ela adaptar-se a esse espaço. Mas, o preconceito, me arrisco a dizer, virou
paixão! Ela encontrou seu próprio jeito de transitar por essa editoria,
trazendo com sua escrita entre o jornalismo e a literatura, humanidade para
esse espaço! Só orgulho pela coragem! E como a justiça, embora escassa, ainda
se faz presente, todo esse talento em contar estórias foi reconhecido!
Mônica Bichara: vc definiu
bem, Léo, o preconceito virou paixão. E nós ganhamos com isso, o jornalismo
ganhou
Jaciara Santos: eita, dizer o
que? Verdade... foi um desafio que virou paixão. Se pudesse recomeçar, faria
tudo do mesmo jeito. Obrigada, filho. Mestre Emiliano José , é só emoção...
Isabel Santos: Isso, Léo. Sua
mãe disse pra que veio. Paixão em tudo que fez/faz!
Graça Azevedo: Leonardo, sou
fã da sua mãe. E tenho orgulho de ser amiga dela.
Benilda Amorim: Embora D..
Maria da Glória quisesse vê-la médica, já no Colégio Pinto de Carvalho,
enquanto sua colega de ginásio, já vislumbrava em vc uma grande jornalista! Foi
o que deu!. Orgulho sempre desse seu talento!
Jaciara Santos: verdade,
lembra disso, amiga?
Nadya Argôlo: Grande Jaci.
Apurações esplêndidas e texto sempre brilhante!
Jaciara Santos: brigadão,
amiga
Isabel Santos: Muita emoção
por vir, com mais histórias de mais um viéis da trajetória dessa
amiga/irmã/colega/comadre e grande profissional. Massa, querido Emiliano José .
Bjos *prosdois*.
Jaciara Santos: valeu, irmã!
Atuar nessa área foi muito enriquecedor. Sinto saudades...
Mônica Bichara: Preparem o
coração porque essa minha comadre arrepia, brota humanidade nas suas pautas
Jaciara Santos: saudade dessa minha fase profissional...
Melhor de todas! Trabalhar com Erival Guimarães não era trabalho, era prazer.
Mônica Bichara: eu sei, tava
ali do ladinho acompanhando
Joana D'arck: Aí tem muita
história e talento de sobra. Referência!
Carlos Navarro: Grande Jaci,
lembro de você no velho JBa. Nas reuniões de pauta você não gostava de falar
muito. "Eu escrevo, não faço discurso", dizia.
Jaciara Santos: Morrendo de
rir...continuo assim: prefiro escrever a falar. Um beijo, mestre!
Liliana Peixinho: Desafios,
compromisso, coragem, disciplina, afetos...marcas dessa irmã, amiga, parceira,
valiosa profissional, que temos a honra de compartilhar muitas histórias! Que
compromisso maravilhoso do companheiro Emiliano José em resgatar e memorializar
perfis do jornalismo na Bahia.
Alba Lucinia: Primeira
surpresa: nunca pensei que notícia policial fosse considerada "prima
pobre" !
Sheila Freire: Meu pai foi um
homem de muita sorte. Ter você como amiga não é para qualquer um. Obrigada por
tanto carinho e reconhecimento. Beijos !
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Emiliano José
23
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
derrubando preconceitos
Editoria
de Polícia.
Jaciara
tem razão: era prima pobre das redações.
Eu,
foca, chegando à "Tribuna da Bahia", quase ontem, final de 1974,
observava de longe movimentação do pessoal de Polícia.
Todos,
uma simpatia só.
Lula,
editor, sempre de bom humor.
Ainda
lembrarei os demais nomes.
Simpáticos
fossem, e eram, a gente não queria saber de trabalhar na editoria.
Parecença
com coisa menor.
Jornal
saía dia seguinte, e a gente nem olhava página de polícia.
Não
sabíamos o que estávamos perdendo.
Lembro
da brincadeira de um sábio, Pedro Agostinho.
Antropólogo,
voltado à defesa das nações indígenas, fonte permanente minha, me dizia,
brincalhão, mas falando sério:
-
Ao abrir o jornal de manhã, vou primeiro à página de polícia.
-
Por que, professor?
-
É onde conheço e reconheço o ser humano, a verdade das pessoas.
Na
Polícia, é onde você compreende a ideia de que de perto ninguém é normal.
Que
toda pessoa leva dentro de si o médico e o monstro, o bem e o mal.
E
é no exercício do cotidiano da reportagem policial a descoberta do inferno das
cadeias e prisões brasileiras, fábricas do crime, jamais voltadas ao que se
chama recuperação.
Essa
aula me ajudou a reavaliar a editoria de Polícia, embora nunca tenha sido
tentado a trabalhar na área.
Na
Facom, nossa faculdade na UFBA, não me recordo de cuidados com a área - e se
estiver enganado, darei mão à palmatória.
No
"Jornal da Bahia", editor era Moacyr Ribeiro.
Outro
bem humorado.
Lembro
de ter empurrado pra ele assinatura do 'Em Tempo".
Dos
mais experientes na área.
Tenho
a impressão de que só trabalhou na editoria de Polícia.
Como
editor, passou ainda pelo "Bahia Hoje".
Era
mestre.
Admirado
por presos, como Mônica Bichara testemunha.
Fez
escola.
Natural
tenha sido um momento angustiante para Jaciara quando decidiu aceitar o
convite.
O
filho, num ligeiro e comovente depoimento, testemunhou as apreensões da mãe, a
superação, e o mergulho na nova fase.
Teve
o privilégio na chegada de deparar com um mestre, outro.
Convidada
por ele, foi guiada nos primeiros passos, e depois se soltou, não obstante
sempre o tivesse por perto, necessário fosse.
Erival
Guimarães botou fé nela.
E
ela respondeu bem.
A
fé não costuma faiá...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Moacyr Ribeiro
essa vc vai vibrar, não pode ficar de fora. Foi com você TB que conhecemos os
bastidores da editoria de polícia e chegamos a fazer algumas pautas nos
plantões noturnos ou de final de semana. Uma vez fui com Moacir na
Penitenciária Lemos Brito fazer alguma matéria e presenciei alguns presos
amontoados gritando seu nome, pedindo socorro para denunciar as condições em
que estavam jogados. Grande escola. Aparece aí, Momó
Isabel Santos: Grande
colega/amigo Moacyr Ribeiro (Momó). Uma escola e um sorriso inesquecível. Essa
linda e aguerrida trajetória de Jaci, com a pena poética do mestre Emiliano
José, nos trará muito desses momentos. Pura emoção!
Jaciara Santos: Eu adorava sair com Moacyr Ribeiro . Às vezes, nem estava trabalhando, mas o acompanhava. Lembro de uma matéria que fiz com um rapaz preso por crime contra o patrimônio (furto ou roubo, não sei ao certo). Era um perfil, mostrando o "outro lado" dele. O nome, Sócrates, deu a Moa o mote para o título, um trocadilho com o craque Sócrates, no auge da fama, à época. Aprendi muito com Moacyr, sem nem mesmo suspeitar de que um dia aqueles ensinamentos seriam colocados em prática e reforçados no dia a dia com o mestre Erival Guimarães
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Emiliano José
24
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
descobrindo o ser humano
Jaciara,
cheia de vitalidade, olha pra sua experiência como repórter de Polícia: um
aprendizado muito rico.
Teve
tempo na área para hoje refletir.
Conta
nos dedos: nove anos no "Correio da Bahia", três na "TV
Aratu".
Todo
esse tempo na Polícia.
Dá
pra conhecer, ganhar alguma intimidade.
O
suficiente para olhar com olhos mais abertos para o ser humano.
Aquela
experiência foi uma espécie de desencantamento do mundo.
Uma
perda de ilusões.
Ou
um reconhecimento da verdade.
Tudo
junto e misturado.
O
tempo na Polícia permitiu olhar o humano sem máscaras.
E
nunca é confortável olhar as pessoas sem máscara.
É
quase insuportável.
A
cobertura policial mostrou-lhe vísceras, do que pode o ser pensante quando
exposto a circunstâncias capazes de arrancá-lo da rotina, da chamada
normalidade:
-
E isto é demais para nós que passamos a vida vendendo a imagem de pessoas boas,
belas e bem-sucedidas.
Compreendeu,
e isso não é pouco: ninguém é tão bom a ponto de não ser capaz de matar.
E
nem tão mau a ponto de não merecer o perdão.
Tempo,
tempo, tempo.
Dia
20 de maio de 2000.
A
conversa com Erival Guimarães começou às 15 horas.
Já
havia aceitado o novo trabalho.
Restava
ouvir dele a rotina.
Como
repórter especial, faria reportagens investigativas.
E
poria em prática o projeto menina-dos-olhos de Guimarães: a coluna
"Arquivo": espécie de revisão dos crimes de grande repercussão.
"Arquivo"
foi um dos trabalhos mais apaixonantes realizados por ela.
Nos
finais de semana, vida dura, entrava na escala de plantão e fazia a cobertura
factual, a chamada ronda, jargão das editorias de Polícia.
A
cada duas semanas, folga aos sábados e domingos.
"Arquivo"
tornou-se também a menina-dos-olhos dela.
A
preferência não era mais só do editor.
Clara
a rotina, começar a caminhada pela nova estrada.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: E como tudo
que ela faz, mergulhava de cabeça nas pesquisas, rememorando casos célebres do
noticiário policial. Humanizar a pauta era com ela mesmo, Erival sabia o que
estava fazendo
Alba Lucinia: Jaciara, vejo
você em toda a descrição do texto! Perfeito
Jaciara Santos: A coluna
Arquivo foi o trabalho mais prazeroso que fiz em minha vida profissional. Mais
uma dívida de gratidão para com o imenso Erival Guimarães
Graça Azevedo: Pesquisar é
muito bom, sócia.
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Emiliano José
25
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
nada do que é humano me é estranho
Logo
Jaciara mergulhou de cabeça no Arquivo.
Paixão
à primeira vista.
Revisar
crimes de grande repercussão.
Tudo
de que a galera gosta.
No
entanto, não era trabalho em busca de sensacionalismo.
Era
saber da história, assim tintim por tintim.
Tentar
entender como acontecera.
E
penetrar a alma dos envolvidos.
Arquivo-reportagem.
Ela
se danava a pesquisar o material publicado na mídia à época, acessava o
processo na Justiça e tentava então localizar os principais personagens da
história.
Revisitava
o passado.
E
atualizava os acontecimentos, dando voz aos envolvidos ainda vivos e pudessem
falar, e quisessem, naturalmente.
Ia
atrás dos principais personagens da história.
Entra
em beco, sai em beco, procura familiares ou conhecidos de vítimas, autores do
crime, delegados, promotores de Justiça, magistrados.
Trabalhão.
Não
podia ser feito com pressa.
Jornalismo
investigativo requer paciência e tempo.
E
o trabalho dela era de jornalismo investigativo.
Ia
além da superfície.
Não
era copiar o já publicado.
Tem
números na cabeça.
Foram
40 casos.
Esmagadora
maioria, publicados em vários capítulos.
Somente
a primeira matéria, de 23 de julho de 2000, foi apresentada em uma única
edição.
"O
passeio durou pouco", título.
Morte
de duas crianças, assassinadas a golpes de facão pelo próprio pai.
Assustador,
né?
Condenado
a 30 anos de prisão em regime fechado, pôs fim à vida após nove anos de cana.
Já
de cara, ela defrontou com a realidade da natureza humana.
Como
se o mundo viesse abaixo.
Respirar
fundo.
Rever
conceitos.
O
ser humano é complexo - e com o início daquela experiência, podia completar:
bote complexo nisso.
No
andar da carruagem foi compreendendo melhor o dito de Públio Terêncio, um
sábio, dramaturgo e poeta romano, cuja vida decorreu uns 200 anos antes de
Cristo:
'Nada
do que é humano me é estranho".
O
bem e o mal é do humano.
Quando
me dizem a tortura é desumana, sempre retruco:
-
É demasiadamente humana.
Desde
o início, a experiência foi uma novíssima escola de vida para Jaciara.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Sem dúvida,
fez história no chamado jornalismo policial
Jaciara Santos: Tenho absoluta
certeza: foi o que fiz de mais gratificante na minha caminhada profissional. A
coluna Arquivo não era trabalho, era prazer!
Graça Azevedo: Uma boa
socióloga pesquisadora! Tome como elogio.
Jaciara Santos: Graça Azevedo
ai, amiga, esse Emiliano remexendo no meu baú de emoções... Prepare seu coração
pras coisas que ele vai contar...
Emiliano José: Jaciara,
comecinho... Tenham calma...
Graça Azevedo: Com certeza,
sócia.
Isabel Santos: aguardando,
com carinho e expectativa, o que o nosso colega, pena de poeta, irá nos contar
sobre mais essa sua aguerrida trajetória, de verdades, sensibilidade, emoção...
Rita Tavarez: Deu muita
vontade de ler essas matérias!
Lucia Correia Lima: Me lembro que
minha admiração por Jaciara Santos veio forte quando convivi com sua serenidade
no meio de tantos loucos
Antonio Carlos Oliveira: Rapaz, texto
saboroso.
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Emiliano José
26
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
sobrevoo sobre área de Polícia anos 70
Antes
de prosseguir com Jaciara, valho-me de José Barreto de Jesus, Barretinho.
Zé
de Jesus Barreto, ele é também conhecido assim, foi meu chefe de reportagem, o
primeiro, final de 1974.
Não
me canso de repetir.
E
de celebrar a serenidade dele, sabedoria, tranquilidade na chefia.
Andou
pela "Tribuna da Bahia" entre fins de 1971 e início de 1975.
Eu
andei entre outubro de 1974 a fevereiro de 1975;
Depois
voltei, em outro momento.
Navega
lembranças de editorias de Polícia, nosso território com Jaciara.
Ele
lembra: ainda Quintino de Carvalho dirigindo a redação, o editor de Polícia da
"Tribuna" era Almir - lamenta não se recordar do sobrenome.
Almir
- um mulato, ao redor dos 30 anos, "doido de pedra mas respeitado como
editor, e pelo ótimo, criativo texto."
Com
ele, trabalhou Gracia.
Magrela,
branquinha, retada, não comia reggae de ninguém, "bebia todas e era muito
querida por todos".
Talvez
tenha sido precursora - mulher em Polícia era incomum.
Eu,
chegando, foca, ainda a encontrei na editoria, já sob o comando de Lula.
Como
encontrei Chico - Chicachorro.
Também
com chefe Lula.
Barretinho
o define bem:
-
Um preto de média estatura, um doce de criatura, divertido e querido por todos.
Além
de tudo, bom goleiro no time de futebol de campo e de salão de que Barretinho
participava.
Gostava
de uma pinga.
Barretinho
também fala de Lula, sobre quem comentei:
-
Lula, que depois foi para "A Tarde", parceiro de babas, bom de bola,
repórter policial também dos bons, sabia onde dormiam as cobras.
Creio,
a confirmar: Zé Fernandes, grande repórter, também trabalhou na editoria nessa
época, sob direção de Lula.
Paulo
Roberto Tavares, também conhecido como Paulinho Bunda Podre, natural o apelido,
não se assustem, foi repórter de polícia e também editor da área, na
"Tribuna".
Foi,
além disso, editor de Cidade.
Cheguei
a receber pautas das mãos dele, final de
1974.
Bunda
Podre foi um dos fundadores d'Os Filhos da Pauta', jornalistas no carnaval,
"escrevia bem, adorava uma farra."
Da
turma da esbórnia.
Barretinho
guarda uma recordação essencial:
-
O grande repórter policial com quem trabalhei (eu já editor do JBa na Djalma
Dutra, e depois em Pernambués, com Mário Kertész), foi Moacyr Ribeiro, fera.
Registra:
conhecia o metier.
De
cor e salteado.
Delegados,
agentes, bandidos.
Sabia
de bons e de maus.
Criativo,
bem humorado, experiente, "artimanhoso que só", na expressão de
Barretinho.
Testemunhei
tudo isso, quando no JBa, nos anos 1970. ele editor de Polícia.
Registros
aligeirados, a tentar dar um instantâneo parcial da área de Polícia no
jornalismo impresso do período, visão restrita sobretudo à "Tribuna"
e ao "Jornal da Bahia",
ausentes os demais jornais do período, como "A Tarde" e "Diário
de Notícias".
Amanhã,
prometo, volto à Jaciara, com muita história pra contar.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Outros nomes:
Carlos Mota (sempre militou em rádio, mas um companheiraço de quem atuava em
outras mídias), o saudoso Vicente de Paula ...
Mônica Bichara: ia falar isso,
Vicentão, figuraça. Alguém tenta fazer contato com Moacyr, ele está aqui no
Face. Já marquei, mas acho q não viu
José Fernandes: Não devemos
esquecer de Valmir Palma, o Soretes, que fez história em A Tarde. Só bebia
Brahma quente.
Jaciara Santos: isso! Valeu,
Zé, pela lembrança.
Paulo Leandro: José Fernandes
o sobrinho dele é subeditor de esporte do Correio, Miro Palma.
José Fernandes: também não se
pode esquecer de Raimundo Machado. Foi meu primeiro grande mestre no Diário de
Notícias.
Artur Carmel: Editoria de
Polícia...Tive o prazer de trabalhar, lado a lado, com o grande Moacir Ribeiro,
no JBa do Baixo Dutra. Experiente, valente e companheiro. Gracia 'Gracia Magra'
foi quem primeiro me fez saber das "aventuras" do dia dia duma
editoria de Polícia, quando já a conheci fora dos tabloides, atuando juntos na
assessoria de comunicação do IPAC. Companheira solidária e boa de papo e de
copo ! Ah...Glauber Rocha tb foi editor de Polícia.
Jaciara Santos: massa,
Carmelito! E o anedotário da editoria de "puliça", gente? Lembrando
agora que outro Moacyr, o Nery, editou a página durante muito tempo. Era cada
história! E ele, com seu jeito peculiar de fazer relatos, parava literalmente a
redação, quando relatava alguma "pérola" encontrada em uma ou outra
matéria... Exemplo: certo repórter colocou no texto "(...) os meliantes
(sic) adentraram (sic) o banco de surpresa, quando ninguém esperava
(...)". Como se fosse normal estar em um estabelecimento bancário à espera
de assaltantes. Ah, Nery fazia a festa...
Artur Carmel: Nery era uma
figuraça ! Além do estilo 'júri de desfile de Carnaval' a voz dele era ótima
pra contar as histórias. ríamos muito, no JBa.
Jaciara Santos: Importantíssimo
esse registro, mestre Emiliano. Não cheguei a conviver com Gracia (pensava que
era Graça), mas a conheci aligeiradamente. Temperamento forte, palavrão fácil,
repórter das boas. Erival trabalhou com ela no A Tarde e costumava citá-la como
exemplo de repórter investigativa. Eu acrescentaria a esse rol de ícones da
reportagem policial nomes como Cristovaldo Rodrigues - mesmo sem formação
acadêmica, dava um banho de profissionalismo em tod@s nós -, Berna Farias ,
Domingos Souza (outro que não alisou os bancos da Facom, mas era mestre nas manhas
da polícia), Clécio Max ...Tem mais gente que a memória me trai no momento,
assim que for lembrando, trago aqui. Um salve a todos e todas pioneir@s que
pavimentaram a estrada por onde transita hoje a nova geração.
Nadya Argôlo: trabalhei com
Moacir. Grande jornalista! Pessoa muito querida por todos...
----------------------------------------------------
Emiliano José
27
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
repórter chora
Iniciava
a coleta de dados a partir da fonte primária: jornais da época.
Tinha
de se cuidar.
Pesquisador
não pode deixar se guiar pelas primeiras impressões.
Botava
os olhos nos jornais, e via-se contaminada pelo tom de condenação ao autor do
crime, sem mais.
Boa
repórter, olhava de soslaio pra tudo.
Após
os jornais, leitura dos processos, seguia para as entrevistas.
Delegados,
agentes policiais, juízes, promotores, familiares das vítimas, muitas vezes o
próprio acusado.
E
as visões se clareando.
Não,
não se apressava em amenizar o crime, desculpar o ato.
Mas,
ao fazer bom jornalismo, olhava todos os ângulos, via o outro lado.
Nesse
movimento, foi descobrindo: nenhuma vítima é somente vítima, nenhum criminoso é
somente criminoso.
Reparando
bem, olhando de maneira larga, o autor do crime é também uma vítima.
Ao
longo do trabalho, cavoucando tantos crimes, revolvendo histórias aparentemente
esquecidas, revirando fundos de baús, mexendo com lembranças dolorosas,
colecionou bom número de desafetos.
Afetos,
menos.
Quando
seguiu atrás do Crime do Edifício Saga, parte do extenso rol de homicídios
jamais solucionados pela polícia baiana, sentiu o quanto era arriscado mexer em
assunto considerado delicado.
Orlando
Sérvulo de Albuquerque, 47 anos, homossexual assumido - para padrões da época,
e até hoje em algumas rodas, um escândalo.
Foi
morto.
Tudo
apontava para um crime de ódio.
No
desenrolar da história, contada em três capítulos, Jaciara resolve voltar ao
local do crime.
Sempre
arriscado.
Queria
pouca coisa: apenas mostrar como estava o local, passados já mais de 30 anos.
Escorraçada.
Moradores
não admitiam sequer tocar no assunto.
Razões
de mercado: falar sobre o crime contribuiria para desvalorizar os imóveis do
prédio, localizado à rua Carlos Gomes, 385, centro de Salvador.
Repórter
não chora - parece mantra de jornalistas.
Besteira:
chora.
Jaciara
chorou ao deparar com o empresário Carlos Terra, cuja morte ocorreu em
fevereiro de 2019 sem obter justiça pelo assassinato do filho, o adolescente
Lucas Terra, 14 anos, por membros da Igreja Universal do Reino de Deus, em
março de 2001.
Foi
uma entrevista penosa, uma das mais comoventes vividas por ela.
Isenção?
Lucas
Terra fora morto de forma cruel, perversa - necrópsia aponta abuso sexual.
Não
bastasse, queimado vivo.
Crueldade
pra ninguém botar defeito.
Ela,
ouvidos atentos, caneta à mão, sentia as palavras dele entrecortadas por
soluços e lágrimas.
Que
pai não?
Muita
dor.
Não
foi coisa de Deus, não, como costuma dizer o povo.
Jaciara
deixou as lágrimas correrem.
Isenção?
Pra
porra.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Quem não
chorou com esse caso affffff E pra quem estava envolvido diretamente na
cobertura, apuração, então......Inacreditável ficar impune. Repórter chora,
sim, impossível evitar a depender da pauta. E Jaci sempre brilhante, seu choro
só aumentou minha admiração pela pessoa humana que não precisa se esconder
atrás de nenhuma armadura
Isabel Santos: Chora, sim. E
Jaci, essa eterna repórter, sempre firme, forte, transparente, ética ..., é um
grande ser humano, cheia de compaixão, com um olhar profundo para o próximo,
seja onde for. Esse caso de Lucas Terra, me causa muita emoção. Conheci a mãe
dele, qdo esteve na redação da Secom, com livro sobre a triste trajetória do
filho debaixo do braço, buscando vendê-lo para pagar os gastos com a
investigação. Sensibilizou
geral.
Muito triste mais essa indignidade, esse crime impune.
Jose Jesus Barreto: tudo isso,
Isabel. Jaci é um ser especial, quero muito bem.
Jaciara Santos: Bel impossível
não ficar mexida com uma situação como essa... Desmontei. Fiquei sem graça, em
plena redação, chorando e fazendo as anotações...
Jose Jesus Barreto: a despeito da
distância, um respeitoso amor eterno.
Jaciara Santos: Barretinho,
ainda guardo alguns de seus bilhetinhos, meu chefe. Muito carinho entre nós.
Emiliano José: Jaciara Santos
razão nenhuma pra ficar sem graça.
Graça Azevedo: Lembro de
Carlos Terra no julgamento dos assassinos do meu menino. Prestando-me
solidariedade. Quisera poder fazer o mesmo com Marion Terra.
Bruno Wendel: Jaciara me
inspira. Sua coragem, sensibilidade e demais ensinamentos estão até hoje
frescos em minha memória. Lembro de uma certa vez na redação do CORREIO (à
época o Correio da Bahia), Jaci passava meu texto quando uma colega se
aproximou e fez a seguinte pergunta: "Jaci, você que já cobriu tanto
enterro, hoje nem se abala quando vai em mais um, né?". Então, Jaci, com
toda a sua paciência do mundo, virou pra ela e disse; "Não, minha querida.
No dia em que não me emocionar, eu rasgo o meu diploma!". E desde então, a
frase não mais saiu da minha cabeça, tanto que a repito sempre quando me fazem
o mesmo tipo de questionamento, mas dando o devido crédito à Jaci, minha
mestre.
Jaciara Santos: Bruno, você
sempre vai ser o meu BB. Não importa quantos prêmios receba nem o quanto tenha
crescido. Sempre vai ser o meu BB. Te amo!
Mônica Bichara: Bruninho
querido, cria de Jaci. Tive o privilégio de ser vizinha dessa editoria
brilhante
Gilberto Nascimento: E o caso Lucas
Terra continua sem solução. Triste!
Jaciara Santos: pois é...
Triste Brasil!
Jaciara Santos: Ah, mestre...
E você tirando a casquinha da ferida que eu julgava cicatrizada...
Emiliano José: não pretendia.
Gilberto Nascimento: Jaciara,
grande repórter! Bela trajetória. Exemplar.
Jaciara Santos: Gilberto,
lembrei de você ao mencionar o caso Lucas Terra...
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Emiliano José
28
de fevereiro de 2022
Jaciara Santos:
matou a mulher, enterrou na laje
Lucas
Terra ocupou seis edições do "Arquivo".
Jaciara
ouviu familiares, advogados de defesa de Sílvio Roberto Santos Galiza, de
acusação, delegado responsável pela investigação, entre tantos.
Galiza,
na fase inicial, foi apontado como autor do crime.
Passado
algum tempo, reviravolta: ele aponta os pastores Fernando Aparecido da Silva e
Joel Miranda como autores do assassinato do garoto.
No
vai e vem do Judiciário, somente Galiza cumpriu pena pelo homicídio.
Está
em liberdade, por força do regime de progressão de pena.
No
"Arquivo", feminicídios tinham amplo espaço.
Chamados
assim, mas ainda não tipificados como tais.
A
lei a caracterizar o crime de feminicídio é de 2015.
À
época, mortes de mulheres decorrentes de violência doméstica ou quaisquer
outras, ainda eram classificadas como homicídio.
Crimes
bizarros, coisa de terror.
O
caso Elisa mereceu quatro capítulos, entre 30 de março e 20 de abril de 2003.
Até
hoje, ao passar pela Rótula do Abacaxi, sentido centro, Jaciara é mexida,
sacudida.
Um
frio na espinha ao olhar o casario do alto da encosta, à direita.
Meados
de março de 1996.
O
funcionário Abeljair da Silva Soares rompeu o silêncio da noite ao matar a mãe
dos três filhos deles com um tiro na cabeça.
O
cadáver, escondeu na laje superior do prédio onde a família vivia, sob um banco
de cimento construído às pressas.
E
tocou a vida, como se nada.
Durante
sete meses, seguiu convivendo com os filhos e a namorada, apresentada como
prima.
Ali,
ao lado, o túmulo improvisado da mulher.
Familiares
não acreditaram na história, insistiram com a polícia, e a investigação chegou
à laje.
Pelo
"Arquivo", passaram o famoso incêndio de Água de Meninos, a tragédia
de Pojuca, o sumiço do encanador Jorge Luís Floquet, o latrocínio da socialite
Vera Fraga, a morte do livreiro Argeu Costa, a chacina do Lobato, o crime dos
policiais federais e o lendário caso da Morena do Abaeté, entre tantos crimes.
Três
anos de trabalho exaustivo, mas pleno de emoção e prazer.
Veio
a tempestade de dezembro de 2003.
Cortes
orçamentários no jornal implicaram numa onda avassaladora de demissões.
A
guilhotina chegou fortemente à editoria de Segurança - foram três dispensas.
Tudo
mudou.
Passa
a subeditora.
Não
tinha mais como produzir o "Arquivo".
O
marinheiro morto em Mar Grande, última matéria.
Assassinado
por um policial militar em meio a uma briga generalizada na Praça do Duro, a
principal de Mar Grande, distrito de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, em 28 de
outubro de 2001.
"Arquivo"
morria em 30 de novembro de 2003, com a morte do marinheiro.
Gostar
de continuar, gostaria.
Mas,
jornalista está sempre submetido aos ventos e tempestades do mercado, às
oscilações financeiras da empresa onde trabalha.
Quem
não viveu isso?
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: No ar novo
capítulo dessa série #MemóriasJornalismoEmiliano, tendo como protagonista Jary
Cardoso. Um livro completo
Jaciara Santos: não sei o que
é mais apaixonante: o autor, o protagonista ou a editora. Voto nos três!
Graça Azevedo: Acompanho a relatora.
Mônica Bichara: Falta de tino
jornalístico da empresa para acabar um projeto desse. Era o coração da
editoria, o que dava a cara, o diferencial da cobertura do setor. Uma pena
Jaciara Santos: ah, como eu
sofri... Mas repórter não se governa. Dança conforme a música ou... dança!
Graça Azevedo: Uma lástima.
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Emiliano José
1º
de março de 2022
Jaciara Santos:
juventude negra executada
Jornalista
é explorado de todo lado.
O grave, ou o melhor: gosta da atividade.
Enquanto tocava o “Arquivo”, Jaciara produzia
matérias especiais e entrevistas no formato ping-pong.
Algumas, de grande repercussão.
Mergulhou atrás dos grupos de extermínio.
Organizações muito semelhantes às milícias
atuais.
Do trabalho, nasceu uma série.
Cinco edições, entre 29 de março e 2 de abril
de 2002.
A série conquista dois prêmios: da Associação
Bahiana de Imprensa (ABI) e do Banco do Brasil.
Brinquedo não: agraciada ainda com menção
honrosa no “2002 Kurt Schork Awards in International Journalism”, concurso de
reportagens da Universidade de Columbia (Nova Iorque), na categoria Jornalismo.
Ousada, Jaciara, na matéria, traça um mapa da
atuação das organizações criminosas.
Apresenta dois personagens marcantes.
Um jovem que sobreviveu a um ataque de
“justiceiros".
E um policial militar integrante de um grupo
de extermínio.
O jovem restou paraplégico.
Jaciara não esperava tanta repercussão.
Algumas pessoas perguntavam, atônitas, se ela
não tinha medo de envolver-se “com aquele tipo de gente”.
Outras, elogiavam a coragem dela.
Confessa: não é tão corajosa assim.
