Por Sinval Soares
Um comovente discurso, feito sob retórica impecável e repleto de
protestos em nome da sociedade, especialmente da população negra, do povo de
santo e comunidades indígenas, mas também citando casos que marcaram sua vida,
marcou o início da “imortalidade” do antropólogo, professor e escritor Ordep
Serra ao tomar posse na Academia de Letras da Bahia na noite da última
quinta-feira (dia 4). Agora é dele a cadeira de número 27, antes ocupada pelo
também escritor James Amado e que tem como patrono Francisco Rodrigues da
Silva.
Ordep recebeu o manto de imortal por pura obra e arte manifestadas em
suas múltiplas facetas de atuação na vida cultural, mas especialmente pela sua
produção literária. Não por acaso, recebeu dois prêmios da própria Academia,
com os livros “Sete Portas” (contos, 2008), e “Ronda: Oratório Malungo”
(romance africano, 2010), mas não são os únicos da sua coleção. Também se
aventurou no cordel (uma de suas produções se transformou em peça teatral), na
música, na tradução de textos clássicos etc. Foi citado como o mais brilhante
intelectual baiano de sua geração pelo acadêmico Luiz Antônio Cajazeira Ramos,
que fez o discurso de recepção.
No seu pontuado discurso, Ordep Serra reverenciou os diversos mestres
que o conduziram na vida, seus pais, sua eterna musa inspiradora e
mulher/namorada Regina, contou causos, como uma bebedeira comemorativa de um
dos seus feitos estudantis na longínqua Brasília e que o levou a recitar versos
em grego para um grupo de candangos que o aplaudiu fervorosamente, mesmo sem
entendê-lo, enfim... Falou de suas vivências na linda e natal Cachoeira e no
sertão baiano, citou aprendizados com intelectuais e artistas, a sua prática
antropológica em comunidades indígenas, citou filósofos com grande intimidade
do saber, do seu convívio com estudantes com os quais sempre aprende muito, e
lembrou do enorme sacrifício para, junto com o irmão e também antropólogo
Olímpio Serra, e outros abnegados da causa, iniciar o tombamento de importantes patrimônios erguidos em nossa
terra pelos negros.
Mas esse novo acadêmico, como bom antropólogo que é, bateu e bateu muito
no genocídio da juventude negra suburbana, no desprezo dos brancos e dos
governos para com a riqueza cultural e patrimonial da população negra, das
agressões aos terreiros e às comunidades indígena e quilombola, no encobrimento
dos rios soteropolitanos, bem como na degradação de Salvador, submetida aos
interesses políticos e imobiliários, escusos e privados, tudo em detrimento do
interesse público. Mostrou, assim, o seu ativismo social, ele que integra
diversos movimentos sociais e culturais em Salvador.
Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UNB), mestre e doutor
em Antropologia, Ordep Serra é também membro da Associação Brasileira de
Antropologia e da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia. Foi
presidente do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico da Bahia. Atua como
presidente da Câmara de Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural
do Conselho Estadual de Cultura, onde elabora pareceres sobre o tombamento de
patrimônios materiais e imateriais da Bahia. Tem ainda pesquisas nas áreas de
antropologia da religião, antropologia das sociedades clássicas e etnobotânica.
A posse dele na ALB foi saudada por vários representantes do candomblé,
intelectuais, artistas amigos e familiares, além de contar com as presenças do
presidente da própria Academia, Aramis Ribeiro, o professor Albino Rubim,
secretário de Cultura do Estado, o professor João Carlos Sales, reitor da UFBA,
o vereador e ex-governador Waldir Pires e Consuelo Pondé de Sena, presidente do
Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
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