#MemóriasJornalismoEmiliano – Césio Oliveira, figura chave na “época de ouro” da TB e do JBa



Um dos “culpados” por Emiliano José passar a ser disputado pela imprensa baiana como um dos melhores jornalistas da fase dos “comunistas” nas redações, sobretudo da Tribuna da Bahia e do Jornal da Bahia, enfrentando a Ditadura Militar e, de quebra, a perseguição de ACM (o original), Césio Oliveira é figura carimbada em toda essa série #MemóriasJornalismoEmiliano. Ele não é coadjuvante, muito pelo contrário. E aqui nesses capítulos é o protagonista.

Conheci Césio desde o início da minha carreira, eu no Jornal da Bahia e ele já trabalhando em uma sucursal (acho q de O Globo). Era uma espécie de referência pra quem estava começando. Dessas que a gente treme quando é foca e encontra em entrevista coletiva.  

E recentemente reencontrei Césio e Soninha como vizinhos, grande surpresa. O mesmo sorriso carinhoso que abraça, que ilumina, que ensina, que transmite paz. Tô bem de vizinhos

·        Nessa postagem temos poucos comentários do face de Emiliano, porque os capítulos foram da fase inicial da série (de 29 de julho a 8 de agosto de 2019) e não consegui recuperar todos. Boa leitura a todos.


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(Almoço na ABI, com Rêmulo Pastore, nosso querido e inesquecível Reminho - Ô Vidão! e. Navarrinho. Do outro lado Paolo Marconi)

Emiliano José
29 de julho 2019
O Apito do Exu

Esta foi a manchete da Tribuna da Bahia, depois de um jogo em que o Bahia precisava vencer por diferença de um gol para se classificar numa competição nacional. O tricolor vencia o jogo e acabou sofrendo o empate depois que seus defensores pararam por conta de um apito vindo da arquibancada. O Apito de Exu mostra o quanto o jornal era capaz de fugir do óbvio, surpreender os leitores e, não raras vezes, esgotar edições.
O depoimento é de Césio Oliveira.
De passagem, já falei dele.
É personagem forte em minha trajetória jornalística.
Decisiva.
Me alçou, três meses e poucos dias passados, a jornalista disputado pelo mercado, quando leu minha série sobre as colônias portuguesas em processo de libertação.
Fui para o Jornal da Bahia a chamado dele, início de 1975.
É um raro jornalista.
Texto brilhante.
Bom de título, ousado.
Excelente na edição.
Vaidade, deve esconder em algum canto da alma, ninguém vê.
Bom, um sujeito bom que só ele.
Começou na TB.
Fala dela com entusiasmo: o primeiro do Brasil com impressão offset, sem as amarras das oito colunas fixas, diagramado com medidas falsas, fotos abertas, grandes, valorizadas, títulos criativos, a novidade do superlead, textos leves.
Superlead era um texto acima do corpo da matéria, espécie de resumo, indo além do próprio lead.
Comparável à TB, até ali, o "Caderno de Esportes" do "Estadão",  transformado mais tarde em "Jornal da Tarde".
Césio fala das diferenças entre "A Tarde", líder disparado de circulação e de influência na sociedade baiana então,  e a TB.
Das origens políticas, econômicas e sociais de um e de outro.
Das chefias das redações naquele momento.
Muito diferentes.
-Jorge Calmon Muniz de Bitencourt, diretor redator-chefe de A Tarde, era um homem de hábitos aristocráticos, membro ativo da elite baiana.
Além de advogado, foi Diretor Geral do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda durante a Segunda Guerra, secretário do Interior e Justiça, ministro do Tribunal de Contas do estado da Bahia , deputado e muito mais.
Quintino de Carvalho, jornalista.
Simples assim: jornalista.
Dele já falamos muito.
Césio dá ênfase ao fato de ele ter montado uma equipe cuja imensa maioria tinha menos de 25 anos, exceção feita a Misael Peixoto, chefe da Diagramação, oriundo do jornal comunista "O Momento", como Quintino, e o copidesque Felipe Jucá, que já acumulara alguma experiência.
Quintino, do que lembra Césio, não permitia a jornalistas da TB que tivessem outro emprego, sobretudo em assessorias de comunicação de empresas ou governamentais.
A TB não publicava releases, a menos que trouxessem notícia de inquestionável interesse público, isso depois de checadas e repercutida com as partes envolvidas.
É claro que, como em todas as redações, algumas notas carimbadas IP escapavam desse controle.
Para os leigos: IP é interesse do patrão.
Césio celebra a sorte de estar no lugar certo na hora certa, num jornal novo feito por jovens, circulando entre pessoas que experimentavam o amor livre, em meio aos cabeludos do movimento tropicalista  capazes de misturar valores tradicionais da cultura brasileira com manifestações estéticas radicais nas criações musicais de Caetano, Gil, Torquato Neto, Tom Zé, desfrutando do Cinema Novo de Glauber Rocha, acompanhando a explosão do movimento hippie a contestar símbolos e valores do capitalismo e a guerra do Vietnã e a provocar grandes manifestações pacifistas, quase sempre reprimidas violentamente.
Não era de celebrar, no entanto, o fato de o Brasil viver a fase mais bestial da ditadura...
#MemóriasJornalismoEmiliano
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(Essa é relíquia: Da direita para a esquerda: Miranda (Polícia de A Tarde) Césio, AglibertoLima (Bel),  Miltinho, Isabel Santos, Jolivaldo - ripongo, magro e cabeludo -, Chico Ribeiro falando. Quem identificar os demais bota aí nos comentários)