A pauta nasceu da curiosidade.
Desde o início do trabalho na editoria de
Segurança, ficou intrigada com uma coisa: a impressionante quantidade de
homicídios tendo jovens como vítimas.
Claro: na periferia de Salvador.
Locais de desova, é, assim chamados, sempre os
mesmos.
O crime cultivava um padrão.
Os cadáveres abandonados em terrenos baldios
eram sempre de adolescentes, ou jovens.
Invariavelmente negros.
Duplas ou trios - assim apareciam os cadáveres
desovados, aos magotes.
Ferimentos
à bala na cabeça ou no peito, típicos de execução.
A cada dia, Jaciara sentia o incômodo
aumentar.
Um incômodo a sufocá-la.
Queria respostas.
Foi perguntando aqui, ali, e confirmando: tais
mortes não eram aleatórias. Tinham ligação entre si.
E foi à luta.
Descobriu: por detrás daquelas execuções
sumárias havia uma rede de grupos organizados.
Protegia
o pequeno e médio capital da periferia: comerciantes, lojas, armazéns, a pedir
“limpeza de área”.
E atendia a interesses de traficantes, também.
Rede constituída por policiais da ativa ou da
reserva.
Dera o primeiro passo.
Restava saber qual destino dar a tais
informações.
Refletiu: o “Correio da Bahia” era jornal do
grupo carlista.
Como
iria cavoucar um assunto como aquele?
Iria bater de frente com a política de
segurança do governo do Estado.
Resolveu abrir-se com Erival Guimarães, o
editor.
Pensou: calça de veludo ou bunda de fora.
Editor experiente, e no jornal havia bom
tempo, conhecia o jogo interno todo, e surpreendeu-a:
- A gente aqui não faz jornalismo
chapa-branca. Faça sua parte, que qualquer bronca a gente segura com o
editor-chefe.
Não saiu dando pulos porque pegaria mal.
Disposição renovada.
Trabalho demorado – pela complexidade do
assunto e porque combinava essa apuração com matérias do “Arquivo”.
Só queria bater a lauda na mesa quando pudesse
apresentar um personagem explosivo, incapaz de deixar dúvidas quanto à
gravidade da denúncia.
Não bastava o jovem sobrevivente, e
paraplégico em decorrência do ataque de um grupo de extermínio.
Ainda era pouco.
Faltava um matador.
Veio a greve da Polícia Militar de julho de
2001.
E a cobertura daqueles dias tenebrosos.
Numa busca, numa investigação, conta também a
sorte...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Pense numa
musa discursando e emocionando todo o público do prêmio do Banco do Brasil (vc
não achou q eu ia deixar de me AMOSTRAR com uma cumade deslumbrante dessa, né Jaciara?)
Jaciara Santos: Mônica, lembra
que eu chamei Erival ao palco pra receber o prêmio comigo? Ficou engraçada a
foto que o correio publicou: eu chorando e ele rindo...
Graça Azevedo: Sócia, como vc
está linda! Orgulho de vc ser o que é.
Lucia Correia Lima: pioneira.
Liliana Peixinho: Foi o de 1999?
Estava lá! O TCA lotado! Oh Saudades!
Jaciara Santos: tava bonita
mesmo, reconheço...
Graça Azevedo: LINDA!
Isabel Santos: Lindérrima.
Essa moça é uma lindeza só, de todas as maneiras. É muito emocionante o relato
desse ímpar momento dessa minha querida amiga/irmã. Parabénnnns, sempre, Jaci.
Mais prêmios tivessem...
Graça Azevedo: Isabel, concordo
com vc.
Mônica Bichara: foi numa
espécie de circo armado na Boca do Rio, no aeroclube
Jaciara Santos: não, amiga. Foi 2003
Jaciara Santos: Olhando pelo
retrovisor, vejo a ousadia do Correio em dar espaço ao assunto. O editor chefe
Demóstenes Teixeira deve ter passado alguns perrengues, mas chegou junto comigo
e com Erival Guimarães . Gratidão aos dois.
Mônica Bichara: Eitcha como
lembro dessa série e desse prêmio. A comadre toda linda no palco fazendo o
discurso emocionado, tremendo, e a gente chorando tb de emoção na plateia.
Justa premiação, justíssima, a coroar tb a ousadia do Correio. Pena Erival não
estar aqui pra acompanhar esse resgate (mas ele está, certeza, e orgulhoso da
pupila)
Jaciara Santos: Ele jamais vai
sair da minha lembrança e do meu coração.
Mônica Bichara: Sei disso, tem
pessoas realmente inesquecíveis. Erival uma delas
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Emiliano José
2
de março de 2022
Jaciara Santos:
o Máscara Negra
Cobria
a greve da Polícia Militar.
Julho
de 2001.
E
foi ali: a sorte veio ao encontro de Jaciara.
Por
dever de ofício, fez contato com alguns policiais naqueles dias tenebrosos.
Nessas
ocasiões, às vezes, aparece uma fonte privilegiada, mão na roda.
Apareceu
pra ela: conversando, conversando o policial passava todas as informações sobre
o movimento, as ações em andamento e os locais dos crimes.
Pra
quem não se recorda, foi um período de homicídios em série – mais de dez por
dia na zona urbana.
Dias
tenebrosos: não era apenas uma metáfora.
O
policial – o informante dela – parecia estar a par de boa parte de tais
homicídios.
A
greve acabou.
Senso
de repórter: Jaciara preservou a fonte.
De
vez em quando, o policial ligava e passava alguma informação.
Sempre
em off.
De
tais informações, surgiam ótimas pautas.
Jaciara
foi estabelecendo com ele uma relação de confiança.
Um
dia, tomou coragem, foi pra cima:
-
Você conhece alguém que atue como “justiceiro”?
Atenuou,
usou de metáfora – preferiu “justiceiro” a matador, deixou de lado também o
termo “grupo de extermínio”.
Tinha
medo de assustar a caça.
O
policial olhou pra Jaciara, sereno, sem mover um único músculo da face:
-
A amiga está diante de um.
Sem
chão – assim restou uma perplexa Jaciara.
Sopa
no mel, objeto do desejo dela.
Não
imaginava ocorresse dessa maneira, de inopino, sem rodeios, sem meias palavras,
a seco.
E
se fosse mentira?...
Simulou
tranquilidade, não obstante quisesse o coração sair pela boca.
Ainda
brincou, quem sabe tentando ela própria relaxar:
-
Não acredito. Você está brincando comigo.
Ele
puxou um cigarro, bateu com ele no isqueiro, acendeu, deu a primeira baforada,
sereno, sereno:
-
Como você acha que eu sabia daqueles “presuntos” que lhe falei na greve?
Jeito
não: agora só restava atravessar o Rubicão.
Não
tinha volta, ir em frente:
Coração
em ritmo normal, serenidade recuperada, toma a iniciativa:
-
Você me daria uma entrevista para uma matéria que estou fazendo sobre o
assunto?
Policial
aí sartou de banda, amarelou.
Ela
rezou cartilha de jornalista séria:
-
Jamais revelaria a sua identidade e ainda mostraria a matéria antes de
publicar.
O
policial, assuntando.
É
sempre muito atrativo: 15 minutos de fama são sempre bem-vindos.
Mas,
ela disse precisar fazer uma foto.
Ele
sartou de novo, aí pra valer:
-
Foto, nem pensar. De jeito nenhum.
Jaciara,
encurralando a caça, já cheia de coragem, incomum nela:
-
Sem a foto não tenho como publicar a matéria.
Policial
deve ter pensado: a moça diz manter segredo de minha identidade, e depois vem
com história de foto,? Aí vaca vai pro
brejo.
Jaciara
não piscou:
-
Para dar credibilidade à matéria, uma foto é indispensável.
Sujeito
começou vacilar, refletir, sabe como é qui é, né, reportagem assim me joga lá
nas alturas...
Jaciara
sentindo o sujeito nas mãos:
-
Olha aqui, a gente fotografa, faz várias fotos, você faz a escolha da foto a
ser publicada, não tem erro, tudo no acordo.
Já
pegara as manhas, sabia como levar policial no bico.
Sujeito
topou, ainda meio ressabiado.
Ela
combinou tudo com Almiro Lopes, veterano, a carregar nas costas sugestivo
apelido: Maguila.
Marcou-se
em um local ermo, sinistro, e sujeito se deixou fotografar: rosto coberto por
uma balaclava e de arma em punho. Até
orgulhoso.
Balaclava,
pra quem não sabe, é a popular máscara ninja.
Nascia
ali o personagem Máscara Negra
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Esse Máscara
Negra foi um achado. Grande Maguila, grande dupla
Jaciara Santos: a verdade é
que jornalismo é feito, como se diz em publicidade, de inspiração, transpiração
e...sorte. Não necessariamente nessa ordem.
Jaciara Santos: Almiro Lopes,
Marilton Santos, Paulino Jose Dos Santos vocês tiveram grande participação
nessa pauta. Sem o apoio de vocês e de outros "parças", como o
delegado Jose Walter Mendonça, talvez eu não tivesse obtido a confiança
necessária para ir adiante na apuração.
Isabel Santos: Vamos lendo o
texto e a expectativa sobre as decisões de Jaci, nessa grande investigação,
aumentando.
Jaciara Santos: e o mestre
Emiliano José sabe como criar suspense...
Graça Azevedo: Jaciara, vc é
muito corajosa. Destemida!
Jaciara Santos: Sou nada,
sócia. É a adrenalina da profissão, os desafios. Na hora, a gente nem pensa...
Jose Jesus Barreto: No exercício da profissão não somos nós, somos personagens, atores, temos um
papel a cumprir. Sou um tímido, acanhado... como repórter era ousado, corajoso.
Jaci pessoa, sei bem quem é, e a Jaciara repórter, essa destemida. Mulher
retada. bjs. belos textos emilianicos! viva.
Jose Jesus Barreto: amo vc, jaci
querida.
Jaciara Santos: disse tudo!
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Emiliano José
3
de março de 2022
Jaciara Santos:
espera tensa do veredito
Dias
de inquietação.
Como
se numa guerra.
Momentos
de algum relaxamento, raros.
Restante,
tensão.
Vida
de jornalista.
Agora,
Jaciara, afora as muitas pesquisas, leituras, tinha as duas faces da moeda nas
mãos - regra de ouro do jornalismo: ao menos para jornalistas sérias.
Um
sobrevivente.
Um
ninja, matador.
Atirou-se
à escrita.
Letra
a letra, ia esculpindo a matéria.
Sofria,
ao constatar tanta crueldade.
Que
mundo, este.
Como
os grupos de extermínio matavam, assim, como um simples ofício.
Olhava
ao redor.
Pensava
nos tantos amigos da periferia, de São Caetano, da Fazenda Grande, do Alto do
Peru, juventude.
-
Onde estarão meus amigos?
-
Vivem?
Já
fazia algum tempo saíra daquelas bandas.
Tinha
saudades.
E
tristeza quando pensava nesses amigos, quem sabe, amigos perdidos assim, quase
destino inelutável, e não se perdiam por balas perdidas.
A
matéria era parte de sua vida - nascera, pisara todo aquele chão, a dor e a
alegria de ser periferia, aqueles meninos cheios de vida.
Como
eram impiedosamente mortos.
Às
vezes, escrevendo, brotavam lágrimas.
Jornalista
imparcial, besteira - insisto.
Verdadeiro,
sim.
Fiel
aos fatos, sim.
Imparcial,
nada.
Sempre
tem lado.
Jaciara
tinha.
Passou
alguns poucos dias escrevendo.
Foi
ao editor, Erival Guimarães.
Bateu
as laudas na mesa, segura.
O
editor pegou, folheou rapidamente, revelando quase estupefação, não obstante
acostumado a tanta coisa.
Olhou
serenamente para Jaciara, e informou:
-
Vou submeter a matéria ao editor chefe.
Ela,
tensa.
Gritantes
as falhas na política de Segurança do Estado, tão gritantes a ponto de causar
no espírito dela muitas dúvidas sobre a possibilidade de a reportagem ser
publicada.
Segura
da matéria, sim.
Do
veredito, não.
Foi
para casa.
A
tensão aumentou.
Teve
insônia, dor de estômago.
Ansiedade
como nunca antes.
Não
foi tanto tempo assim de espera.
Contado
nos dedos, algumas horas.
O
correr do tempo, varia.
Aquela
espera sobre o veredito pareceu um século...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Aff... Parece
até que voltei no tempo! Ansiedade, angústia da espera, incertezas... Você é um
bruxo, mestre Emiliano.
Mônica Bichara: Dá pra sentir
a tensão no ar, essa pauta daria um grande documentário, ou um senhor longa .
Que personagens.......e que repórter a extrair o máximo de um caso escabroso,
sem perder a ternura
Lucia Correia Lima: verdade
reviver e sofrer de novo...
Graça Azevedo: Suspense pros
leitores também, sócia.
Jaciara Santos: Mônica assim
eu choro... Verdade.
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Emiliano José
4
de março de 2022
Jaciara Santos:
fogo assassino
Foi
pra casa depois de entregar a matéria pro editor.
No
caminho, as ideias embaralhadas.
A
tensão diante do veredito por vir.
O
que será que será...
A
tensão pelas mortes.
No
escrever, no descrever, vivia junto com os meninos, jovens mortos.
Sendo
buscados de surpresa na noite, sob gritos e metralhas.
Amarrados,
sob pancadas, torturas, ódio:
-
Vagabundo!
-
Viadinho!
-
Fala que é valente, agora!
-
Fala!
E
os meninos pedindo:
-
Não me mate!
-
Me leve pra delegacia!
Nem
podiam distinguir quem eram aqueles ninjas.
Lágrimas,
os meninos chorando - voltavam a ser crianças, alguns ainda eram.
Amarrados
brutalmente.
Jogados
na traseira de carros - nada de viatura policial.
Justiceiro
não quer dar bandeira.
E
seguiam para a zona de desova.
Tiros
na cabeça:
-
Não vão incomodar mais ninguém!
-
Ladrãozinho é pra morrer!
Chegou
em casa pura tensão.
Puxou
de uma banana na mesa, comeu, murmurou alguma coisa, e deitou.
Um
enorme cansaço, não sabia de onde vinha cansaço daquele tamanho.
Ou
sabia.
Não
demorou a dormir.
Viu
André, João, Tião - todos colegas de colégio.
Subiam
o ladeirão saído do Largo do Tanque, a desembocar na entrada pra São Caetano.
Riam,
brincavam, falavam das minas, os primeiros namoros, sensações
E
de algumas paradas, quase inocentes.
De
repente, encosta um carro.
Gritos
corre não vagabundo o cano frio das armas na cabeça os três amarrados e jogados
sob violentas pancadas no porta-malas do carro.
À
toda velocidade, desova.
No
sonho viu o mato baixo poucas árvores os meninos sendo arrancados brutalmente
coronhadas na cabeça sangue jorrando espirrando na cara dos caretas eles nem aí
divertindo-se os meninos mal conseguindo articular palavra.
-
Perde tempo não - grita um dos justiceiros.
Um
tiro na cabeça de cada um.
E
então no sonho só fogo.
Os
meninos ardendo em fogo.
Justiceiros
não queriam deixar vestígios.
Só
cinzas.
Ela
olhando o incêndio, os corpos devorados pelo fogo, juventude em chamas,
destruída.
Ainda
quis ir na direção deles..
Caminhar
para o fogo.
Os
pés não saiam do lugar.
Tentava,
tentava.
Nada.
Impotência
Chorava.
Muit1o.
Acordou
no meio da madrugada.
Chorando.
A
roupa, encharcada de suor.
André,
João e Tião, tão vivos na memória, mortos no sonho, nem imaginava onde
estivessem hoje.
Talvez
vivos.
Talvez
não.
O
sonho-pesadelo levou-a de volta à juventude no São Caetano.
Ao
destino tão duro dos amigos de escola.
Esperar
o sol surgir e correr pra redação.
Saber
do veredito.
Das
lembranças do sonho, não conseguia se livrar...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Esse de
hoje.......respirando fundo aqui pra tentar achar palavras, pra tentar entender
pq tanto ódio
Jose Jesus Barreto: na veia! bjs
Jaciara Santos: Eita... Sei
nem o que dizer. Você tem o dom de me deixar sem palavras e olhe que eu lido
razoavelmente bem com elas...
Graça Azevedo: Penso nas mães
impotentes. Quanta dor.
Jaciara Santos: A dor das mães é demais... Indescritível. E ontem, como hoje, as periferias continuam banhadas em sangue negro. A carne mais barata do mercado continua como produto descartável. E a dor das mães... Ah a dor das mães, essa dor não sai nos jornais, minha querida sócia Graça Azevedo
Mônica Bichara: Jaci, vimos agora essa dor estampada nas fotos do caso Gamboa, uma dor que dilacera a alma
Graça Azevedo: Até quando?
Jaciara Santos: até sempre,
lamentavelmente...
Graça Azevedo: Emiliano José,
o relato de hoje me derrubou. Pesadelos. Realidade. Tudo uma coisa só.
-----------------------------------------------------
Emiliano José
5
de março de 2022
Jaciara Santos:
a gente quer no destino mandar
Amanheceu.
Levantou
como quem partiu ou morreu.
Atordoada.
O
sonho a incomodava.
Como
não conseguira arredar pé e ajudar os meninos?
Como
não os tirara do incêndio?
Punha
razão: foi só um sonho.
Adiantava
pouco: sonhos às vezes grudam no espírito.
Quanto
mais se tocam coisas da vida.
Quanto
mais se envolvem assuntos com os quais está lidando.
Atordoada
também porque no espírito se firmava uma
convicção.
-
Minha matéria caiu - murmurava, enquanto preparava o café.
Só
um cafezinho - fome não aparecia.
Afinal,
como o jornal, tão vinculado à força política dominante no Estado, iria
publicar material de confronto às práticas da polícia?
Afinal,
os grupos de extermínio eram constituído por policiais.
Não
havia dúvida.
E
certamente tais grupos eram do conhecimento da Secretaria de Segurança - melhor
fazer vistas grossas, deixar correr: certamente era o que pensavam as
autoridades da área.
Como
o jornal iria publicar um material dessa natureza?
Desacorçoada.
Como
eram duros os jogos do poder.
Às
vezes, jornalistas se sentem impotentes diante deles.
O
sonho voltava: onde andarão André, João, Tião?
Tomara
estivessem bem, tocando a vida.
Para
atenuar o impacto do sonho, isso: imaginava-os bem, a vida sorrindo para cada
um deles.
De
repente, Erival irrompe na redação.
Frio
na espinha.
Voltou
Roda Viva:
Tem
dia que a gente se sente como quem partiu ou morreu a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu a gente quer ter voz ativa no nosso destino
mandar mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá...
Ah,
Chico, só você para mergulhar em nosso espírito - ela pensava: queria ter voz
ativa.
Erival
irrompe na redação.
Quase
para a respiração.
E
ele:
-
Jaci, o chefe deu o OK.
Não
saiu pulando pela redação por acanhada, contida.
Vontade
teve.
O
editor deu a sentença:
-
Vamos soltar essa porra hoje!
Sensação,
sentimento de quase-vingança.
Um
voz falaria por aqueles meninos.
Reverberaria
os sonhos e desejos deles, um dia acalentados.
Incluindo
os de André, João, Tião...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Mestre
Emiliano e a imersão poética... Falando assim, até parece, né? Ai, aqueles
instantes até ouvir de Erival Guimarães "vamos soltar essa porra
hoje!". Falar a verdade, mesmo acompanhando a edição e fechamento da
primeira matéria da série, fui pra casa ainda com o coração na mão. Só relaxei
quando vi a publicação no dia seguinte... Agora era de a vera. Não tinha volta.
Graça Azevedo: Que vitória
linda, sócia querida.
Jaciara Santos: Verdade, sócia!
Foi uma vitória. Somente possível com o apoio (e coragem) dos queridos Erival
Guimarães e Demóstenes Teixeira .
Mônica Bichara: verdade, foi
um teste pro coração e para o profissionalismo. Vitória do jornalismo sério
Graça Azevedo: Com certeza,
Jaciara! Arrepiada com a narrativa!
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Emiliano José
6
de março de 2022
Jaciara Santos:
coração na mão
Alegria.
Muito
bom saber da liberação da matéria.
Acompanhou
a edição e o fechamento da primeira matéria da série.
Foi
pra casa.
Relaxada?
Nada.
Coração
na mão.
Jornalista
de impresso vive sempre um tenso intervalo de tempo: aquele entre a saída da
redação e o dia seguinte.
Às
vezes, sai todo empolgado, tudo certo, amarradinho, matéria sairá amanhã, e no
dia seguinte olha primeira página pra ver se há alguma chamadinha, paciência,
não há, vai pras páginas internas, procura procura e nada, e aí desolação
total.
Ela,
na expectativa.
Sem
direito a euforia.
Não
dormiu bem.
Sabia
da possibilidade de alguma pedra no meio do caminho.
Sossegar
mesmo só quando cedinho, dia seguinte, deparou com o título:
"Polícia
declara guerra aos 'justiceiros'"
"Correio"
publica a primeira matéria da série no dia 29 de março.
O
título podia não ser o dos seus sonhos.
Forma
de a polícia tirar o corpo fora.
Como
se nada tivesse a ver com os "justiceiros".
Todos
sabiam: organização criminosa vinha das entranhas da polícia.
O
importante, no entanto, era ver o material começar a ser publicado.
Viriam
mais quatro matérias.
"Matadores
tinham lista com 70 jurados de morte".
"MÁSCARA
NEGRA: 'Eu ajudo a limpar a sujeira da sociedade'".
"Sobrevivente
denuncia ação de 'justiceiros'".
"Índice
de homicídios no país é dos mais altos do mundo".
Títulos
mais quentes, como se vê.
Entrevista
com MÁSCARA NEGRA, publicada no domingo, 31 de março.
Segunda-feira,
Jaciara vai aos Aflitos.
Comando
da Polícia Militar, Quartel dos Aflitos - sugestivo, adequado nome.
Dever
de ofício: ouvir a instituição sobre as denúncias.
A
denúncia tivera uma sustentação vigorosa a partir de um soldado da ativa.
MÁSCARA
NEGRA, o soldado, assumira ser membro da organização criminosa.
Como
se fosse hoje: ao chegar à antessala do comando-geral, Jaciara sentiu-se
observada, olhada com curiosidade, por praças e oficiais.
Todos
olhavam-na de uma forma estranha, alguns com estupefação.
Alguns
deviam pensar: que coragem a dessa moça.
Não
obstante, eram olhares sem hostilidade - assim, menos tensão.
Um
porta-voz a recebeu de modo afável.
Puxou
conversa, educadamente, enquanto o comandante não chegava.
Era
o tenente-coronel André Souza Santos.
Besta
nem nada, o oficial, conversa vai, conversa vem, assim como quem nada quer,
querendo, pergunta:
-
Como é que você chegou ao MÁSCARA NEGRA?
Jaciara
recitou cartilha do jornalismo para ele: era dever dela preservar a fonte...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: - Como é que
você chegou ao MÁSCARA NEGRA? hahahaha só rindo, era tudo q eles queriam saber.
Só se fosse Jaciara mesmo que iria abrir o bico
Jaciara Santos: agora tô
rindo, mas foi engraçado não...
Isabel Santos: Mônica, pois
é, só se fosse...
Jaciara Santos: Bem assim...
Mais relaxada, mais confiante. Foi bem interessante o papo com o comandante da
PM-BA. Que, diga-se, um gentleman.
Jaciara Santos: Antonio Jorge
Ferreira Melo , mestre obrigada pela ajuda no resgate das memórias. Abraço.
Antonio Jorge Ferreira Melo: Jaciara,
honrado com essa pequena possibilidade de ajudar, mas, mais honrado ainda com a
sua distinção própria dos espíritos altruístas
Jaciara Santos: o senhor é um
querido.
Graça Azevedo: Muita calma
nessa hora...
Isabel Santos: Imagino a
'angustia', a expectativa da amiga. A espera pela publicação de uma matéria
'mexe com os nervos', como s diz, imagino essa, hein, Jaci?
Jaciara Santos: aff... Foi uma
eternidade
Joaquim Lisboa Neto: Fio da navalha
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Emiliano José
7
de março de 2022
Jaciara
Santos: terror e medo na cobertura
policial
Foi
encaminhada ao comandante-geral da PM, coronel Jorge Luiz de Souza Santos.
Jaciara
registra a postura educada do oficial:
-
Um gentleman.
O
comandante, no entanto, estava no canto do ringue.
As
matérias o colocaram nessa situação.
A
ele e a corporação.
Precisava
conseguir informações destinadas a mexer-se bem no tabuleiro.
Vivia
uma situação desconfortável.
Quem
sabe, com jeito, consegue alguma coisa com a repórter.
Esperança
é a última que morre.
Passados
os prolegômenos, educado mas incisivo, foi pra cima de Jaciara:
-
Seus informantes são mais competentes do que os nossos.
Ela,
ouvindo.
-
Se a senhora identificasse alguns desses elementos nos prestaria uma ajuda
inestimável no combate a esse tipo de crime.
Respira
fundo, pensa alguns segundos, e enfrenta serenamente o comandante, sem alterar
a voz, polida:
-
Coronel, eu trabalho com informações, mas não tenho informantes. E como o
senhor sabe, não posso quebrar o sigilo da fonte.
Audiência
acabou.
Tudo
muito bem, tudo muito certo, muita educação, civilidade no trato.
Mas
Jaciara saiu do Quartel dos Aflitos morta de medo.
Imaginava
a possibilidade de sofrer alguma pressão mais forte.
Sentia
uma atmosfera ruim no ar.
Na
saída, surpreendeu-se: as pernas tremiam.
O
corpo, indiscreto, trazia à tona o medo.
Dias
se passaram, e felizmente era um engano – nenhuma represália.
Jaciara
preservou a fonte, manteve a relação cordial com a PM, e a série “Grupos de Extermínio”
não sofreu qualquer interferência.
Quem
disser “repórter policial é necessariamente uma pessoa corajosa” está
incorrendo em erro.
Pode
ser, mas não necessariamente.
Jaciara
confessa: entrou em situações de risco pela necessidade de trazer a notícia,
não por corajosa.
Coragem?
Sabe
de nada, inocente.
Passou
por alguns perrengues capazes de pôr à prova a falácia da coragem no jornalismo
policial.
Um
deles, no bairro do Uruguai, em Salvador, Península de Itapagipe, um dos
bolsões de pobreza da Cidade Baixa, antes integrante do complexo de palafitas
conhecido como Alagados.
Março
de 2002.
Jaciara
de plantão no final de semana.
Sábado,
dia 16.
Cobre
o sepultamento do soldado da Polícia Militar, Edney Ribeiro da Silva, 28 anos,
morto a tiros na sexta-feira à noite, no bairro do Uruguai.
Ao
final da cerimônia fúnebre, no cemitério da Quinta dos Lázaros, no bairro da
Cidade Nova, movido pelo desejo de vingança, um grupo de policiais, colegas da
vítima, foi ao Uruguai com o objetivo de fazer justiça com as próprias mãos.
O
grupo vingador seguiu numa Kombi, num VW Voyage, e em duas motocicletas.
Armado
até os dentes.
A
quadra de futebol do Conjunto Habitacional João Paulo II foi escolhida como
praça de guerra pelos vingadores.
Fica
atrás da Igreja de Nossa Senhora dos Alagados, inaugurada pelo papa João Paulo
II em julho de 1980, durante visita à capital baiana.
O
campinho fervia – muita gente, como de costume.
Os
jogadores do baba, e torcida, muita cerveja.
Os
“justiceiros” saltaram dos veículos atirando.
Todos
à paisana, mas não havia dúvida: eram policiais.
Alguns
de balaclava – as famosas máscaras ninjas, para esconder os rostos.
Outros,
nem aí: cara limpa, pouco se importando fossem identificados – tamanha a sede
de vingança.
Correria,
choro, gritos, terror.
Saldo:
um morto – o adolescente Vanderson de Jesus Oliveira, 17.
Dois
feridos: José Henrique dos Santos Alves, 19, e Paulo Paixão Silva, 37.
Nenhum
deles envolvido com a morte do soldado Edney...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: mestre
Emiliano e as reticências... aguardem o próximo episódio rs rs rs
Antonio Jorge Ferreira Melo:Todos os homens
e mulheres têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a
coragem. A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo.
Jaciara Santos: sempre sábio,
mestre. Adooooooro.
Graça Azevedo: É assustador!
Isabel Santos: Que horror.
Assim ainda agem os que se acham acima...de que mesmo?
Jaciara Santos: pois é, mas a
pressão é sutil. Vem em meio a cafezinhos, água, elogios...
Isabel Santos: Infelizmente.
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Emiliano José
8
de março de 2022
Jaciara Santos:
revólver maior que o menino
Um
dos maiores desafios do Brasil é o da segurança pública.
Para
pensar apenas na polícia, ela foi, e é, educada para encarar o povo como
inimigo.
Age
assim cotidianamente.
E
mata.
E
as vítimas largamente preferenciais, os jovens.
Jovens
e pobres.
Jovens
e negros.
Jovens
e moradores das periferias de nossas cidades.
Chegar
a uma sociedade democrática reclama necessariamente mudança radical na política
de segurança.
Política
de proteção à cidadã, ao cidadão.
Exclusão
da ideia do povo como inimigo.
Vocês
viram: os vingadores chegaram atirando a torto e a direito.
Ataque
ao povo do Uruguai, o bairro onde o soldado fora morto.
Uma
vingança a esmo.
Queriam
sangue.
Jaciara,
na sequência do plantão de final de semana, domingo, sabe de manifestação de
moradores do Uruguai.
Estavam
em pé de guerra, indignados com o ataque dos policiais.
Morte
de um adolescente e ferimentos graves em mais dois moradores do bairro.
Chegaram,
desceram do carro, e se viram cercados: ela, o motorista Marilton Santos e o
fotógrafo Almiro Lopes.
Um
cerco de gente muito agitada.
Mais
agitada ainda por causa da ligação do jornal com o governo do Estado.
Gritaria.
Jaciara,
cercada, tentava manter a serenidade, apesar da tensão:
-
Calma, pessoal. Se vocês falarem ao mesmo tempo, eu não vou conseguir entender
o que está acontecendo...
A
frase ficou suspensa no ar.
Num
relance, vê um menino negro, franzino, não mais de 12 anos, com um revólver na
mão.
O
revólver era gigantesco.
Hoje,
pensando melhor, duvida de si mesma.
Não
tem certeza se o revólver era assim tão grande ou o menino muito pequeno.
Sabe,
isso sabe: era gritante a desproporção entre a arma e o menino.
Ganhou
coragem e encarando o menino disse:
-
Olha, se você não guardar esse revólver, a conversa para aqui. Eu morro de medo
de arma.
Menino
colocou o berro no cós da bermuda e o ocultou sob a camisa.
Ao
menos ela não via a arma.
Não
deixava de pensar nela, mas não via.
Começava
a se preparar para retomar a conversa, a apuração, e o círculo se abriu de
súbito.
Um
tropel, gente correndo em todas as direções.
Um
furdunço.
Não
entendia a razão, não entendia nada.
Por
via das dúvidas, correu também.
Sem
saber por que corria.
Nem
pra onde estava indo.
Só
corria.
Desorientada.
Vê
então um casebre com um portãozinho, a se abrir para um pequeno jardim, uma
lâmpada acesa na fachada.
Uma
casa muito pobre...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Graça Azevedo: Haja coração
pra tanto suspense! Ainda bem que Jaciara está bem viva pra acalmá-lo!
Jaciara Santos: mestre
Emiliano mata a gente de ansiedade, né, sócia? Rs
Graça Azevedo: É vero!!
Jaciara Santos: Experiência
inesquecível...
Lucia Correia Lima: O maior
desafio do Brasil é a distribuição de renda tendo como consequência natural o
planejamento familiar
1.
O banqueiro tem UM FILHO
2.
O gerente tem DOIS FILHOS
3.
A faxineira tem SEIS FILHOS com pais ausentes.
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Emiliano José
9
de março de 2022
Jaciara Santos:
medo e coragem
Mulher
corajosa.
Jaciara
é.
A
vida me ensinou o quanto é complexa a relação entre medo e coragem.
Enfrentei
variadas espécies de violência.
As
impostas pela dureza da existência, vividas pelos pobres.
E
a violência bruta, tal e qual, sangue escorrendo, o corpo a sentir, a alma a
gritar, o medo a cercar.
Quiserem,
está tudo n'O cão morde a noite', mínimos detalhes.
Ao
enfrentar a violência descontrolada, desmedida, compreendi: o ser humano tem
forças desconhecidas dentro de si.
Medo,
não há quem não sinta.
Coragem,
esta se revela ao enfrentar seu par, o medo.
Ao
defrontar-se com o medo, e resolver enfrentá-lo, a coragem domina a cena - você
domina a cena.
O
medo, então, fica a um canto, encolhido, à espera de outra chance.
Pode
ressurgir.
E
você voltará a buscar as forças da coragem, ancoradas muitas vezes na
dignidade, nas razões da ética, da moral, na força de ideais, e outra vez,
vencerá o medo.
Assim,
Jaciara: mulher corajosa.
Mostrou
isso ao longo da vida - inclusive na vida de repórter.
Jornalista
íntegra, ética fundada em valores rigorosos, amante da verdade, utopia
perseguida a cada dia.
Então
ela viu aquele casebre, aquele portãozinho, aquele pequeno e bem cuidado
jardim, aquela lâmpada acesa na fachada.
Rompeu
o portãozinho.
Bateu
na porta.
Como
quem quer arrombar.
Desesperadamente.
Queria
abrigo.
Nada.
Povo
da perifa abre porta pra ninguém não.
Nem
nunca.
Abrir,
pode pintar polícia e o diabo a quatro e tiros pipocando e morte e depois o
papo bala perdida.
Nada.
Olhou
para trás.
Olhos
esbugalhados, compreendeu a razão de tanta correria: uma meganhada de armas em
punho.
Gritando
e perseguindo as pessoas.
Encurralada,
adotou procedimento de praxe para uma jornalista: ergueu as duas mãos - numa, o
crachá; noutra, o bloquinho de anotações.
E
gritava:
-
Eu sou repórter!
-
Estou trabalhando.
De
vez em quando, Jaciara depara com um anjo da guarda.
Ouviu
sujeito gritando, dirigindo-se aos policiais militares com suas armas
engatilhadas:
-
É a minha repórter!
-
É a minha repórter!
Conseguiu
por um momento tirar os pés do chão e correr pros braços dele.
Os
dois se abraçaram.
Marilton
Santos, motorista e anjo da guarda, arrastou Jaciara para o carro - as pernas
não obedeciam, por mais ela quisesse.
Experiência
única.
A
mais arriscada de toda a cobertura policial feita por ela.
Nas
palestras, rodas de conversa de que participou, sempre rolava uma pergunta,
sobretudo houvessem estudantes e novos jornalistas:
-
Você já sentiu medo durante alguma cobertura?
Ela,
de bate-pronto, respondia:
-
Nunca.
Admiração
da plateia.
Mas,
ela logo secundava:
-
Senti depois. No decorrer, mais das vezes adrenalina não deixa.
E
aí aconteceu o assassinato do pai filósofo pelo filho psiquiatra...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Eu não daria
um passo
Jaciara Santos: oxe, os
joelhos tremendo até hoje kkkkkk. Se não fosse Marilton Santos ...
Jaciara Santos: No olho do
furacão, não dá tempo de ter medo. Rola umas aflições, um descontrole,
adrenalina em alta. Agora, depois...
Graça Azevedo: No olho do
furacão! Que Jaciara é essa, minha Iansã?
Lucia Correia Lima: Como as aparências
enganam. Tinha uma imagem de Jaci de uma forte mulher pelo olhar. Mas sua
serenidade sempre me fez pensar ser a colega uma boa editora ou copy. Esta
coragem estava talvez caminhada na serenidade.
Isabel Santos: Coraaaaaajosa.
É só aplausos para essa querida destemida repórter.
Jaciara Santos: corajosa,
nada. Sou tão frouxa... O trabalho é que leva a enfrentar algumas situações
limítrofes. Mas, depois que a adrenalina baixa, haja tremedeira rs rs
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(Caso do médico Breno Castro)
Emiliano José
10
de março de 2022
Jaciara Santos:
numa cobertura, a perda da paz
Apreensão.
Foi
esse o sentimento de Jaciara ao fazer a cobertura da morte do famoso advogado,
professor baiano, filósofo Auto José de Castro, 78 anos, assassinado a tiros
pelo filho, professor universitário e médico Breno Mário Mascarenhas de Castro,
então com 43 anos. Caso aconteceu na noite de 22 de abril de 2002, uma
segunda-feira.
O
filho morava sozinho em apartamento do Edifício Catarina Paraguaçu, no bairro
da Graça.
Estava
separado da mulher havia um ano.
Auto
de Castro fora ao local com o objetivo de tentar convencer o filho a buscar
atendimento psiquiátrico. Breno apresentava sinais de depressão e costumava
andar armado.
Acompanhado
do mecânico Diógenes Santos Lopes, amigo da família, ambos foram recebidos a tiros.
Auto
de Castro recebeu cinco tiros no peito e morreu.
Santos
Lopes, baleado no abdômen, conseguiu sair do local e avisou a polícia.
Breno
de Castro, preso em flagrante.
O
medo sentido por Jaciara não era físico.
Não,
o autor estava preso.
Era
terror psicológico.
Breno
de Castro conseguiu o telefone do jornal e ligava para ela seguidamente.
No
início, foi bom.
O
contato rendeu uma entrevista exclusiva – e naquele momento toda a mídia queria
falar com ele.
Ela
teve o privilégio.
Mas
o preço a pagar foi caro.
Nos
telefonemas, ele passou a fazer exigências difíceis de serem cumpridas, como a
de entregar cartas a uma pessoa com quem ele fantasiava ter uma relação.
Era
agressivo ao telefone.
E
Jaciara não sabia como se desvencilhar.
Tentava.
Quando
impossibilitada de atender as ligações por estar envolvida com algum trabalho,
pedia para dizerem que não estava.
Nada.
Ele
não desistia.
Telefonava
seguidas vezes.
Jaciara
cedia.
Ele
então começava em tom de ameaça:
-
A senhora mentiu para mim, eu não admito mentiras.
Foi
tenso, muito tenso.
Até
ele ser privado do uso do telefone.
Aí,
Jaciara recuperou a paz.
Ainda
hoje, 20 anos passados, tem dificuldades de lidar com o assunto.
Remexendo
os arquivos dela, deparou com a entrevista feita com Breno Mário de Castro,
então recolhido a uma cela especial do Presídio de Salvador, no Complexo
Penitenciário, bairro da Mata Escura.
Publicada
em 12 de maio de 2002.
Título:
“Estão tentando arguir minha inimputabilidade.”
A
partir desse título girou a conversa de aproximadamente duas horas, na sala da
diretoria do presídio. Insistência dele: matou o pai de forma consciente.
Rechaçava
a condição de paciente psiquiátrico.
Em
momento algum, tentou eximir-se de responsabilidade.
Não
manifestou arrependimento ou remorso por ter matado o pai. À primeira pergunta
dela sobre como estava se sentindo, respondeu estar bem, apesar das acomodações
desconfortáveis:
-
“Até essa rápida adaptação confirma o meu atual estado de tranquilidade: tenho
dormido sem medicação. Quanto à alimentação, posso dizer que é melhor que a do
Hospital Juliano Moreira, na época que trabalhei lá."
Ao
longo da entrevista, embora acusasse várias pessoas de tê-lo magoado, não
chegava a demonstrar sentimentos como mágoa ou rancor.
Parecia
sempre falar de outra pessoa, e não de si.
Até
mesmo ao mencionar o crime não demonstrou emoções. Justificou o ato como única
forma de se livrar do jugo paterno. Lamentou o fato de ter ferido outra pessoa
– o mecânico Diógenes Santos Lopes.
A
entrevista alcançou grande repercussão.
Não
valeu, no entanto, o preço pago por Jaciara.
Ganhou
matéria a lhe dar destaque.
Ao
preço de perder a paz por longo tempo.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Iracema Santos: Lembro bem
desse fato e como foi o seu desgaste emocional. Cada dia lhe admiro mais.
Jaciara Santos: terrível. Eu
tremia só de ouvir o toque do telefone...
Gorette Brandão: Impressionante
caso dos bastidores da notícia. Ninguém imagina o duro que é.
Jaciara Santos: o outro lado
do outro lado da notícia rs rs
Ligia Maria Vieira da Silva: Uma tragédia
Mônica Bichara: Affffff só de
imaginar vc passando por isso, comadre, dá pra avaliar todo o peso dessa
pressão psicológica no dia a dia, o terror que deve ter enfrentado e sem
dividir com a gente. Eu trabalhava no mesmo jornal e você me poupou, foi? Nunca
soube disso. Acho que teria perdido o sono junto. Te amo, minha Jaci
Jaciara Santos: mesmo sendo
irmãs, a gente separava as coisas rs rs. Eu era da cozinha, do Carandiru, do
Anexotan e tantos outros apelidinhos que dávamos ao espaço em que ficava a
editoria de Segurança. Você era da sala de visitas, Economia, espaço nobre kkkk
Lucia Correia Lima: VERDADE. A
editoria de polícia sempre sofreu preconceito. E foi quem me salvou da paranóia
pós prisão política com 16 anos . Quis voltar a trabalhar à tarde, pois
retornando das madrugadas de SP onde fechava o jornal a 1h. Queria mudar
relógio biológico indo p equipe da manhã. Mudei e vi que as pautas da tarde
eram as manchetes. Waldemir Santana, para me punir, pois desde a volta ele me
queria com ele à tarde, me mandou fazer polícia por um mês das férias do
titular. Aí me curei vendo que na polícia também havia humanos...
Jaciara Santos: análise
perfeita!
Lucia Correia Lima: desconhecem
que Nelson Rodrigues era de polícia e esporte...
Mônica Bichara: essa editoria
chefiada por Erival nunca foi o Carandiru - lembro do Anexotan. Não está
perdoada. A virginiana raiz poupando a canceriana chorona
Jaciara Santos: Até hoje esse
trabalho me assombra.
Emiliano José: passe a caneta,
apesar disso
Graça Azevedo: Até doido vc
aguentou. Sócia, vc passou por cada uma...
Isabel Santos: Ah, minha
querida amiga/irmã, quantas experiências nessa jornada, e vc firme,
persistente, aguerrida... na sua competência. Muito orgulho dessa profissional
de parabéns e prêmios eternos. Como diz Emiliano José, não tem apesar.
Jaciara Santos: ah sócia, essa
experiência aí foi bizarra. Foi meu limite.
Graça Azevedo: Imagino o
terror.
Jaciara Santos: pode deixar,
mestre. Tudo nos conformes.
Jaciara Santos: obrigada,
irmã, mas está demonstrado que não sou essa fortaleza toda...
Isabel Santos: É mais do que
vc imagina. Sua história prova
Lucia Correia Lima: Repórter
profissão perigo
Jaciara Santos: faz parte, né?
Lucia Correia Lima: Para quem tem
o compromisso com a notícia. Muitos entram na profissão p viajar ou tietar em
todos os níveis e tipos de poder.
Isadora Browne Ribeiro:Toda profissão
tem seus perrengues, mas jornalista pode se meter em problema, hem? Queria,
não!
Jaciara Santos: é fato: profissão
de risco.
Isadora Browne Ribeiro: Jaciara não
duvido. Mas um dia eu lhe conto quando o tio de um aluno meu foi ao colégio
armado para me eliminar. Não fosse muita cumplicidade, eu teria sobrado!
Jorginho Ramos: Lembro- me
dessa fato e sua repercussão. Auto de Castro era referência para muitas
gerações de advogados por ter sido um dos grandes mestres da Faculdade de
Direito da UFBA. Tinha também ensinado durante décadas no legendário Colégio da
Bahia, no tempo em este estabelecimento tinha em seu quadro docente os maiores
luminares da Bahia. Lembro-me também que o JBa. (graças âs reportagens de
Jaciara Santos) fez a melhor e mais completa cobertura desse fato. Agora
verifico o quanto lhe custou tal desempenho profissional ! Eis uma grande
repórter !
Emiliano José: Jorginho,
nesse caso foi o Correio
Jaciara Santos: obrigada,
amigão.
Lucia Correia Lima: São muitos os
casos onde a inveja que o filho tem dos pais, leva a assédios, calúnias e nos
casos mais graves à tragédias
Gabriela de Paula: Uau, Jaciara.
Imagino como isso deve ter tido um preço alto. Depois, falamos dos riscos da
profissão e acham que é besteira.
Jaciara Santos: Pois é... E
nem dá pra dimensionar o alcance do terror psicológico.
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Emiliano José
11
de março de 2022
Jaciara Santos:
maldade humana
Há
uma dor submersa.
Uma
ou outra vez, ela aparece, espetacularizada.
No
entanto, é muito mais ampla.
Corre
silenciosa, e esquecida.
A
dor das mães.
Mães
órfãs – um paradoxo.
Aquelas
órfãs dos filhos, partidos cedo pela violência, a surgir de variada maneira.
Violência
da polícia, a matar jovens, muito jovens, a matar crianças com balas
denominadas perdidas, a matar pobres, negros das periferias de nossas cidades.
Violência
do crime organizado, brinquedo não, e a população no meio do fogo cruzado às
vezes da polícia e das facções a se espalhar Brasil afora.
Violência
nascida da maldade humana, da perversidade, da crueldade, a atingir mães por
esse Brasil afora.
Trabalhando
no governo da Bahia na área de Direitos Humanos entre 2017 e 2019, pude
testemunhar de perto dores profundas de tantas mães.
Jaciara,
na passagem pela editoria de Polícia, viveu tudo isso de perto.
Houve
casos a perturbá-la, mexer com cabeça a ponto de levá-la a refletir sobre o ser
humano e suas maldades.
Para
sofrimento dela, algumas coberturas levaram-na a descobrir semelhanças do tal
ser humano com os animais irracionais.
Ela,
no entanto, na reflexão, concluía estar sendo injusta com os animais, incapazes
de crimes hediondos.
Costumo
reagir quando me falam da tortura como crime desumano – digo sempre: a tortura
é demasiadamente humana. Animais não torturam semelhantes. Matam, por
sobrevivência ou por instinto de defesa.
Freud
trabalhou muito isso.
Nem
sempre a civilização chega às pessoas.
O
instinto violento, cruel, nem sempre é dominado.
Entre
os humanos, são várias as motivações alegadas para matar, tirar a vida do
outro:
-
Diferentemente do bicho, o homem traz em si o germe da maldade, que se
manifesta de formas as mais bizarras.
Ao
dizer isso, Jaciara recorda-se de um caso capaz de revelar o lado mais sombrio
da natureza humana.
Julho
de 2006.
Ela,
subeditora da editoria de Segurança, como chamada a editoria de Polícia no
Correio.
Não
fazia matérias do dia a dia.
Às
ruas, só em circunstâncias especiais.
Só
punha os pés fora da redação quando atraída por alguma história – como
subeditora, tinha autonomia para ir atrás.
Ou
quando o editor Erival Guimarães queria reforçar a equipe de reportagem.
Foi
assim com o desaparecimento do economista e consultor da Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Vitor Athayde Couto Filho, visto
com vida pela última vez em 10 de julho de 2006, uma segunda-feira.
O
caso ganhou ampla repercussão.
Durante
bom tempo, esteve envolto numa aura de mistério.
O
jovem economista, referência na área de agricultura familiar e desenvolvimento
agrícola, cursava doutorado em Administração na UFBA, depois de ter feito o
Mestrado em Economia na Unicamp.
Não
tinha inimigos.
Não
desenvolvera relacionamentos malsucedidos.
Não
se envolvera com qualquer tipo de atividade considerada ilícita.
Não
tinha assim o perfil clássico de vítima de um ato premeditado de violência.
Amado
e respeitado.
Bem
situado socialmente, pertencia a uma tradicional família baiana – neto do
engenheiro civil, ex-deputado e professor universitário Vasco Azevedo Neto
(1916-2010), e bisneto do engenheiro do Ministério de Viação e Obras Públicas e
também político Vasco Azevedo Filho (1892-1982).
A
relevância do desaparecido levou a polícia a ir fundo nas investigações.
Jaciara
é testemunha do empenho do delegado José Walter Seixas, coordenador da Polícia
Interestadual (Polinter), e da delegada Francineide Moura, titular da Delegacia
de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV).
Eram,
ambos, muito competentes.
Seixas,
no caso porque o Setor de Desaparecidos integrava a estrutura da Polinter.
Moura,
por causa do sumiço do carro do economista, Fiat Palio verde, placa JPB-7716, a
sugerir um crime contra o patrimônio, talvez um sequestro.
Decorridos
sete dias do desaparecimento de Vitor Athayde, um colega chega à redação...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Muito forte
este caso. Mais forte ainda pelos desdobramentos...
Mônica Bichara: Triste esse
caso, muito triste. Tensa pelos próximos capítulos
Isabel Santos: Já com o
coração triste com esse relato, sei que vou me emocionar com o que vem por aí.
Na expectativa. Independentemente de toda sua garra, competência, Jaci, acho
que vc teve muito amparo espiritual para suportar
ver/constatar/vivenciar...tantas coisas 'brabas', tantas injustiças ao longo
das suas investigações. Viva você. Bjos
Lucia Correia Lima: Olha! É uma
"tortura" o texto acabar neste suspense. Vou deixar p ler no Pilha
Pura. De vez
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Emiliano José
12
de março de 2022
Jaciara Santos:
repórter tinhosa
O
colega entrou esbaforido na redação.
Decorridos
sete dias do desaparecimento de Vitor Athayde, garantia ter informação quente
sobre o caso.
Estava
um pouco assustado.
Redação
inteira ali, em torno dele, para ouvir.
Caso
é o seguinte: havia uma diarista.
Trabalhava
na casa dele.
E
era irmã de um dos suspeitos de envolvimento no sumiço do economista.
Era
dia 17 de julho de 2006.
Jaciara,
habilidosa, jeitosa, sempre teve boa relação com a delegada Francineide Moura,
uma das encarregadas do caso.
Claro:
relação entre jornalista e delegada nunca é reino sem conflitos.
Volta
e meia, as duas se estranhavam.
Os
estranhamentos, no entanto, jamais perturbaram o respeito mútuo.
Era
final de tarde naquele 17 de julho, início da noite.
Redação
naquele burburinho nervoso, típico do horário de fechamento.
Jaciara
toma do telefone, e liga para a delegada, não arrodeia:
-
Doutora, estou sabendo: vocês identificaram um dos autores do sequestro do
economista.
Silêncio,
por segundos.
Jaciara
segue, imperturbável:
-
Vão apresentá-lo amanhã?
O
silêncio se estende.
Jaciara
espera, paciente.
Uma
ouvindo a respiração da outra.
Passado
o século de silêncio, a delegada:
-
Olha Jaciara, eu não sei do que você está falando. Não sei de nada disso. Nós
estamos investigando, mas não tem nada ainda.
Repórter
é bicho tinhoso.
Quando
cerca é pra morder, nunca quer deixar a caça escapar:
-
Mas doutora, eu soube: o cara é um cantor de arrocha...
A
delegada, à beira de um ataque de nervos do outro lado da linha, subiu o tom
alguns decibéis acima do normal:
-
Jaciara, ouça bem: eu estou lhe dizendo que não sei nada.
Repórter
tem de saber manter a calma.
Jaciara,
na dela.
Sem
quê nem pra quê, a delegada desabafa:
-
Eu estou aqui sem dormir direito, a equipe está direto no caso.
Jaciara
teve vontade de dizer ser obrigação dela, mas isso entornaria o caldo.
Ainda
assim, continuou mordendo:
-
Mas a senhora confirma ou não?
Delegada,
ainda sem disfarçar a irritação:
-
Não tenho nada pra falar. Vamos ver se amanhã a gente tem alguma novidade.
Jaciara,
nada de desligar.
Como
se dissesse “não estou engolindo nada disso”.
Outro
século de silêncio, e a delegada, mais suave, noutro tom, de quase súplica:
-
Não publique nada sobre isso... Se vocês publicarem alguma coisa pode
atrapalhar nossa investigação.
Jaciara
prossegue:
-
Doutora, garantir não posso, não depende de mim.
Terminou
aí o tenso diálogo, próprio da relação entre fonte e jornalista.
Larga
o telefone, procura o editor Erival Guimarães.
Revela
temores:
-
Sei bem: furo é furo. Mas devo dizer de minha preocupação. Se dermos a notícia,
podemos atrapalhar as investigações.
Foi
pra lá, pra cá, ponderou.
Havia
feito um quase acordo com a delegada, não obstante não desse garantias.
Não
comeram o reggae dela.
O
editor e o outro repórter do caso, Marcelo Brandão, bateram pé.
Acharam
melhor arriscar.
Dia
seguinte, 18 de julho, manchete de capa:
“Sequestrador
de economista é identificado”.
Na
matéria interna, alto da página 5 do caderno Aqui Salvador, outro título:
“Identificado
envolvido no sequestro do economista”.
Não
havia mais como a polícia esconder as informações.
Nesse
mesmo dia, a delegada...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: A delegada
quase come meu fígado🙈 mas, como havia prevenido, não dependia de
mim... Esse caso foi um dos que me marcaram na passagem pela editoria de
Segurança. Era uma angústia, uma ansiedade... Tudo apontava para um final
trágico.
Mônica Bichara: é
inimaginável, comadre, por mais que a gente seja sensível à dor do outro, está
aí uma dor difícil de alguém conseguir se colocar no lugar. A gente pode
vagamente imaginar, mas só quem passa pra mensurar tanta tristeza, tanta
revolta, tanta injustiça, tanta desumanidade. Terrível essa ansiedade e, o que
é pior, sem muitas esperanças
Jaciara Santos: se para nós da
imprensa era terrível, nem imagino como deveria ser para a família...
Marcelo Brandão: Bons tempos...
Jaciara Santos: a gente se
envolvia demais. Não era o copia e cola que se vê atualmente, ressalvadas as
raríssimas exceções...
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Emiliano José
13
de março de 2022
Jaciara Santos: suspeitos,
todos presos
No
dia 18 de julho de 2006, a delegada Francineide Moura confirma: José Raimundo
Cerqueira da Paixão está envolvido no desaparecimento de Vitor Athayde Couto.
Abelha
- assim conhecido.
Fotos
são disponibilizadas à imprensa pela polícia.
O
cerco se fechava.
Mas
ainda faltava muito para o crime ser desvendado.
Um
golpe de sorte ajudou.
Tem
disso na vida e nas atividades policiais.
O
agente policial Paulo Salinas fazia diligência sobre o tráfico de drogas em
Cajazeiras, bairro de Salvador.
Telefonava
pra um, pra outro.
Pertencia
à equipe do lendário comissário Paulo Portela, chefe do Serviço de
Investigações da Sétima Circunscrição Policial do Rio Vermelho.
Deparou
com um informante.
O
dito cujo conhecia o paradeiro do principal suspeito.
Contemos
melhor.
Eram
18 horas do dia 18 de julho na Sétima.
Toca
o telefone.
Salinas
se adianta e ouve:
-
E aí, mano? Esse caso do cara desaparecido lhe interessa?
Saltou
da cadeira.
Começou
uma correria frenética.
Doze
horas ininterruptas de trabalho.
Envolvidos,
sete investigadores da Sétima e um agente de setor de Inteligência da
Secretaria de Segurança.
Dia
surgindo, 6 horas da manhã, os principais suspeitos, presos.
Ainda
durante a madrugada do dia 19, apontaram o local onde mataram Vitor Athayde
Couto, e abandonaram o corpo.
Um
ponto de desova, na Estrada Velha do Aeroporto, conhecido apropriadamente como
Curva da Morte.
Por
volta das 5 horas, suspeitos levaram os policiais a um terreno baldio na
localidade de Caji, no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de
Salvador.
Local
onde incendiaram o carro do economista.
Aos
nomes.
José
Raimundo Cerqueira da Paixão, o Abelha,
localizado na casa de parentes, em Feira de Santana, a 100 quilômetros
da capital.
Valdir
Paixão de Jesus, Juraci de Oliveira Santos, Clebson dos Reis Oliveira e Carlos
Alberto dos Santos, presos no bairro da Itinga, em Lauro de Freitas.
Jaciara
conta os bastidores dessa operação na matéria "Crime desvendado em 12
horas de trabalho".
Box
da manchete "Sequestro de economista tem desfecho trágico", matéria
assinada por Marcelo Brandão, à página 7 do Aqui Salvador, edição de 20 de
julho de 2006, do Correio.
Ainda
no dia 19 de julho, final da manhã, os suspeitos são apresentados à imprensa,
na sede da Secretaria de Segurança, na Praça da Piedade, centro de Salvador.
Um
alvoroço só dos jornalistas.
A
contrastar com a indiferença, frieza de Abelha.
Tudo
aquilo, não lhe dizia respeito - assim parecia.
Estava
noutra...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Foi tenso. E a
frieza do principal suspeito... Jamais vou esquecer.
Mônica Bichara: É praticamente
uma confissão de culpa, ninguém acusado injustamente de um crime ficaria
indiferente
Graça Azevedo: Detalhe: eu
soube do assassinato do meu menino pela TV. Contra todas as evidências meu
coração ainda esperava encontrá-lo vivo.
Conta
Manuel que eu dei um grito e cai desmaiada.
Daí
as coisas foram uma sucessão de filme de terror. Até a despedida no Jardim da
Saudade.
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Emiliano José
14
de março de 2022
Jaciara Santos:
dor que nunca sai no jornal
Quem
andou pelo mundo do jornalismo, conhece esse momento.
Quando
tudo é alvoroço.
Expectativa.
Tensão.
Àquele
tempo, canetas e blocos de papel e laudas trazidas das redações, alguns poucos
com gravadores, todo mundo pronto para as revelações.
Não
era pouco: os assassinos de Vitor Athayde Couto seriam apresentados à imprensa.
Enquanto
esperava, naquele burburinho, Jaciara pensava na Revolução dos Alfaiates, ou
Conjuração Baiana, ou Revolta dos Búzios, acontecida no final do século XVIII.
E
pensou porque estava na Praça da Piedade, onde quatro dos participantes daquela
Revolução haviam sido enforcados: João de Deus, Manoel Faustino, Luiz Gonzaga e
Lucas Dantas.
Os
corpos, despedaçados, pedaços deles espalhados pela velha Salvador – servir de
exemplo para evitar novas rebeliões.
Tinha
história, a praça.
Era
testemunha de mais sangue agora.
De
outra natureza.
O
sangue de um jovem, vítima de violência inimaginável.
Concentrou-se
no burburinho.
Logo,
a chegada dos suspeitos, sendo apresentados pelos policiais.
Olhou
um, olhou outro, os olhos concentram-se em Abelha.
José
Raimundo Cerqueira da Paixão: pedreiro e cantor de arrocha – dele se dizia.
A figura
dele impressionou-a.
A
frieza com que encarava a todos.
Não
se incomodava com nada.
Melhor:
parecia incomodado com as algemas, a lhe apertar os pulsos.
Quanta
indiferença.
Como
se quisesse ostentar frieza.
Motivação
para o crime, ele disse: vingança por questões pessoais.
Os
colegas de crime o desmentem: nada, mataram para roubar, simplesmente.
Impressionada.
Estupefata.
Era
a primeira vez para Jaciara.
Cara
a cara com a maldade em estado puro sob a forma humana.
Jamais
se esquecerá da resposta dele.
Um
dos repórteres perguntou:
-
Sua intenção era matar ou apenas assustar a vítima?
Sem
mover um músculo da face, o olhar a revelar total indiferença, respondeu com
uma assombrosa pergunta:
-
Uma cobra cascavel a gente assusta ou dá uma pancada para matar?
No
humano, há de tudo.
Ao
lado da bondade, há também monstros – Abelha, um deles.
Imaginava,
só isso, imaginava a dor da mãe de Vitor.
Passado
muitos anos, Jaciara volta a defrontar com o caso Vitor Athayde.
Por
amigos comuns, conhece a socióloga Graça Azevedo.
Pouco
tempo depois, sabe ser a mãe do economista.
Conheceu-a
em uma rede social.
Algumas
vezes lia escritos dela sobre a imensurável dor de ter perdido um filho de
forma trágica.
Jaciara
acolhia esse sentimento, mas respeitava a privacidade dela.
Não
procurava saber detalhes.
Até
que um dia, respondendo a alguém em uma postagem, Graça Azevedo abriu-se.
A
ficha caiu para Jaciara.
Ganhou
coragem e revelou ter acompanhado as investigações.
E
aí conversaram muito: o sofrimento da mãe, a angústia daqueles dias, a
indescritível e imensurável saudade.
Tornaram-se
amigas.
Até
hoje Jaciara se emociona quando Graça abre o coração partido, quando fala do
Vitorzinho dela:
-
São momentos pungentes, daqueles em que é possível ver de perto a dor da gente
que nunca sai no jornal...