Emiliano José
30 de julho 2019
Censura das fotos de Lamarca morto

Césio constatava: quando a TB surgiu era o pós-AI-5, a fase mais bestial da ditadura, tão criminosa e efusivamente lembrada pelo atual presidente da República.
Tempo em que o filho chorava e a mãe não via.
Tempo em que as mães muitas vezes tinham sonegado o sagrado direito de enterrar os seus filhos.
A TB nasce em outubro de 1969.
Um ano depois, fui preso.
Minha mãe só foi me encontrar seis meses depois.
Tempos sombrios, a nos revisitar nos dias atuais, com novos formatos.
Césio:
-Os jovens jornalistas da Tribuna também eram monitorados pelos agentes da repressão e se esforçavam para driblar a censura.
Antônio Matos, lembrado por Césio, registra, em artigo publicado pelo site Política Livre:
"Cansei de ver, da minha carteira da chefia da Editoria de Esportes, bem em frente ao corredor, notadamente no ano de 1973, a chegada dos temíveis e pouco simpáticos censores, dirigindo-se arrogantemente ao gabinete do redator-chefe, com as notas - muitas vezes, numa tira fina de papel - que sempre começavam com um vago "de ordem superior" e, em algumas ocasiões, chegavam a fixar o período da proibição".
Gasto pelo uso e pela passagem do tempo, tenho até hoje em minha biblioteca o imperdível livro de Paolo Marconi - "A censura política na imprensa brasileira : 1968-1978", editado pela Global, a mesma editora de "Lamarca, o Capitão da Guerrilha", escrito por mim e Oldack Miranda.
Com direito a dedicatória amiga:
"Ao Zapata, você eu sei que vai gostar muito. Daí não preciso falar nada. Abraço forte de seu admirador Paolo. 29/12/80".
Lá se vão quase quarenta anos.
Nele, Paolo disseca a censura da ditadura.
Mata a cobra e... mostra a cobra morta.
Em Salvador, vamos ficar pela Bahia e especialmente pela capital, os policiais levavam as proibições chegadas da Polícia Federal a 14 órgãos de comunicação: cinco estações de rádio, seis jornais (entre os quais um semanário esportivo e um pertencente à Arquidiocese) e três estações de televisão, atingindo até um circuito fechado de transmissão de propaganda e  enlatados americanos dirigido aos passageiros da Estação Rodoviária.
Eram visitas praticamente diárias.
Um clima de terror.
Para sobreviver, a história registra, os jornais faziam malabarismos e concessões, resvalando colaboracionismo.
O arbítrio leva a isso.
Quando Lamarca é assassinado no sertão baiano, em setembro de 1971, os jornais baianos receberam a determinação de não publicar fotos do cadáver do Capitão da Guerrilha.
Acataram a proibição, mas se sentiram traídos: dia seguinte, jornais de outros Estados publicaram fotos do Capitão morto, Zequinha ao lado dele.
Então...
#MemóriasJornalismoEmiliano   
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(Filmagem de Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos,  na redação do Diário de Notícias.  Césio, Raimundo Machado e Pedro Formigli. Artistas de cinema...O figurante lá atrás é Paulo Tavares - Paulinho Bunda Podre)