A
dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro
pisado no curral do mundo a penar
Que
salta aos olhos igual a um gemido calado
A
sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar
Raimundo
Sodré, “A massa”, a dor.
Seguiu
testemunhando dores e injustiças.
Jornalista
é assim.
Em
2008, já às vésperas da mudança radical pela qual o Correio passou, faz matéria
de marcar a vida de forma indelével.
Dois
jovens.
Ricardo
Matos dos Santos, 20 anos, acrobata do cast da companhia francesa Le Cirque.
Robson
de Souza Pinho, 19, o “Sapo”, autor de pequenos delitos desde adolescente.
Os
dois, assassinados...
#MemóriasJornalismoEmiliano.
COMENTÁRIOS
Graça Azevedo: Obrigada,
Emiliano José, por contar as histórias de Jaciara. Inclusive a que me dói
pessoalmente.
Mônica Bichara: Graça,
querida, sinta-se abraçada. Com o abraço mais apertado e solidário que você
puder sentir. Te conheci pelos mesmos amigos em comum que Jaciara e sei o
quanto essa coincidência fez nossa "sócia" reviver esse pesadelo.
Parabéns por mais esse primor de texto, Emiliano. Um dos mais emocionantes da
série, até por envolver pessoas tão queridas
Isabel Santos: Não conheço
pessoalmente, Graça, mas acompanho os bate-papo virtuais das sócias, cheios de
alegria e energia da amizade. Forte abraço Graça Azevedo. Estou conhecendo a
sua história aqui. Sinta-se acolhida. Fiquei muito emocionada com o texto de
Emiliano José, para mim, um grande poeta, que escondia essa veia. Essa série de
memória do jornalismo que ele vem brilhantemente contando é recheada de textos
plenos de leveza, beleza e poesia. Ele consegue transformar situações fortes,
doloridas, em algo que conseguimos digerir sem sentimentos de ódio no coração,
em que pese mantermos a indignação na busca de por justiça. E para Jaciara
Santos, nossa eterna e grande repórter, só aplausos por toda garra,
sensibilidade, compaixão...
Graça Azevedo: Isabel, não
posso convidá-la para a sociedade porque há um certo perigo! Mas, o coração
está aberto para acolher esta nova amiga. Grata pelas palavras.
Jaciara Santos: Na próxima assembleia geral a gente põe em votação a
possibilidade de abertura da sociedade.
Graça Azevedo: Jaciara Faremos
isso! ❤
Yana Rúbia: Jaciara, até
hj eu digo que você jogou uma isca e chegamos até você....uma pessoa que buscou
e mostrou ao mundo a injustiça que seria cometida...eu aprendi a te respeitar
tantooo, te coloquei na minha mais alta estima....hj digo ao mundo que te amo,
minha amiga....pq foi isso que vc se tornou..UMA GRANDE AMIGA!!!!
Jaciara Santos: Yana Rúbia uma
amizade que nasceu do sofrimento. Eu agradeço muito a confiança de vocês. P.S.
e depois ainda somos concunhadas, né? Rs rs rs
Yana Rúbia: verdade rsrs
Mariella Romeo Lebret: Um querido,
muito amado que conheci menino, acompanhei seu despertar para vida ; desde
menino um ser humano muito especial.
Graça Azevedo: Mariella ❤
Graça Azevedo: Jaciara, minha amiga, uma irmã, eu agradeço tanto...E os bastidores são piores. O chefe de segurança da FAO que não foi recebido pelo governador da época. Os donos do dinheiro que patrocinaram advogados. As ameaças de morte que sofri. A família que se dispersou. Ninguém quis ficar aqui. A dor e o medo prevaleceram. Hoje os assassinos estão soltos. E eu sou prisioneira da minha eterna dor.
Jaciara Santos: ô, amiga, por
mais que me esforce, não consigo mensurar o tamanho da sua dor. Só agradecer
pela confiança em me abrir seu coração e repetir o que você já sabe: estou
aqui, sempre. Beijos.
Lia Gonzalez: Graça Azevedo , eu gostaria tanto de ter o poder de aliviar a sua dor, pelo ser humano extraordinário que você é, pela nossa maternidade , pela sede de justiça que vive em você em relação a tudo, por todo o amor incondicional que, mesmo sofrida, você tem pelo próximo. Lhe quero um bem enorme, minha querida.
Graça Azevedo: Lia Gonzalez ❤
Jaciara Santos: Ah, mestre
Emiliano, remexer nesse baú de recordações é reviver todas aquelas emoções...
Angela Borges: Vitorzinho era
muito querido e admirado. Solidaria nesta dor.
.Graça Azevedo: Olívia Soares e Franciel
Cruz, vcs que trabalham na ALBA consigam pra mim o discurso do rapaz que
representava a Agricultura Familiar. Foi na posse de JW em 2007, Ele fazia
parte da mesa e falou da importância do trabalho de Vitorzinho. Só me lembro do
abraço dele, aos prantos os dois.
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Emiliano José
15
de março de 2022
Jaciara Santos:
mortes e ardis da cobertura
O
envolvimento de Jaciara com a morte dos dois jovens começou com a matéria
"Artista circense pode ter sido morto por PMs", onde ela denunciava a
participação de policiais nos assassinatos de Ricardo Matos dos Santos,
acrobata da companhia francesa Le Cirque, e de Robson de Souza Pinho, conhecido
como Sapo.
Nascido
em Salvador, Ricardo corria mundo com o circo.
Estava
de férias e em visita à família, residente na Boca do Rio, bairro da capital baiana.
Às
vésperas de retornar para São Paulo para reencontrar o elenco do circo, decidiu
rever amigos.
E
jogar um baba, que ninguém é de ferro.
Início
da noite de terça-feira de 22 de janeiro de 2008.
Quadra
de esportes da invasão do Bate Facho.
Do
dito popular: Ricardo estava no local errado, na hora errada.
Ali
pelas 19,30hs, de súbito, quatro homens chegam atirando.
Todos
com coletes à prova de bala.
E
distintivos da Polícia Civil.
O
primeiro a ser executado, Ricardo.
Assim:
executado.
Confundido
com Robson, alvo da ação, e também morto logo percebido o equívoco.
Motivo:
Robson comandara um assalto a dois jovens no Parque Metropolitano de Pituaçu.
Por
esses azares do destino, um dos jovens assaltados era parente de um policial
militar, amigo de influente oficial da corporação.
O
caso vinha sendo conduzido de forma sigilosa.
Decorridos
quase dois meses, passado o clamor da chamada opinião pública pela morte do
artista circense, o assunto havia esfriado.
A
matéria de Jaciara, com a colaboração do jornalista Bruno Wendel, levou a
Secretaria de Segurança Pública a se movimentar.
Apresentou
como suspeitos do duplo homicídio os soldados Adilson Silva Souza, José Roberto
dos Santos e Marco Antônio Santa Bárbara, lotados na Trigésima Nona Companhia
da Polícia Militar (Imbuí/Boca do Rio).
Com
essa apresentação espalhafatosa, o caso voltou a sair das manchetes.
A
Secretaria de Segurança tirava o problema do colo dela.
Em
maio, Jaciara recebe de uma fonte a informação: os três policiais haviam sido
soltos, mediante habeas corpus.
Confirmou
a libertação dos três e fez matéria resgatando o caso e chamando a atenção para
mais um flagrante caso de impunidade.
O
texto, publicado em 17 de maio, um sábado, era imparcial.
O
título, no entanto, leviano, carregava nas tintas:
"Libertados
PMs que mataram malabarista".
Não
é raro o jornalismo apressar-se, julgar e condenar.
Na
editoria de Polícia, comum.
Segunda-feira,
19 de maio, Jaciara recebe na redação ligação da portaria do jornal.
Um
grupo queria conversar com ela.
Entre
os visitantes, a advogada Maristela Abreu, defensora dos três policiais
libertados, citados na matéria dela.
Foi
ao encontro deles, bastante ressabiada.
Convencida
da culpa dos policiais.
Nem
cogitava dar espaço para retratação...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Só imaginando
a tensão ao receber essas visitas. Afinal, até aí tratava-se dos autores
oficiais do crime. Só sendo muito profissional para encarar assim, de peito
aberto
Jaciara Santos: Eu estava
armada contra eles. Fui de má vontade, pensando: "eles têm muita coragem
de vir aqui...". Mal sabia o que me esperava. Sabe o ditado popular
"Deus escreve certo por linhas tortas"? Bem isso.
Mônica Bichara: Jaci sua
armadura era mais que compreensível. Eram policiais apontados pela PM como
culpados, não foi vc quem fabricou ou pressupôs a autoria. Mas se desarmou
diante da presunção de inocência
Yana Rúbia: Jaciara seremos
eternamente gratos ao seu profissionalismo....mas cada linha, uma lágrima.
Reviver é sofrer. Ainda dói muito.
Jaciara Santos: Yana Rúbia
imagino, nega. Só imagino...
Isabel Santos: Não tenho
dúvidas, Jaciara querida, que vc recebe sempre vibrações amorosas dos corações
cheios de gratidão por suas reportagens que buscavam chamar a atenção para a
impunidade, causando rebuliço no setor da Segurança Pública
Jaciara Santos: Bel, hoje,
mesmo, fiquei literalmente arrepiada com um áudio que recebi. Era de um dos
soldados protagonistas do caso "Resposta errada". Como ele me mandou
em modo privado, prefiro preservar sua identidade. Muito emocionante. Pra mim,
feedbacks como esse valem mais que qualquer premiação ou elogio (não que eu
esteja desqualificando essas honrarias).
Nadya Argôlo: Jaci querida,
graças a Deus sua proteção sempre foi dos céus!
Jaciara Santos: Sim, sim.
Graças a Deus!
Bruno Wendel: É triste dizer
que a situação em questão é muito comum e ganhou mais força nos últimos três
anos. E o mais absurdo é q ainda tem gente, desta vez civis, que defende o
atirar para depois perguntar. A coragem de Jaciara Santos sempre me inspira
Jaciara Santos: Bruno você é e
sempre será o meu BB. Te amo!
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Emiliano José
16
de março de 2022
Jaciara Santos:
demorada reparação de uma injustiça
Jaciara
se surpreendeu.
A pequena
comitiva não revelava nenhuma hostilidade.
Ao
contrário – muito simpática.
Além
da advogada e dos três policiais, a esposa de um deles estava presente.
Sem
qualquer animosidade, imploravam por atenção.
Ao
invés de contestar o título da matéria, tão leviano, pediam uma chance.
Queriam
apenas explicar por que haviam sido libertados.
Negavam
com ênfase, veemência, a acusação.
A
advogada Maristela Abreu passou a Jaciara um calhamaço de documentos.
Habilidosa,
dizia:
-
Não quero resposta imediata. Quero que analise os documentos.
Nem
falava em retratação.
Fazia
apenas um pedido: lesse os documentos, examinasse o material com calma:
-
Depois, se você se interessar, se considerar próprios e verdadeiros os nossos
documentos, marcamos uma conversa.
Típica
posição de quem está com a verdade.
Jaciara
foi tocada pelo comportamento da comitiva, e de modo especial pelo procedimento
da advogada, tão sincero, franco, e sem qualquer arrogância.
Yana
Rubia, esposa do soldado Adilson Silva Souza e também policial militar, era a
mais fragilizada do grupo.
No
semblante dela, as marcas do sofrimento, as noites insones, os momentos de
desespero e angústia.
O
casal tem dois filhos, à época bem pequenos.
Não
entendiam a ausência do pai.
Yana
Rubia, quando queria chorar, só o fazia escondido dos meninos.
Tudo
naquela comitiva a tocou, de modo especial o sofrimento de Yana.
Entrou
de volta na redação sobraçando a montanha de documentos.
Era
coisa: cópias do inquérito policial, xerox do processo administrativo disciplinar
instaurado no âmbito da PM, transcrições das escutas telefônicas, boletim de
ocorrência, habeas corpus, diabo a quatro.
Jaciara
mergulhou.
Virou
a noite escarafunchando o caso a partir daqueles documentos.
Quanto
mais mergulhava, quanto mais lia, mais se convencia: havia coisa muito errada
naquela história.
Fato:
os três policiais tinham álibis absolutamente incontestáveis.
Não
havia possibilidade de terem cometido aqueles assassinatos.
Simplesmente
porque não tinham o dom da onipresença.
Impossível
estarem no local quando os dois jovens foram assassinados.
Encontravam-se
comprovadamente a quilômetros dali.
No
momento do duplo homicídio, José Roberto dos Santos dirigia um ônibus da
empresa Praia Grande, linha Paripe-Pituba, fato comprovado por documentação da
operadora, reiterado por várias testemunhas.
Adilson
Silva Souza estava no Politeama, centro da cidade, atuando na Operação Corredor
Turístico de Salvador. O coordenador da operação apresentou declaração por
escrito dando fé da presença do soldado e, além disso, anexou aos autos o
controle de frequência dele.
Marco
Antônio Santa Bárbara fazia “bico” como segurança na Prazeres Pizza Bar,
situada na Praia do Corsário, a pelo menos 2,5 quilômetros de distância do
local dos assassinatos, álibi ratificado pela direção da pizzaria.
Nada
disso adiantou: as provas não evitaram a prisão dos soldados, nem a execração
pública deles.
Tornaram-se
integrantes do grupo de extermínio que matou Ricardo Matos e Robson Pinho
naquele 22 de janeiro.
Jaciara
debruçou-se por três semanas na leitura e apuração do caso.
Dia
8 de junho, um domingo, o Correio da Bahia publicava ampla reportagem, sob o
título:
“Resposta
errada – Clamor público causado pela morte de acrobata faz polícia apresentar
soldados que não estavam no local do crime”.
Editada
em página dupla, a matéria fazia uma espécie de revisão criminal.
Apresentava
documentos e depoimentos dos personagens envolvidos.
Os
três soldados só falavam em off ou por intermédio da advogada – eram os
cuidados legais, fundamentais para não prejudicar os policiais.
Muito
trabalho, uma árdua jornada.
Valeu
a pena.
A
imagem dos praças injustiçados, parcialmente seja, foi reabilitada.
E
o que levou a polícia a imputar o crime aos três soldados?
A
rigor, essa pergunta nunca foi suficientemente respondida...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Nossa!
Arrepiada em relembrar toda essa história. Não há nada pior do que injustiça,
ser acusado injustamente por um crime, é inimaginável o que eles devem ter
passado. Não só ele, mas todas as famílias envolvidas. E conhecendo você como
eu conheço, somos comadres pelo jornalismo, sei o peso dessa "culpa".
Essas famílias teriam que ter sido indenizadas, foram acusados pela instituição
PM. Que bom que Emiliano José abriu esse espaço para recontar essa e outras
injustiças, que serão imortalizadas (afinal estamos falando de um escritor
imortal da ALB) em livro sobre essa série #MemóriasJornalismoEmiliano. Isso é
JORNALISMO com todas as letras em maiúsculo. Parabéns Jaci, parabéns Emiliano
Jaciara Santos: foi e ainda é
difícil lidar com essa história. Porque trata-se de um dos erros judiciários
mais gritantes de que tenho notícia. E não podemos esquecer também um detalhe:
a impunidade. Os autores e mandantes do crime, os verdadeiros criminosos,
jamais foram punidos.
Graça Azevedo: Isso dói
Mônica Bichara: Pois é, Jaci,
e só com o fim da impunidade a justiça real será feita. E a indenização
Nadya Argôlo: Injustiça é
uma das piores coisas do mundo. Maltrata pra valer...
Jaciara Santos: e como! As
marcas ficam para sempre.
Isabel Santos: Li sem fôlego.
Que história. Que repórter maravilha
Jaciara Santos: na verdade,
esse trabalho foi também uma espécie de retratação. Eu me sentia culpada pela
precipitação com que aderi ao senso comum que apontava o dedo para "os
meninos" (assim passei a me referir a Adilson, Zé Roberto e Santa
Bárbara). Quando descobri o erro, corri atrás. Não tinha outro jeito.
Jaciara Santos: Antonio Jorge
Ferreira Melo dê uma olhadinha. Este é o segundo capítulo.
Graça Azevedo: Isso é
caráter!
Jaciara Santos: Graça, não
tinha como ser diferente, sócia...
Antonio Jorge Ferreira Melo: E eu perderia?
Se muitos daqueles que se dedicam a investigar tivessem esse olhar, não
teríamos tantas injustiças da justiça...
Jaciara Santos: obrigada,
mestre. Não canso de repetir: o senhor é uma inspiração.
Christiane Almeida: Ao ler essa
matéria, lágrimas correm no meus olhos. É tão difícil viver a maldade desse
mundo. Vi de perto o sofrimento desses policiais. Obrigada Jaciara por ter
escutado, por ter lido os documentos e por ter refeito a matéria. Deus abençoe
a todos
Jaciara Santos: Christiane,
não conheço quem tenha acompanhado esse caso que não tenha sofrido com os três
policiais. Os "meus meninos" rs rs
Yana Rúbia: 14 anos se
passaram, mas a dor ainda é a mesma....vai existir pessoas que digam:
"tanto tempo....." Mas quem viveu sabe, quem sofreu...sabe, quem
esteve ao nosso lado, tbm sabe o quanto foi difícil.....hoje uma HAS grave me
acompanha e eu luto para tirar de dentro de mim a tristeza daqueles dias
Jaciara Santos: Yana Rúbia é
uma dor que nunca vai passar. A injustiça abre feridas tão profundas, que nunca
cicatrizam. Mas Deus nos dá a força necessária para seguirmos em frente.
Yana Rúbia: sempre!
Graça Azevedo: como não
admirar esta grande jornalista, ser humano imenso?
Jaciara
Santos: você é uma querida, sócia!
Beeeeeeijos
Maristela Abreu: Um processo
dolorido. Realmente a justiça foi feita de forma PARCIAL. A injustiça ainda
perdura e me causa muita indignação, mas precisamos PERDOAR para termos PAZ.
Jaciara Santos: Maristela
Abreu agradeço a confiança em mim depositada, doutora. Foi uma experiência que
marcou minha vida.
Jaciara Santos: Alba Lucinia ,
caso queira acompanhar, volte ao início da série rs rs... Tem muuuuuita
história!
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Emiliano José
17
de março de 2022
Jaciara Santos:
segredo de Polichinelo
Segredo
mantido.
Até
certo ponto.
Há
silêncio.
Estrondoso
silêncio.
Até
hoje.
Próprio
de uma instituição incapaz de ir fundo na revelação dos crimes cometidos pelos
pares.
Por
que a PM-BA resolveu escolher três inocentes, execrá-los, pretender pagassem
por crimes que não cometeram?
Isso
não se respondeu, passado tanto tempo.
A
polícia judiciária sustentava: foram reconhecidos por testemunhas.
Secretário
às vezes é jogado numa fria.
Com
menos de um mês à frente da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, o
delegado federal César Nunes participou da coletiva em que os soldados foram
apresentados naquele 19 de março, um dia após a publicação da matéria de
Jaciara denunciando a participação de militares na morte do artista circense.
Nunes dizia: o caso fora solucionado “com a participação de moradores da Boca
do Rio, revoltados com a brutalidade do crime”.
O
secretário não sabia, pelo menos naquele momento: a única “prova” contra os
soldados era um reconhecimento feito às pressas, horas antes, e sem o devido
respeito às técnicas exigidas para esse tipo de procedimento.
Muitas
trapalhadas, trabalho mal feito.
O
soldado Adilson, de acordo com a testemunha, tinha 1,90 de altura e usava um
brinco dourado, pequeno, tipo africano.
O
soldado, de compleição atarracada e altura mediana, tem 1,73m de altura
Jamais
usou brincos.
Isso
poderia ser facilmente comprovado mediante exame pericial dos lóbulos de suas
orelhas.
Quanto
à altura, elementar meu caro Watson.
O
falso reconhecimento rendeu aos soldados 56 dias de prisão em caráter
provisório no Batalhão de Choque – situado em Lauro de Freitas, Região
Metropolitana de Salvador –, indiciamento em inquérito policial no Grupo de
Repressão aos Crimes de Extermínio (Gerce), um PAD na PM-BA e a execração
pública, tudo já dito, mas não custa insistir.
Jaciara
entrevistou a delegada Andreia d’Oliveira, coordenadora do Gerce e à frente do
inquérito que concluiu pelo indiciamento dos três PMs.
Ela
admitiu ter havido precipitação na conclusão dos trabalhos de apuração.
Jogou
a culpa na imprensa:
-
Se a mídia não tivesse divulgado o caso antes da hora, poderíamos maturar mais
um pouco as investigações.
Grave,
gravíssimo: no meio policial, todos
sabem exatamente quem matou os dois jovens, porque matou e a mando de quem.
Entretanto,
o crime permanece impune.
Os
únicos acusados provaram ser inocentes.
Apesar
de terem a inocência reconhecida, os três policiais amargaram por oito longos
anos as agruras de um erro judiciário.
Somente
em 28 de junho de 2016, com o trânsito em julgado, é que foram absolvidos das
acusações e viram a ação penal ser arquivada.
Na
sentença que determinou o arquivamento do processo, o juiz de direito Eduardo
Augusto Leopoldino Santana, titular do Segundo Juízo da Primeira Vara do
Tribunal do Júri da Comarca de Salvador, assinala:
“Não há quaisquer evidências que pesem contra
os réus, tendo sido provado, pelos depoimentos colhidos, que os mesmos não
teriam praticado o delito, pois, no dia e horário em que este ocorreu, exerciam
trabalhos diversos das funções de policiais militares em outros locais”.
Tudo
o que Adilson, José Roberto e Marco Antônio sempre afirmaram, mas que ninguém
quis ouvir para manter de pé a armação.
A
sentença reabilita o nome de cada um dos praças, mas não pode lhes devolver o
tempo e as oportunidades que lhes foram sonegados durante oito anos.
E
tudo por uma resposta errada, um equívoco deliberado da polícia judiciária da
Bahia.
Há
alguma disposição de revelar os criminosos?
Parece
não.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Gente, esse
caso precisa e deve ter um desfecho, não pode continuar impune. E quando a
inocência foi provada, a PM e a imprensa pelo menos deram destaque? Pq Jaciara já
não estava mais no jornal
Jaciara Santos: Obrigada,
mestre Emiliano. Gratidão pela oportunidade de, mais uma vez, poder trazer esta
monstruosidade a público.
Emiliano José: Jaciara,
mérito todo seu
Isabel Santos: Como diz o
ditado, 'a mentira tem pernas curtas'. Nem sempre tanto, mas, um dia, a verdade
aparece. Porém, é preciso reparar esse grande equívoco, mesmo que as marcas não
desaparecem. Basta de impunidades.
Jaciara Santos: num mundo
ideal, os verdadeiros autores seriam identificados e punidos sob os rigores da
lei. Não vivemos em um mundo ideal. Ponto.
Graça Azevedo: A impunidade é
inominável.
Yana Rúbia: Jaciara você
foi uma peça muito importante neste inquérito....ao Sr Emiliano, agradeço pela
homenagem prestada ao trabalho de Jaci e lhe afirmo, existe uma ferida que
nunca será cicatrizada, pois aqueles malditos dias vividos, só nós sabemos
explicar.....comemorar o aniversário de um filho em meio a pessoas que nada tem
haver com sua família, apenas para diminuir a dor da ausência do pai perto
dele....machuca...não consigo esquecer, acredito que nem nascendo novamente.
Gratidão a todos que nunca duvidaram da inocência deles bem como aqueles que,
inicialmente, acreditavam, mas buscaram a verdade dos fatos e hoje faz parte da
nossa família: Jaciara ...te amo, amiga/irmã/ cunhada.
Jaciara Santos: é, amiga, você
disse tudo. Nada vai trazer de volta a vida, o tempo que vocês perderam. Mas
Deus é justo e sabe de todas as coisas. Amo vocês também. E você é minha
concunhada #entendedoresentenderão
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Emiliano José
18
de março de 2022
Jaciara Santos:
Matou um
Com
uma barrigada, Jaciara matou uma pessoa.
Até
hoje, arrependida.
Sorte,
sorte mesmo, é que a pessoa foi ressuscitada.
Estranha
essa história, não?
Realismo
fantástico?
Coisa
de Gabriel García Marquez, desse povo cheio de invenções fantásticas?
Talvez.
Foi
o próprio autor de Cem anos de Solidão quem disse: toda a escrevinhação dele
estava fundada nas coisas do dia a dia, na realidade mais comezinha.
Então.
Jornalismo
não é coisa de Deus.
Nem
do Diabo.
Embora
possamos recorrer ao Eclesiastes, e combinar: a vaidade preside muito da
atividade humana.
Depois
de consumada a barrigada mortal, ela quase morre de arrependimento.
Aí,
no entanto, Inês era morta.
Quase
morre de arrependimento e vergonha.
Cidadã
comum, homem qualquer não sabe o que é barrigada, termo próprio do jargão
jornalístico.
Barrigada
é quando o veículo de comunicação publica uma informação errada.
Jaciara
garante, e eu acredito: o crime foi decorrente de excesso de zelo,
perfeccionismo.
E
também para atender àquela vaidadezinha de sair na frente da concorrência, dar
o furo.
Sábado,
23 de junho de 2007.
Véspera
de São João.
Subeditora
de Polícia, no Correio chamada de Segurança, Jaciara revezava os plantões de
final de semana com Erival, o editor.
Por
lei, gozava do direito de uma folga semanal.
Fizeram
um arranjo, confortável para os dois: cada um trabalhava um final de semana
inteiro e folgava no seguinte.
Aquele
final de semana, sobrou pra ela.
Dia
da maior festa popular da Bahia e do Nordeste.
Plantão
foi pesado, contrariando as expectativas.
Início
da tarde, assalto em ônibus evoluiu para uma perseguição policial e terminou
com acidente fatal.
Duas
pessoas morreram a caminho do Hospital Geral do Estado (HGE), na avenida Vasco
da Gama.
Uma,
internada em estado grave.
Foi
coisa de cinema.
Um
dia de cão.
Brinquedo
não.
Suspeitos
renderam o motorista e o obrigaram a trafegar na contramão da avenida Paralela.
Loucura
pra ninguém botar defeito.
E
aconteceu a colisão fatal: as vítimas, da mesma família.
Estavam
num GM Corsa sedan, placa JPO-9482, albaroado de frente pelo ônibus número de
ordem 7007 da empresa São Cristóvão, linha Pituba-Trobogy.
Apuração
difícil.
Informações,
desencontradas.
No
São João, tudo se complica.
Repórter
de plantão, Marcelo Brandão: experiente, fuçador.
Mas
estava difícil obter dados confiáveis.
O
deadline era apertado.
No
sábado, jornal fecha mais cedo.
Jaciara
resolveu entrar no circuito...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Imagino a
frustração e conhecendo a perfeccionista e ética que vc é, Jaci, sei que não
foi fácil. Mas é super comum na imprensa, justamente pela pressão pelo
"furo" ou, pelo menos, não sair na rabeira. Bom que vc reconheceu que
foi levada ao erro e se retratou. Não abala em nada a minha admiração por você
e sua carreira. Quem nunca deu uma barrigada que atire a primeira pedra
Isabel Santos: vc disse tudo,
comadre. Quem não? Nada muda a admiração e respeito por sua trajetória profissional,
Jaci. Como vc mesmo diz, ninguém é perfeito e neste Plano nunca será),
portanto... Quero é saber como continua. Digaí, mestre/poeta Emiliano José.
Jaciara Santos: Mônica e
Isabel, foi barril. Não satisfeita em errar, ainda desfiz o que estava certo...
Acompanhe a história que o mestre vai contar tim-tim por tim-tim. Espia só...
Jaciara Santos: ...e quase
morri de vergonha
Graça Azevedo: Suspense...
Jaciara Santos: Conto esse
caso por necessidade de ser fiel à minha história. Porque as pessoas que me
admiram têm o direito de saber: não sou (nem pretendo ser) perfeita. Cometo
erros como qualquer ser humano. Em minha defesa, o fato de assumi-los.
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Emiliano José
19
de março de 2022
Jaciara Santos:
a tentação do furo...
Jaciara
entra no circuito.
O
caso envolvia o setor de transporte, ela era assessora de Comunicação do
Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Salvador (Setps), sopa
no mel.
Tinha
contatos na área.
Acionou
todos.
Noite
já, quando a matéria ficou pronta.
Capa
já fechada quando matéria interna foi concluída.
Missão
cumprida.
Era
tarde já.
Editor-chefe
já havia se retirado.
Jaciara
respirou aliviada.
Na
redação, apenas Jaciara e os diagramadores Maristela Carvalho e Evandro Lima.
Maristela,
fechava Segurança.
Evandro,
primeira página.
Então,
tudo certo, tudo pronto, e Jaciara pega a bolsa, e se dirige para a porta de
saída.
Mania
de jornalista: um quê de preocupação levou-a a ligar para o titular do Grupo Especial de Repressão ao Roubo em
Coletivos (GERRC), delegado Antônio Cláudio Oliveira.
Como
desencargo de consciência.
Assessora
do Setps, tinha acesso livre a ele.
Foi
a perdição dela.
Telefone
demora pra atender.
Ela
insiste.
Jamais
esquecerá aquela rápida conversa.
-
Oi, doutor, aqui Jaciara, do Setps. Desculpa ligar a essa hora para o senhor.
Delegado,
tranquilo:
-
Oi, Jaciara, diga aí.
-
Eu queria saber se o senhor tem mais alguma informação sobre o assalto... São
duas vítimas mesmo, não é?
Delegado
pareceu saltar na cadeira:
-
São três!
Um
frio percorre a espinha dela.
-
Como três? Não tem uma pessoa internada no HGE? Uma moça?...
O
delegado, de pronto:
-
Eu estou aqui no HGE. E acabei de saber que a terceira vítima foi a óbito.
Ela,
ainda a duvidar, obrigação de jornalista:
-
Então o senhor confirma que a moça morreu?
-
E que são três mortos?
Delegado,
sem relutar:
-
Isso: são três vítimas fatais – palavras de Oliveira, literais.
-
Tá bom, doutor. Muito obrigada, desculpa mais uma vez o horário. Bom final de
semana para o senhor.
E
agora?
Noite
de São João, e ela com uma bomba na mão.
Jornal
fechado, capa indo pra impressão.
Editor-chefe
já em casa.
Quase
20hs.
Jornalista
volta e meia se vê nessas situações: em um minuto tudo muda, e é obrigado a se
virar nos trinta, sem apelação.
Tinha
jeito não.
Tinha
de enfrentar a situação.
Não
podia ir pra casa como se nada tivesse acontecido.
Seria
imperdoável.
Decisão,
no entanto, não podia ser somente dela.
Desembucha:
-
Gente, seguinte é o seguinte: liguei agora para o delegado do GERRC, e ele me
confirmou que a terceira vítima morreu.