Emiliano José
31 de julho 2019
Censura e medo atormentam redações

Num ofício assinado pelo presidente da Associação Bahiana de Imprensa e pelos diretores do Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia e Diário de Noticias, de 23 de setembro de 1971, dirigido ao general Argus Lima, comandante da VI Região Militar do Exército, pede-se, "para evitar discriminações", que as proibições emanadas dos órgãos de segurança tenham caráter geral e possam, assim, com tal caráter, efetivar-se, como registra e enfatiza Paolo Marconi em seu livro.
Era inaceitável para eles que tantos jornais de outros Estados  pudessem publicar as fotos de Lamarca e Zequinha mortos, e as publicações da Bahia fossem impedidas.
No ofício, argumenta-se:
"Bem sabe V.Excia. da compreensão da imprensa baiana para com os interesses da Segurança Nacional. Essa compreensão traduz o senso de responsabilidade com que ela encara a sua missão, tanto quanto reflete o seu espírito de cooperação na defesa da ordem pública  e da estabilidade das instituições. Aspecto dessa sua conduta tem sido o invariável acolhimento das solicitações que lhe chegam no sentido de abster-se de publicações prejudiciais àqueles altos interesses".
Paolo Marconi é cuidadoso na avaliação do ofício.
A atitude dos dirigentes da imprensa baiana devia ser entendida menos como uma mera colaboração ou pusilanimidade e mais como fruto "de todo um clima de opressão existente na época".
Essa situação de temor revela-se entre os próprios jornalistas: na VIII Conferência Nacional de Jornalistas Profissionais, realizada entre 23 e 27 de junho de 1971, a censura, tão evidente, é apenas palidamente sugerida:
"Envidar esforços no sentido da defesa do livre exercício profissional, hoje tão espezinhado em quase todas as partes do mundo".
No início da escalada, as proibições chegavam às redações assinadas pela autoridade de quem partia a ordem.
Naturalizada a censura, a ordem chegava apenas com as vagas fórmulas de "por ordem superior", "fica proibido".
E tais proibições foram crescendo de modo impressionante.
Paolo Marconi, num levantamento estatístico, analisou 308 proibições encontradas nos arquivos dos meios de comunicação de Salvador, cobrindo o período de janeiro de 1970 a setembro de 1974.
A porcentagem...
#MemóriasJornalismoEmiliano

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Emiliano José
1º de agosto 2019  
Ditadura, bilhetinhos, telefonemas, complacência

O levantamento realizado por Paolo Marconi abrangeu 308 proibições por parte da ditadura encontradas nos arquivos dos meios de comunicação de Salvador.
Cobre o período de janeiro de 1970 a setembro de 1974.
Sempre olho pro tempo e pros números: janeiro de 1970 cheguei clandestino à Bahia, preso em novembro do mesmo ano, setembro de 1974 saí da prisão.
O interessante nesse levantamento, apresentado ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Paris I em outubro de 1975, é a evolução das proibições sem assinatura de qualquer autoridade.
Em 1970, as proibições sem assinatura chegavam a 47,O5%.
Em 1971, elevaram-se para 63,46%.
Ano seguinte, vão a 80,77%.
Em 1973, pulam para 98,10%.
E ano seguinte, para exatos 100%!
Virou descaramento.
Naturalizou-se a censura.
Mas houve ainda outra sugestiva transformação pela qual as proibições eram transmitidas às redações, a evidenciar a naturalização da censura, a complacência da grande mídia com a ditadura.
Ressalto que isso era puxado pelos grandes jornais do Sul - isso é bem desenvolvido por Bernardo Kucinski em "Jornalistas e Revolucionários: Nos tempos da imprensa alternativa", que fala na complacência da grande imprensa com a ditadura.
A imprensa periférica seguia atrás.
A sugestiva transformação: no princípio, um agente federal levava os bilhetinhos pessoalmente, depois um simples telefonema resolvia o problema.
A PF economizava mão de obra.
Era só ligar e informar que tal assunto estava proibido, que a edição devia ser assim e assado, que tais fotos estavam proibidas.
Por telefone, amordaçava-se toda a imprensa brasileira.
Havia exceções:
-Há jornais e revistas que realizam a autocensura de modo a merecer até elogios das autoridades. Optaram pela autocensura como solução cômoda. Não publicam um comentário, uma só notícia que, de algum modo, possa suscitar o desagrado daqueles que tutelam a imprensa.
São palavras de Júlio Mesquita Neto, diretor de O Estado de S. Paulo, em 1973. Ninguém desconhece que o Estadão participou ativamente das articulações que redundaram no golpe de 1964.
No livro de Paolo Marconi, registra-se essa participação, num depoimento de Ruy Mesquita, diretor e co-proprietário do Estadão:
-...Tínhamos reuniões diárias com militares que se opunham à situação e que acabaram derrubando Goulart.
#MemóriasJornalismoEmiliano 
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Emiliano José
2 de agosto 2019  
Na caverna, com o monstro