-
E aí: vamos deixar tudo como está?
-
Ou vamos atualizar?
Evandro
movimentou-se: tinha autonomia para mexer na primeira página.
Carta
branca.
Gozava
de total confiança do editor-chefe.
Carecia
de consultá-lo não.
Voltaram
ao trabalho: era pouca coisa.
Atualizar
a manchete e mexer no texto onde houvesse menção ao número de vítimas.
Tudo
muito rapidinho.
Saíram
com sensação de dever cumprido.
Belo
trabalho jornalístico.
Agora,
chegar em casa – relaxar daquele dia infernal.
Dia
seguinte: correr pro abraço.
De
manhãzinha, recebe o jornal em casa, e lê a manchete:
“Perseguição
acaba com morte de três inocentes”.
Correu
os olhos na concorrência.
Todo
o restante da imprensa cravava duas mortes.
A
trabalheira, a correria toda, tinham valido a pena.
Apenas
o Correio tinha atualizado a informação.
Puta
furo.
Ah,
a vaidade.
Vaidade
das vaidades – é tudo vaidade.
Logo
depois vai compreender o dito do Eclesiastes...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Nesse caso não
considero barrigada, vc falou com uma autoridade no caso e ele confirmou. A
culpa foi toda dele, qualquer um teria errado
Jaciara Santos: Barril
dobrado!
Maristela Carvalho: Com vc era
sempre assim, tudo minuciosamente apurado. Respeito com a profissão.
Jaciara Santos: Maristela, mas
lembra dessa história, da "barrigada"?...
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Emiliano José
20
de março de 2022
Jaciara Santos:
vaidade - fonte de perdição
Conta
a bíblia ao referir-se ao rei Salomão.
O
rei, de tanta fama, após olhar para as obras do homem debaixo do sol, percebeu:
tudo era vaidade.
Exagerou,
talvez.
Os
esforços dos homens eram tão vãos quanto correr atrás do vento.
Vaidade
de vaidade, tudo é vaidade.
Vaidade
das posses.
Vaidade
da sabedoria.
Tudo
é vaidade.
Exagero,
seja.
Mas
quanta coisa acontece decorrente da vaidade humana?
Jaciara
pensou fosse um furo, a matéria com as três mortes.
Ao
longo do dia, no entanto, a dúvida ia se insinuando.
O
site do jornal A Tarde, principal concorrente, seguia com a mesma informação -
duas mortes.
Hoje,
tentando recuperar aqueles momentos, imagina ter sido o repórter Marcelo
Brandão o responsável a alertá-la:
-
Jaciara, foi barrigada.
Tentou
falar com o delegado.
Nada.
Não
atendia.
Somente
na segunda-feira pela manhã conseguiu contato.
Delegado
revelou, tranquilo, como coisa de menor importância: houvera um engano.
A
vítima havia sobrevivido.
Ocorreu,
na explicação dele, de um agente policial passar-lhe a informação da morte, e
ele passou adiante, justamente para Jaciara.
Ela,
intrigada.
-
Mas como ele me diz isso agora?
-
Como, se na hora em que nos falamos, no sábado à noite, ele me disse estar no
HGE?
Ia
pensando, e certa de uma coisa: seria demitida.
Era
erro grave demais.
Na
segunda à tarde, chega ao jornal com a cara no chão.
Uma
vergonha indescritível.
Conversou
com Erival, o editor, dizendo do quanto se sentia culpada, e ele:
-
Você está superdimensionando o fato.
E
ele, cheio de compreensão, relativizava o inegável erro:
-
Não foi uma ação dolosa.
Ele
próprio falaria com o editor-chefe, e tudo se resolveria.
Jaciara
agradeceu, mas reagiu:
-
Eu mesma tenho de falar com editor-chefe.
Tremendo,
entrou no aquário - assim se chamava à época o gabinete do chefe de uma
redação.
Voz
presa na garganta, difícil de sair, afinal conseguiu, e falou:
-
Chefe, eu só quero dizer que não foi por irresponsabilidade. Eu liguei para o
titular do GERRC e ele me garantiu que a terceira vítima havia morrido...
E
o editor-chefe:
-
Já passou, moça. Eu lhe conheço, vamos deixar isso pra lá...
Não,
Jaciara não conseguia acreditar.
Como
assim "deixar pra lá"?
Nenhuma
advertência, nenhuma admoestação?
Nada?
Ela,
sem palavras.
Editor-chefe
terminou a conversa com um "Bora trabalhar"?
Ela,
incrédula.
Quando
fazia o movimento de se levantar para sair, ele pede:
-
Só quero que você faça uma coisa: ligue para a família, peça desculpas em nome
do jornal e faça uma notinha atualizando o estado de saúde da moça que você
matou. Bora trabalhar!
Não
sabia se ria, se chorava.
Na
matéria da terça-feira, 26 de junho, na matéria "Pai e filho mortos em
acidente são sepultados", publicada na página de Segurança, Jaciara
acrescenta nota, com informações de um irmão da moça morta por ela três dias
antes:
"A
terceira vítima do acidente, Jucimara de Andrade Reis, 27, ao contrário do que
foi noticiado, continua internada no Hospital São Rafael em estado grave e sob
coma induzido.
Jaciara
não teme concluir:
- A barrigada daquele junho de 2007 me ensinou uma importante lição: a vaidade é sempre uma fonte de perdição. No jornalismo e na vida. #MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Insisto, nesse
caso não foi barrigada. Jaciara foi profissional, podia ter se mandado pra casa
e pronto. O culpado foi o informante, uma autoridade policial que disse estar
no hospital
Graça Azevedo: Seus chefes
sabiam quem era A Jornalista!
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Emiliano José
21
de março de 2022
Jaciara Santos:
os riscos da ética do marceneiro
Vou
desviar um pouquinho.
Sair
da estrada principal, cair numa vereda.
Erival
Guimarães foi editor de Polícia do Correio por muito tempo.
Foi
chefe de Jaciara.
Por
isso, e mais, a vereda.
Guimarães
atuou nos principais jornais de Salvador.
Além
do Correio, passou pelo jornal A Tarde e pelos Jornal da Bahia e Bahia Hoje e
também por assessorias.
Reconhecido
como profissional exemplar.
Cultivou
sempre a ética do marceneiro, como diria Cláudio Abramo, cuja máxima era: não
existe uma ética do jornalista, existe a ética do cidadão.
Cidadão
exemplar, jornalista exemplar.
Morreu
cedo, aos 61 anos, em 2020.
Acumulou
casos em sua peregrinação pelas editorias de Polícia.
Meados
de 1992.
Na
redação de A Tarde.
Pegando
o bloco de notas, canetas, preparando-se para mais um dia na reportagem
policial.
Súbito,
um dos office-boys o chama para atender uma ligação telefônica.
Do
outro lado da linha, sujeito entra de chofre:
-
Diga aí, véio. Seu Castor mandou perguntar quanto você quer para parar de
escrever sobre o jogo do bicho.
Proposta
veio de um agente da Polícia Civil - viria mais tarde a se afastar da
instituição.
Surpreso,
estupefato.
Conversa
assim, sem rodeios.
Respirou
fundo, respondeu:
-
Cara, eu não faço esse jogo não.
Sujeito
reagiu meio sem jeito, quase se desculpando:
-
Poxa, eu sabia. Disse que você não iria aceitar, mas ele insistiu, afirmando
que tinha um bocado de jornalistas na mão e que ainda pretendia lhe convidar
para passar uns tempos no Rio com tudo pago.
Como
se saísse com o rabo entre as pernas, desapontado.
Passa
pouco tempo, Guimarães dormia em casa.
Travessa
da Glória, rua Barão de Macaúbas, no bairro do Barbalho - casa ainda em construção.
Percebe
alguém se aproximando, chamando-o nervosamente:
-
Val, Val...
Um
pouco assustado, reconhece a voz.
Zeca,
vizinho, apontador do jogo de bicho.
Companheiro
de baba, razoável lateral direito.
Jogavam
juntos no campo do Pela Porco, nas redondezas do Barbalho, em área tomada
depois por uma ocupação, invasão como se dizia.
Tranquilizou
a mulher, abriu a portinhola da porta principal da casa, perguntou:
-
O que foi, Zeca?
Voz
nervosa, ele responde:
-
Caia fora, Val. Tem um cara do bicho perguntando sobre você aqui na rua. Ele
esteve na minha banca e tem dois dias que fica ali no bar de Seu Loro.
Zeca
era ponta firme.
Além
de parceiro de juventude, anos depois tornou-se leitor de Guimarães,
especialmente das matérias sobre a máfia do bicho, assunto da intimidade dele.
Quando
se encontravam, trocavam ideias sobre o tema.
De
vez em quando, Zeca lhe passava boas informações.
Então,
informação vinda de um amigo assim, bom não duvidar.
Dia
seguinte...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIO
Mônica Bichara: Maravilha e
justa essa homenagem. Erival, presente. E esperamos a biografia completa feita
pela pupila Jaciara Santos
Adilson Borges: Grande Erival!
Apressadinho, foi embora muito cedo. Faz falta
Isabel Santos: Tão bom o
reconhecimento. Massa, Emiliano José. Ele deve estar contente. Jaciara Santos,
nem fala. Sempre grata ao seu editor.
Graça Azevedo: Haja coração! Há
pessoas que eu gostaria de ter por perto. Uma lástima não ter conhecido Erival.
Jaciara Santos: Graça, mas acompanhou
seu calvário. Apaixonado pelos filhos como sempre foi, ficou arrasado com a sua
tragédia. Dizia que não conseguia se imaginar perdendo um filho. Mesmo
simpatizante do espiritismo, esse era um limite pra ele. Você o teria amado,
sócia, com certeza!
Graça Azevedo: Com certeza.
Ainda mais se viesse pelas mãos da minha sócia querida.
Sheila Freire: As lágrimas vêm
ao rosto ao ler essa homenagem tão linda que me remete a lembranças fortes.
Lembro-me que ao retornar do ICEIA, no fim de uma manhã, fui parada por um cara
que me perguntou se eu era filha de Erival e eu confirmei. O cara era um chefão
do jogo do bicho que me disse assim: "Sou amigo de seu pai, meu nome é tal
e diga a ele que te conheci e que você é linda!" Cheguei em casa toda
feliz e contei a meu pai e vi em seus olhos desespero e raiva. Resumindo,
fiquei algum tempo sem ir para escola, mas ele nunca desistiu de denunciar, ser
fidedigno nas informações e ético sempre. Meu ídolo, meu amor, meu exemplo,
minha mola propulsora. Tanto orgulho de você! Te amo pra sempre, pai!
Jaciara Santos: Sheila, e a
gente queria tanto que ele registrasse as memórias, lembra? Daria uma belíssima
autobiografia.
Jaciara Santos: Sheila, Hugo,
Tatiana, vejam que homenagem bacana pro nosso querido. Espalhem. Erival
Guimarães merece
Tatiana Guimarães: Quanto
orgulho, quanta saudade, gratidão de tê-lo como pai. Ao ler, me fez lembrar
dele nos contando. Meu pai, meu exemplo, meu orgulho, meu amor!!! Obrigada Jaci
pela amiga irmã tão especial que é.
Jaciara Santos: Gratidão
imensa por esta merecida homenagem ao meu mentor. De onde ele está, com
certeza, deve estar meio encabulado. Ele é (sim, no tempo presente) tímido,
como eu, pra essas coisas. E deve ter dito: "Jaci, mulher, você não tem
jeito...". Eu sempre o incentivei a escrever uma autobiografia, ele sempre
adiava. Depois vieram os problemas de saúde...
Selene May Brasil:❤
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Emiliano José
22
de março de 2022
Jaciara Santos:
valor da amizade
Dia
seguinte, cedinho, Guimarães procura delegado de confiança dele.
Relata
tudo.
Delegado
se dispôs a ajudá-lo, necessário fosse.
Besta
nem nada, aciona dois amigos da pesada, dois amigos de "rocha" para
fazer plantão no bairro.
Protegessem
a família dele.
No
bairro, moravam, além de mulher e filhos, a mãe dele e uma irmã, e todos
morando na mesma rua.
Com
os dois, sentia-se seguro.
Família
protegida.
Foi
para o jornal.
Telefonou
para um segurança da sede da Paratodos, também conhecido de babas:
-
Quero uma conversa com algum banqueiro do bicho aqui na Bahia.
Coisa
de 20 minutos depois, recebe telefonema de um contraventor da pesada,
entrevistado por ele havia pouco tempo, com exclusividade, dentro da fortaleza
da Paratodos, na avenida Octávio Mangabeira, trecho de Pituaçu.
Início
da conversa, e o bicheiro desconversa, tenta negar o fato.
Guimarães
apertou-o.
Sujeito
pediu tempo.
Nova
ligação, e confirma.
A
pessoa em questão, o da ronda no bairro à procura dele, fora enviada por
banqueiros cariocas, a máfia do bicho do Rio de Janeiro.
Nada
a ver com banqueiros do bicho da Bahia - explicou o contraventor.
Deu
garantias: o retorno da pessoa ao Rio já tinha sido providenciado.
Guimarães
respirou aliviado.
Pensou:
o quanto vale a amizade.
Quanto
mais, uma amizade de baba.
Zeca,
naquela madrugada, pode ter salvado a vida dele.
Jornalismo
policial, levado a sério, não é brinquedo, não.
Guimarães
fez, ali pelo início da década de 2010, verdadeira campanha contra o jornalismo
sensacionalista, desrespeitoso com as pessoas presas, principalmente nas
televisões.
Cobrou
providências do Ministério Público contra emissoras e repórteres sempre prontos
a agir de forma abusiva, servindo de péssimo exemplo para novos profissionais.
Alertava:
os repórteres sensacionalistas agiam assim pautados, por orientação dos
responsáveis pelos programas e sobretudo por diretrizes das empresas.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
23
de março de 2022
Jaciara Santos:
“eu quero é sangue”- jornalismo policial da TV
Uma
das pragas do jornalismo policial brasileiro, presente, sobretudo, em algumas
redes televisivas e emissoras de rádio, é o absoluto desrespeito aos direitos
dos presos, pouco importando a dito jornalismo se a pessoa é culpada ou
inocente.
Os
repórteres convertem-se em policiais, interrogando os suspeitos – para eles,
culpados, liminarmente -, agredindo-os até, com atitudes asquerosas, não tem
outra qualificação. Indignação – é o sentimento a tomar conta de quem tenha
alguma sensibilidade, quando assiste tais espetáculos.
Não
se qualifica de espetáculos à toa.
Na
área da cobertura policial, trata-se da espetacularização da notícia. À custa
dos presos – insista-se, pouco importando se culpado ou inocente.
O
preso em delegacias, onde normalmente ocorrem os abusos, os desrespeitos, nunca
pode ser considerado culpado porque ainda não foi julgado.
Claro,
pode acontecer de ser um sujeito preso depois de um flagrante claro, e ainda
assim, só um julgamento pode determinar a culpa dele. Porém, os repórteres
policiais mandam às favas tais dispositivos, inclusive os constitucionais.
Não
se critique apenas os repórteres.
Sem
querer ser agressivo, são em geral paus-mandados.
Obedecem
a pauta, à orientação dos editores de tais programas, onde é obrigatório o
máximo de demonização dos detidos, transformados, muitos deles,
independentemente dos fatos, em verdadeiros monstros.
Esses
editores e os apresentadores são alavancadores de audiência.
Como
se agissem assim por pressão popular, como se a população quisesse sangue.
E
ainda quisesse, ainda houvesse, e há, sadismo em meio ao povo, papel do jornalismo
é também, em princípio, o de educar, é também cultural, e não o de render-se
eventualmente a sentimentos mórbidos, sádicos.
E
esses editores e apresentadores são paus-mandados dos empresários de
comunicação, cuja avidez por lucros sacrifica quaisquer princípios éticos. Para
tanto, vale desrespeitar seres humanos sem qualquer consideração pelos direitos
deles.
Tais
empresários têm urticária ao ouvirem falar em direitos humanos.
É
triste, e de dar indignação, seja esse um dos problemas sem solução do jornalismo
brasileiro, apesar de entidades se baterem por isso, de alguns profissionais da
área bradarem sem qualquer avanço até agora, tantos anos passados.
Foi
uma das lutas de Erival Guimarães, durante muitos anos editor de Jaciara no
Correio, tendo passado, já dissemos, por várias redações, sempre na área
policial.
Nunca
se conformou com tais procedimentos.
Em
março de 2012, publicou texto denominado “A era dos inquisidores”.
Começava
dando testemunho:
-
Vi muita coisa que me indignou no jornalismo baiano, em especial na reportagem
policial ao longo dos meus vinte e tantos anos de profissão, principalmente em
relação à linguagem desrespeitosa e chula utilizada por alguns profissionais e
à publicação de fatos chocantes, a exemplo de corpos ensanguentados de vítimas
de homicídios ou acidentes.
No quesito desrespeito, no entanto, dizia no
artigo, ninguém havia chegado tão longe como os programas de TV
sensacionalistas daquela época, e o pior é constatar a continuidade de tais
programas, insensíveis a quaisquer apelos, prontos sempre a desrespeitar os
dispositivos constitucionais.
Os
“repórteres”, ele insistia em aspear, transformam-se em verdadeiros
inquisidores, agindo sem limites.
Lembrou
de período como subeditor do jornal Bahia Hoje, onde conseguiu implantar uma
linha editorial diferente, “dispensando o uso de termos pejorativos e
desrespeitosos quando nos referíamos a pessoas presas pela polícia (muitas
vezes inocentes) e com nossos fotógrafos orientados a registrar cenas de corpos
e outras tão chocantes somente em segundo plano. Com o passar dos anos os
demais jornais da cidade adotaram a mesma postura”.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Isabel Santos: Grande
demonstração de Erival de respeito ao próximo. Maravilha. Um colega exemplo!
Lucilia Duarte: Lula foi
vítima desse “jornalismo” sujo ao qual vc se refere! Isso numa sociedade dita
civilizada não aconteceria!
Mônica Bichara: Verdade, o
mesmo tratamento policialesco levado às editorias de política. Aos amigos, todo
espaço. Aos inimigos, só porrada
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Emiliano José
24
de março de 2022
Jaciara Santos:
indignado com o desrespeito aos presos
Guimarães
lembrava no início da década passada da mudança positiva no jornalismo
impresso, mais cuidadoso com a cobertura de polícia, evitando o
sensacionalismo, o desrespeito com os
presos.
A
mídia televisiva, no entanto, seguia investindo em programas sensacionalistas.
Havia
programas, na Bahia e país afora, onde era visível a confusão de papéis: polícia
e jornalistas pareciam a mesma coisa.
Não
era incomum, pela televisão, assistir a operações acompanhadas por repórteres,
estes em veículos policiais, num amálgama inaceitável.
Televisão
parecia não ter jeito.
Seguia
no desprezo completo aos princípios éticos da profissão, e desrespeitando
princípios constitucionais, com uma performance absolutamente inadequada dos
"repórteres".
Erival
Guimarães indignava-se:
-
Quase todos os dias assistimos esses profissionais enfiando o microfone nos
rostos das pessoas detidas apenas sob suspeita de terem praticado algum delito,
fazendo indagações descabidas e até tocando nos acusados.
Desrespeito
pouco é bobagem:
-
Não faz muito tempo, um desses entrevistadores passou a mão nas nádegas de um
dos presos, a quem insistentemente interrogava ao vivo. A sanha desses
programas é tamanha que desrespeitam até orientação da Justiça sobre a
veiculação de imagens de adolescentes, mesmo de costas ou com os rostos
preservados.
E
Guimarães acentua: maioria das vezes, os "repórteres" agem com a
conivência de policiais, aos quais se referem como "guerreiros".
Os
tais guerreiros desfrutam dos 15 minutos de fama, de visibilidade, e em troca
abrem as portas para o total desrespeito aos direitos dos presos, e mandam às
favas a chamada presunção de inocência, para eles maneira de proteger bandido.
Nada
tem sido feito para coibir tais abusos - constatava Guimarães.
No
artigo, clamava no deserto:
-
Até quando vamos ter de aturar?
Artigo
"A era dos inquisidores", repito, publicado no blog dele,
"Jornalismo das antigas", dia 15 de março de 2012.
Em
maio, 23, ele saudava uma reação de jornalistas e entidades de classe...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: A falta de
ética desses "comunicadores" é sempre dirigida aos presos ou
suspeitos pobres, pretos......são pré-julgados e já exibidos como bandidos,
antes mesmo da apuração. Mas quando o caso envolve algum riquinho ou classe
média, algum famoso, celebridade........aí lembram da ética no jornalismo,
omitem nomes, closes nem pensar. Por mais Erival e Jaciara (e equipe) no
jornalismo
Jaciara Santos: Meu mestre,
uma inspiração! Quanta falta do seu olhar crítico ante o novo jornalismo do
"CPF cancelado" e do copia-e-cola...
Graça Azevedo: Tempos
sombrios.
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Emiliano José
25
de março de 2022
Jaciara Santos:
prática nojenta
A
indignação de Erival Guimarães começava a dar resultados.
No
artigo publicado no blog dele "Jornalismo das Antigas", "A era dos inquisidores II", uma quarta-feira,
23 de maio de 2012, ele saudava o início
da reação de jornalistas e entidades de classe contra o sensacionalismo e o
desrespeito do jornalismo policial televisivo com os presos.
Havia
escrito "A era dos inquisidores", verdadeira catilinária reagindo aos
abusos contra os presos havia mais de dois meses, estava meio desalentado com o
silêncio, mas enfim começara uma reação.
No
novo texto, Guimarães agradece a Marcos Russo.
O
jornalista publicou no site Política Hoje o artigo "'Jornalismo' e Polícia
Civil pecam com os acusados na Bahia".
E
estendeu agradecimentos a tantos que se manifestaram, também indignados.
Para
ele, a atitude da jornalista da Band não constituía novidade.
Das
publicações da época, 2012, noticia-se a jornalista Mirella Cunha zombando
acintosamente de um preso pelo fato dele confundir exame de corpo de delito com
exame de próstata.
Ela
humilhou o preso, e ria enquanto humilhava.
E
não se trata de individualizar o problema.
Nem
crucificar a jornalista.
Imagina-se,
passado o tempo, ela tenha aprendido a lição.
Mudado
de visão.
Imagina-se.
Trata-se,
como indicado por Guimarães, de um problema muito mais vasto.
Ela
provavelmente estava envolvida pela cultura dominante, pelo pensamento dos
editores, pelo clima do próprio programa de que participava.
-
O que faz essa menina da Band, atitude que gerou repúdio, na verdade não é
novidade. Vários outros "repórteres" dão show de desrespeito contra
pessoas detidas, muitas vezes apenas acusadas de algum crime.
No
artigo, ele evidencia absurdos:
-
Tamanho é o absurdo que o tal do Mão Branca, em repetidas ocasiões, passou a
mão nas nádegas de presos, forçados a dar declarações, entre outras atitudes
reprováveis.
E
ele insistia: tudo isso ocorria dentro das delegacias com a conivência de
policiais.
E
ele dizia torcer para que o presidente em exercício da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, e
Marjorie Moura, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado
da Bahia (Sinjorba), "realmente tomem uma posição firme para coibir essa
prática nojenta".
Sei
perfeitamente: Marjorie Moura e Ernesto Marques são jornalistas íntegros,
cultores da ética do marceneiro, e contra o jornalismo policial
sensacionalista, desrespeitoso dos direitos humanos.
Mais
não fizeram, certamente por circunstâncias alheias à vontade deles.
Tanto
quanto Guimarães, lutam pelo respeito aos direitos dos presos.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Bons frutos,
pelo menos na cobertura dos jornais impressos na época a mudança editorial foi
perceptível
Jaciara Santos: Hoje, o
desrespeito é impulsionado também pela "cultura do clique". Não
importa o que está sendo veiculado, o importante é gerar visualização,
viralizar. Tenho um amigo - jovenzinho, gente boa, amo demais - que sempre me
manda algumas tolices publicadas nesses sites e que ele replica no veículo em
que trabalha. Normalmente são notas ligadas à intimidade de celebridades ou
subcelebridades. Quando questiono a noticiabilidade do assunto, ele retruca:
" é ótimo pra gerar comentários indignados". E assim caminhamos...
Sergio Faria: Emiliano, que
saudade do tempo em que você nos orientava no movimente secundarista do Paraná
como membro da UBES.
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Emiliano José
26
de março de 2022
Jaciara Santos:
Erival Guimarães - um amante da verdade
Escrevo.
Mas
o faço no compasso do coração de Jaciara, tão amiga dele.
Ela
o conheceu na Tribuna da Bahia.
Editora,
ele revisor.
Ele
trabalhava também no Correio.
Lembro
sempre, há jornalistas meio esquecidos disso: essa é uma profissão proletária,
trabalho muito, horários apertados, linha de produção rigorosa.
Vivia
na correria, o nosso Erival Guimarães.
Eu
o conheci só de vista, lamentavelmente - correria.
Jaciara
ainda se recorda: ele chegava esbaforido à redação - deslocamentos de ônibus.
Tinha
de se virar nos trinta para garantir padrão de vida digno para Sheila, Tatiana,
Hugo, os filhos do primeiro casamento com Sandra.
Jaciara
não era tão próxima de Guimarães à época - da vida, soube depois, e tomou
conhecimento também da admiração dele pelo trabalho dela.
Aos
poucos, ele foi se firmando profissionalmente.
Repórter
do Correio da Bahia,
No
jornal A Tarde.
Foi
para o Bahia Hoje, subeditor de Polícia.
Era
1993.
Ali,
desenvolveu notável trabalho, criando uma nova cultura na cobertura dos fatos
policiais - disso já falamos.
Erival
costumava destacar dois momentos dos quais saiu como sobrevivente: um acidente
aéreo em janeiro de 1989 e a ameaça de bicheiros cariocas em meados de 1992.
Desta
ameaça, já falamos.
O
acidente: a queda de um bimotor da Abaeté Táxi Aéreo, em 27 de janeiro de 1989,
no Oeste baiano.
Deixou
de produzir para tornar-se notícia.
Diz:
nunca fui de acreditar em milagres.
No
caso do acidente, no entanto, afirma dever muitas horas extras ao anjo da
guarda dele.
Bahia
Hoje fecha as portas, e ele vai para o Correio, então editor.
Carregou
com ele a mesma sensibilidade, faro apurado e senso de responsabilidade,
qualidades a destacá-lo desde sempre como grande repórter.
Chefe
exigente, compreensivo, conhecedor das manhas da cobertura policial, orientava,
indicava o melhor ângulo da abordagem, sugeria fontes, incentivava, vibrava com
os furos.
Sofria
com os desacertos.
Chegava
junto.
Comandou
a editoria até 2008.
Saiu
para assumir a assessoria de Comunicação da Secretaria de Segurança Pública.
Graduado
em Comunicação pela Facom, da UFBA, exerceu o jornalismo investigativo,
sobretudo policial, por mais de 20 anos.
Faleceu
em 10 de janeiro de 2020, aos 61 anos.
A
Bahia perdeu um grande jornalista.
Um
amante da verdade.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Esse
corre-corre conheço bem, toda vida trabalhando em 2 lugares, de buzu.....né
mole não. Erival foi um querido, só boas referências
Isabel Santos: Pois é, Monca.
Não tem como não imaginar esse corre-corre de Erival. Passamos por ele, na luta
pela sobrevivência, buscando realizar da melhor forma possível. Uma homenagem
linda e merecida, do poeta da pena e da comadre, ao colega, que muita está
emocionando, especialmente seus familiares.
Ana Vieira: Grande
jornalista, grande pessoa. Sobravam- lhe gentileza, educação e sensibilidade.
Trabalhamos juntos em A Tarde. Eu brincava muito com ele, o chamava de
queimado. Ele ria muito
Jaciara Santos: Ana Vieira um
querido!
Jaciara Santos: Obrigada, mais
uma vez, Emiliano, por este resgate à memória de Erival Guimarães . Muito
obrigada.
Graça Azevedo: Partiu tão
cedo.
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Emiliano José
27
de março de 2022
Jaciara Santos:
crime organizado e violência
Segurança
é um dos principais desafios à democracia no Brasil.
O
número anual de homicídios por arma de fogo no País é assustador.
Houve
uma espécie de alento, quando em 2021 registrou-se uma diminuição do número de
homicídios – Brasil chegou a 41 mil homicídios.
Número
assustador, só comemorado porque o País naturalizou essas milhares de mortes.
Nada
a comemorar.
Há
a polícia matando.
Há
o crime organizado matando: estudiosos afirmam ser o crime organizado
responsável por algo entre 70% e 80% dos assassinatos.
A
diminuição teria sido fruto da crescente profissionalização do tráfico de
drogas.
As
facções resolveram fazer uma espécie de acordo, e diminuir o clima de
guerra.
Não
é questão simples.
Há
de se considerar a emergência das milícias, alimentadas pelo clima político
criado a partir de 2016 e sobretudo após a eleição do atual presidente, cuja
família mantém laços orgânicos com tais organizações.
Há
de se considerar uma espécie de amálgama entre parcela de policiais e o crime
organizado.
Penso,
de longe, estudioso não sou: o problema de tanta violência tem a ver com a
proibição de algumas drogas – digo de algumas porque há muitas legais, e de
maior dano à saúde.
Jaciara
testemunhou o surgimento de uma organização criminosa no decorrer da atividade
como repórter de Polícia: o Comando da Paz.
Disso
pretendemos falar.
Na
leitura de Jaciara, o Comando da Paz foi criado por reclusos do Presídio de
Salvador – antiga Casa de Detenção -, uma das unidades do Complexo
Penitenciário localizado no bairro da Mata Escura.
Batizada
com o nome Comissão da Paz.
Do
nascimento aos dias atuais, a facção teve várias lideranças, “quase sempre um
interno da capital”, de acordo com o testemunho de veterano agente penitenciário,
às vésperas de se aposentar.
Quando
Jaciara começou a acompanhar a evolução do grupo, o líder era Pitty, um jovem
com menos de 30 anos e robusta ficha criminal, nome de batismo Eberson Souza
Santos.
Autodenominada
porta-voz da comunidade carcerária nos contatos com a direção do presídio, a
Comissão da Paz nasceu lá pelos anos 1990, quando Pitty era então adolescente.
Versões,
muitas, sobre a paternidade da Comissão da Paz.
A
mais confiável aponta para Mário Carlos Jezler da Costa, espécie de cérebro do
surgimento da organização.
Preso
por tráfico e sequestro, passagens pelo sistema carcerário de vários estados,
ex-integrante da Falange Vermelha, facção a dar origem ao poderoso Comando
Vermelho.