Césio Oliveira viveu um momento tenso em 1971 na TB.
Era secretário de Redação.
Gina (Georgina Ávila), editora de Nacional, propôs um Caderno Especial com os principais fatos jornalísticos do ano de 1970.
Até aí tudo bem.
Só que ela, boa jornalista, escolheu como fato mais relevante a prisão e a condenação à morte de Theodomiro Romeiro dos Santos, ocorrida em março de 1971.
Militante do PCBR, 18 anos ao ser preso.
Primeira condenação desse tipo no Brasil republicano.
A matéria sobre Theo era assinada pela própria Gina e destacava, além de toda a gravidade da condenação à morte, a trajetória de um jovem brasileiro que se engajara na vida militante aos 14 anos de idade.
O major Nilton Cerqueira sapateou, teve um ataque de nervos, espumava de raiva.
Vocês já sabem: Cerqueira era o todo-poderoso da repressão na Bahia.
Comandante do DOI-CODI, chefe da 2ª Seção do Estado Maior da VI Região Militar.
Intimou Gina e um "responsável" pelo jornal para "prestar esclarecimentos".
Sobrou pra Césio.
Milton Cayres de Brito, diretor, alegou, com propriedade, sua longa trajetória de dirigente do PCB.
Não era aconselhável fosse ele o "responsável" a acompanhar Gina.
Que jeito?
Césio enfatiotou-se todo, figurino esporte nada fino, paletó surrado, e seguiu com Gina para a Mouraria, Quartel General da VI Região.
Recebidos aos berros.
O major olhava para os dois com olhos incendiados de ódio.
De cima a baixo, especialmente para Césio e seu traje, digamos, nada convencional:
- É você o representante do jornal?
Césio confirmou.
- Logo se vê que é um jornal irresponsável.
Césio e Gina ouvindo, calados.
Que jeito?
- Vocês sabem o que fizeram? Trataram um inimigo da pátria, um subversivo perigoso, como cidadão.
Césio pensou: taí uma verdade. Tratamos Theo como cidadão. Apenas pensou, que falar ali era temerário.
- Ele não é cidadão. É terrorista.
O major mandou que ele e Gina lessem o trecho do AI-5 que dava poderes à ditadura de cassar os direitos do cidadão sem direito a habeas-corpus.
Ele tinha o texto à mão.
Os dois começaram a leitura.
Que jeito?
O major gritou no ouvido dos dois:
- Em voz alta!
Obedeceram.
Que jeito?
Terminada a leitura, foram submetidos a um longo sermão sobre o perigo de a imprensa apoiar subversivos, o desastre de a população confundir terroristas com cidadãos patriotas.
O discurso autoritário e intolerante dos militares à época.
Mas, Cerqueira não queria apenas puxar a orelha dos dois.
Queria mandar um recado...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Joaquim Lisboa Neto: Fui várias vezes na sede do PCB na Mouraria.
Emiliano José: Era também lá!
Wilson Mário Silva: O tempo passou e novamente os militares confrontando a imprensa. Nilton Cerqueira está silente nos dias atuais. Já um capitãozinho que peitar a sociedade brasileira.
É preciso que a luta pela liberdade de expressão e a democracia sejam a prioridade do povo brasileiro.
Ousar lutar, ousar vencer!
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(Césio e Sônia Raquel)

Emiliano José
3 de agosto 2019
Ditadura participa da edição

O major Nilton Cerqueira, comandante do DOI-CODI e chefe da 2ª Seção do Estado Maior da Sexta Região Militar, quando intima Césio Oliveira e Gina, da Tribuna da Bahia, não queria apenas dar um puxão de orelhas nos dois por conta da matéria sobre Theodomiro Romeiro dos Santos.
Não obstante um brutamontes, era homem da Inteligência.
O objetivo dele era saber se por trás daquela insubordinação, é, fazer jornalismo pra ele era insubordinar-se, se por trás dela estava José Sérgio Gabrielli de Azevedo.
- É ele quem manda vocês escreverem essas besteiras?
Césio nega, por óbvio.
- Ele está formando uma célula comunista na redação do jornal?
Césio ouvindo.
- Pois fiquem sabendo que estou de olho nele e que logo logo vou prendê-lo.
Césio impressionado: o cara pensa que é dono da vida e da morte.
Pensou - não era doido pra dizer alguma coisa.
O major diz assim como quem diz vou ali tomar um cafezinho logo logo vou prendê-lo.
Era um cão fiel da ditadura.
Compreende-se ter sido o assassino de Carlos Lamarca e Zequinha.
E depois de matar os dois gritar exultante alagoano é foda alagoano é foda.
Césio e Gina obrigados a ouvir o alagoano.
Que jeito?
- Vou prendê-lo, vou.
Os dois, verdade verdade, tiveram certeza de que não se tratava de simples ameaça.
- É, vou prendê-lo, e vocês vão ser obrigados a publicar.
À época, já vimos, a ditadura participava da edição, quando considerasse necessário.
Enfatizou:
- Publicar, e publicar na primeira página do jornal a prisão desse comunista.
Passadas algumas semanas, e José Sérgio foi preso.
Era editor de Internacional.
A redação ficou sabendo pela chegada de um comunicado da Polícia Federal.
Com a exigência de publicação da notícia da prisão com foto na primeira página.
O jornal não teve alternativa.
Dia seguinte, José Sérgio ocupava a primeira página.
O advogado dele, tentando construir argumentos para tirá-lo da cadeia, pediu à TB esforços para conseguir uma declaração do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia isentando-o de quaisquer atividades suspeitas.
Parecia uma coisa simples, mas não era...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Luiz Brasileiro Brasileiro: Este é mais um relato do dia-a-dia da ditadura em sua perseguição aos jornalistas, os de verdade.
Tenho gostado disto pois é a história contada em seu dia-a-dia. Como já escrevi aqui no Facebook: os fatos e relações sociais são opacos em uma primeira mirada e sem conhecimento não se pode compreendê-los.
O cotidiano de um país sob uma ditadura não pode deixar de ser registrado senão as novas gerações poderão pensar que uma ditadura é uma abstração e não é.
Viver sob uma ditadura é sufocante e humilhante para quem não aceita que autoridades lhes imponha tratamentos humilhantes e degradantes.
A ditadura também arrebanha com sua propaganda mentirosa puxa-sacos e cidadãos equivocados no que diz respeito aos que contra ela se insurgem, muitas vezes por respeito a si mesmo e por não aceitar ser postos de joelhos por celerados que assaltaram o poder por golpe de Estado.
Anote-se, por oportuno, que a propaganda enganosa que a ditadura faz contra seus inimigos e adversários é com dinheiro público e sem prestar contas aos contribuintes. Ditadura e corrupção são sinônimos pois manejar uma montanha de dinheiro público sem previsão legal já é suficiente para se incorrer em improbidade.
Vivenciei os últimos anos da ditadura instalada em 1964 e sei o que é isto.
Parabéns a Emiliano José pelo excelente trabalho de não deixar que o que mais interessa para os historiadores, o cotidiano da sociedade sob a ditadura, seja tragado pelo buraco negro da falta de registro.
Emiliano José: Luiz Brasileiro Brasileiro Abração, meu velho. Honrado pela leitura.
Monica Fernandes: Aguardamos a biografia do jornalismo sob a ditadura. 
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(Lara, Pablo, Rodrigo,  Sonia Raquel, Césio e Fabiano na Igreja do Bonfim. Foto Xando Pereira)