Antes
da chegada de Costa ao Presídio Salvador, havia muita dispersão e rivalidade
entre os detentos.
Ele
resolveu botar ordem na casa.
Chegou
dizendo “a união faz força”.
Aprendeu
isso quando de suas passagens por presídios cariocas.
Brigas
entre nós nos dividem, nos enfraquecem, ia desenvolvendo a pedagogia dele.
Convenceu
a moçada a criar um grupo capaz de representar os presos diante da direção do
presídio.
Nasceu,
assim, a Comissão da Paz, célula embrionária do atual Comando da Paz.
Costa
foi sequestrado e morto em 2009, em Salvador.
Polícia
informa: morte teria sido motivada por uma quantia de R$ 150 mil, proveniente
de um assalto a banco.
Costa
não teria compartilhado a quantia com os companheiros de ação.
Corpo
dele foi encontrado atrás de um supermercado na avenida Garibaldi, com muitas
perfurações de tiros, e com a língua e os dedos das mãos mutilados.
Barbárie.
Jaciara,
a partir de pesquisas, não embarca numa visão bastante difundida: a de que as
facções teriam surgido como decorrência do convívio entre presos políticos e
presos comuns, a partir principalmente do Presídio da Ilha Grande, no Rio de
Janeiro.
Verdade,
verdade, os presos políticos, dou testemunha disso, sempre estiveram separados
dos presos comuns durante a ditadura.
As
facções foram pensadas a partir de iniciativas de homens pobres e periféricos,
nada a ver com qualquer influência da intelectualidade de esquerda.
Voltando
ao Presídio Salvador, a célula embrionária da Comissão da Paz era constituída
por Genilson Lino, conhecido como “Perna”; César Dantas, alcunhado “César
Lobão”, e por Cláudio Eduardo Campanha da Silva, chamado “Pai”, sugestivamente.
Foi
“Pai” a pegar Pitty pelas mãos e incluí-lo na Comissão da Paz.
Pitty
não era brinquedo.
Rapidamente
assumiu a liderança do grupo.
Percebeu
o vácuo deixado por Costa, e deu nova orientação ao grupo.
Agora,
seria no pau.
Violência.
Então,
houve um racha...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Eitcha que
esse povo gosta de "paz", viu.....SQN
Jaciara Santos: A Comissão da
Paz, que surgiu com a proposta de pacificar a cadeia, acabou sendo o estopim da
atual guerra de facções.
Graça Azevedo: Ligada nos
próximos capítulos.
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Emiliano José
28
de março de 2022
Jaciara Santos:
Pitty e rebeliões
Pitty
chegou tocando terror.
Afirmou-se
no tranco, na violência.
Essa
política levou a um racha.
A
comunidade carcerária passou a ter duas lideranças.
A
gangue de Pitty, comandava o Presídio Salvador.
Perna,
a Penitenciária Lemos Brito.
Pitty
teve de enfrentar o primeiro teste de força.
Dia
7 de dezembro de 2003 eclode rebelião no Presídio Salvador, praia dele.
Liderada
pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Motim
estourou imediatamente após o fim da rebelião de 58 horas, iniciada pelos presos da Penitenciária Lemos Brito na
quinta-feira, 4.
Uma
e outra rebelião reivindicavam a flexibilização do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), artigo 52 da nova Lei de
Execuções Penais, um conjunto de regras voltado ao endurecimento da disciplina
interna dos presídios.
Cortava
alguns dos poucos benefícios usufruídos pela população carcerária.
Alçado
à condição de negociador, Pitty, provavelmente valendo-se das artes da boa
conversa, não da violência, conseguiu garantir o fim do motim.
Viu
crescer a fama.
O
fim de uma rebelião não depende de um nome apenas.
Há
informações de que, para minar o poderio das facões, a gestão prisional
recorreu a um acordo extraoficial com lideranças criminosas.
Teria
havido um pacto entre a cúpula da Segurança Pública e um dos antigos líderes do
Comando da Paz, então de regresso ao Presídio Salvador, a envolver a tarefa de
apaziguar os ânimos na prisão e controlar Pitty.
Esta,
a conclusão dos professores Luiz Cláudio Lourenço, doutor em Ciência Política
pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, e Odilza Lines de
Almeida, graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, no dossiê
"Quem mantém a ordem, quem cria desordem: gangues prisionais na
Bahia".
A
proposta de apaziguar ânimos, no entanto, não foi adiante por muito tempo.
Muito
menos, a de controlar Pitty.
Força
dele só crescia.
Passa
a figurar como mandante da maioria das grandes ações criminosas de Salvador.
"Passa
a figurar" não quer dizer toda a verdade.
Parecia
estar havendo um complexo jogo entre a polícia e as facções.
Nem
Pitty era bom moço.
Nem
a polícia era essa lisura toda.
À
polícia, era confortável atribuir tanto crime a ele.
De
dentro da prisão, ele comandava tudo.
Assim,
não adiantava procurar culpados - era ele.
Será?
Na
verdade, o discurso camuflava a incompetência da Segurança, incapaz de
investigar os crimes.
Um
monstro fora criado.
Jaciara
começou a cavar um encontro com o monstro...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Soube depois
que Pitty incomodava tanto por saber demais. Não que ele fosse santo...
Jaciara Santos: Almiro Lopes
se liga, maluco. Já já chega nossa aventura com Pitty.
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Emiliano José
29
de março de 2022
Jaciara Santos:
decepção no cara a cara com o superbandido
Jaciara
começou a procurar maneira de entrevistar Pitty.
Sempre
bom estar face a face.
Conhecer
o personagem por detrás da fama.
Quem
era esse monstro?
Ao
cobrir a rebelião de 2003, consegue o telefone dele e de algumas outras
lideranças do movimento.
Jaciara
estabelecera alguma intimidade com os presos.
Volta
e meia recebia ligações deles.
Rendiam
boas pautas.
Erival
Guimarães, editor de Jaciara, cunhou epíteto sobre ela:
“Jaci,
a rainha dos detentos”.
Com
alguma razão.
Reparem:
nos telefonemas, boas conversas, nenhum dos presos usava o nome real.
Falou
com Pitty algumas vezes sem saber fosse ele.
Cuidados
dos presos para dificultar identificações caso as ligações estivessem
grampeadas.
Preso
não pode dar bobeira.
Já
na área, já sabendo tratar-se de Pitty, começou a sondá-lo:
-
Estou querendo fazer uma entrevista com você – anunciou.
Ele
não negou de pronto.
Porém
estabelecia condição:
-
Entrevista só acontece, mana, se a direção do presídio autorizar.
Esta,
a primeira.
Havia
outras.
O diretor,
consultado, se mexeu na cadeira pra lá e pra cá, tomou um gole d’água, um
cafezinho, fez minuto de silêncio, e depois enumerou um bocado de regras de
segurança, e afinal cedeu.
Não
pensem seja fácil assim.
Passou
muito tempo em compasso de espera.
E
nada de a entrevista sair.
Não
podia ser um dia qualquer.
Devesse
ser aquele escolhido pelo diretor.
Teria
de se adequar ao ritmo das marés.
Prisão
– o sistema prisional – é terreno instável.
Às
vezes, está tudo uma impressionante calmaria, e de repente a cadeia vira.
Vira
um inferno.
Experimentei
um desses vira – creio em 1972, nós presos políticos quietos em nossa galeria,
e de repente, noite, a cadeia virou, pegou fogo literalmente, colchões jogados
no pátio do Corpo IV da Lemos Brito, incêndio pra todo lado, grades arrancadas
na mão grande pelos presos, gritaria dos infernos, e o presídio tomados pela
população carcerária.
Pelo
respeito desfrutado com os presos comuns, fomos consultados se a nossa galeria
devia ser arrebentada também.
Patrício,
um dos presos amigos, nos consultou.
-
Não, respondemos.
-
Se vocês fizerem isso, vão atribuir a rebelião a nós.
Respeitaram.
Galeria
F restou intacta.
Adiantou
não: diretor quis atribuir aos comunistas, nós, a direção da rebelião, cuja
duração deve ter sido de uns dois dias ao menos.
Colou
não.
Enfim,
a Jaciara só restava aguardar.
Chegou
a desanimar.
Tempo,
tempo, tempo, passou foi tempo, e quase três anos depois Jaciara recebe um
telefonema.
Era
uma tarde de maio de 2006:
-
Pode vir conversar com Pitty.
Assim
de chofre.
Maguila,
o fotógrafo Almiro Lopes, pegou às pressas o material, e os dois seguiram para
a Mata Escura, a toda velocidade.
No
caminho, Jaciara pensava.
Não
tinha ideia, tanto tempo passado, como seria a entrevista, qual o tom a ser
dado a ela.
Não
iria passar pano.
Porém
não queria também apontar o dedo.
O
diretor recebeu os dois, ofereceu cafezinho e água.
Bate
papo sem maiores consequências.
A
espera parecia uma eternidade, mas nem foi tanto tempo assim.
Meia
hora depois de chegar ao presídio, estava cara a cara com Pitty.
Surpresa
total: viu-se diante de um rapaz simplório, aparência tímida, nada a lembrar o
“dono da cadeia”, o monstro criado pela polícia e de alguma forma pela própria
mídia, nada parecido com o superbandido capaz de decidir vida e morte na prisão
e fora.
Jaciara
não disfarçou a surpresa:
-
Então você é o famoso Pitty?
Ele,
sagaz, reagiu:
-
É. Estão me fazendo famoso, já viu?...
Jaciara
ainda atônita.
Olhava,
olhava para o entrevistado.
Não
acreditava fosse ele.
Na
imaginação dela, Pitty era outra figura, nunca aquela.
Ela
própria criara um personagem de ficção.
Na
imaginação, outro estereótipo...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Graça Azevedo: E aí?
Emiliano José: amanhã tem
mais..
Jaciara Santos: como se diz nas quebradas, "tenha suas
calma, mana" kkk
Graça Azevedo: Suspense!!!!
Emiliano José: Graça, e a
vida? Não é permanente suspense? Sempre o diabo na rua no meio do redemunho?
Graça Azevedo: É verdade.
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Emiliano José
30
de março de 2022
Jaciara Santos:
santo, não, mas
pagar pelo que
não fiz, também não
Olhava
e olhava para aquele jovem.
Não
era ele.
Ecoava
na mente a resposta dele:
-
É, estão me fazendo famoso, já viu?
Percebia,
a modo dele, a sociedade do espetáculo e suas manhas.
Não
era famoso.
Fizeram-no
famoso.
E
quem?
A
mídia, açulada pela polícia.
Diante
dele, ela se perguntava:
-
Cadê o bandidaço criado por mim, por minha imaginação?
Não
estava ali.
Já
vira fotos dele na ficha criminal - close de frente e de perfil, com número de
identificação.
Não,
não era ele.
Tudo
que é sólido desmancha no ar.
Imaginem
os devaneios da imaginação.
Dissolvem-se
no ar diante da realidade.
Alto,
magro.
Sem
tatuagens à vista.
Limpo.
Fala
mansa.
Voz
baixa.
A
fala, entremeada de pausas.
Fosse
um jeito, fosse interpretação.
O
silêncio, talvez espaço pra pensar.
Ela
o olhava, reolhava, todo interesse para desvendá-lo, acostumar-se com a
realidade diversa daquela mantida até ali pela imaginação.
Bermuda
floral: fundo branco, flores azuis.
Repórter
gosta de detalhes.
Camisa
branca, com ilustração discreta.
Cabelo,
barba e cavanhaques bem aparados.
Adereços?
Nenhum.
Não
fossem as algemas a lhe prender as mãos, não fosse o local, Pitty passaria por
um rapaz de bem.
Nada
nele denunciava o monstro sobre quem pesavam tantas e tão graves acusações.
Bem,
vamos ao trabalho – ela pensou.
É
com este que eu vou – não posso me valer mais de toda a construção imaginária
anterior.
Jovem
de 25 anos.
Já
contabilizava alguns anos no sistema criminal.
Começou
cedo.
A
estreia: um assalto a ônibus em 1999.
Dali
em diante, adeus liberdade.
Falava
com alguma tranquilidade, ajudado pelas pausas:
-
Dos 18 anos pra cá eu fiquei só dez meses fora da cadeia.
Disse
isso sem rancor durante a entrevista de mais de uma hora.
Não
recuou diante de nenhuma pergunta.
E
havia algumas obviamente embaraçosas.
Como
a atuação à frente da maior boca de fumo em atividade no presídio.
Ou
de estar por trás da matança associada ao tráfico de drogas em vários pontos de
Salvador.
-
Todo mundo diz que Pitty tem meio mundo de armas, meio mundo de droga.
Pausa.
Respira
fundo.
-
Onde estão as armas?
-
Cadê a droga?
Pedia
provas, não convicções.
Seguia
assim, durante a entrevista.
Calmo.
Controlando
a situação.
Controlando-se.
Às
vezes, besta não era, tornava-se evasivo.
Sem,
no entanto, negar as acusações.
Rechaçava
o envolvimento em uma ação, de modo categórico.
Neste
caso, nem pausa fez.
Não
teve nada a ver com o assalto ao Bradesco do Canela, de fevereiro de 2005.
Na
ação, morreram três policiais militares.
Garantia:
esteve fora dessa.
Jaciara
argumentou:
-
Segundo a polícia, uma escuta telefônica flagrou o momento em que você, de
dentro do presídio, teria coordenado toda a ação executada por comparsas seus.
Mal
acabou, e ele retrucava, sem titubear:
-
Que escuta, pelo amor de Deus?
-
O próprio DPT já disse três vezes, três vezes, que a tal fita não tem condições
de ser periciada.
-
É uma fita que não pode ser periciada que me liga a esse assalto?
Jurava
de pés juntos: jamais iria autorizar o assassinato de policiais.
Apresentava
argumento de peso: respeitava a PM porque o pai era policial militar reformado.
Com
um pai da PM, iria mandar matar policiais?
-
Não, mana, isso eu jamais faria...
“Não sou santo, só não aceito pagar pelo que
não fiz”.
O
título da entrevista, publicada pelo Correio da Bahia, página 14, em 14 de maio
de 2006, um domingo.
Passado
pouco mais de um ano...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: "Pedia
provas, não convicções". Ah! Se todos agissem assim.....se é que vocês me
entendem
Graça Azevedo: É desanimador
pagar pelo que não se fez.
Jaciara Santos: Graça Azevedo
sem dúvidas!
Jaciara Santos: Pitty sabia
demais. Era preciso mantê-lo sob corda curta, do contrário, a casa cairia...
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Emiliano José
31
de março de 2022
Jaciara Santos:
fuga e morte de Pitty
Há
fugas controversas.
Desconfiança
– fugas a gerar desconfianças.
Pitty,
de acordo com o noticiário da época e informações da polícia, fugiu da prisão.
Pouco
mais de um ano depois da entrevista dada a Jaciara.
A
data da fuga: 26 de junho de 2007.
Versão
oficial: rapaz teria cavado um túnel e se jogado no mundo.
Há
outras versões.
Há
quem garanta até hoje ter saído pelo portão principal do complexo prisional.
Às
vezes, polícia arma uma fuga.
Facilita.
O
sujeito nem percebe.
A
fuga pode ter sido a preparação de um cenário de execução.
Sujeito
criava problema demais para a polícia.
Havia
algum tempo, eleito o inimigo público número um.
Garantir
tenha sido armação, ninguém garante.
Desconfiar,
muita gente.
A
caçada feroz começou logo depois da controvertida fuga.
Era
matar ou matar.
Nenhuma
contemplação mais.
Passado
pouco mais de um mês da fuga, ele é passado na bala: 6 de agosto de 2007.
História
oficial: morreu após confronto com policiais militares e civis, na BA-522,
município de Candeias, Região Metropolitana de Salvador.
Boletim
de ocorrência informava ele ter sido baleado no tiroteio.
Conseguiu
escapar, vocês sabem, o homem era esperto e perigoso.
Embrenhou-se
matagal adentro.
Localizado
horas depois, levado ao posto médico Luiz Viana Filho, já chegou morto.
Eu
me impressiono com a semelhança das histórias contadas pela polícia.
Tudo
igual – sempre.
Jornal
“A Tarde” informava no lead, edição de 6 de agosto:
“O
traficante Eberson Souza Santos, 27 anos, conhecido como Piti, foi morto pela
polícia na madrugada desta segunda-feira, 6, após perseguição iniciada na noite
de ontem, no município de Candeias, Região Metropolitana de Salvador. Piti foi
morto a tiros num sítio depois de ter escapado de perseguição iniciada próximo
à cidade de Feira de Santana”.
Na
primeira abordagem, informa o jornal, na manhã de domingo, polícia matou outros
dois “integrantes da quadrilha comandada pelo traficante”.
Erivaldo
Bispo Bonfim, 29 anos, e Erisvaldo Assis Santana, 27, dirigiam um Ford Escort,
foram abordados, reagiram, e foram mortos – simples assim, sempre a mesma
história. E no carro polícia encontrou duas pistolas, munição, R$ 2.800,00 em
dinheiro, pulseiras e correntes.
Outros
dois homens estavam num Fiat Siena, entre eles Pitty – teria recebido um tiro
no peito, e as balas teriam ainda praticamente decepado a mão dele.
Teria
conseguido furar o cerco, e fugir para um sítio em Caboto, distrito de
Candeias.
Polícia,
no encalço.
Cercado
na madrugada, novo confronto, e ele atingido por uma saraivada de balas.
Na
narrativa policial, baleado como estava, reagiu – sempre a mesma história.
Sujeito
está morrendo, mas morre sempre atirando.
Mesmo
com a mão decepada.
É,
aquele rapaz cordato com quem Jaciara se encontrara, aquele rapaz bem
articulado, calmo, ponderado, estava morto.
Polícia
quando mata um Pitty finge comemorar como se fosse o fim da organização
criminosa à qual pertencia.
Nesse
caso, o fim do Comando da Paz.
Do
que se sabe, a organização criminosa continua firme e forte.
Dentro
e fora do sistema prisional.
Ainda
detém com mão de ferro o controle de boa parte do tráfico de drogas em
Salvador.
Nota
de pé de página sobre o nome tornado famoso.
Nome
dele, de batismo, é Eberson Souza Santos, mas Pitty tem grafia controversa.
Aparece
como Pit
Ou
Piti.
Jaciara
quando da entrevista, perguntou:
-
Qual Piti devo usar?
-
Pitty – com dois t e y.
Morreu
Pitty
Ao
menos na escrita de Jaciara.
Outra
nota de pé de página: os mortos tinham praticamente a mesma idade: jovens
girando em torno de 27 e 29 anos.
Essa
matança segue até os dias atuais.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Não é mera
coincidência
Jaciara Santos: E Pitty levou
para o túmulo muitas histórias escabrosas envolvendo gente tida como acima de
qualquer suspeita. Cala-te boca!
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Emiliano José
1º
de abril de 2022
Jaciara Santos:
malandro é malandro, mané é mané
Em
dezembro de 2003, vocês se lembram, já contamos, houve uma guilhotina no
Correio.
Três
cabeças rolaram.
A
partir daí, Jaciara passa a fazer a cobertura factual.
Cobrir
o dia a dia da violência urbana.
Fazer
a ronda, no jargão do jornalismo policial.
Checar
postos policiais dos hospitais de referência no atendimento a emergências como
o Hospital Geral do Estado (HGE), na avenida Vasco da Gama.
Mais:
no Hospital Roberto Santos, no Cabula.
Ernesto
Simões Filho, no Pau Miúdo.
E
ainda, Eládio Lassére, em Águas Claras.
Os
livros desses hospitais costumavam gerar boas pautas.
Ao
menos naquela época.
Talvez,
é muito provável, o advento da informatização tenha aposentado essas velhas
fontes de informação.
Quando
se afirma boas pautas, no caso de polícia, não quer dizer boa coisa.
Outras
fontes primárias eram o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues e as delegacias
especializadas e circunscricionais.
O
Nina Rodrigues pautava cenas de crime: por meio do setor de remoção de
cadáveres, os repórteres iam direto ao local dos homicídios.
Era
possível, então, acompanhar a perícia, pegar informações oficiais, conversar
com testemunhas.
O
reportariado procurava obter dados para compor a história, juntar elementos
para escrever a matéria.
Nas
delegacias, reportagem pegava flagrantes, casos sob investigação, e algumas
informações em off capazes de gerar matérias.
Os
repórteres de polícia trocavam figurinhas sobre o factual.
Conversavam
entre si, sem reservas.
Não
havia a concorrência acirrada existente em outras editorias.
-
Era como se a violência nos nivelasse, fazendo com que fôssemos solidários uns
com os outros - explica Jaciara.
Havia
também relação cordial com alguns policiais, acostumados a avisar repórteres
sobre um ou outro caso importante.
A
Delegacia da Sétima Circunscrição Policial (a Sétima DP) era um celeiro de boas
informações.
Situada
no boêmio Rio Vermelho, abarcava áreas consideradas nobres - Ondina e Pituba,
por exemplo.
Mas,
mantinha sob sua juridisção áreas muito pobres, bolsões de miséria como Vale
das Pedrinhas, Nordeste de Amaralina, Alto de Santa Cruz.
À
frente do Serviço de Investigação da Sétima DP, estava o lendário comissário
Paulo Portela, sujeito de baixa estatura e enorme coração, na definição de
Jaciara.
Filho
de policial.
Vinha
de berço sua dedicação à polícia.
Era
definido como um cão perdigueiro.
Astuto,
tinhoso.
Comia
reggae de senhor ninguém não.
Malandro
é malandro, mané é mané.
Não
era mané.
A
simples menção do nome dele fazia suspeitos de crime temerem.
Não
sei se essa fama correspondia a um bom sujeito.
Mães
de adolescentes infratores o procuravam.
Ajudasse
a colocar os filhos na linha.
Como,
não sei.
Era
assim.
Segunda-feira
modorrenta, num dia de 2004, Jaciara liga para a Sétima...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Até eu que
nunca fui da editoria conhecia Portela, e a fama. Era realmente uma referência,
único nome que gravei das poucas coberturas policiais que acompanhei. Lembro
que ele também perdeu um filho
Graça Azevedo: Portela pegou
o assassino do meu menino. Foi ao julgamento. Uma pessoa educada, solidária.
Jaciara Santos: Portela é uma lenda. É o cara!
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Emiliano José
2
de abril de 2022
Jaciara Santos:
o sumiço da moça
Corria
o dia 22 de março de 2004.
Segunda-feira
modorrenta, nada acontecia.
Jaciara
resolve ligar para o comissário Paulo Portela.
Quem
sabe, surgisse alguma pauta interessante.
-
E aí, Popó, novidades na área? O dia tá tão fraco.
Ele,
voz anasalada, tão característica:
-
A gente tá aqui com o caso de uma moça desaparecida.
Fez
uma pausa, e prosseguiu:
-
Mas eu acho que é mais do que isso.
Jaciara
se mexeu na cadeira:
-
Como assim?
-
Passe aqui, que a gente conversa. O pessoal d'A Tarde' tá por aqui...
Jaciara
não se entusiasmou.
Segunda-feira,
vai que a moça mergulhou numa balada e ainda não voltou...
É,
mas jornalista pensa duas vezes.
Pensou:
Portela não é Mané, não iria me dizer para ir até a delegacia não fosse algo
importante.
Aquele
“acho que é mais do que isso” não foi à toa.
E
com A Tarde lá, melhor seguir para a delegacia.
Seguiu,
e foi logo entrando na sala onde Portela e outros investigadores conversavam.
A
um canto, algemado com as mãos para trás, um jovem bem apessoado, mulato claro
de olhos verdes, aparência tranquila.
Adriano
Silva Aragão, suspeito de envolvimento no sumiço de Elaine Souza Nascimento,
20, ex-namorada dele.
A
moça saíra de casa, no Vale das Pedrinhas, na sexta-feira, 19, à tarde, para
atender uma suposta convocação de emprego.
Não
retornou e não deu notícias.
Familiares
se preocuparam.
Ela
não costumava dormir fora, nem ficar tanto tempo sem fazer contato.
Dias
antes, revelara a pessoas próximas ter recebido ameaças de Aragão, inconformado
com o término do relacionamento, cuja duração chegara a nove meses.
Queria
por que queria reatar o namoro, e desenvolveu uma implacável tática de assédio.
Elaine,
no entanto, irredutível.
Descobrira:
o rapaz tinha três filhos e mantinha relação estável com a mãe das crianças.
Soube
mais: o moço registrava passagens na polícia por roubo e porte ilegal de arma.
Não,
não daria sequência à relação.
Pôs
ponto final.
Quando
saiu de casa na sexta-feira, informou à família ir para o bairro de Armação,
orla marítima de Salvador, onde aconteceria a entrevista de trabalho.
Após
o desaparecimento dela, familiares foram ao local indicado por ela, e
constataram a inexistência de qualquer empresa no local.
Alguma
coisa estava errada.
Sinal
vermelho.
Familiares
peregrinaram por hospitais, pelo Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, numa
busca desesperada.
Nada.
Então,
resolvem registrar o sumiço da moça na polícia.
Primeiro,
no Departamento de Polícia Interestadual (Polinter), depois na Sétima
Delegacia.
Ainda
no sábado, Paulo Portela inicia as investigações.
Acompanhado
de dois agentes, vai à casa de Elaine.
Encontra
Aragão confortando a família.
Já
sabiam do rompimento da relação.
De
modo a não espantá-lo, Portela diz necessitar dele na delegacia para colher
algumas informações.
Aragão
saltou logo:
-
Não tenho nada a ver com o sumiço de Elaine. O último contato que tive com ela
faz mais de 60 dias.
Portela
e colegas anotaram essa primeira mentira: namoro terminara havia apenas um mês.
Outro
deslize: embora tenha negado contato recente com Elaine, disse à mãe dela,
Ivana Souza, ter recebido uma ligação telefônica da moça na sexta-feira, por
volta das 18hs.
As
suspeitas sobre ele cresciam.
Jaciara
voltou para a redação intrigada.
E
cética quanto ao envolvimento de Aragão.
Ele
negava com muita veemência conhecer o paradeiro da moça.
Portela
e equipe o acusavam abertamente de envolvimento...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Um caradura e
me engabelou direitinho... Pronto, Graça Azevedo , já dei spoiler
Graça Azevedo: Vou continuar
acompanhando! A prosa de Emiliano é envolvente. E tudo que diz respeito a vc é
importante.
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Emiliano José
3
de abril de 2022
Jaciara Santos:
repórter de polícia e as armadilhas
Primeira
matéria de Jaciara sobre o sumiço da moça é publicada no dia 23 de março de
2004.
Página
5 do Aqui Salvador, no Correio:
"Jovem
some misteriosamente e polícia suspeita de homicídio".
Jaciara
já era experiente.
Tinha
noção: repórter policial precisa refrear emoções.
Evitar
o tanto possa envolver-se com as fontes.
Não
deixar se levar pela correnteza das aparências.
Sabia
também: nem sempre é possível.
Em
algumas ocasiões, e quem não?, deixou de lado a isenção.
Nem
diz ter sido opção baseada no princípio
da presunção da inocência.
É
artigo muito citado, artigo quinto, inciso LVII da Constituição Federal de
1988:
"Ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Quando
deixou a isenção de lado, o fez por ingenuidade ou por acreditar nas negativas
de autoria de um ou outro suspeito.
Terêncio,
filósofo anterior a Cristo, dizia: nada do que é humano me é estranho.
Quase
a estabelecer um princípio: o da desconfiança diante do ser humano.
Saber
das trapaças do ser humano.
Jaciara
queria acreditar nas juras de inocência.
Surgiam
como verdadeiras, tal a ênfase dos acusados.
Confessa:
maioria das vezes, julgamento dela estava errado.
No
decorrer das investigações, as pessoas julgadas inocentes por ela eram
desmascaradas.
Ficava
com a cara no chão.
Foi
aprendendo.
Quem
está em privação de liberdade, costuma se declarar inocente.
Jura:
é um injustiçado.
Preso
por engano.
Vítima
de perseguição policial.
Praxe.
Parte
do jogo.
Claro
- pode haver erro, pode acontecer de pessoas inocentes serem presas.
Acontece.
Mas,
o jogo habitual não é esse.
Então,
ao repórter de polícia cabe fazer a apuração a mais cuidadosa possível, ouvir
as partes envolvidas, contar a história, e tomar cuidado até tirar conclusões.
Matéria
publicada, dia 23, Jaciara volta à Sétima Delegacia.
Adriano
Silva de Aragão continuava como principal suspeito.
E
se mantinha firme na negativa da autoria do desaparecimento da moça.
Estava
já à vontade.
Conversou
com os jornalistas.
Disse
ter sido dele a iniciativa de terminar o namoro.
Razão:
a pressão de Elaine para assumirem um compromisso mais sério.
Ele,
rapaz sério, não se sentia maduro o suficiente para deixar a mulher e os três
filhos.
Não
estava preparado para dar esse passo.
Optou
por manter o casamento.
Fez
confidência: Elaine chegara a engravidar.
Abortou
um filho dele...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
4
de abril de 2022
Jaciara Santos:
ex-namorado era o assassino
Na
conversa com os jornalistas, Aragão se dizia injustiçado e admitiu a
possibilidade de processar a polícia logo sua inocência fosse comprovada.
Matéria
do dia seguinte de Jaciara:
“Ex-namorado
de garota desaparecida é investigado”.
Como
ilustração, retrato de Elaine, cedido pela família, e foto de Aragão, feita por
Maguila, o veterano fotógrafo Almiro Lopes – página 7, do Aqui Salvador.
Jaciara
começava a se inquietar.
Cheia
de dúvidas.
Chama
Paulo Portela a um canto, valendo-se da intimidade adquirida ao longo das
muitas coberturas, e pergunta:
-
Popó, você tem certeza de que esse rapaz está envolvido no sumiço da moça?
O
policial não reluta:
-
Jaciara, eu estou lhe dizendo: ele é o cara. Eu já tenho tudo. A gente vai
chegar lá. Me aguarde.
Entre
os repórteres, ouviram essa conversa ela e Cristovaldo Rodrigues.
Ela,
pelo Correio.
Ele,
jornal A Tarde.
Nessa
época, ela dividia a atuação no jornal com o trabalho na assessoria de imprensa
da Defesa Civil de Salvador.
Pela
manhã, Correio.
À
tarde, Codesal.
Mesmo
fora do horário da atividade jornalística, costumava monitorar os casos mais
relevantes.
A
tal cachaça – jornalismo é uma cachaça, vício.
Estava
pensando no caso da moça desaparecida, da Elaine, naquela tarde, 24 de março do
ano da graça de 2004.
Intrigada.