Emiliano José
4 de agosto 209
Portas fechadas

Parecia simples: "vamos atrás do presidente do Sindicato dos Jornalistas, e pegamos a declaração de que sobre José Sérgio Gabrielli de Azevedo não pesa nenhuma atividade atividade suspeita".
Duro saber o que seria "atividade suspeita".
Para a ditadura, qualquer militância política.
Mas, a declaração ajudaria a defesa.
Ao menos pensava assim o advogado de de José Sérgio.
Césio Oliveira, ex-presidente do Grêmio da Escola Técnica Federal, com alguma experiência política, pensou com seus botões: melhor articular um time para chegar ao presidente do Sindicato dos Jornalistas.
Ir sozinho pegava mal.
Com o time, ganhava-se representatividade.
O time, a comissão, chame-se como quiser, composto por Gina, Rêmulo Pastore, Paulo Roberto Tavares e pelo próprio Césio.
Rêmulo Pastore foi meu companheiro no Jornal da Bahia.
Paulo Roberto Tavares, na TB.
Gina, não cheguei a conhecer.
O time bateu às portas do sindicato.
Forma de dizer: portas não havia.
Ou, raramente estavam abertas.
O presidente, médico psiquiatra Antônio Roberto Pelegrino, dificilmente aparecia na sede da entidade.
Coisa de louco: foram encontrá-lo no Manicômio Juliano Moreira, onde trabalhava, depois de muita procura.
Relutou muito para recebê-los, mas acabou cedendo.
Ficava feio não aceitar a conversa.
Ouviu a história e o singelo pedido.
E deu a resposta surpreendente:
- Não vou me meter nesse negócio.
Césio insistiu, com muito tato, mas o presidente nem aí: era não não e não.
Césio se irritou, chamou-o pelego, o presidente ameaçou chamar um enfermeiro para submetê-lo a uma camisa de força, houve um quieta sossega, vamos nos acalmar, e a comissão foi embora.
De mãos vazias.
Sem poder ajudar o colega preso.
Ao menos, Césio não foi colocado sob camisa de força. #MemóriasJornalismoEmiliano 
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(Foto de Agliberto Lima: Matérias para o Estadão com Raul Bastos, em Sobradinho, na construção da barragem)

Emiliano José
5 de agosto 2019
Alagoano e o mocotó do Edésio

De noitadas, alguns capítulos anteriores, falei aqui.
Melhor, Zé Sérgio falou.
Não custa confrontar depoimentos, ou ajustar, que noitadas costumam embaralhar raciocínios, pelo tempo passado, pelas viagens temperadas pelo álcool, presente sempre.
Senão que graça tinha?
Que graça tem?
Álcool embala a existência.
Até eu, pouco afeito a noitadas naquele tempo, subi algumas vezes as escadas do Alagoano.
Ficava no Mercado das Sete Portas, não sei se disse, se o fiz, o que abunda não vicia.
Subia-se por uma escada à direita.
Ainda não havia descoberto o vinho.
Houvesse descoberto, não era no Alagoano que o encontraria.
Lá, cerveja, cachaça, infusões as mais variadas, algumas com propriedades quase medicinais, assim se dizia, e quem há de negar?
O que mais rolava, cerveja.
Ela, a rainha das madrugadas.
Junto com o mocotó do Edésio, que juro também desfrutei, nem sonhava em me aproximar de veganos, macrôs e naturalistas, como Rei Arthur e Raulzito.
Césio confirma: Zé Sérgio, editor de Internacional da Tribuna, era um dos últimos a fechar a página porque dependente do noticiário das agências de notícias, AP, UPI, Francepress, o escambau, a funcionar em diferentes fusos horários.
Iam até o sol raiar, que a noite é criança.
Numa coisa, não variavam: o mocotó do Edésio.
Delicioso e farto - nisso os depoimentos de Zé Sergio e Césio não divergem.
Não sei onde anda Edésio, se anda.
Mas, houvesse disposição, e seria destaque nos master chefs da vida.
Ao menos no quesito mocotó.
Era farto, o mocotó dele, Césio insiste.
Servido num prato fundo sobre um delicioso pirão quente, ninguém dos cachaceiros cervejeiros conseguia comer um inteiro.
Ninguém, vírgula.
Zé Sérgio comia tudo, lambia os beiços, e não raramente pedia outro mocotó, que aquele era pequeno.
Pequeno pra ele.
"Daí o apelido Cavalão. Atesto e dou fé" - santa palavra de Césio, um dos mais fiéis praticantes do mocotó do Edésio.
Que até hoje guarda na memória o dia raiando eles descendo as escadas com cuidado devido aos sentidos ligeiramente alterados pelas muitas cervejas e todos respirando o forte cheiro das flores do tempero verde especialmente do coentro fresquinho à vontade do freguês nos carrinhos de mão...
Os que aguentavam, e quase todos, por muito jovens suportavam o tranco, seguiam para a Taba dos Orixás, no Vale do Canela.
Iam pra casa já perto do pôr do sol...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Arthur Andrade: O Alagoano era pros fortes!!
😂😂 
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(Foto de Agliberto Lima: Matéria para o Estadão sobre a construção da barragem de Sobradinho)

Emiliano José
6 de agosto 2019
Proposta de propina

Foca, Césio Oliveira começou como repórter da Editoria de Cidade da Tribuna da Bahia.
O editor era José de Castro Leal Valverde.
Vou encontrá-lo mais tarde como secretário do jornal.
Uma das obrigações do repórter: cobrir o gabinete do prefeito Antônio Carlos Magalhães.
Todos sabem, mas não custa repetir. ACM era prefeito nomeado pelos militares.
Será depois governador duas vezes.
Nomeado pelos militares, sempre.
A página da Editoria de Cidade trazia diariamente reportagens dos bairros da periferia e denunciava os graves problemas enfrentados pela maioria da população.
Isso não era comum no jornalismo baiano.
Tornava a página inimiga do prefeito.
O jornal, também.
Os assessores de imprensa do prefeito eram Antônio Muricy e Luiz Luzi, que reclamavam muito de o jornal não publicar seus releases.
Um dia, Muricy faz uma proposta inusitada a Césio:
- Rapaz, estou com um problema na distribuição de nossos releases. O Jornal da Bahia fica aqui na Barroquinha. O Diário de Notícias, na Carlos Gomes. A Tarde, na Praça Castro Alves. Tudo pertinho.
Césio sem entender aonde ele queria chegar.
- É que a Tribuna fica longe, lá na Djalma Dutra. Nós temos que mandar um carro até lá. É um problemão de logística. Como você passa aqui todos os dias, não daria pra levar o nosso boletim para a redação?
Césio pensando.
Aí, veio o inusitado:
- E o que é melhor: nós temos uma vaga aqui, com um salário muito bom. Você poderia ocupá-la em troca desse favor.
A primeira proposta de propina que recebia.
Aquela que a gente nunca esquece.
Prometeu pensar.
Chegou na redação...
#MemóriasJornalismoEmiliano

COMENTÁRIOS

Luiz Manfredini: Acho que, em meu tempo de Tribuna da Bahia, trabalhei com o Césio. Ou com alguém de nome muito semelhante. Saíamos de madrugada do jornal. E o Chico Ribeiro, que fim levou ele?
Emiliano José: Luiz Manfredini Eu o encontrei recentemente! Não sei onde está trabalhando
Luiz Manfredini: Você teria alguma pista de como localizá-lo?
Emiliano José: Luiz Manfredini Vou procurá-lo
Luiz Manfredini: Grato.
Wilson Mário Silva: Chico assessorou a Comissão Estadual da Verdade da Bahia.
Luiz Manfredini: Você tem como localizá-lo ou sabe quem possa, Wilson? O Chico foi muito solidário comigo quando trabalhei na Tribuna da Bahia, lá se vão quase 50 anos. Gostaria de fazer um contato com ele. 
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(Reportagem no Rio São Francisco, viagem de Pirapora a Juazeiro, 30 dias de barco, a 12 km por hora. Foto Agliberto C. Lima)