Telefone
toca, Portela:
-
Jaciara, eu não disse a você que Adriano era o cara? O seu santinho acabou de
dar o serviço. A gente tá indo agora fazer o levantamento do corpo da moça.
Boquiaberta.
Estarrecida.
Não
queria acreditar.
Fora
do horário de trabalho dela, coube ao repórter Deodato Alcântara acompanhar o
desfecho do caso.
Dia
seguinte, 25, manchete da página de Segurança:
“Localizado
corpo de jovem estrangulada pelo ex-namorado”.
O
lead era conclusivo:
“Desaparecida
desde a manhã de sexta-feira passada, a jovem Elaine Souza Nascimento, 20 anos,
foi encontrada morta e enterrada em cova rasa, num matagal ao fundo do Motel
Del Rey, bairro de Armação, ontem à tarde. Seu ex-namorado, Adriano Silva de
Aragão, 34, o segurança clandestino Antônio José Teles Pessoa, 40, e o
adolescente G. J. S., 17, confessaram o crime e estão presos na Sétima
Delegacia (Rio Vermelho).”
Jaciara
não tinha mais dúvidas – não tinha mais o direito de tê-las.
Dia
seguinte, cobriu o sepultamento de Elaine e depois voltou à Sétima Delegacia.
Tentar
falar com Aragão.
Tinha
de olhar nos olhos dele de novo.
Ver
se a inocência que pensara ter visto nos dias anteriores continuava ali.
Com
raiva, é, Jaciara estava com raiva.
Está
certo: repórter não deve se envolver emocionalmente com os casos, mas ela
estava com raiva, muita raiva.
Por
ter sido ludibriada.
Nada.
Não
pôde olhar nos olhos dele.
Aragão
não quis conversa.
Dia
seguinte, matéria principal da página de Segurança, feita por ela, leva o
título:
“Polícia
acredita que jovem pode ter sido enterrada viva”.
E
o subtítulo:
“De
banho tomado e roupas limpas, assassino se negou a depor ontem, dando um show
de arrogância”.
O
lead de Jaciara mandava isenção às favas, fugia às regras do chamado bom
jornalismo.
Era
um desabafo:
“A
máscara de dissimulação sob a qual o assaltante Adriano Silva de Aragão, 34
anos, vinha se escondendo desde que passou a figurar como principal suspeito de
envolvimento no sumiço da ex-namorada Elaine Souza Nascimento, 20, finalmente
caiu por terra ante as evidências de ter sido ele o autor do assassinato da
moça. Mas ainda não foi dessa vez que ele revelou sua verdadeira face.
Impossibilitado de continuar arguindo inocência, o bandido agora tenta erguer
um muro de arrogância em torno de si e avisa: ‘Só falo em juízo!’. A polícia
suspeita que a vítima foi enterrada viva”.
Expressava
a raiva, a frustração por ter acreditado em Aragão.
Diz
hoje:
- Olhando para trás, não me sinto confortável
ao ler esta abertura de matéria.
Mas,
reflete:
-
A tão propalada isenção no jornalismo é uma falácia.
Justifica-se:
-
E, desde que não venha a prejudicar alguém – o suspeito confessou o crime, a
polícia reuniu todas as evidências que confirmavam a autoria – acho que seja
uma reação válida. Humana, afinal de contas. A prova de que o jornalista não é
uma máquina de noticiar fatos, mas gente como qualquer pessoa.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Quando a gente
olha pra trás, vê que fez coisas das quais não se orgulha. Mas, fazer o que,
né? É a imperfeição, talvez, o que nos torna tão human@s...
Mônica Bichara: Pois eu me
orgulho cada vez mais da repórter humana que vc sempre foi. O texto transmite a
revolta do momento, a indignação diante de tanta frieza e de ter sido
engabelada pelo "santinho de pau oco"
Jaciara Santos: valeu, cumádi.
Mas que dá uma certa vergonha dá. Por outro lado, é como falei pra Emiliano:
isso prova que somos seres humanos. Com todas as imperfeições inerentes ao
estágio evolutivo de cada um.
Graça Azevedo: Quem nunca,
minha amiga? Boa manchete! Lava a alma.
Isabel Santos: Com certeza,
querida. Mas que vc é uma aguerrida, não tenho dúvida. Grande profissional, que
nos orgulha.
Jaciara Santos: você é da área, irmã. Isso lá é lead que se
escreva?... Onde a isenção, a imparcialidade?
Mas...
Jaciara Santos: Graça, mas a história não acabou, viu? Pensa
que já viu tudo? Sabe é de nada...
Graça Azevedo: Viuxe! Toca o
bonde, Emiliano!
--------------------------------------------------------
Emiliano José
5
de abril de 2022
Jaciara Santos:
maldade humana
Depois
do enterro de Elaine, um grupo de moradores do Vale das Pedrinhas foi à 7ª
Delegacia agradecer a Portela pela elucidação do crime.
Os
moradores, comovidos com a dedicação do policial.
Aplaudido
e carregado nos ombros.
Celebridade.
Ele
próprio registra:
-
Foi uma das coisas que mais me emocionaram em minha vida. Só fico sentido de
não poder ter evitado a tragédia que aconteceu na família.
Um
dos casos mais marcantes ao longo dos 44 anos de Polícia Civil vividos por ele.
Jaciara
é repórter.
Levantava
a história, tanto tempo passado.
Perguntava-se.
Os
autores continuavam presos?
Teriam
sido julgados em júri popular?
Por
onde andaria Adriano Aragão?
Melhor,
volta ao velho Portela.
Liga
pra ele.
Levou
susto de cair o queixo.
Aragão
morrera em 2009.
Suicidou-se.
Não
fica por aí: matou-se após cometer mais um feminicídio.
Contemos
o caso como foi.
Sujeito
estava em liberdade provisória.
Aguardava
julgamento pela morte de Elaine.
Já
eram decorridos cinco anos desde a morte da moça.
Processo
se arrastava.
Defesa
entrou com pedido de habeas corpus, arguindo excesso de prazo na prisão.
Ele
acabou liberado.
Prova
provada: cadeia não endireita ninguém – Aragão voltou a matar.
A
matar outra mulher.
Era
o dia 4 de maio de 2009.
Esfaqueou
Jaqueline Mendes Cerqueira, 30 anos, com quem vivia.
De
modo a ter certeza de tê-la matado, garantia de que não sobreviveria, Aragão,
não contente com as facadas, empurrou Jaqueline da laje da casa em que viviam,
à Rua do Oriente, 191, na Fazenda Grande do Retiro, bairro da periferia de
Salvador.
A
laje ficava num terceiro andar.
Consumado
o feminicídio, ele, arrependido, ingeriu o raticida conhecido como chumbinho.
Socorrido,
levado ao Hospital Roberto Santos, morreu por volta das 21,30hs do dia 5 de
maio.
Jaciara
foi atrás do andamento da ação penal a envolver Elaine.
Continuou
a tramitar na 2ª Vara Sumariante do Júri.
A
sentença de pronúncia, do juiz Ernani da Silva Garcia, deu-se em 9 de dezembro
de 2010, um ano após a morte do autor do crime.
Deveria,
vivo estivesse, ser julgado pelo Tribunal do Júri.
Em
31 de maio de 2011, após conhecimento oficial da morte de Aragão, a Justiça
encerrou o processo.
Assim,
ninguém chegou a responder em juízo pelo assassinato, até porque o juiz isentou
o segurança Antônio José Teles Pessoa de participação no crime.
Não
é de todo improvável continue Jaciara a se perguntar como foi acreditar na
inocência do rapaz.
Como
ele foi capaz de envolvê-la.
Quase
saiu dos eixos, a produzir um lead tão raivoso.
Quanto
mais vive, mais vai compreendendo: ser humano abriga sempre o médico e o
monstro, o bem e o mal.
A
depender de inúmeras circunstâncias, pode matar.
Até
mais de uma vez.
Como
neste caso.
E
o homem, o macho, pode dar-se a matar mulheres.
Como
neste caso.
E
com tantos casos diários a se repetir neste Brasil cheio de misoginia.
O
fato: essa cobertura ensinou-a um pouco mais sobre o gênero humano.
Ah,
e teve o confronto final.
Noite
de 5 de maio de 2009, e Paulo Portela vai ao Hospital Roberto Santos buscar
informações relacionadas a uma investigação em andamento.
Ao
chegar, vê uma equipe do SAMU prestando socorro a um paciente em estado grave.
Curioso,
se aproxima: era o velho conhecido dele, Adriano Aragão.
Portela
o algema para evitar fuga após o atendimento:
-
Horas depois, a médica que atendeu Adriano Aragão me ligou informando que ele
tinha ido a óbito.
Retorna
ao hospital.
Para
recuperar o par de algemas.
E
ter certeza de que Aragão não mais cometeria feminicídios.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Lamentavelmente,
aos olhos da Justiça terrena, este caso ficou impune. Mas, eu creio, da justiça
divina (a verdadeira justiça) ninguém escapa. E os autores desse crime hediondo
vão, sim, prestar contas por seus atos na instância maior. Eu acredito.
Graça Azevedo: Queria ter essa certeza. Mas, me esforço.
Grande
Portela! Pena que a nossa justiça (minúscula proposital) não esteja a altura
dele.
----------------------------------------------------
(Coluna À Queima Roupa, no Correio da Bahia)
Emiliano José
6
de abril de 2022
Jaciara Santos:
À queima roupa
Agosto
de 2008.
Jornal
Correio da Bahia passa por profunda transformação.
De
cara, a empresa de consultoria em mídia Innovation, contratada pra criar o novo
projeto gráfico, reduz o logotipo para Correio*.
Jaciara
revela nunca ter entendido a razão do asterisco em vermelho.
A
reforma não era apenas gráfica.
Além
de mudar o formato de standard para berliner, o jornal alterou a estrutura
editorial, linguagem e conceito.
Standard,
para leigos, é o formato mais habitual de jornais, de tamanho maior. Berliner,
ligeiramente maior do que o tabloide.
Encerrou
algumas editorias tradicionais como Cidade, Política, Segurança, Economia.
Maioria
dos assuntos factuais passa a ser registrada na seção 24h.
Jaciara
anotando.
Tudo
quase telegráfico – um ou dois parágrafos.
Mudança
de paradigmas:
-
Uma tortura para quem, como eu, não lida bem com o poder de síntese. Nada de
textões no dia a dia.
Emplacar
matérias no espaço nobre da seção “Mais” era uma luta.
Naquela
seção, como sugere o nome, era possível conseguir algumas letras a mais, um
tantinho fosse já agradava ao repórter, mas isso era uma luta, dependia da
aposta ou da boa vontade dos editores.
Jaciara
volta no tempo, ao velho Correio da Bahia.
Promovida
a subeditora, deixou a rotina de matérias do dia a dia.
Só
em casos especiais, o editor Erival Guimarães a liberava para ganhar as ruas,
reforçar a reportagem.
Frustrante:
Jaciara gosta mesmo é de escrever, apurar, investigar, produzir.
Supriu
essa carência, essa frustração, ao assumir a coluna À Queima Roupa (AQR), cuja
finalidade era abordar bastidores da polícia. Afloravam curiosidades, denúncias
inconfidências.
Criada
por Guimarães, o editor, a AQR deveria ser alimentada por todos da equipe da
editoria de Segurança.
A
ela cabia o texto final das notas.
Gozava
de toda liberdade.
Podia
recorrer à sátira o quanto quisesse.
No
meio do caminho tinha uma pedra.
Os
repórteres, envolvidos com a produção diária, não tinham tempo ou disposição
para catar assuntos.
Jaciara
teve de se virar nos trinta: assumiu produção, redação e edição do espaço.
À
Queima Roupa virou a “coluna da Jaci”.
Com
a reforma do jornal, a coluna ganhou status de blog.
E
bem visitado.
Virou
fonte de referência.
Sem
espaço para o noticiário policial no novo jornal, Jaciara publicava no AQR
várias informações exclusivas.
A
editoria de Segurança fora extinta, mas ela mantinha as fontes dela.
Em
maio de 2009, pouco mais de um ano após a reforma, Jaciara foi dispensada.
Jornalismo
é a porra: muito difícil você se livrar dele.
Vício.
-
Mesmo saindo do jornalismo policial, não conseguia que o jornalismo policial
saísse de mim – Jaciara confessa.
Propôs
um acordo com o gestor de conteúdo eletrônico: mesmo fora do jornal, manteria o
blog.
Custo
zero para a empresa.
Acordo
a satisfazer ambas as partes.
Ela,
fazendo uma coisa a lhe dar prazer.
O
jornal, mantendo um produto que lhe interessava.
Arranjo
deu certo.
Mais
ou menos.
Como
ela não tinha mais acesso à área de postagem, dependia do pessoal do jornal
para atualizar o blog.
Pessoal,
maioria de estagiários.
Não
havia boa vontade.
Difícil
haver: além da produção de rotina, galera tinha de fazer a edição do AQR com o
material mandado por Jaciara.
Às
vezes, a atualização demorava cinco, dez horas.
E
isso depois de uma conversa dela com o coordenador.
Uma
chateação.
Pra
ela e para os jornalistas e estagiários.
Começou
então a pensar, a acalentar o sonho de lançar um blog independente.
Fora
da plataforma do Correio.
Encontra
Daniel Bagdeve no Shopping Iguatemi – erro sempre o nome, é Shopping da Bahia.
Fala
de seus desejos, e Bagdeve dá força.
Fera
em tecnologia da informação, ele se dispôs a cuidar da parte técnica:
-
Cuide do conteúdo, eu cuido do resto.
Sopa
no mel.
Reúne
pequeno grupo de amigos e amigas, marido, filho, filha, e dá a ideia:
-
Não tenho dinheiro pra pagar ninguém. Quem topa embarcar nesse sonho? Entrar
grana, a gente divide.
No
dia 5 de junho de 2009, era registrado o domínio do À Queima Roupa.
Três
semanas depois, é iniciada a publicação dos primeiros posts...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: O AQR fez
história, muita saudade. Foi uma das melhores iniciativas que vi nascer no novo
momento do jornalismo e tenho esperança que ele volte a brilhar. Textos
maravilhosos de Jaciara, Flávia Vasconcelos (originou um livro lindo de
Flavinha), Matheus Moraes, Luciana.....Abade.....Vamos repensar, comadre, conte
comigo. O AQR era parceiro do nosso Pilha Pura, lembra Joana D´arck?
Jaciara Santos: Emiliano , eu
tbm só falo Iguatemi. Usei Shopping da Bahia somente por se tratar de escrita
formal kkkkkkkk
Matheus Morais: Que saudade!
AQR foi uma grande escola e minha grande oportunidade de aprender com Dinha,
essa jornalista imensa! Para sempre, seu aluno!
Mônica Bichara: esse puxa-saco
de Dinha foi uma das grandes aquisições do AQR. E um amor do jornalismo que eu
herdei
Jaciara Santos: era uma equipe
e tanto, hein? E nossas rondas, lembra? Aquelas ações corpo a corpo nas noites
do Dois de Julho, no Garcia, Red River e tals?... Saudades. Obrigada por ter
sonhado aquele sonho junto comigo. Loviú.
Isabel Santos: Tive o prazer
imenso de ir ao lançamento do blog, que muito colaborou para informação da
sociedade, engrandecimento da categoria... Foi um momento ímpar, mais um passo
firme da minha amiga/irmã, dessa comadre retadona. Sua equipe era dez. Muitos
textos lindos publicados. Só aplausos por ela não ter desanimado, deixando sua
criatividade e persistência falarem mais alto.
Matheus Morais: E nossa
entrevista com Dona Canô. Cobertura de Parada Gay, Carnaval! Grandes momentos.
Inesquecíveis. Te agradeço eternamente
Jaciara Santos: sim, sim.
Mudança do Garcia, Dona Canô maravilhosa (como não lembrar?), e o programa
(podcast) de futebol, meu Deus! Riachão... Os personagens do "Gente é pra
brilhar"...
Matheus Morais: ave Maria. Que
saudade
Matheus Morais: Amo vc,
Moniquinha! Saudade!
Jaciara Santos: Mônica feche
sua cara! O Gordelícia é todo da Dinha.
Mônica Bichara: Jaciara vc que
lute, fia
Graça Azevedo: Jaciara
empreendedora! Multimulher. Vale o neologismo.
Jaciara Santos: que nada,
sócia. Só me dei bem como empreendedora mesmo foi na nossa sociedade. Taí
Mônica que não nos deixa mentir.
Graça Azevedo: Vc fez algo diferente. É o maior ganho.
E
a nossa sociedade, secreta e limitada, é o meu maior lucro.
Mônica Bichara: pois é, sócia, ela é modesta. Vamos lançar a
campanha pela reedição do AQR
Jaciara Santos: pensando forte
nisso, né Dani Daniel Bagdeve ?
Graça Azevedo: Mônica, conte
comigo!
Alba Lucinia: Muito bom!
Ainda tem o blog?
Jaciara Santos: não. Mas, quem
sabe, um dia...
Alba Lucinia: tomara!
Daniel Bagdeve: Foi um grande
prazer Jaci. Precisamos resgatar toda a base de dados do AQR e subir em algum
lugar mesmo que em formato diferente. Assim que possível vou fazer isso.
Jaciara Santos: poooooooxa seria um presente e tanto, meu
filho!
Daniel Bagdeve: Jaciara pode
crer, vai rolar
Fábio Brito: Bons tempos!
Saudades, minha amiga!
Ewerton Monteiro: Caramba! Que
tempo bom… que saudade…
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Emiliano José
7
de abril de 2022
Jaciara Santos:
equipe do zero em finanças
Jaciara
foi justa, correta: agradeceu ao Correio pelo tempo de permanência na
plataforma dele.
E
mergulhou fundo no AQR dela.
Sim,
sim: agora ela tinha um blog.
"Um
blog pra chamar de meu" - comemorava.
Ela
e equipe entraram no ar de forma discreta.
Não
havia recursos para investir em publicidade.
Reduzidos
ao boca a boca.
Ainda
assim, ganharam visibilidade.
Afinal,
tinham um diferencial: conteúdo próprio, matérias originais, articulistas
exclusivos.
Nada
do copia e cola do jornalismo eletrônico.
Ao
citar nomes, sempre arrisca-se a esquecer alguém.
Mas
viver é arriscoso, e é preciso viver.
Lembra
da equipe de primeira hora: jornalistas Arlita Santana, Flavia Vasconcelos,
Matheus Morais, Paulo Cezar Soares.
Os
não jornalistas: Bel Batista (designer), José Abbade (poeta e publicitário),
Luciana Rodrigues (estudante de Psicologia), Leonardo Aguiar (também estudante
de Psicologia), Paulino José (estudante de marketing) e Sávio Santana
(publicitário).
Ah,
e havia ainda o time de articulistas fixos.
Entre
elas e eles, Aline Alves (publicitária), Antônio Jorge Ferreira Melo (coronel
da reserva da PM-BA, professor universitário, especialista em Segurança
Pública), Osvaldo Emanuel Alves (advogado, professor de direito penal,
ex-diretor do Presídio de Salvador), Valdir Barbosa (ex-delegado da Polícia
Civil) e Valter Souza Menezes (tenente-coronel da PM-BA, especialista em
Segurança Pública).
O
foco principal era Segurança Pública, mas o AQR abordava temas de interesse
geral também.
As
seções tinham títulos provocativos, interessantes.
Na
"Marca do pênalti", esporte.
"Gente
é pra brilhar", perfis de pessoas anônimas com destaque na comunidade
delas.
"Não
ria que é sério", histórias pitorescas da vida real.
"Banho
de Sol", espaço para a poesia.
Após
seis meses no ar, concluíram: hora do lançamento oficial do AQR.
Dia
3 de dezembro de 2009, na Sala de Arte do Museu Geológico, no Corredor da
Vitória.
Presença
de umas 150 pessoas.
Ponto
forte do lançamento, a mesa-redonda "Criminalidade e Direitos Humanos na
Mídia".
Mediação
da Jornalista Kardé Mourão, então presidente do Sindicato dos Jornalistas da
Bahia.
Debatedores,
advogado Augusto Bonfim de Paula, militante de Direitos Humanos, comunicador
social e arte-educador Hamilton Oliveira (o DJ Branco) e o lendário delegado
José Magalhães, veterano da Polícia Civil, notável por fazer a linha
"bandido bom é bandido morto".
AQR
foi uma experiência muito rica.
Gratificante,
dirá Jaciara.
Retorno
financeiro, zero.
Referência
na blogosfera, equipe da porra.
Ninguém,
no entanto, com capacidade mínima para conduzir as finanças...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: No lançamento
oficial destaco, com emoção, a presença de minha tia Elita Costa, personagem de
uma linda matéria de Jaciara no AQR, coluna Gente é pra brilhar, pelo
lançamento do seu livro autobiográfico Retalhos Coloridos, aos 83 anos. Não só
participou animada de todo o evento, como levou livros para sortear. Ela
permanece a mesma mulher retada, conectada nas redes sociais - marca ela aí,
prima Elizabeth Oliveira (não consegui marcar), aos 95 anos
Graça Azevedo: Se já houvesse
a nossa sociedade o dinheiro ia chegar. Não é Mônica Bichara? Vamos fazer o
milagre da ressurreição.
Matheus Morais: E os textos
que a gente produzia, as aventuras... A gente não desperdiçava nada. Nem tempo
e nem aprendizado. Uma saudade grande, gigante! Obrigado, Dinha!
Jaciara Santos: Matheus, e as
reuniões de pauta? Tudo era motivo de festa. As ações que fizemos (era assim
que chamávamos o trabalho de divulgação corpo a corpo?), as rondas, a Copa
2010...
Matheus Morais: Tudo era mesmo
uma festa! Amava demais
Mônica Bichara: Tenho fotos do
grupo todo com a camiseta do Brasil e a logomarca do AQR. Aliás, ainda tenho a
camiseta, guardada com carinho
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Emiliano José
8
de abril de 2022
Jaciara Santos:
estômago revirado...
As
poucas publicidades conseguidas permitiam apenas o pagamento dos custos de
manutenção e um estagiário de
jornalismo.
O
blog fez reportagens memoráveis.
Dona
Canô abriu as portas da casa dela em Santo Amaro, numa manhã de sábado, maio de
2010, e aconteceu uma das últimas entrevistas dela.
Boa
parte dos perfis da seção "Gente é pra bilhar" deu origem ao livro de
estreia da jornalista Flavia Vasconcelos.
O
livro foi publicado em julho de 2016, teve prefácio da própria Jaciara:
"Antônimos - Narrativas de vida e arte".
O
AQR permaneceu no ar por três anos.
Em
julho de 2012, convidada a trabalhar na TV Aratu, Jaciara não teve mais
condições de tocá-lo.
Cancelou
o domínio do blog.
Fim:
-
É com emoção que, durante as incursões na internet para estas memórias, tenho
encontrado referência ao meu blog. Tanto em matérias jornalísticas como em
trabalhos acadêmicos. Isso para mim não tem preço.
Mergulha
no tempo, e matéria do blog reproduzida pela revista Fórum, de 24 de maio de
2012, um pouco antes do fim, vem-lhe à mente.
"De
belas e feras".
A
revista titulou de outra forma:
"Jaciara
Santos: O vídeo me despertou sentimento de pena: da entrevistadora, do
entrevistado, do telespectador".
Abre
o texto revelando o desconforto inafastável ao fazer qualquer matéria sobre
violência sexual.
A
dificuldade em lidar com suspeitos de estupro, principalmente quando a vítima é
uma criança.
Havia
coisa de cinco anos e ela entrevistara um pedreiro preso por estupro continuado
à filha de 11 anos.
Não,
o pedreiro não era estreante: durante anos, abusara sexualmente da filha mais velha.
Esta,
ao atingir adolescência, ganhou o mundo para escapar do estuprador.
Ela
ouviu o relato da delegada titular da Delegacia Especializada de Repressão a
Crimes contra a Criança e o Adolescente, e foi até o suspeito.
Assim,
fingindo inocência, como se nada soubesse do caso:
-
Por que o senhor está preso?
De
pronto, respondeu:
-
É que fiz umas coisas com a menina.
Jaciara,
estômago revirando, e ainda tentando revelar tranquilidade:
-
Que tipo de coisas?
Sujeito,
calado.
Respondeu
não.
-
A delegada disse que o senhor abusou de sua filha, eu não acreditei e por isso queria saber se é verdade -
Jaciara insistia.
Silêncio,
alguns segundos.
Ele
olhou diretamente para Jaciara, quase desafiador, sem deixar transparecer qualquer
emoção, e então disse:
-
Eu só estava ensinando as coisas da vida a ela.
Jaciara
gelou.
Mais
ainda quando ele completou:
-
É melhor ela aprender comigo do que com um estranho, não é?
O
estômago revirava.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Nossa! Sei bem
o impacto dessa pauta. Só sendo muito profissional para colocar a jornalista na
frente da emoção-revolta-indignação, tudo à flor da pele
Jaciara Santos: Esse
Emiliano... Sei nem o que dizer.
Graça Azevedo: Dói.
Joana D'arck: É repugnante
Isabel Santos: O meu está
revirando aqui. Muito triste. Não sei lidar emocionalmente com casos desse
tipo. Muitas vezes, evito ler, assistir ao noticiário... A não ser
profissionalmente, mas, mesmo assim, com o coração partido. Beijo, Jaci.
Jaciara Santos: Todos temos um
limite, né Bel? Esse é o meu. Até por causa de experiência traumática da
infância. Mas, como profissional, tive que encarar.
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Emiliano José
9
de abril de 2022
Jaciara Santos:
não atirar a primeira pedra
Foi
conversando.
Deparando
com a realidade da vida dos personagens.
Pano
de fundo de tudo aquilo era a miséria quase absoluta.
Família
vivia num barraco toscamente plantado numa favela às margens da avenida Ogunjá,
em Salvador, em condições sub-humanas.
Dos
quatro filhos do casal, três moravam espremidos naquele barraco.
Eram
duas meninas e um menino.
Todos
dormiam num mesmo cômodo junto com os pais, a facilitar o abuso sexual.
Foi
nesse cenário, com a muda cumplicidade da companheira, o estupro das duas
filhas mais velhas pelo pedreiro, e não seria nenhuma surpresa se ele tivesse
logo, logo o mesmo procedimento com a caçula, de oito anos.
Jaciara
saiu arrasada da delegacia.
Já
decorrera cinco anos do episódio, mas ela ainda se sentia tocada quando
lembrava.
Perguntava-se.
O
que teria acontecido com a menina abusada?
E
a menorzinha, já adolescente, teria também se tornado vítima do pai?
E
o pedreiro?
Será
que após enfrentar os horrores da cadeia na condição de estuprador, teria
continuado no mesmo caminho?
Isso
tudo voltava à memória porque, no período, vivia o caso Mirella Cunha, a
repórter capaz de humilhar um preso suspeito de estupro dentro de uma
delegacia.
No
texto, assume uma postura: não pretendia engrossar o coro de juízes da
jornalista.
A
cena de tanto desrespeito, de tanta humilhação, bizarra mesmo, não causou nela
nojo, revolta ou raiva.
Pena
– este o sentimento a invadi-la.
Da
entrevistadora, do entrevistado e, sobretudo, do telespectador.
Tratou-se,
na visão de Jaciara, “de um caso explícito de ignorância em série”.
Jaciara
desenvolve o raciocínio:
“A
jovem Mirella, usada como massa de manobra, não se percebe enquanto produto de
consumo de uma engrenagem tão bruta quanto o sistema que ela retroalimenta”.
Paulo
Sérgio, assaltante confesso, menino que nunca teve infância, “faz parte da
legião de pretos pobres da periferia (os chamados PPPs) que nascem, crescem e
morrem ignorantes de seus direitos e deveres”.
Nessa
cadeia de ignorância, o público figura como elo mais forte: não houvesse
público, “para quem essas mocinhas bonitas de cabeça oca e seus partners
truculentos iriam se exibir?”
E
Jaciara indaga:
-
O que minha entrevista com aquele estuprador confesso tem a ver com Mirella e
Paulo Sérgio?
Simples.
O
fato de aquele homem ter deixado Jaciara abalada evidencia uma coisa: repórter
tem emoções.
As
emoções podem aflorar em meio a uma reportagem.
Confessa:
ela já chorou diante de corpos jovens abatidos na chamada guerra do tráfico.
Já
perdeu o sono após entrevistar meninas vítimas de exploração sexual.
Não,
não se envergonha disso.
É
um ser humano como outro qualquer.
Com
emoções e fraquezas.
Talvez,
e só talvez, seja coisa de jornalista das antigas.
Jornalista
disposta a, mesmo sabendo a versão oficial sobre uma prisão, conhecer a visão
do preso, ouvi-lo.
Jornalista
disposta a dar a palavra a quem está cerceado, impedido de usá-la.
Jornalista
incapaz de se contentar com o boletim de ocorrência.
De
tratar o preso como bandido, assim sem mais.
Incapaz
de ignorar o postulado constitucional da presunção da inocência.
De
jogar a primeira pedra.
Não
é dessas.
Jamais
será.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Boletim de
ocorrência é para os fracos, jamais ela se contentaria com isso. Por mais que
doesse o confronto com a verdade. Mas não seria Jaciara, se acomodar com a
versão oficial
Maria Alice Vieira: Parabéns, meu
lindo, saudades de jogar conversa fora
Emiliano José: Maria Alice,
também
Graça Azevedo: Emiliano, vc
conseguiu ver a aura de Jaciara!
Jose Jesus Barreto: Graça, Jaci
tem aura rósea dourada. emana.
Jaciara Santos: Graça e
Barretinho, vocês, sei não... Assim eu choro.
Graça Azevedo: Barreto, com
certeza!
Isabel Santos: "As
emoções podem aflorar em meio a uma reportagem". Sim, Emiliano José. E é
tão bom deixar fluí-las. Elas não impediram, por exemplo, que Jaci, realizasse
esse trabalho tão forte, sério, lindo.... no jornalismo policial, que merece
eternos aplausos. Humanidade no humano!
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Emiliano José
10
de abril de 2022
Jaciara Santos:
praia estranha
TV
Aratu, emissora baiana do sistema SBT.
A
casa da segunda experiência de Jaciara em jornalismo policial.
Convidada
pelo jornalista Pablo Reis, amizade nascida nos tempos do Correio da Bahia.
Assumia
com a tarefa de promover mudanças no Na Mira, programa jornalístico voltado
para assuntos de polícia, temas de segurança.
Sensacionalista,
na maioria das vezes desrespeitoso, popularesco, o programa seguia linha predominante no jornalismo
televisivo brasileiro, ressalvada uma ou outra exceção.
Esteve
no ar entre novembro de 2008 e agosto de 2015.
Ela
chegou em julho de 2012, e ficou até o final, quando o programa foi extinto e a
equipe, dissolvida.
Três
anos como coordenadora de produção.
Não
nega: aprendizado rico.
Confessa:
televisão não é a praia dela.
De
início, sentiu muitas dificuldades.
Não
é nada fácil libertar-se do ranço do impresso.
Enfrentar
outro meio, com gramática bem diversa.
Gozava
do respeito e da confiança dos chefes, Pablo Reis e Christiano Caldeira.
Contudo,
não se sentia confortável.
E
tem mais: a equipe de repórteres e
cinegrafistas resistia a qualquer tentativa de mudança.
Era
ela entregar uma pauta com abordagem diferente, e sentia o clima pesar.
-
Deixava claro que não estava disposta a
sair da zona de conforto do formato conhecido para se aventurar por um terreno
inexplorado.
Tem
outra coisa: produzir não lhe dava prazer:
-
Eu preciso executar, fazer, ter o protagonismo, ir a campo, sentir os fatos,
escrever.
Não
arrodeia:
-
Poucos trabalhos feitos na TV me deram a sensação de retorno.
Idealizava
uma pauta, produzia, e as entrevistas resultavam aquém das expectativas dela.
A
edição passava longe do imaginado e a exibição, muitas vezes, frustrante.
Tem
uma opinião: público de programas desse gênero não se sente atraído por
matérias investigativas ou bem apuradas.
-
Contenta-se com o escracho, o sangue jorrando, a briga de vizinhos, a baixaria
explícita.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Esses gostam
das pautas que pingam sangue, nunca consegui assistir. É o tipo de
"jornalismo" que não merece e dispensa o profissionalismo de Jaciara.
Humanizar a pauta é tudo que eles não querem
Jaciara Santos: A experiência
em TV foi, como na canção, "um rio que passou em minha vida" e não me
deixou saudade.
Isabel Santos: Acho que vc
passou poucas e boas, quanto ao emocional, por não poder concretizar suas
ideias, né, Jaci?. Mas foi crescimento porque conviveu com outros pensamentos.
Não tenho dúvidas que vc fez o que foi possível.
Jaciara Santos: foi uma
experiência enriquecedora, sem dúvida. Mas sofrida. Muito sofrida.
Antonio Pastori: Só não podemos
confundir esse tipo de troço com o fazer TV verdadeiro. Há uma distância
abissal entre a produção de conteúdo autêntica e esse tipo de rasura
---------------------------------------------------
Emiliano José
11
de abril de 2022
Jaciara Santos:
de frutos doces e amargos
Na
cobertura policial, especialmente nos programas de televisão, o factual das
delegacias, as operações policiais, ganham amplo espaço em detrimento de
assuntos de relevância social.
Não
se quer, com abordagens jornalísticas inteligentes, ir às causas, averiguar
porque tanta violência.
Pretende-se
deixar o sangue jorrar.
Algumas
operações policiais eram, e são, realizadas apenas para alimentar o noticiário
dos programas de televisão acostumados com tal rotina.
Aqui
e acolá já escrevi sobre isso, revelando a estranha simbiose entre jornalistas
e policiais.
Por
tudo isso, Jaciara não se entusiasma ao falar do período do exercício do
jornalismo policial na televisão.
Foram
15 anos de jornalismo policial, nove dos quais no Correio, sem e com asterisco.
Ao
longo da jornada, ganhou a antipatia de muitos policiais.
Natural.
Mas
conquistou o respeito de tantos outros.
Da
vida.
Até
hoje, colhe frutos.
Alguns,
doces.
Outros,
amargos.
Jamais
engoliu versão oficial sem questionar.
Nem
transigiu com a ilegalidade para obter informações privilegiadas.
-
Afirmar que um suspeito de crimes foi morto por policiais em uma troca de
tiros, levando em conta apenas as informações do boletim de ocorrência? Jamais.
Ouviu
e guardou lição recebida na primeira entrevista com o editor de Segurança
Erival Guimarães, no dia 20 de maio de 2000: nada de jornalismo chapa branca,
nada de tomar como verdade o que a polícia diz, sempre procurar descobrir a
verdadeira história por detrás do BO.
Com
essa orientação, ao ser apresentada a alguém sob custódia, costumava perguntar
como e por que ele ou ela estava ali.
Passou
alguns perrengues por isso.
Perguntou
o que quis.
Ouviu
o que não quis.
Uma
historinha só.
Domingo
pela manhã.
Plantão
modorrento.
Daqueles
a cobrar iniciativa do jornalista para encontrar alguma coisa aproveitável.
Vale
até atropelo de formiga:
-
Dou-me conta agora. Calmaria não é praia de repórter de polícia. Se estiver bom
pra todo mundo, está péssimo para a categoria.
Mexe
pra lá, mexe pra cá, e Jaciara, querendo sacudir aquele domingo, toma
conhecimento de um suspeito de tráfico preso na Nona Circunscrição Policial, na
Boca do Rio...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Graça Azevedo: E....??????
Emiliano José: amanhã tem
mais..
Jaciara Santos: quer spoiler, sócia?
Jaciara Santos: também
conhecido como "mantenha sua calma..."
Mônica Bichara: Segure seu BO
q aqui num é bagunça não
Jaciara Santos: deixe ela...
Yana Rúbia: O que fez essa
grande jornalista Jaciara Santos conquistar meu respeito e admiração foi
justamente a responsabilidade na verdade dos fatos. Não é apenas falar, é o investigar
deixando a emoção e falando com a razão.
Jaciara Santos: Yana Rúbia
minha irmã, eu fico até sem graça. Porque, sem falsa modéstia, apenas faço e
fiz o que aprendi como certo. E aprendi, graças a Deus, com as pessoas certas.
Obrigada pelo carinho.
Tatiana Guimarães: Excelente
profissional. Compromisso e responsabilidade com a verdade. Te admiro demais!!!
Jaciara Santos: Tatiana, o que
eu sei dessa área aprendi com o maior de todos: nosso Erival Guimarães .
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Emiliano José
12
de abril de 2022
Jaciara Santos:
porra de jornalista!
Então
havia aquele sujeito suspeito de tráfico na Nona.
Jaciara
e fotógrafo se mandaram para a Boca do Rio.
Ia
pensando no caminho: qualquer ocorrência pode dar bela matéria.
Antes
mesmo de saber a versão oficial, chega à delegacia e se dirige ao suspeito.
Melhor
assim: não se contamina com a versão oficial.
Homem
na casa dos 50 anos, fisionomia maltratada pelo sol.
No
chão, a um canto da parede, mãos para trás.
Algemado
a um jovem de 20 e poucos anos.
Adianta
pergunta:
-
O senhor está aqui por quê?
Gostou
não, o sujeito.
Fuzila
Jaciara com os olhos, devolve pergunta:
-
Você é advogada?
Jaciara,
surpreendida com o tom raivoso, responde:
-
Não, sou jornalista, e queria...
Não
deixou ela continuar:
-
Vá se fuder.
Ela,
assustada.
Ele
prossegue:
-
Porra de jornalista!
Jaciara,
olhos arregalados, e o cidadão não parava:
-
Eu quero é advogado. Tomar no cu...
Xingava
que xingava, um palavrão atrás do outro.
E
se mexia, assim como se quisesse voar em cima dela.
Assustada,
compreendeu: melhor botar a viola no saco.
Recolheu
caneta e caderno de anotações, e partiu em direção à sala do delegado.
Que
jeito, né?
Dessa
vez, nada de bela matéria.
Melhor
recolher a versão oficial.
O
que restava.
O
chamado outro lado, tão valorizado por quem leva a profissão a sério, botou ela
pra correr.
Da
vida.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Pronto, sócia ,
o desfecho nada bonito da história kkkkkk
Graça Azevedo: Sócia, vc é
muito corajosa. E phyna. Nem disse "vá você"!
Mônica Bichara: kkkkkkkk não
disse, mas pensou
Jaciara Santos: que nada,
sócia....eu fiquei foi escabriada.
Graça Azevedo: Jaciara Vc é
moça educada.
Jaciara Santos: deu tempo nem
de pensar nada. Saí foi escarrerada. Chispei, vazei...
Graça Azevedo: Como diria
Franciel Cruz , nosso provedor de originais, "no que obrou muito
bem".
Paulino Jose Dos Santos: como diz o
velho ditado "não futuque cobra com vara curta"... Aí o romantismo da
profissão cai por terra kkkk
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Emiliano José
13
de abril de 2022
Jaciara Santos:
apenas uma jornalista das antigas
Fazer
o dever de casa, fácil.
Sabia
jogar o jogo, e jogava.
Dificuldade
maior era de fora para dentro.
Trabalhava
num jornal da família do então todo-poderoso senador Antonio Carlos Magalhães
(1927-2007).
Ela
tinha consciência dessa circunstância, como não teria?
Um
sujeito autoritário como ACM deita raízes.
Institui
uma cultura.
Muita
gente o copiava.
O
guarda de esquina se considerava o tal.
E
queria também abusar da autoridade autoconcedida.
Fontes
ligadas ao carlismo eram mais reais do que o rei.
Jaciara
viveu situações constrangedoras devido a tal cultura.
Numa
coletiva, ela ouviu uma vez:
-
O pessoal do Correio é da casa. A gente conversa com mais calma depois.
Algumas
vezes, perguntavam por ACM.
Em
outras ocasiões, a fonte dizia, simplesmente, querendo aparentar intimidade:
-
Diga ao senador que mandei um abraço.
Jaciara,
moça educada, mas incapaz de deixar nada sem resposta, reagia:
-
Não tenho contato com o senador. Trabalho no jornal.
Eram
reais as dificuldades de trabalhar num jornal como aquele, onde um espectro
pairava.
No
caso da editoria de Segurança, Jaciara destaca: não se passava a mão pela cabeça
das autoridades policiais, não se chancelava condutas ilegais só para ficar bem
com a fonte.
Confessa:
-
Hoje sinto uma espécie de vergonha alheia diante da forma como os fatos
relacionados à violência urbana são noticiados. Principalmente em meios como a
televisão e a internet.
A
grande maioria dos repórteres se limita hoje a copiar o boletim de ocorrência
das delegacias - é a impressão dela:
-
Até porque, não raro, reproduzem ipsis litteris expressões e gírias do jargão
policial, como a desrespeitosa "CPF cancelado".
A
expressão significa a morte de um suspeito de crimes, quase sempre abatido pela
polícia.
Jaciara,
ainda nova, mas de estrada longa, pergunta-se:
-
Esse desconforto pode ser um sintoma de que estou ultrapassada, de que fiquei
presa ao passado? Dificuldade de lidar com o novo? Saudosismo.?
Talvez,
diz.
-
Mas, juntando o pensamento do meu saudoso amigo e mestre Erival Guimarães com a
poesia do eterno Raulzito, definiria meu sentimento sobre o atual jornalismo
policial em uma frase: Não quero ter uma opinião formada sobre tudo. Sou apenas
uma jornalista das antigas.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: É isso. Acho
que pendurei as chuteiras na hora certa. Não me enquadro nesse "novo
jornalismo" que é o dono da bola atualmente. Como dizia Erival Guimarães,
sou jornalista das antigas.
Graça Azevedo: Uma grande jornalista.
Atemporal.
Antonio Pastori: Já virou
costume encontrar nos textos em jornais ou sites e narrativas em TVs expressões
de boletins de ocorrência e “muletas” rasas como “o mesmo” e outras bizarrias
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Emiliano José
14
de abril de 2022
Jaciara Santos:
fama de mau, cara de bom moço
Às
vezes, ela canta.
No
chuveiro.
Ou
na pia.
Eu
prefiro ser
Essa
metamorfose ambulante
Eu
prefiro ser
Essa
metamorfose ambulante
Do
que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do
que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Jaciara
se recorda sempre de Raul Seixas.
Às
vezes, com ele, quer dizer o oposto do que dissera antes.
Quem
sabe o que é o amor?
Com
ele, canta: eu nem sei quem sou.
Se
hoje eu sou estrela
Amanhã
já se apagou
Se
hoje eu te odeio
Amanhã
lhe tenho amor.
Lhe
tenho horror.
Melhor
isso do que viver congelada naquela velha opinião formada sobre tudo.
Por
isso, diz, com tranquilidade, sou uma jornalista das antigas.
E
ser das antigas não a leva a estar parada no tempo.
E
nem aceitar novidades mais velhas que novas.
Às
vezes, volta no tempo.
Talvez
seja acusada de ser moça nostálgica.
Pouco
se lhe dá.
Volta
a 6 de agosto de 2007, uma segunda-feira.
Na
redação, recebe pelos peitos a morte de Pitty, baleado e morto pela polícia em
Candeias no dia anterior.
Fizera
entrevista exclusiva com ele no ano
anterior, de página, ele preso.
Quisesse
ou não, havia algum tipo de relação.
Propõe
a Erival Guimarães fazer um perfil de Pitty, Eberson Souza dos Santos.
O
editor aceitou.
Coração
na mão, sentou e escreveu.
No
dia 7, sob o título "Fama de mau, cara de bom moço", o texto de duas
colunas, de cima a baixo da página 5, ao lado da reportagem sobre a morte,
assinado por ela.
Na
abertura do texto, voltam as imagens da entrevista do ano anterior.
Aquele
rapaz jovem.
Magro,
alto.
Cara
de bom moço, quase de enternecer.
Nenhuma
tatuagem à vista.
Cabeça
quase raspada.
Barba,
bigode e cavanhaque rentes,
Visual
longe do espetacular, discreto.
Voz
baixa.
Pausada.
Surpreendeu-a
por tudo e por roupas e unhas imaculadamente limpas.
Um
rapaz latino-americano de 25 anos.
Já,
naquele maio de 2006, inimigo público número um.
A
ela, nele, nada pareceu assustador.
Mais
para um jovem comum, com uma bermuda floral e camisa de malha branca.
Lembrou-se
do médico e do monstro, Dr. Jekyl e Mr. Hyde.
Tentava
decifrá-lo.
E
agora, aquelas fotos, ele morto, nunca mais aquela voz pausada, tranquila.
Tentou,
no texto, recuperar a trajetória dele, conhecida por ela de cor e salteado...
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Não canso de
repetir: Pitty morreu porque sabia demais. Era um arquivo ambulante que
precisava ser queimado.
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Emiliano José
15
de abril de 2022
Jaciara Santos:
a vida por um tênis
É
recorrente.
Jaciara
sempre pensa no destino dos meninos.
Aqueles
com quem conviveu na escola.
Das
redondezas, dos becos, das quebradas.
Eles
despedindo-se das mães para chegar à escola, a mesma frequentada por ela, nas
beiradas de São Caetano, Fazenda Grande, Alto do Peru, Capelinha de São
Caetano:
-
Deus te abençoe, meu filho.
Parece
ouvir as mães.
Lembra-se
sempre da alegria deles.
Da
inocente malandragem de cada um.
Dos
jogos de sedução da adolescência.
E
eles lhe vinham à mente sobretudo depois da intensidade da cobertura policial.
Dia
a dia, contemplava cadáveres de jovens, desovados em cantos solitários da
periferia, a polícia sempre falando em resistência ou em conflito de facções.
Ela,
não comendo nada.
Tudo
isso vinha à tona, agora com o assassinato de Pitty.
Tudo
isso voltava à mente enquanto escrevia o perfil dele.
A
trajetória podia ser outra.
Não
foi.
Não
seguiu o caminho do bom menino.
Não
obstante fosse filho de policial militar.
Ou
quem sabe por isso, vá lá saber.
Começou
como ladrãozinho pé-de-chinelo.
Coisa
de moleque.
Travessuras.
Assaltar
ônibus em Salvador.
Ele
e tantos colegas recém-saídos da adolescência.
Não
por precisão - puro desejo de aventura.
E
essas saídas às vezes era por um tênis - ele, Pitty, confessava.
Via
um tênis na vitrine, e chamava os meninos para uma empreitada em ônibus, e logo
estava com o tênis nos pés.
Por
que só bacana podia usar?
Não
tivesse dinheiro, só ir buscar.
O
risco é gostar do jogo.
Gostou.
E
logo ganhou cadeia.
E
depois da primeira temporada de prisão, entre 1999 e 2002, sentiu-se pronto
para ações mais arrojadas.
Cadeia
serve para isso.
Prepara
o sujeito para o crime.
É
boa escola.
Ela
se pergunta, enquanto escreve: quantos daqueles meninos com quem conviveu na
periferia de Salvador, na escola, não tiveram o mesmo destino de Pitty?
Não
tem resposta.
Em
3 de abril de 2002, Pitty sentiu-se um cowboy no sertão baiano.
Ele
e amigos vão para uma parada das boas: assalto ao Banco do Brasil de
Xique-Xique.
Botaram
a mão em R$ 114 mil.
Nada
de um simples tênis mais...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
16
de abril de 2022
Jaciara Santos:
provável queima de arquivo
Nem
sempre o crime compensa.
Polícia
caiu em cima.
Quando
tem banco no pedaço, o buraco é mais embaixo.
Pitty
e seu grupo foram mexer com coisa sagrada.
Assaltozinho
aqui, outro acolá, vá lá.
Mas
mexer com o capital financeiro, aí venha não.
Equipe
do delegado Hélio Jorge Paixão, então coordenador do Centro de Operações
Especiais da Secretaria de Segurança caiu em campo com gosto de gás.
Time
do Pitty foi esfacelado.
Quatro
dos acusados tombaram.
Mortos.
Pitty
e os demais, presos.
Barra
pesou.
Não
puderam desfrutar da fortuna arrecadada.
Ou
só desfrutaram de uma parte.
Dos
R$ 114 mil, polícia recuperou R$ 100 mil.
Pitty
teve um lucro: ganhou notoriedade.
Chegou
de volta ao presídio cheio de fama.
Isso,
bem aproveitado, é bom capital.
Tratou
de articular a Comissão da Paz, facção dirigida por ele.
Posto
à prova na rebelião dirigida pelo PCC em dezembro de 2003, afirmou-se:
conseguiu, como negociador, fazer com que o movimento fosse suspenso.
Dentro
e fora, liderança.
Fama
ultrapassava em muito os limites do bairro da Cidade Nova, bairro de origem em
Salvador.
Davam-no
como controlador do tráfico em vários bairros da capital.
E
vinculado a muitos crimes.
Dizia-se
dele: era discar do celular, e se matava, e se roubava, se fazia o diabo.
Se
verdade, se fantasia, ninguém sabe.
O
sabido: conseguiram construir uma espécie de inimigo público número um.
Marcado
para morrer.
Provável
soubesse demais, conhecesse de segredos do próprio aparato policial, e a
permanência dele vivo não era recomendável.
Um
dia fugiu, facilmente, inexplicavelmente, em 26 de junho de 2007.
Uma
fuga providencial.
Um
mês e pouco depois, é fuzilado.
Jaciara
conclui o perfil:
-
Ele não era santo, como admitia. Mas teria sido o maestro da macabra sinfonia
que vem embalando a guerra do tráfico em Salvador e RMS nos últimos cinco anos?
Só o tempo dirá.
#MemóriasJornalismoEmiliano
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Emiliano José
17
de abril de 2022
Jaciara Santos:
jornalismo policial, escola da vida
Quando
cheguei à redação da Tribuna da Bahia, final de outubro de 1974, recém-saído da
prisão, a editoria de Polícia era quase clandestina.
No
sentido de que a maioria não dava atenção a ela.
Salvo
por Lula, o editor.
Pense
num sujeito simpático, sorridente.
Nem
parecia lidasse com o crime todo dia.
Creio,
ele pode confirmar, Zé Fernandes também trabalhava por lá.
Tomando
por mim, abria o jornal todo dia, e nem olhava para a página de polícia.
Talvez,
admito, fosse um problema meu, resistência a quaisquer assuntos referentes à
polícia.
Ditadura,
prisão haviam me vacinado.
Lembro
de Moacir Ribeiro, no Jornal da Bahia.
Experiente,
cheio de manhas, simpático também.
Nunca
nem pensei em um dia ser repórter de polícia.
Besteira.
As
confissões de Jaciara me deram lições.
É
das páginas policiais as revelações mais profundas sobre o médico e o monstro,
sobre o gênero humano.
É
das páginas policiais as revelações mais transparentes sobre o nosso racismo
estrutural.
Delas,
emerge a nossa estrutura social tão obscena, tão desigual.
Nossa
estrutura judiciária, a valer para alguns apenas.
Hoje
compreendo o dito de Pedro Agostinho, famoso professor devotado à causa
indígena: dizia ser a página de polícia a primeira a ser lida por ele, pelos
ensinamentos profundos dela.
Sempre
me rebelei, e continuo me rebelando, contra os programas sensacionalistas de
nossas televisões, dados a massacrar negros, jovens e pobres presos, inocentes
ou não.
Nunca
aceitei a impressionante cumplicidade de jornalistas e policiais, um amálgama a
confundir um e outro durante ações espetaculares por nossas favelas, morros,
becos, onde sempre jorra sangue.
Como
não aceito a desculpa de isso ser feito porque o povo gosta de sangue.
Pode
até ser, é o gênero humano.
Mas,
imagino, e defendo, seja também tarefa do jornalismo a educação, o fomento à
cultura, a disseminação do respeito aos direitos humanos.
Como
creio ser possível o desenvolvimento de programas jornalísticos na área da
segurança pública muito mais humanos, respeitosos.
E
criativos.
Tudo
isso, sei, Jaciara tentou.
Não
foi moída pela máquina de jorrar sangue.
Resistiu.
Manteve-se
digna.
Espinha
ereta, coração tranquilo.
Foi
fiel aos colegas de escola, aqueles meninos da Fazenda Grande, São Caetano,
Capelinha de São Caetano.
Nunca
foi cúmplice de queima de arquivos.
Da
desova de tantos corpos pelas periferias de Salvador.
Como
não aceitou policiais serem falsamente incriminados.
Justa,
procurou sempre manter-se assim.
Sofreu,
errou, chorou, como qualquer um o faz.
A
profissão foi escola da vida.
De
modo especial, jornalismo policial.
Generosa
escola.
Com
ensinamentos pra jamais esquecer.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Mônica Bichara: Esse
complemento da trajetória de Jaciara no jornalismo não poderia ficar de fora, é
um resgate importante e pouco visto pela editoria de segurança, a famosa
"página policial", onde ninguém quer aparecer. E foi também o
reconhecimento de outra carreira fundamental no setor, a de Erival Guimarães.
Belo trabalho, Emiliano. As comadres vibram
Graça Azevedo: As sócias
também.
Mônica Bichara: verdade, sócia
Jaciara Santos: Sei nem o que
dizer. Só consigo pensar em agradecer pela oportunidade de revisitar este
recorte da minha vida profissional. Foi muito bom olhar pra trás e ver meus
erros e acertos. Mas, sobretudo, foi muito bom poder homenagear as pessoas que
me ajudaram nessa caminhada, entre as quais destaco Erival, Demóstenes, Moacyr,
professor Jorge, Pablo, Christiano, minha troupe do AQR, delegado Walter
Seixas, Portela e tantos outros personagens que desfilaram aqui neste espaço.
Muito obrigada.
Emiliano José: Agradecimento,
meu. Beleza de protagonista. Desculpe as ousadias.
Isabel Santos: Pois é,
mestre. E sua pena poética nos fez vivenciar momentos emocionantes desse outro
momento ímpar dessa competentíssima, séria, responsável... profissional, minha
querida amiga/irmã/comadre/colega, Jaci.
Jaciara Santos: Antonio Jorge
Ferreira Melo só gratidão ao senhor e a toda a equipe.
Graça Azevedo: Jaciara é um
ser humano especial. Isso fez, e faz, toda a diferença.
Jaciara Santos: Graça você é
uma das gratas surpresas que a vida me trouxe
Graça Azevedo: É recíproca. ❤
Antonio Lima Capila: Parabéns pelo
excelente texto reflexivo!
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Emiliano José
18
de abril de 2022
Jaciara Santos:
feminicídios
Jaciara
sofreu a dor de tantas mulheres, vítimas de feminicídio.
Desde
muito jovem, desenvolveu convicções feministas.
Indigna-se
hoje ao assistir o noticiário dando conta de tantos assassinatos de mulheres
país afora.
E
olhe: há Lei Maria da Penha.
Há
mais rigor.
Há
o crime do feminicídio previsto em lei.
E
ainda assim os homens continuam matando.
Muito
antes, sem a existência ainda de leis de proteção, havia a reação das mulheres
diante de tanta violência.
Os
muros eram pichados com dizeres esperançosos:
"Quem
ama não mata".
Mata.
Diz
amar e mata.
Recentemente,
em maio de 2016, Jaciara registrava dois feminicídios na Bahia.
Cometidos
por companheiros das vítimas - dormindo com o inimigo.
Um,
em Vitória da Conquista: Jéssica Nascimento, 21 anos, grávida de quatro meses,
morreu depois de barbaramente espancada pelo namorado, o estudante de engenharia
Américo Francisco Vinhas Neto, de 24 anos.
O
outro, em Salvador: Sandra Denise Costa Affonso, morta a tiros no local de
trabalho, uma escola de crianças, pelo companheiro dela, major do Corpo de
Bombeiros Valdiógenes Almeida Júnior, alegando traição da mulher.
Isso
se repete amiúde na Bahia e no Brasil.
Apenas
entre março de 2020, mês do início da pandemia do covid-19 no Brasil, e
dezembro de 2021, foram 2451 feminicídios e mais de 100 mil estupros e estupros
de vulnerável, todas vítimas do gênero feminino.
Jaciara,
no artigo sob o título "Tese do
crime passional, o caminho mais curto para a impunidade", de 17 de maio de
2016, no bahia.ba, denuncia a evolução até chegar à morte: um
"empurrãozinho de nada", um tapa, tudo seguido de pedidos de perdão,
juras de pés juntos de que jamais se repetirão, e a mulher acredita, e depois
vem o assassinato, o feminicídio.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme o artigo de Jaciara, garantia
então: até 52% das mulheres haviam sido agredidas fisicamente pelo parceiro em
algum momento de suas vidas.
No
Brasil, ainda são números de 2016, cinco mulheres eram espancadas a cada dois
minutos.
Em
mais de 80% dos casos, o autor da agressão é o parceiro ou um ex-parceiro da
vítima - dormindo com o inimigo.
No
texto, Jaciara apontava um dado assustador: 63% das pessoas consideram que
casos de violência dentro de casa devem ser discutidos "somente entre os
membros da família".
Mais:
89% defendem que "roupa suja se lava em casa"
E
82% repetem o mantra: "em briga de marido e mulher não se mete a
colher".
Nossa
sociedade ainda deve caminhar muito, enfrentar seus preconceitos - eles ajudam
a matar.
Por
isso, compreende-se seja verdadeira a afirmação de que o grau de civilização de
uma sociedade está ligada diretamente ao grau de emancipação das mulheres.
#MemóriasJornalismoEmiliano
COMENTÁRIOS
Jaciara Santos: Por meter a
colher em briga de marido e mulher já fiz grandes inimigos. Paciência. Não
consigo ficar impassível ante a violência. Qualquer que seja o tipo de violência.
Sou medrosa, sou covarde, mas esqueço dos riscos e grito por quem não pode
gritar. Não é Mônica Bichara Isabel Santos ?
Mônica Bichara: Ô, se
é.....todo mundo deve reagir diante de violência, não podemos ser omissos e
cúmplices
Graça Azevedo: Todas temos a
obrigação de denunciar. Em briga de homem e mulher DEVE se meter a colher.
Liliana Peixinho: Nesse tripé
capenga: Família/Sociedade/Estado meter a colher, se colocar no lugar do outro,
ter a coragem de denunciar, entender e defender direitos, é dever
cidadão..Lembro bem quando lá no início dos anos 90, defendíamos direitos de
crianças e adolescentes, no então substituto do Código de Menores, o ECA, e a
leitura de próprios colegas era a "defensores de pivetes,
trombadinhas". Leis como Maria da Penha, para ser realmente efetiva, além
do citado tripé, equilibrado, exigirá muitos repórteres, cidadãos, gente de
sensibilidade e coragem como Jaciara Santos! E vamos juntas irmãs!
-------------------------------------------------------
O que falar mais depois desse belo lead, dessa linda apresentação dos textos do mestre Emiliano José sobre a trajetória no jornalismo policial da minha/nossa querida colega (pra mim mais ainda: amiga/irmã/comadre), Jaci? Você, brilhante e querida editora Monca (tbem amiga/irmã/comadre) dessa série, #MemoriasJornalusmoEmiliano é só aplausos por tanta sensibilidade, competência. Parabéns para os três. Um grande aprendizado. Simplesmente, emocionante, tudo. Amo vocês. Jaci, só orgulho.
ResponderExcluirValeu, Bel. Essa série do mestre Emiliano é realmente um teste para nossos corações. Só emoção. E quando o assunto é a trajetória da comadre Jaciara, então.....como vc diz, só orgulho
ExcluirAh, meninas, assim eu choro.
ExcluirMaravilha, reconhecimento nunca é tarde para quem faz um trabalho sério principalmente quando a protagonista vive . Show. Amei.Parabéns.
ResponderExcluirComentário postado por Regina Célia....... Valeu, Célia, brigadão pela visita ao Pilha. Verdade, essa série é um reconhecimento merecido à trajetória brilhante da nossa Jaci
ExcluirTei (Célia), obrigada. Estou muito feliz com esta oportunidade. E grata a todas as pessoas que fazem parte da minha história. Você é uma delas.
ExcluirEu estou maravilhada. Esse mergulho nas minhas memórias de repórter policial foi realmente uma viagem no tempo... Muita emoção, muitas lembranças, muita saudade. Só tenho a agradecer pela oportunidade oferecida (imposta? rs rs rs) por Emiliano de poder compartilhar essas histórias. Como se não bastasse a generosidade do autor, ainda sou agraciada no Pilha com uma edição maravilhosa (E TRABALHOSA, sem dúvida) da minha irmã gêmea e comadre Mônica Bichara. Tá rindo de que? Só porque uma é loira e a outra é neguinha pode ser gêmea, não, é? Receba pelas caixas dos peitos! Só me resta agradecer, agradecer e agradecer. A todos e todas que me possibilitaram este momento.
ResponderExcluirOxe! Quem é doido de rir? Essa irmandade é de outras vidas.....Nós que estamos maravilhados em poder compartilhar dessas lembranças. No meu caso, só reforçando ainda mais nossos laços, minha admiração pela profissional que tanto me inspirou. Tive muita sorte em começar a estagiar do ladinho dessa figura, bebendo das mesmas fontes. Te amo, comadre
Excluir