Emiliano José
7 de agosto 2019
Molequeira

Pois é...
A Tribuna da Bahia cobria a periferia, denunciava os muitos problemas dos bairros de Salvador.
Antônio Carlos Magalhães, prefeito biônico ficava puto dentro das calças.
Além disso, o jornal tinha por diretriz não publicar releases, salvo fosse alguma coisa de forte interesse público, e ainda assim depois de cercada todas as fontes.
Caminhava assim até que ocorreu o que contamos ontem: Césio Oliveira recebe proposta de emprego na Assessoria de Comunicação do prefeito somente para levar os releases da Prefeitura para a TB.
Evidente: queriam com isso que o jornal aliviasse com o prefeito.
Uma proposta de propina como disse Césio.
Disse que ia pensar.
Chega à redação, procura Quintino de Carvalho, redator-chefe, e expõe tudo.
Quintino sorriu muito, e propôs:
-Faça uma nota.
Dia seguinte, a coluna Raio Laser anunciava que a Prefeitura Municipal de Salvador tinha uma vaga de emprego com bom salário para quem quisesse, uma vez por dia, pegar um envelope com releases da Assessoria de Imprensa, no Paço Municipal e deixá-lo na redação da Tribuna da Bahia.
Interessados deviam procurar o jornalista Antônio Muricy, no gabinete do prefeito.
Foi um Deus-nos-acuda.
Antônio Carlos Magalhães irrompeu pessoalmente na redação para reclamar com Quintino.
Nunca perdoou Césio pelo que considerou uma molequeira. #MemóriaJornalismoEmiliano

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Emiliano José
8 de agosto 2019
A idade de ouro

Deixou a Tribuna da Bahia no final de 1974.
Dali, Césio Oliveira foi para o Jornal da Bahia.
-Já não havia Elmano de Castro. Nem Quintino de Carvalho. Nem havia chegado João Ubaldo Ribeiro para ser o novo editor-chefe. O dono do jornal já era Joaci Góes. ACM já era governador e a Tribuna nunca mais foi a mesma.
Um balanço quase nostálgico.
-Eu também nunca mais fui o mesmo depois da minha experiência naquele momento único do jornalismo baiano quando convivi com pessoas sérias, brilhantes e talentosas.
Cita: Zoroastro Santana, Béu Machado, Pedro Formigli, Marcos Palácios, Alex Ferraz, Aurélio Velame, Lúcia Correia Lima, Gustavo Falcon, João Santana, Renato Pinheiro, Paulo Roberto Tavares, Misael Peixoto, Rosa Bastos, Gilka Luisa Bandeira, José Carlos Siqueira, entre outros.
Destaca a importância da chegada ao jornal de Hamilton Almeida Filho, coordenador do Caderno do Vietnã, um dos mais completos documentos produzidos sobre aquela guerra pelo jornalismo brasileiro.
Ainda falaremos de HAF.
Relembra os colunistas.
Rui Espinheira - cronista, romancista, poeta.
João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores romancistas brasileiros, Viva o povo brasileiro.
Assinava a coluna Nociritas, o contrário de Satiricon, nome de outra coluna que fizera antes no Jornal da Bahia.
Recorda, ainda, de Cid Teixeira e Bisa Junqueira Aires.
Não esquece do grande cartunista Lage.
O balanço de Césio retrata o período inicial da TB.
Cheio de ineditismos.
De riqueza jornalística.
Dizer que ela nunca mais foi a mesma, verdade.
Tudo muda.
Só que a TB ainda seguiu viagem, e conseguiu produzir um ótimo jornalismo.
Destaco, ainda, o fato de ter se colocado, no campo político, contra a oligarquia carlista, o que não era pouco naqueles tempos, e Césio sabe disso.
Fazer jornalismo sob a perseguição de ACM, só para os fortes.
A TB topou essa parada.
Como o Jornal da Bahia.
Compreende-se, no entanto, a nostalgia dele.
De fato, foi a época de ouro da Tribuna, a que ele viveu.
Inesquecível.
E isso para o jovem que ele era, é inesquecível. 
#MemóriasJornalismoEmiliano  
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(Troca de flores com os vizinhos em Ipitanga, há 4 anos. Pela presença de José Sinval, a foto certamente é de Joana D´Árck)


(Com o colega Vander Prata, outro que viveu essa época de ouro)

Comentários

  1. Grande Césio! Antes mesmo de conhecê-lo ouvia falar dele. Nessa história aqui ao menos a foto fui eu que fiz em sua casa, Mônica. Kkkkkkk

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  2. Respostas
    1. Obrigada por visitar o blog. Tem razão, Césio é um querido amigo e colega. Referência para gerações de jornalistas, tanto no texto e apuração quanto no trato com os colegas e as fontes, sem vaidade ou arrogância

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Muito bom conhecer mais profundamente sobre a trajetória desse querido colega. Um 'cabeça' na área da criatividade. De Competência inquestionável. Sempre na dele, tranquilo, sereno, ético, investigativo... Sim, uma referência para o nosso Jornalismo. Um fortíssimo abraço, Césio.

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